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Lélio Sotto Maior Jr.<br />
Dr. Laércio Lopes de Araújo<br />
Médico AFFEP<br />
Nos idos do século XIV muitas desgraças<br />
se abateram sobre o mundo ocidental,<br />
entre elas a peste negra.<br />
Com o recuo dos mongóis para as estepes<br />
asiáticas em meados do século XIII, a<br />
Europa experimentou um período de largo<br />
crescimento demográfico, de conquista de<br />
terras em grandes extensões para a agricultura.<br />
Foi neste século, ou no final do século<br />
XII, que vimos aparecer a centelha da nação,<br />
com homens como Filipe Augusto na<br />
França, Ricardo Coração de Leão na Inglaterra,<br />
Afonso Henriques em Portugal, L uís<br />
da Germânia no império romano-germânico.<br />
Apesar dos muçulmanos estarem em<br />
franco expansionismo às custas do império<br />
bizantino, a Europa, com suas cruzadas, viveu<br />
uni relativo período de paz.<br />
Iniciado o século XIV, com a perda das<br />
possessões latinas na Palestina, começou em<br />
toda a Europa, e principalmente na França,<br />
uma vigorosa perseguição às Ordens Militares<br />
de Cristo, que haviam se tornado poderosas<br />
econômico-financeiramente, ao<br />
ponto de controlarem os reis, pelas dívidas<br />
que estes haviam contraído com aquelas.<br />
Visando esfacelar o poder da Igreja e<br />
das ordens militares, Filipe IV, dito o belo,<br />
rei da França, desencadeou violento processo<br />
de perseguição à Ordem do Templo e<br />
ao papa Bonifácio VIII. Conseguiu depô-lo<br />
e extinguir a ordem, confiscando todos os<br />
bens seculares da Ordem do Templo. O<br />
grão-mestre da ordem foi queimado na Ille<br />
de Citt6, não antes porém de vaticinar o<br />
fim da dinastia dos Capetos, à qual pertencia<br />
Filipe o belo, e grandes sofrimentos, dores e<br />
mortes ao reino da França.<br />
Sucederam a Filipe o belo, seu filho Luís<br />
X, que deixou um lactente a sucedê-lo, João<br />
1, que morreu com dois meses. Seguiu-se<br />
o segundo filho de Filipe o belo, Filipe V o<br />
destemido, que morreu sem herdeiro varão,<br />
seguido de seu irmão mais novo Carlos IV o<br />
belo, que também morreu sem herdeiro.<br />
Como predissera o grão-mestre, com<br />
Carlos IV extingue-se a linhagem direta dos<br />
Capetos, e passam a brigar pelo trono Filipe<br />
de Valóis e Eduardo III da Inglaterra, filho<br />
da única filha viva de Filipe o belo. Mas como<br />
a maldição previa, Filipe VI de Valóis<br />
foi coroado rei em Reims, dando início a<br />
nova dinastia e à guerra dos cem anos entre<br />
Inglaterra e França, pelo trono das flores de<br />
lis.<br />
Iniciada a guerra em 1431, ocorre a segunda<br />
parte da profecia e a peste negra assola<br />
toda a Europa, com especial virulência<br />
na França. A peste se manifestava por febre,<br />
dor de garganta e olhos avermelhados. Seguia-se<br />
edema de todo o corpo e aparecimento<br />
de pústulas e fleimões esverdeados<br />
em todo o corpo. A morte sobrevinha em 72<br />
horas. Como 66% da população morreu, os<br />
campos eram abandonados, os cadáveres<br />
insepultos, cidades e vilas apenas de mortos,<br />
a compaixão e a caridade morreram, pois até<br />
os padres se negavam a dar a extrema unção.<br />
Os homens da idade média não sabiam<br />
que o lixo acumulado na rua, os animais<br />
dentro de casa, o esgoto aberto favoreciam<br />
o disseminar da doença. Não sabiam também,<br />
que o agente era veiculado pelo ar, o<br />
que lhes impedia de se precaverem contra<br />
a infecção.<br />
A medicina da época tentou os mais<br />
mirabolantes tratamentos, tendo como resultado<br />
a morte de 80% dos médicos medievais,<br />
até que na Grécia, por inspiração do<br />
Espírito Santo, em 1434, um monge bizantino<br />
enrolou em seu bastão unia serpente, e<br />
andando pelos caminhos desolados da Europa,<br />
rezando e jejuando, fez a peste retroceder<br />
em sua violência.<br />
A partir de então o símbolo do médico é<br />
