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POLÍTICA E LAZER: - Ministério do Esporte

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POLÍTICA E <strong>LAZER</strong>:interfaces e perspectivas


Dulce SuassunaAl<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong>(Organiza<strong>do</strong>res)POLÍTICA E <strong>LAZER</strong>:interfaces e perspectivasautoresAl<strong>do</strong> Antonio Azeve<strong>do</strong>Alfre<strong>do</strong> Feres NetoArthur José Medeiros de Almeida.Daniel Cantanhede BehmoiraDori Alves JúniorDulce SuassunaFernan<strong>do</strong> MascarenhasHeberth da Silva MustafáJuarez Oliveira SampaioJaciara OliveiraJuliana Oliveira FreireJulio César Cabral da CostaLeandro Casarin DalmasLudimila CarvalhoMaíra de Souza G. F. de CastroPaulo Henrique Azevê<strong>do</strong>Pedro Osmar F. de N. Figueire<strong>do</strong>Priscila Correia RoqueteTatiana Valente Gushiken


© by REDE CEDES - 2007Ficha Técnica:Arte final da capa: Daniel DinoIlustração da capa:Revisão: Marina Macê<strong>do</strong> MendesDiagramação: Daniel DinoConselho Editorial:EditorVictor TagoreConselhoAl<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong>Cristiane de Mello SampaioDulce SuassunaKomiku MisutaLino Castellani FilhoLourdes BandeiraManuela AlegriaSadi Dal RossoP769Política e lazer: interfaces e perspectivas/Dulce MariaF. de A. Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong>,organiza<strong>do</strong>res. Brasília: Thesaurus, 2007.240p.1. Políticas Públicas 2. Lazer 3. <strong>Esporte</strong> 4. MeioAmbiente 5. Educação Ambiental I. Suassuna, DulceMaria F. de A. II. Azeve<strong>do</strong>, Al<strong>do</strong> Antonio de III TítuloCDU 379.8CDD 379ISBN: 978-85-7062-666-0To<strong>do</strong>s os direitos em língua portuguesa, no Brasil, reserva<strong>do</strong>s de acor<strong>do</strong> com a lei. Nenhuma parte deste livropode ser reproduzida ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, incluin<strong>do</strong> fotocópia, gravação ouinformação computa<strong>do</strong>rizada, sem permissão por escrito da autora. THESAURUS EDITORA DE BRASÍLIALTDA. SIG Quadra 8, lote 2356 – CEP 70610-480 – Brasília, DF. Fone: (61) 3344-3738 – Fax: (61) 3344-2353,www.thesaurus.com.br, e-mail: editor@thesaurus.com.brComposto e impresso no BrasilPrinted in Brazil


ApresentaçãoEste livro apresenta uma análise sobre o lazer e sua importânciaem programas e ações governamentais implementadas peloGoverno Federal. Trata das políticas públicas de lazer, pormeio de uma abordagem comparativa entre as gestões <strong>do</strong> PresidenteFernan<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so e as <strong>do</strong> Presidente Luis Inácio Lula daSilva, demarcan<strong>do</strong>-se historicamente o perío<strong>do</strong> compreendi<strong>do</strong> entre1996 e 2005. Tem-se como objetivo avaliar em que medida os programase ações governamentais tiveram ou têm continuidade, representan<strong>do</strong>de alguma forma um refluxo para a constituição de uma políticade Esta<strong>do</strong> que contemple o lazer como um tema relevante e, mais <strong>do</strong>que isso, como direito social (Telles, 1999).Inicialmente, analisa-se o contexto <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>,enfatizan<strong>do</strong>-se os programas e ações desenvolvi<strong>do</strong>s desde sua criação,abordan<strong>do</strong>, entre outros aspectos, o papel <strong>do</strong> Conselho Nacional de<strong>Esporte</strong>, as lutas e debates trava<strong>do</strong>s para a definição de programas eações, enfim, analisam-se os para<strong>do</strong>xos existentes nas entranhas dapolítica realizada no e pelo Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>.No segun<strong>do</strong> capítulo, o foco recai sobre as ações e propostas programáticasdesenvolvidas no plano da cultura e suas interfaces com o lazer, noâmbito <strong>do</strong> Ministério da Cultura. Para tanto, realiza-se uma análise <strong>do</strong>cumentalde Planos Plurianuais (PPAs), programas e ações, além de procederestu<strong>do</strong>s sobre o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s discursos políticos de agentes representativos,no senti<strong>do</strong> de identificar, no plano das intenções, a concepção de cultura,o papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, os critérios subjacentes ao modelo delinea<strong>do</strong> para apolítica pública e a focalização <strong>do</strong> lazer em cada governo considera<strong>do</strong>.


