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e com uma implicação do realizador no próprio espaço em que<br />
se concentrou. Há uma relação com um universo em que o realizador<br />
de fato vive, uma cidade na qual ele habita, o bairro<br />
Nacional, em Contagem, Minas Gerais. Esse dado extrafílmico<br />
deixa aqui de ser mera informação, porque as próprias forças<br />
que atravessam as imagens são carregadas pela intensidade<br />
dessa aproximação singular. O universo que se faz imagem<br />
não existe como instância anterior, ele só pode se dar enquanto<br />
relação. As forças que atravessam a obra se projetam a partir de<br />
uma modalidade de encontro que tem a força da intimidade,<br />
de uma profunda e estreita cumplicidade na articulação entre<br />
os corpos diante da câmera e os corpos atrás dela. Chegamos às<br />
casas, ruas, quintais, dividimos momentos com os jovens em<br />
cena, atingimos uma zona de imantação com a paisagem e com<br />
os seres. Há risos e brincadeiras que desembaraçam as formas<br />
e fazem da matéria produzida uma região que nos diz respeito,<br />
uma experiência que podemos tocar.<br />
Essa possibilidade do tangível é cadenciada por uma rítmica<br />
que embala todos os seres numa série de percursos que<br />
se imbricam e que passam em fluxo. É possível mesmo experimentar<br />
toda uma perda de referências no curso do filme.<br />
Os seres povoam a tela de modo que também fazem dela um<br />
lugar de vida, e sendo vida, a tela do cinema não é a instância<br />
do fixo e do unívoco, mas insistência de um movimento.<br />
A superfície da imagem carrega uma pluralidade de centros,<br />
uma desorganização de coordenadas pré-moldadas, um alto<br />
índice de desidentificação. Não se trata de representar uma<br />
comunidade, que se veria reconhecida na tela, mas de inventar<br />
uma outra cena, diferenciante, desconcertante, que rejeita<br />
o já visto, já experimentado, já sentido. O que se processa é um<br />
vetor que indica um terceiro, que já não pertence nem a uma<br />
realidade dada dos seres filmados nem diz apenas de uma suposta<br />
subjetividade do realizador. É nessa relação indissolúvel,<br />
sempre cheia de desequilíbrios – e justo por isso, tão potente –,<br />
que se fabrica a vizinhança. Juninho, Eldo, Adilson, Menor e<br />
Neguinho circulam pela tela, expondo os corpos e os desejos,<br />
inventando as próprias vidas e constituindo mundos a partir<br />
dos mundos que habitam.<br />
Érico Araújo Lima<br />
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