a clava e a serpente, mas não devemos considerar<br />
que tal remédio foi eficaz, pois em<br />
1345 um novo surto de peste assolou a Europa,<br />
completando a cifra de redução de<br />
75% da população entre 1299 e 1345, causando<br />
a maior e mais cruel seleção natural<br />
da história da humanidade.<br />
Como saber se a peste negra foi ou não<br />
um vaticínio do grão-mestre da ordem, é a<br />
pergunta que fica no ar e como soube da<br />
extinção da dinastia, e cabe agora uma reflexão:<br />
a AIDS seria uma nova peste negra,<br />
com causa e sintoma diferentes, mas mesmo<br />
assim vindo para selecionar novamente os<br />
homens, de acordo com sua natureza biológica,<br />
moral e religiosa<br />
A medicina está novamente envolta com<br />
uma peste negra, e como no século XIV,<br />
não sabe o porquê do aparecimento, nem<br />
como tratá-la. Será que não está embutida<br />
aí, na ciclicidade da história, um questionamento<br />
sobre o valor e o poder de tanta ciência<br />
e tecnologia, sem amparar as mais imanentes<br />
necessidades daquilo que transcende<br />
a natureza material do ser humano<br />
A história é a mestra da vida!,<br />
Antes de tudo, urna pista: Welles é o mais jornalista dos cineastas americanos.<br />
Nada de "verdades profundas", mas de certezas evidentes, sensíveis, legíveis.<br />
E é aqui um (a)cúmulo de evidência, de nitidez e de legibilidade que confunde:<br />
ô olho humano não está acostumado ao muito perto ou ao muito longe.<br />
Welles, buffône, faz tempestade num copo d'água e diz uma verdade tão simples<br />
com tanta ênfase, fôlego, arroubo e impetuosidade que acabam tomando a impetuosidade<br />
pelo essencial, o raio, sendo, justamente, o seu emblema, o seu brasão<br />
oficial. No centro de sua obra, nada menos que uma certeza: a impossibilidade de<br />
obter, conhecer. É bem engraçado que uma obra plena de desembaraço, de fluidade,<br />
felicidade e volúpia de expressão venha testemunhar da impotência do cinema.<br />
Em Welles, o óbvio está tão em primeiro-plano que passa despercebido<br />
pelos Wellesianos, que não o enxergam e partem para a busca de uma verdade<br />
mais espiritual. Agem da mesma forma os jornalistas-investigadores (toda obra de<br />
Welles é uma investigação, uma enquete, uma reportagem, um "reglement de<br />
comptes", que acaba por se dimitir) — demasiadamente inteligentes partem no<br />
seu processo de conhecimento, para o multidimensional, fazendo quase um levantamento<br />
cibernético da personalidade de Charles Foster Kane (indo do mais<br />
íntimo ao mais público, do mais psicológico ao mais político), sem comprender<br />
que muitas vezes o mais secreto está no mais elementar, o mais verdadeiro no<br />
mais mecânico, e que a inteligência, essa frágil varinha de condão...<br />
Na constatação desta primária (pra não dizer infantil) verdade está aquela<br />
chave-básica tão arduamente procurada pelos amantes da por eles chamada sétima<br />
arte.<br />
Nesta humildade quase mística, neste pudor quase ascético está o glamour<br />
de "Citizen Kane", filme unidimensional, óbvio, unívoco. Aliás o mesmo<br />
erro dos investigadores comete o Joseph K. wellesiano, que argumenta, discute,<br />
ataca, interroga, polemiza, quando talvez uma simples troca de palavras bastaria<br />
para pôr os pratos a limpo. Welles deve ser um homem muito infeliz: a mais inocente<br />
das dialéticas, a do coração, é nele tomada pela mais calculada das maquinações,<br />
pela mais construída das equações, pelo mais brilhante dos silogismos,<br />
pelo mais contundente dos sistemas, pela mais "revolucionária" das trucagens.<br />
Orson Welles é um franciscano que é tomado por jesuíta. E talvez ele o seja ambos:<br />
"O Cidadão Kane" guarda esta perfeita harmonia, só encontrável na arte da<br />
renascença, da parte do artifício com a parte do natural.<br />
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MATRIZ: MARINGÁ<br />
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