política e lazer: interfaces e perspectivasinterdisciplinar, os campos da Educação Física e o das Ciências Sociais,particularmente a perspectiva sociológica.Brasília, junho de 2007.Dulce SuassunaAl<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong>Alfre<strong>do</strong> Feres NetoJuarez Oliveira SampaioPaulo Henrique Azevê<strong>do</strong>Núcleo da Rede CEDES/UnB11


capítulo iO Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>e a definição de políticaspara o esporte e lazerDulce SuassunaArthur José Medeiros de AlmeidaJuliana Oliveira FreirePriscila Correia RoqueteIntroduçãoAdiscussão <strong>do</strong> tema políticas públicas tem recebi<strong>do</strong> contínuas contribuiçõesde pesquisa<strong>do</strong>res das áreas de Ciências Sociais, Ciência Política,Serviço Social, dentre outras. Muito embora se admita a existênciade atenção ao estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> tema, há que se ressaltar que o grande debateproposto pelas diferentes áreas dedica-se a recortes como trabalho e economia,poden<strong>do</strong> desembocar, inclusive, para setores como saúde e educação,mas não se projeta para o esporte e lazer. Assim, pode-se dizer queexiste uma lacuna relacionada aos estu<strong>do</strong>s de políticas públicas volta<strong>do</strong>spara esse setor. Tal carência, se é que se pode assim chamar, refere-se ao13


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)grau de importância que as temáticas têm em relação à definição de políticaspúblicas na esfera federal. Isto porque parece claro para o governo(e também para os pesquisa<strong>do</strong>res) que o estabelecimento de políticas parasetores como trabalho e saúde são mais urgentes <strong>do</strong> que para o esportee ou lazer. Ao desconsiderar a necessidade de definir políticas para o esportee o lazer, o Esta<strong>do</strong> brasileiro acaba por a<strong>do</strong>tar um planejamentosetorial, que pode resultar – e isto é um pressuposto – em um conjuntode experiências não profícuas, ten<strong>do</strong> em vista o caráter de parcialidadeassumi<strong>do</strong> pela política.O Esta<strong>do</strong> Moderno e a definição de políticas públicasA concepção de Esta<strong>do</strong> Moderno como propulsor de políticas públicasse ancora em uma base jurídica, isto é, o Esta<strong>do</strong> Moderno, tal qual oconhecemos, é o Esta<strong>do</strong> de Direito. Portanto, pode-se afirmar que a constituição<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Moderno é o resulta<strong>do</strong> da identificação positivista <strong>do</strong>Direito e <strong>do</strong> Poder. Essa visão sobre o Esta<strong>do</strong> é remanescente <strong>do</strong> século XIXe se pauta na noção <strong>do</strong> direito inseri<strong>do</strong> em um contexto de secularização,sistematização, positivação e historicização (LAFER, 1991). Admitin<strong>do</strong>-sea influência da visão positivista sobre a concepção de Esta<strong>do</strong>, que perduraainda hoje, pode-se considerar que como Esta<strong>do</strong> de Direito, o Esta<strong>do</strong>,investi<strong>do</strong> no status de governo, tem o papel de estabelecer políticas públicaspara atender às demandas sociais. O governo, por seu turno, é entendi<strong>do</strong>como “as várias formas possíveis de organização da esfera pública”(ARENDT, 2000, p. 212). Com isso permanece a idéia de que o lugar dapolítica é o lugar da esfera pública, como defende Arendt. Assim, pode-seafirmar que há a identificação <strong>do</strong> que é a política com o senti<strong>do</strong> de público,com o mun<strong>do</strong> comum, compartilha<strong>do</strong>. Contu<strong>do</strong>, a esfera pública é umainstância independente <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e essencial para o exercício da cidadania(PINHEIRO, 2000), que consiste: “(...) na criação de espaços de luta(movimentos sociais) e na definição de instituições permanentes para a expressãopolítica (parti<strong>do</strong>s, órgãos públicos), significan<strong>do</strong> necessariamenteconquista e consolidação social e política” (VIEIRA, 1997, p. 40) e que emArendt é vislumbrada por meio da ação e <strong>do</strong> discurso, que são considera<strong>do</strong>satos primordialmente humanos.14


