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Jaci começa vida nova<br />
Igressando no antigo DRI (Departamento<br />
de Rendas Internas) em 1965, no<br />
prédio da esquina das ruas Lourenço Pinto<br />
e Pedro Ivo, Jaci Carlene Santos Taneguti<br />
deu muito do seu suor em prol do fisco,<br />
antes de solicitar a sua aposentadoria proporcional<br />
e se despedir dos colegas, o que<br />
aconteceu agora em setembro.<br />
– Passei por um teste de seleção e<br />
ingressei no quadro de pessoal suplementar<br />
como datilógrafa, sendo depois<br />
promovida a auxiliar da administração.<br />
Comecei com um salário equivalente a<br />
dois mínimos no setor de pessoal, divisão<br />
administrativa do antigo DRI, onde fui logo<br />
acumulando serviços de expedição de documentos<br />
e folhas de pagamento de todo o<br />
funcionalismo do Estado. Foi uma época<br />
dura de muito trabalho, imensas responsabilidades<br />
e um salário pra lá de irrisório.<br />
Depois estive na contabilidade do setor de<br />
contas a pagar, de uma divisão hoje extinta,<br />
que fazia toda a contabilidade do departamento.<br />
Depois desse preâmbulo que serviu<br />
para moldar a sua personalidade, Jaci<br />
Carlene trabalhou com Afonso Siffro em<br />
uma assessoria do gabinete do DRI, responsável<br />
pelo controle das locações de<br />
imóveis e só em 1978 foi classificada como<br />
A F-2.<br />
Fim de mundo<br />
maná ~sei 7<br />
>-<br />
COMÉRCIO DE VEÍCULOS PARANÁ DIESEL LTDA.<br />
Concessionário:<br />
Mercedes-Benz BOSCH<br />
SERVIÇO<br />
TOYOTA<br />
Concessionário<br />
Em 1973 com o casamento, ela foi<br />
transfereida para o Posto Fiscal Gaivão<br />
em Bandeirantes, subordinado à delegacia<br />
de Cornélio Procópio.<br />
– Chorei uma semana inteira quando<br />
vi o lugar em que eu tinha que viver. Aquilo<br />
era um fim de mundo e a casa era mal assombrada,<br />
com muitos barulhos estranhos<br />
durante a noite. Ao redor do posto nenhuma<br />
moradia. No posto tinha três casas<br />
velhas, duas caindo aos pedaços e uma<br />
que tivemos que reformar para morar, Fechar<br />
os buracos do chão para as cobras<br />
não entrar dentro de casa e trocar os vidros<br />
quebrados. Não tinha banheiro, só<br />
uma privada fora da casa. Banho só com o<br />
"Tiradentes", uma lata improvisada com furinhos.<br />
A gente puxava a corda, abria o recepiente<br />
e a água descia.<br />
O posto ficava a 100 metros do encontro<br />
dos rios Paranapanema e das Cinzas<br />
e só o que tinha lá era solidão e muito<br />
barro.<br />
– Um dia meu marido foi a Bandeirantes,<br />
a uns 25 km, prestar contas e eu<br />
fiquei sozinha. Apareceu um automóvel<br />
com dois homens e eu pedi para abrir o<br />
porta-malas para fiscalizar. Um deles pulou<br />
com uma maleta em uma das mãos e<br />
um revólver na outra. Calma, moço, eu<br />
disse. Só estou cumprindo com o meu dever.<br />
O outro também pediu calma. Olhei o<br />
porta-malas e não vi nada. Levantei a corrente<br />
e os dois foram embora. Com certeza<br />
eram dois bandidos. Nessa época falei<br />
com o delegado pedindo que nos removessem,<br />
porque aquilo era um lugar muito<br />
emo e perigoso. Apesar disso ficamos lá<br />
durante dois anos, mesmo depois do nascimento<br />
da minha primeira filha, Alexsandra.<br />
Nem todas as lembranças do PF<br />
Gaivão são amargas:<br />
– A gente atravessava o rio de canca<br />
e do outro lado conversava com uma índia<br />
velha, que vivia em um rancho, a vó Maria<br />
Serrana, uma curandeira muito afamada.<br />
Quando eu precisava de alguma coisa ou<br />
a criança ficava doente, era ela quem me<br />
socorria. O patrimônio mais próximo, a uns<br />
14 km, era Florinha. Estrada de chão, barro<br />
que não acabava mais e quando chovia<br />
a gente ficava totalmente isolada.<br />
Porto de Areia<br />
Jaci Carlene pensou que o seu calvário<br />
tinha terminado quando finalmente foi<br />
Vendas de Peças<br />
Assistência Técnica<br />
Atendimento de Garantia<br />
MATRIZ: Rodovia BR-158 - Caixa Postal, 269<br />
Telefone (0448) 23-2052 - Telex 448-727 - CVPD BR<br />
Campo Mourão - Paraná.<br />
FILIAL: Avenida Santos Dumont, 155<br />
Jardim Curitiba - Cx. Postal 269<br />
Telefone (0449) 22-1344 - Goioerê - Paraná<br />
O que eu vivi no fisco dava uma<br />
novela da Globo<br />
transferida para o Posto Fiscal de Porto de<br />
Areia, distante 20 km de Leópolis. Mas ali<br />
a situação foi ainda pior.<br />
– A estrada era pior do que a do Gaivão,<br />
intransitável nas épocas de chuvas.<br />
O posto ficava nas imediações do rio Paranapanema.<br />
Água, só do rio. Luz, não tinha.<br />
Além do aspecto de tapera velha<br />
abandonada, com muitos vidros quebrados,<br />
o posto tinha frestas enormes nas paredes,<br />
que facilitavam a entrada das cobras.<br />
