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da pela namorada de Lincoln, Rafaela Pavão – a sweet rebel girl<br />
da trilha. A relação entre os dois não é a de um casal, são companheiros<br />
de buteco de fim de expediente, e, ainda que haja<br />
desejo, ele reside entre o olhar e o estar, no limiar da pose, o<br />
que de modo algum se configura como perversão ou vulgaridade.<br />
Há pura dignidade na postura da Princesa, na maneira<br />
como trabalha em paridade com Jair Boris, lado a lado, na<br />
mesma altura. Há um que de reconhecimento entre eles. Jair<br />
Boris com sua armadura de garrafas plásticas dentro do pequeno<br />
almoxarifado, numa luta lúdica; ela na sua pose de rocha<br />
esculpida pela água, túrgida e efervescente, o close-up de seu<br />
rosto resplandecendo leve em um quase riso. Desenha-se assim<br />
uma rede de desdobramentos de relações de reciprocidade: um<br />
ciclo, ainda que múltiplo. A singularidade da obra de Lincoln<br />
Péricles é ressaltar em justa medida, sem ressentimento ou má<br />
consciência, que a urdidura de toda trama afetiva é nada mais<br />
nada menos que o trabalho. Direto assim, sem tese, como respirar,<br />
andar, ocupar espaço e passar o tempo.<br />
Seu outro curta exibido em Tiradentes, O Trabalho Enobrece<br />
o Homem, de 2013, registra uma garota desempenhando diversos<br />
tipos de atividades remuneradas ao longo de um dia; “eles<br />
dizem o que fazer, ela trabalha”, eis a sinopse. Não obstante a linha<br />
traçada, as elipses entre um plano e outro desestabilizam a<br />
lógica dos próprios planos, provocando ambiguidades. Já na sequência<br />
inicial, que serviria como apresentação da personagem,<br />
justapõem-se dois planos estáticos, quase idênticos, a um começo<br />
de jornada, implicando uma estranha temporalidade. No primeiro<br />
deles, uma garota está deitada paralelamente à câmera,<br />
em um banco de concreto sob um ponto de ônibus, numa rua<br />
movimentada, protegendo-se do sol com um chapéu de palha<br />
sobre a face, sua mochila esparramada no chão. No segundo, ela<br />
continua deitada, porém em outro banco de concreto e perpendicularmente<br />
à câmera, agora numa espécie de pátio ou praça,<br />
descansando a cabeça sobre os braços, a mochila ainda no chão;<br />
é crepúsculo, ao que parece. Então, no plano seguinte ela está<br />
sentada com a mochila nas costas, numa calçada alta de uma rua<br />
comercial, observando passantes e recintos, até adentrar uma<br />
pequena loja de roupas ou brechó; a luz é baixa, as lâmpadas de<br />
72 Em Matéria de Cinema, Lincoln Péricles