política e lazer: interfaces e perspectivasPor outro la<strong>do</strong>, como assegura Jacobi (1989, p. 4), o Esta<strong>do</strong>,investi<strong>do</strong> no status de governo, é capaz de “exercer funções contraditórias,de acumulação e de legitimidade, para criar as bases de umconsenso através da ação das suas instituições”. Por meio da leitura deJacobi, pode-se perceber a dimensão que as políticas públicas acabamassumin<strong>do</strong> em determina<strong>do</strong>s cenários e, em especial, no caso brasileiro,quan<strong>do</strong> se teve um processo desencadea<strong>do</strong> por eleições democráticasno qual um sindicalista concorria com um intelectual. Entendidaa democracia como “um termo que qualifica formas de governo, regimespolíticos, tipos de autoridade que se exercem sobre populaçõesdefinidas, no âmbito de territórios claramente delimita<strong>do</strong>s” (CRUZ,2004, p. 196).Além disso, pode-se mencionar o fato de que esse processo foi oresulta<strong>do</strong> de um perío<strong>do</strong> em que o país passou por um impeachment,que teve como implicação a cassação <strong>do</strong> primeiro presidente eleito diretamente– Fernan<strong>do</strong> Collor de Mello (1990-1992) – após o perío<strong>do</strong> daditadura militar. De acor<strong>do</strong> com Liáo Jr.: “o restabelecimento democráticono Brasil propiciou condições para que os parti<strong>do</strong>s que compõemo campo popular passassem a ocupar funções estratégicas de gestão<strong>do</strong> poder público, respalda<strong>do</strong>s pelo sufrágio universal” (2003, p. 45).Pode-se, portanto, destacar o senti<strong>do</strong> de democracia que se pretendeutilizar, como a possibilidade de negociação de identidades e de manutenção<strong>do</strong> diálogo entre os atores sociais no âmbito da esfera pública(HABERMAS, 1984). Com base nessa interpretação, a democracia serealiza por meio <strong>do</strong> fortalecimento de aspectos deliberativos e constitutivosda expressão, no senti<strong>do</strong> dialógico <strong>do</strong> termo, <strong>do</strong>s cidadãos.Enfim, a compreensão <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> de democracia e o cenário quepassou a ser desenha<strong>do</strong> contribuiram para demarcar o espaço para a implantaçãoe implementação de políticas públicas em diversas áreas, inclusivena área <strong>do</strong> esporte e <strong>do</strong> lazer. Essa interpretação enseja a construção de ummarco teórico para o que se denomina política pública. Normalmente se definepolítica pública como sen<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> em ação, poden<strong>do</strong> entender-se quese trata de “considerar os recursos de poder que operam na sua definição eque têm nas instituições <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, sobretu<strong>do</strong> na máquina governamental, oseu principal referente” (AZEVEDO, 1997, p. 2, apud LIÁO JR., 2003, p.15


