Revista edicao #2. - IGC - Universidade Federal de Minas Gerais

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Luiz Antônio Evangelista de Andrade Graduando em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Reciclando vidas ou reutilizando sua sujeição?: reflexões sobre produção do espaço, cidadania e inclusão social na ASMARE 1 1 Este ensaio é parte de um trabalho maior, referente a uma pesquisa de Iniciação Científica junto ao CNPq/PIBIC, iniciada em agosto de 2004 e com previsão de término em agosto de 2006. bhz149390@terra.com.br Resumo Partindo da constatação de que a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis (ASMARE) tem sido considerada modelo nacional e experiência bem sucedida tanto de política social quanto daquilo que se convencionou chamar de “empreendimento sustentável”, realizamos neste ensaio uma reflexão sucinta acerca dos conteúdos teóricos e práticos que ancoram tal empreendimento. Para tanto, procuramos identificar – a partir da confrontação do discurso da “promoção social” adotado pela Prefeitura de Belo Horizonte e da percepção de como a ASMARE se mostra para a sociedade, lançando mão também das observações empíricas de uma pesquisa maior por nós realizada – que noções de cidadania, participação social e inclusão social estão contidas nas suas práticas. Articulamos então tais noções aos sentidos ocultos da produção (capitalista) do espaço, a qual se inscreve, em última instância, na produção do espaço social da ASMARE e da cotidianidade dos catadores a ela associados. Palavras-chave catadores de papel; cidadania; inclusão social; produção do espaço. Abstract The Association of Collectors of Paper, Cardboard Paper and other Recyclable Materials (Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis – ASMARE) has been considered a national model and a successful experience of both social politics and what has been conventionally called “sustainable enterprise”. Based on this fact, this study attempts to promote a brief reflection about the theoretical and practical foundations of such undertaking. Confronting the discourse of “social promotion” used by Belo Horizonte jurisdiction, how ASMARE is viewed by the society, and some empirical observation withdrawn from a bigger research previously developed, this paper attempts to disclose what notions of citizenship, social participation and social inclusion lie beneath such practice. A connection between these notions and some hidden purposes in space (capitalist) production can be traced, which could also be spotted in the space production of ASMARE and in the daily routine of its members. Keywords paper collectors; citizenship; social inclusion; space production. 78 Geografias Belo Horizonte 02(1) 78-92 janeiro-junho de 2006 ARTIGOS CIENTÍFICOS Reciclando vidas ou reutilizando sua sujeição?: reflexões sobre produção do espaço, cidadania e inclusão social na ASMARE
Introdução Não são nada modestas as transformações e reestruturações verificadas nos últimos trinta anos nos termos mais gerais do capitalismo avançado. 2 Ele tende a lançar seus tentáculos a espaços-tempos da vida social ainda mais longínquos, pondo e dispondo sobre aquilo que ainda escapava a tais determinações. Trata-se de um processo ladeado de contradições, trazendo à tona novas questões e engendrando discussões de caráter tanto local como global – situando aí a problemática ambiental, o desenvolvimento sustentável e o acoplamento de suas contendas aos múltiplos cenários que se delineiam na metrópole contemporânea. Originam-se daí as preocupações acerca da produção, coleta, transporte e deposição do lixo urbano, estando estas na ordem do dia visto que são vários os seus desdobramentos. Na onda das “visões sistêmicas” e da “interdisciplinaridade” – termos proferidos, aos quatro cantos, em universidades, ONG’s e outros centros de conhecimento no âmbito do aparelho de Estado –, tais preocupações têm sido associadas às discussões em torno da denominada nova pobreza urbana no Brasil. Sobressaem-se daí a questão da reciclagem e os personagens que historicamente vêm se devotando a esse “trabalho”: os catadores de materiais recicláveis. Não tem sido pouca a visibilidade auferida por esses sujeitos e sua atividade, a qual, diga-se de passagem, atualmente também conta com as cores da cientificidade. Indagamos, pois, pelas motivações e pelo significado das várias mudanças no tratamento dado ao catador, observando o quadro belo-horizontino iniciado na década de 90, qual seja, a criação da ASMARE como primeira associação de catadores de Minas Gerais. Sua existência foi viabilizada pelo intenso trabalho dos Agentes de Pastoral, então preocupados em se ocupar com a “escuta” e o “atendimento” ao catador em Belo Horizonte. 3 Hodiernamente é intensa a disseminação de empreendimentos baseados na chamada “economia solidária”, sobretudo cooperativas e associações. Essas iniciativas buscam trabalhar em parcerias (sobretudo com ONG’s e associações de classe) e “cobrir” interstícios nos quais o Estado não tem comparecido ou o faz de modo precário. Em várias cidades brasileiras, como São Paulo, Curitiba etc., elas vêm disputando lugar com os catadores e depósitos antigos. Julgamos necessária uma primeira releitura dos eixos norteadores da consecução do projeto ASMARE que, no transcurso de seus mais de 15 anos de história, tem aparecido como apanágio de estudos em diferentes campos do saber. Embora tendo em conta que devemos transcender a análise das diversas categorias de catadores, com suas vidas e identidades historicamente ligadas à atividade da catação de materiais reaproveitáveis, que perambulam por Belo Horizonte, priorizaremos aqueles hoje vinculados a essa Associação. Cumpre destacar que a ASMARE vem sendo considerada “modelo nacional” e pedra de toque das políticas sociais e ambientais da Prefeitura de Belo Horizonte. As primeiras políticas vêm primando pelo Programa de Inclusão Produtiva – que será abordado mais adiante. As últimas referem-se ao programa de coleta seletiva municipal, cujas discussões acerca de sua privatização têm causado a apreensão dos catadores associados e suscitado debates entre o poder público e os agentes mediadores. 2 Alguns autores – Harvey (2002), entre outros – podem ajudar na reflexão acerca desse tema. 3 Para detalhes sobre o trabalho de mobilização social empreendido pelos Agentes de Pastoral, ver Oliveira (2001). Belo Horizonte 02(1) 78-92 janeiro-junho de 2006 Luiz Antônio Evangelista de Andrade Geografias ARTIGOS CIENTÍFICOS 79
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