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sam essas vidas. A câmera chega bem próximo ao corpo de<br />

Juninho e passa mesmo a acompanhar a pele do rapaz por um<br />

instante, seguindo de um lugar apontado, com o índice de um<br />

tiro, ao restante do corpo, subindo pela superfície. Depois da<br />

disputa que se estrutura em palavras, os dois vão encenar uma<br />

briga, com objetos que emulam espadas. Eles vão ao chão, roçam<br />

os corpos, sorriem e, ao mesmo tempo, não deixam de<br />

participar de um gesto que remete também a toda uma zona de<br />

perigos. Os corpos embolados, agarrados e revolvidos são também<br />

expressão de amizade, de mais um momento de íntima<br />

relação. Eles sorriem e colocam em cena uma leveza que parece<br />

surgir, paradoxalmente, justo do pano de fundo que expõe<br />

todo um processo de tensões. Jogar-se ao chão, tanto aqui<br />

quanto no gesto de Sandio e Victor, mostra um jeito de experimentar<br />

a vida, de apontar que os abraços, os risos, os contatos<br />

de pele são intensidades que se fazem muito ali no chão, nessa<br />

proximidade entre terra e corpo, nessa desenvoltura também<br />

em que a câmera passa a se desequilibrar para acompanhar o<br />

dançar-se do corpo, o abraçar-se da amizade, o experimentar-<br />

-se da sensação. A experiência de comunidade aqui não tem a<br />

ver com a formação de um grupo pronto a tomar uma ação, a<br />

seguir certo programa de qualquer ordem racional e promotora<br />

de alterações numa estrutura.<br />

As figuras do comum que esses cinemas desenham são<br />

muito mais da ordem dos pequenos gestos, que alteram uma<br />

relação a si e geram um movimento de individuação, que não<br />

é nem da ordem pessoal nem da ordem da aglutinação. É que<br />

já nessas singularidades há uma ponte direta com um coletivo,<br />

com um desejo de mundo que ultrapassa a noção de um sujeito<br />

pessoal e psicológico. São os gestos singulares a dimensão mais<br />

coletiva e comum que esse cinema pode encontrar. Gestos de<br />

jogar pedras, de andar em volta de grandes áreas abandonadas,<br />

como fazem Menor e Neguinho, como fazem também os meninos<br />

que surgem em Europa (2011), outro filme de Leonardo<br />

Mouramateus. Não se trata de tomada de consciência ou de<br />

modelos tradicionais que pensam a política pela via da tomada<br />

de poder. Mesmo na insurgência de Branco sai preto fica, o<br />

que está em jogo é muito mais do que uma conscientização de<br />

Érico Araújo Lima<br />

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