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)44). A idéia de Esta<strong>do</strong> em ação é limitada; não consegue diferenciar políticapública e política de Esta<strong>do</strong>. A política pública tem direta correlação com aquestão da política de governo. Dessa forma, acaba por se definir de mo<strong>do</strong>focal, sem, todavia, se dar conta da necessidade de continuidade das políticas.Enquanto isso, a política de Esta<strong>do</strong> tem um caráter de continuidade; nãopertence a nenhum governo, pertence ao Esta<strong>do</strong> e, portanto, contempla umadimensão mais ampliada e que se relaciona com interesses sociais gerais. Umclaro exemplo de política de Esta<strong>do</strong> são as campanhas de vacinação, ou mesmoos programas para o controle <strong>do</strong> HIV. Percebe-se a envergadura dessesprogramas ou ações e seu caráter de continuidade de uma gestão à outra demaneira contundente.Dessa forma, para que sejam desenvolvi<strong>do</strong>s ações e programasque tenham continuidade, é necessário o estabelecimento de políticasde Esta<strong>do</strong>, implican<strong>do</strong> na definição de um planejamento continua<strong>do</strong>.Além disso, indica-se como necessária a a<strong>do</strong>ção de um planejamentoque ocorra permitin<strong>do</strong> a intersetorialidade, isto é, as políticas que contemplemvários setores, se diferencian<strong>do</strong> das políticas focais. Aqui podesedestacar o que observavam Andrade et al (1986) tratan<strong>do</strong> da questão<strong>do</strong> planejamento de ações voltadas para a política educacional no Brasil.A leitura apresentada pelos autores mostra que, durante a década de 80,o estabelecimento de planos e ações se voltavam para aspectos setoriaise que têm direta relação com o contexto socioeconômico e com o perfil<strong>do</strong>s gestores públicos, a saber:Planos constituem conjunto de medidas, supostamente concatenadas,que visam à realização de fins. Pressupõem problemas,argumentos, finalidades, que se articulam para formarum to<strong>do</strong> inteiriço. Estruturam-se em etapas interligadas:<strong>do</strong> exame inicial da situação percebida como indesejável, passa-se,na fase seguinte, à identificação das opções disponíveispara remediá-la, culminan<strong>do</strong> com a escolha de um roteiro deação (ANDRADE et al, 1986, p. 292).Com efeito, percebe-se pois que o estabelecimento de um planejamentoadequa<strong>do</strong> está relaciona<strong>do</strong> a um conjunto de ações que16


política e lazer: interfaces e perspectivassão tomadas em um processo decisório por sujeitos que têm visões einteresses específicos e que, por vezes, devem agir em um curto espaçode tempo. Desta forma, a falta de um planejamento impede a definiçãode políticas que alcancem um caráter intersetorial. Isto ocorre porquenão há a preparação de um plano de ação, ao passo em que há diretarelação com o sistema político, ten<strong>do</strong> em vista ser esse sistema quemconfere legitimidade ao processo. O que se tem constituí<strong>do</strong>, portanto,é um campo de possibilidades, e diante desse campo uma escolha serárealizada; por essa razão, se tende a ter “um hiato entre as intenções ea realização <strong>do</strong> plano” (ANDRADE et al, 1986, p. 292). Assim, deveseestar ciente de que a escolha será realizada por um conjunto deatores que serão gestores e, portanto, de alguma forma serão responsáveispor elaborar programas e ações. Tratam-se de atores sociais,constituintes da burocracia estatal. A respeito <strong>do</strong> quadro de atores,observa a seguir:(...) a implementação é condicionada por fatores liga<strong>do</strong>s à heterogeneidade<strong>do</strong> quadro político-institucional: planos envolvemnúmero grande de atores burocráticos, com interesses,ideologias funcionais e graus de autonomia e de dinamismodiversos. A coordenação deles não é tarefa que se resolva coma solução <strong>do</strong>s organogramas ou com a simples fixação de competênciase demarcação de territórios institucionais. Requer daagência de planejamento recursos e talentos políticos para acomodarinteresses, aparar arestas e persuadir os recalcitrantes àação <strong>do</strong> plano. Tu<strong>do</strong> isso pode levar a mudanças e adaptações<strong>do</strong> script original <strong>do</strong> planejamento (ANDRADE et al, 1986,p. 294).Isso quer dizer que a identificação <strong>do</strong> quadro de atores é defundamental importância para se poder determinar o rumo da política;por assim dizer, os atores constituintes da burocracia estatal sãoresponsáveis pelo planejamento de ações e programas, bem como pelotipo de avaliação a ser realizada, para que seja condizente com o quefoi planeja<strong>do</strong>. Sobre a avaliação, registra-se que:17


