You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
a violência policial que tomou conta do baile Quarentão, nos<br />
anos 1980. Se em A cidade é uma só?, também havia um constante<br />
jogo entre passado e presente, para afirmar a urgência de<br />
fazer frente às remoções das pessoas de suas casas na criação<br />
da Ceilândia e na organização mesmo de toda uma ordenação<br />
excludente do espaço urbano, agora a intervenção nesse<br />
processo demarcatório de lugares se faz pela constituição da<br />
ficção científica. A insurgência é criadora de novos mundos, é<br />
fabulação de comunidades em vias de se criar.<br />
São as maneiras de aparição de uma comunidade que interessam<br />
aqui. E para que ela instaure uma pregnância na<br />
imagem, existe todo um caminho a ser navegado, tanto com<br />
desvios e improvisos quanto com decisões mais marcadas. Um<br />
terceiro personagem, que desenvolve um trajeto quase paralelo,<br />
mergulha de modo mais definitivo na ficção científica.<br />
No cruzamento de tempos, o cinema também será o potencializador<br />
da reunião de forças. A dispersão passa a se orientar no<br />
sentido de tomar focos em comum. Pouco a pouco é possível<br />
desenvolver a estratégia de perfuração, organizar uma linha de<br />
frente, desenhar aquilo que se pretende fazer. Da mesma forma<br />
que Brasília é a cidade planejada, existe também a gestação de<br />
um ataque. É efetivamente disso que se trata aqui, maquinar<br />
uma batalha. Talvez estejamos num dos gestos mais radicais<br />
– e também mais complexos e arriscados em suas implicações<br />
– do cinema brasileiro recente. Nos traços do desenho, entra<br />
em cena uma implosão do centro, um abalo de estruturas,<br />
uma operação que parte para o confronto direto. A insurgência<br />
preparada materializou-se em linhas e em papel, as figuras<br />
da resistência ganham corpo. O filme enche-se de toda uma<br />
energia incendiária. O que parece fundamental aqui é mesmo<br />
um gesto que pode apontar para um novo fôlego na insistência<br />
em viver. Mais do que qualquer atitude niilista ou de catástrofe,<br />
parece se tratar de afetar novos flancos sensíveis. Talvez<br />
estejamos diante de uma aposta radical naquilo que o filme<br />
pode produzir, não como mobilização para uma continuidade<br />
com o mundo, mas para entrada mesmo no desacordo com ele.<br />
A comunidade dissensual se funda aqui como forma fílmica<br />
de desconexão, que faz a música da periferia explodir o centro,<br />
Érico Araújo Lima<br />
65