Não tinha privada e o fiscal anterior<br />
"ia para o mato". Lembro que atrás da cozinha<br />
havia um barranco enorme e as cobras<br />
desciam e entravam direto dentro de<br />
casa: jararacuçu dourado, cascavel e cobra<br />
coral, todas venenosíssimas.<br />
A filha Alexsandra tinha uns 9 meses,<br />
quando Jaci levou o maior susto de sua vida.<br />
– Fazia um calor insuportável e eu a<br />
colocava dentro de uma cestinha. Um dia<br />
estranhei que ela estava muito quieta e fui<br />
olhar. Tinha uma jararaca perto dela. Para<br />
salvar a menina eu seria atacada pela cobra.<br />
O que fazer Lembrei do que a índia<br />
velha tinha me ensinado: não demonstrar<br />
medo, bater o pé e mandar que a cobra<br />
saísse. Fiz isso e a cobra se esticou toda,<br />
como um bastão e foi saindo. Voltei com a<br />
Alexsandra nos braços, tremendo de medo.<br />
Jaci Carlene diz que daria um livro se<br />
tivesse que contar os dois anos em que<br />
permaneceu no porto de Areia.<br />
– No outro lado do rio tinha umas casinhas<br />
de coboclos e quando a água chegava<br />
na altura das janelas a gente se apavorava,<br />
pois o posto ficava a uns 5 metros<br />
do rio. Certa época não tínhamos mais o<br />
que comer e lembro que era véspera de<br />
ano novo. Comemos peixe assado com farinha.<br />
Eu tinha todos os remédios possíveis<br />
para a Alexsandra, mas um dia ela ficou<br />
com febre alta e convulsões eu não<br />
sabia mais o que fazer. Meu marido foi à<br />
casa de um fazendeiro e emprestou uma<br />
camionete pala levá-los ao médico em<br />
Cornélio Procópio, com correntes em todas<br />
as rodas. Sairam as 1C horas e às 11<br />
da noite não tinham voltado. Acho que eu<br />
morri umas três vezes naquele dia. Depois<br />
fiquei sabendo que o carro atravessava no<br />
meio da estrada, patinava e ia para o barranco.<br />
Tinham que descer e empurrar para<br />
encalhar pouco adiante. Só voltaram as 5<br />
da madrugada e a Alexsandra teve uma<br />
infecção muito grave que já estava afetando<br />
as meninges. Ela poderia ter meningite<br />
e morrer.<br />
Bang-bang<br />
Nas horas vagas, nada melhor do que<br />
aprender a atirar e graças a isso Jaci pôde<br />
salvar a vida do marido.<br />
– Foi na época em que o feijão valia<br />
ouro e os caminhões vinham com milho<br />
em cima e feijão em baixo. Primeiro chegou<br />
uma camionete com três homens, aí<br />
pelas duas da madrugada, logo seguidos<br />
por dois caminhões. Achei que ele estava<br />
demorando demais, peguei o 38 carregado<br />
e fui ver o que acontecia. Postei-me atrás<br />
de uma árvore e gritei: o que está havendo<br />
aí<br />
– Eles querem furar o posto, mas isso<br />
não pode.<br />
– Um motorista desceu com um péde-cabra<br />
ameaçando acertar o meu marido<br />
e eu gritei: o primeiro que se mexer morre!<br />
Um deles perguntou se eu sabia atirar e eu<br />
atirei junto aos seus pés. Aí foi aquela história<br />
de vamos deixar disso e voltaram para<br />
trás. Só que não pudemos autuar porque<br />
eram muitos.<br />
Grávida da segunda filha, Calinka,<br />
sofrendo uma ameaça de aborto, Jaci<br />
Carlene constantemente ficava só no<br />
posto. Um dia, quando o marido foi a Leópolis,<br />
ela pediu a um balseiro vizinho que<br />
deixasse passar os carros pequenos e a<br />
chamasse quando fosse um caminhão.<br />
– Deitada onde eu estava, ouvi o barulho<br />
caracteristico de um caminhão entrando<br />
na balsa. Corri atrás de um barqueiro<br />
mas não consegui alcançar o caminhão<br />
do outro lado do rio e fizemos um ofício<br />
comunicando o que se passou. O resultado<br />
foi uma suspensão de três dias para o<br />
meu marido e uma repreensão para mim.<br />
Uma injustiça clamorosa que consta até<br />
hoje na ficha funcional dele. E não adiantou<br />
dizer que ele tinha ido fazer compras, porque<br />
não tinha mais o que comer em casa.<br />
Um dia o rio subiu demais, alcançando<br />
quase o telhado das casinha dos caboclos<br />
e tivemos que sair do Porto de Areia. Deixamos<br />
os documentos no cofre e saímos<br />
com água pelos joelhos, comunicando ao<br />
chefe da agência. Ficamos uma semana<br />
fora e voltamos, sabenao que nesse tempo<br />
a balsa não ia atravessar ninguém, pois a<br />
estrada estava intransitável. Naquele tempo<br />
funcionário era escravo. Os chefes não<br />
ligavam para a vida do funcionário, muito<br />
menos para a sua comodidade. A gente<br />
era tratada como "património" do governo,<br />
sem direito a nada, ganhava uma miséria e<br />
ainda sofria risco de vida.<br />
O pior é que alguns "colegas" mandavam<br />
caminhoneiros fazer propostas de<br />
suborno para testar a integridade do pessoal:<br />
– Lembro que eu grávida, saía após o<br />
almoço para me exercitar. Um dia avistei