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Avaliar planos, programas ou políticas públicas complexas requero conhecimento de como funcionam os ‘sistemas’ atingi<strong>do</strong>spelas medidas de ação governamental. Avaliar não é só validarou não o plano implementa<strong>do</strong>, mas explicar tanto os comportamentosverifica<strong>do</strong>s quanto os desvios porventura observa<strong>do</strong>s emrelação às metas buscadas. Sem isso, não há aprendizagem como plano e a avaliação torna-se atividade ritualística, sem senti<strong>do</strong>e inócua, que serve apenas para cumprir formalidades das agênciasfinancia<strong>do</strong>ras (ANDRADE et al, 1986, p. 297).Desta maneira, compreende-se a importância da necessidadeda avaliação de planos, programas ou políticas para que existam mecanismosde controle eficazes, mas também, para que os prováveisequívocos sejam sana<strong>do</strong>s, não voltan<strong>do</strong> a ocorrerem. Por exemplo,um programa de política afirmativa, como o de cotas para minoriasem universidades públicas, para que não se torne uma políticafocal, terá que estar relaciona<strong>do</strong> às especificidades culturais locais,à política universitária, à política educacional como um to<strong>do</strong>, mastambém, deverá permitir a ampliação <strong>do</strong> debate sobre o tema em telae o estabelecimento de ações coordenadas com diferentes órgãos governamentais,incluin<strong>do</strong>-se, neste contexto, outros ministérios, paraganhar efetividade.Em relação à política de cotas em Universidades Federais, podeseassegurar que houve, particularmente no caso da Universidade deBrasília, a ampliação <strong>do</strong> debate, que pode ser observa<strong>do</strong> pelo impactogera<strong>do</strong> na grande imprensa, bem como pela mobilização presente emdebates na instituição com a comunidade universitária, sen<strong>do</strong> váli<strong>do</strong>ressaltar que estes aspectos contribuíram para subsidiar outros projetosda mesma natureza em Instituições Federais de Ensino Superior no país(SANTOS, 2005), posto que a Universidade de Brasília foi a primeirainstituição federal a a<strong>do</strong>tar a política de cotas. Ainda a esse respeito, ressalta-seque, na oportunidade, de fato, a política foi elaborada de formaintersetorial, visto que além <strong>do</strong> Ministério da Educação, a Secretaria Especialde Políticas de Promoção da Igualdade Racial, que goza status deministério, além de outros órgãos, participaram <strong>do</strong> processo. O registro18


