30.08.2014 Views

Revista edicao #2. - IGC - Universidade Federal de Minas Gerais

Revista edicao #2. - IGC - Universidade Federal de Minas Gerais

Revista edicao #2. - IGC - Universidade Federal de Minas Gerais

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Percebemos um direcionamento semelhante nos programas sociais implementados<br />

pela Prefeitura <strong>de</strong> Belo Horizonte, através da Secretaria <strong>de</strong> Assistência Social, do qual o<br />

Programa <strong>de</strong> Inclusão Produtiva surge como exemplo bastante límpido. Nascido na<br />

primeira administração <strong>de</strong> Fernando Pimentel (2001-2004), ele é tido como um projeto<br />

inovador na construção da cidadania e na promoção social por meio do acesso ao<br />

mundo do trabalho. Ele parte da premissa <strong>de</strong> que a assistência social na cida<strong>de</strong> está<br />

fortemente ancorada na inclusão social e econômica, mediante a geração <strong>de</strong> trabalho e<br />

renda para os jovens e os adultos nela inseridos. Seu propósito seria:<br />

viabilizar a equiparação <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso ao mundo do trabalho e ensejar formas <strong>de</strong><br />

os usuários <strong>de</strong>senvolverem sua capacida<strong>de</strong> produtiva, tornando-se sujeitos econômicos capazes<br />

<strong>de</strong> garantir sua sobrevivência, transitando da situação <strong>de</strong> beneficiário para a <strong>de</strong> trabalhador [...]. 12<br />

No caso da ASMARE, po<strong>de</strong>mos resumir essas “políticas públicas” ao trabalho com uma<br />

noção <strong>de</strong> cidadania que traz para a cena um catador <strong>de</strong> papel em vias <strong>de</strong> se tornar<br />

“sujeito social”. Seria sob o jugo <strong>de</strong> tais políticas que se po<strong>de</strong>ria construir no catador<br />

uma personalida<strong>de</strong> reivindicativa? Haveria nele a semente fertilizada da percepção das<br />

contradições do modo <strong>de</strong> produção incidindo na sua condição social, gerando então a<br />

conscientização crescente <strong>de</strong> seus direitos, numa luta pela abertura <strong>de</strong> canais <strong>de</strong> diálogo e<br />

participação outrora débeis ou mesmo inexistentes com o po<strong>de</strong>r público? Ratifica-se uma<br />

espécie <strong>de</strong> “transcendência” quando se legitima o trabalho da ASMARE: esta parece habitar<br />

um vazio histórico e i<strong>de</strong>ológico. Esquece-se que ela tem sido, em si e para si, forma e<br />

conteúdo das próprias relações sociais que se expressam no interior da socieda<strong>de</strong>. Em<br />

suma, a cidadania converte-se no enclausuramento da política, visto que a linha que se localiza<br />

entre o seu crescente fértil e a truculência da racionalida<strong>de</strong> política fabricada pelo consenso<br />

redutor é extremamente tênue. Jacques Rancière (1996, p. 367, grifo nosso) chama<br />

isso um dos paradoxos dos <strong>de</strong>bates políticos e teóricos na contemporaneida<strong>de</strong>:<br />

[...] no momento mesmo em que essa filosofia da necessida<strong>de</strong> se impõe quase que por toda<br />

parte como a última palavra em sabedoria política, vemos por outro lado triunfar na filosofia<br />

política e nas ciências sociais um discurso que glorifica o retorno do ator, do indivíduo que<br />

discute, que contrata, que age. No momento em que nos dizem que os dados são inequívocos<br />

e que as escolhas se impõem por si mesmas, celebra-se ruidosamente o retorno do ator racional<br />

à cena social.<br />

O que se configura então como participação social revela, por sua vez, a estranha<br />

dissonância contida na lógica do “quanto menos coisas há para discutir, mais se celebra<br />

a ética da discussão, da razão comunicativa, como fundamento da política” (RANCIÈRE,<br />

1996, p. 367). Compõem tal fenômeno boas doses <strong>de</strong> sectarismo. Uma prática política<br />

ocultada sob o manto <strong>de</strong> dialogicida<strong>de</strong> impõe-se cabalmente e <strong>de</strong>termina as prerrogativas<br />

últimas do que é bom e mau para a socieda<strong>de</strong>, infligindo-as às possibilida<strong>de</strong>s do<br />

dissenso criativo.<br />

Esse retrato <strong>de</strong>sbotado insiste em não se dissolver; ao contrário, ganha força e forma pela<br />

ausência da separação entre aquilo que é público e o que é privado no Brasil (OLIVEIRA,<br />

12<br />

INCLUSÃO PRODUTIVA. Belo Horizonte:<br />

Secretaria Municipal <strong>de</strong> Assistência Social, jun.<br />

2003, n.p., grifos nossos.<br />

Belo Horizonte 02(1) 78-92 janeiro-junho <strong>de</strong> 2006<br />

Luiz Antônio Evangelista <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

Geografias<br />

ARTIGOS CIENTÍFICOS<br />

89

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!