política e lazer: interfaces e perspectivasda necessidade de ampliação <strong>do</strong> debate parece ser um <strong>do</strong>s caminhosencontra<strong>do</strong>s para a gestão pública no Governo Lula. A esse respeito,destaca-se um editorial publica<strong>do</strong> no Jornal Folha de São Paulo, em 26de agosto de 2006. No artigo, que trata das políticas de transferênciade renda, o Ministro <strong>do</strong> Desenvolvimento Social e Combate à Fome,Patrus Ananias, ressalta a existência de oportunidades para a ampliação<strong>do</strong> debate sobre políticas públicas voltadas para a área social, destacan<strong>do</strong>também a questão da definição de ações integradas, embora nãoapresente a necessidade da avaliação das políticas. Como se percebeuao longo da discussão apresentada, além da necessidade de ampliação<strong>do</strong> debate, deverá se tomar em consideração a necessidade de criação deum sistema de avaliação em processo e continua<strong>do</strong>.No cenário das políticas: a inserção <strong>do</strong> direitoao lazerOs direitos sociais são defini<strong>do</strong>s no Art. 6º da Constituição Federalde 1988, que assim estabelece: “São direitos sociais a educação, asaúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social,a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desampara<strong>do</strong>s,na forma desta Constituição”.Tratan<strong>do</strong> <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s direitos sociais, Telles (2000) esclareceque falar em direitos sociais assume a extensão de percepção <strong>do</strong>que é ou pode vir a ser uma sociedade mais justa e mais igualitária. Istosugere que é por meio <strong>do</strong>s direitos sociais que os indivíduos podembuscar uma maior eqüidade social, diante de um contexto societal deexclusão e de diferenciações sociais, econômicas e de outras ordens.Os direitos sociais são, pois, direitos humanos (ONU, 1948) e quesão assim constituí<strong>do</strong>s: “direito ao trabalho, direito ao salário igual portrabalho igual, direito à previdência social em caso de <strong>do</strong>ença, velhice,morte <strong>do</strong> arrimo de família e desemprego involuntário, direito a umarenda condizente com uma vida digna, direito ao repouso e ao lazer(aí incluin<strong>do</strong> o direito a férias remuneradas), e o direito à educação”(TELLES, 2000, p. 173). São direitos que devem ser assegura<strong>do</strong>s ato<strong>do</strong>s de maneira igualitária, sem qualquer distinção.19


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Todavia, não custa lembrar que grande parte desses direitos nãosão exerci<strong>do</strong>s plenamente pelos cidadãos brasileiros. Os entraves podemser enumera<strong>do</strong>s, desde o direito ao salário igual, em que estu<strong>do</strong>s demonstrama existência de diferença salarial para o mesmo trabalho realiza<strong>do</strong>entre homens e mulheres, até o direito à educação, quan<strong>do</strong> se percebeas disparidades entre os índices de alfabetização e de escolaridade emregiões como Norte e Nordeste <strong>do</strong> Brasil em comparação, por exemplo, àregião Sudeste (POCHMANN e AMORIM, 2003). Discutin<strong>do</strong> a questãoda exclusão, vale destacar o que afirma a autora:La cultura <strong>do</strong>minante en una sociedad orienta su comportamientoy establece los límites disponibles a sus miembros. Noobstante, las normas culturales no se aplican a to<strong>do</strong> el mun<strong>do</strong>por igual. Existen variaciones importantes que marcan desigualdadesprofundas entre las personas que componen yparticipan de una sociedad y cultura. Las diferencias basadasen critérios como gênero, color y origen nacional, así comootros que tienen que ver con la diversidad cultural, limitan lasposibilidades de amplios sectores de la sociedad para poderparticipar equitativamente en el ambito político, social y econômico(RIVERA, 2001, p. 208).Pelo enuncia<strong>do</strong> percebe-se a existência de uma cultura <strong>do</strong>minanteque se constitui por variações demarcadas por desigualdadessociais profundas e que são acentuadas em relação a aspectos comogênero, etnia, entre outros. Percebidas as diferenças que contribuempara revelar a situação de exclusão social de determina<strong>do</strong>s indivíduos,registradas na forma de desigualdades sociais, se torna necessário oestabelecimento de políticas sociais que se pautem numa perspectivaintersetorial, como adiante observa<strong>do</strong>.O que torna o contexto de análise incômo<strong>do</strong> é o fato de que osaspectos que demarcam as desigualdades sociais se constituem no escopo<strong>do</strong> ordenamento jurídico relativo aos direitos sociais. Por essa razão háuma necessidade premente de recuperar de mo<strong>do</strong> discursivo o significa<strong>do</strong><strong>do</strong>s direitos sociais por estarem constitucionalmente assegura<strong>do</strong>s. Torna-20


política e lazer: interfaces e perspectivasse de grande relevância situar os sujeitos desses direitos, isto é, reforçar anoção de espaço público no senti<strong>do</strong> de mun<strong>do</strong> comum trata<strong>do</strong> por Arendt(2000). Para a autora, recuperada por meio de Telles (1999, p. 38), anoção de espaço público é compreendida como o “espaço no qual a açãoe o discurso de cada um podem ganhar efetividade na construção de ummun<strong>do</strong> comum”. Portanto, o espaço público elo entre a questão da institucionalizaçãodas políticas (de Esta<strong>do</strong>) e demanda social por direitos. Estaperspectiva pode desembocar na concepção de soberania apresentada porArendt, que assim afirma:A soberania reside numa limitada independência em relação à impossibilidadede calcular o futuro, e seus limites são os mesmos limitesinerentes à própria faculdade de fazer e cumprir promessas.A soberania de um grupo de pessoas cuja união é mantida, nãopor uma vontade idêntica que, por um passe de mágica, as inspirassea todas, mas por um propósito com o qual concordarame somente em relação ao qual as promessas são válidas e têm opoder de obrigar, fica bem clara por sua inconteste superioridadeem relação à soberania daqueles que são inteiramente livres, isentosde quaisquer promessas e desobriga<strong>do</strong>s de quaisquer propósitos.Esta superioridade decorre da capacidade de dispor <strong>do</strong> futurocomo se este fosse o presente, isto é, <strong>do</strong> enorme e realmente milagrosoaumento da própria dimensão na qual o poder pode sereficaz (2000, p. 257).Com isso, infere-se que a sociedade civil organizada pode criarmecanismos ou estratégias para buscar ou reivindicar direitos, comfundamento na noção de soberania, que consiste numa espécie de pactoestabeleci<strong>do</strong> entre os indivíduos, que são desobriga<strong>do</strong>s de promessase por esta razão detêm o poder. Esta idéia de soberania parece terestreita relação com a concepção de autonomia, principalmente porescapar da proposição de promessas futuras, atribuin<strong>do</strong> a possibilidadede disponibilidade <strong>do</strong> futuro.Estabelecen<strong>do</strong>-se conexões entre essa noção de soberania e aautonomia, pode-se pressupor que no seio dessa relação tem-se a de-21


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)manda por direitos. A demanda pelos direitos pode ocorrer por meio <strong>do</strong>enfrentamento direto (afrontamento, segun<strong>do</strong> GODARD, 1997) ou deforma superveniente e escondida (CHAUI, 1993). O importante é queela seja considerada como estratégia e que seja entendida como resistênciaa uma mudança de comportamento, que pode ser imposta porum processo de intervenção, como exercício de uma força exterior sobreos mo<strong>do</strong>s de vida (entendi<strong>do</strong>s aqui como uma ampla compreensão, queinclui as esferas: social, cultural e de lazer, econômica e ambiental),sen<strong>do</strong> parte de suas construções discursivas. Nessas condições, as resistênciassão vistas como um processo racional imanente às condutas <strong>do</strong>satores sociais, dentro da compreensão trazida por Arendt, de que: “o atoprimordial e especificamente humano deve, ao mesmo tempo, conterresposta à pergunta que se faz a to<strong>do</strong> recém-chega<strong>do</strong>: quem és?” (2000,p. 191). “(...) Ser visto e ouvi<strong>do</strong> por outros é importante pelo fato deque to<strong>do</strong>s vêem e ouvem de ângulos diferentes. É este o significa<strong>do</strong> davida pública, em comparação com a qual até mesmo a mais fecunda esatisfatória vida familiar pode oferecer somente o prolongamento ou amultiplicação de cada indivíduo, com seus respectivos aspectos e perspectivas”(ARENDT, 2000, p. 187).Verifica-se, portanto, a importância da autonomia <strong>do</strong> indivíduoe da sua participação no espaço público e, ainda, na compreensão deArendt (2000), a idéia de que a construção <strong>do</strong>s discursos pode ocorrerde maneira favorável ou contrária a alguém, mas o que importa éque essa construção é parte de um processo de interação ou de açãoentre os sujeitos, sen<strong>do</strong> por essa razão revela<strong>do</strong>ra da identidade. Dessemo<strong>do</strong>, as estratégias discursivas fazem parte de um jogo de linguagens<strong>do</strong>s atores sociais (WITTGENSTEIN, 1995) que revelam as suasidentidades, por meio de resistências, permitin<strong>do</strong>, assim, a identificaçãode “quem és?”. Como parte <strong>do</strong> jogo de linguagens, os discursos<strong>do</strong>s indivíduos podem ser explica<strong>do</strong>s e podem revelar o senti<strong>do</strong> deresistência, aceitação ou mesmo justificativa da ação que desenvolvem,seja em razão <strong>do</strong> cargo que ocupam, no caso <strong>do</strong>s gestores públicos, ouem razão de interesses supervenientes, que estão relaciona<strong>do</strong>s com asações ou programas governamentais.22


política e lazer: interfaces e perspectivasAo tratar-se <strong>do</strong>s direitos sociais e, principalmente, inserin<strong>do</strong> o lazercomo um <strong>do</strong>s direitos sociais, deve-se considerar que na demanda por essesdireitos existe uma importante dimensão política que deve ser refletida. Deacor<strong>do</strong> com Telles (1999, p. 177) esse senti<strong>do</strong> político ancora-se:Na temporalidade própria <strong>do</strong>s conflitos pelos quais as diferençasde classe, gênero, etnia, raça ou origem se metamorfoseiamnas figuras políticas da alteridade – sujeitos que sefazem ver e reconhecer nos direitos reivindica<strong>do</strong>s, se pronunciamsobre o justo e o injusto e, nesses termos, re-elaboramsuas condições de existência como questões pertinentes àvida em sociedade.Desta maneira, o fato de os sujeitos se pronunciarem sobre osseus direitos os legitima socialmente e demonstra que participam <strong>do</strong>espaço público e, assim, acaba por se recusar a idéia de que os direitosdemanda<strong>do</strong>s não são mais <strong>do</strong> que a resposta a um “suposto mun<strong>do</strong>das necessidades e das carências” (TELLES, 1999, p. 178). Com efeito,a participação <strong>do</strong>s sujeitos na cena política desestabiliza estruturas,rompe consensos e instaura o litígio. Só desta forma tem-se avanços.E frisa-se o que diz Telles a seguir:É nessa dimensão transgressora <strong>do</strong>s direitos que vale a penase deter, pois é aqui, neste registro, que talvez tenhamosuma medida para avaliar os dilemas contemporâneos. Se écerto que a reivindicação por direitos faz referência a princípiosuniversais de igualdade e da justiça, se é essa referênciaque marca a diferença entre o discurso da cidadania, deum la<strong>do</strong> e, de outro, o discurso humanitário e o discursotecnicamente funda<strong>do</strong>, igualdade e justiça não existem porémcomo campo de consensos e convergência de opiniões.(1999, p. 181).Nesta perspectiva da transgressão <strong>do</strong>s direitos, deve-se encararo lazer como elemento para<strong>do</strong>xal de uma sociedade “<strong>do</strong> trabalho”e de excluí<strong>do</strong>s; sen<strong>do</strong> assim, o lazer se realiza como algo problema-23


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)tiza<strong>do</strong>r. Ademais, dependen<strong>do</strong> <strong>do</strong> recorte teórico a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> para suacompreensão, o lazer pode assumir uma face funcionalista ou emancipatória,isto porque o senti<strong>do</strong> que lhe é atribuí<strong>do</strong> tem direta relaçãocom os sujeitos que o praticam, mas ao mesmo tempo, o lazer podeser favoreci<strong>do</strong> por um conjunto de ações e programas de organismosgovernamentais e não-governamentais, e ir em uma ou outra direção.Dumazedier realizou um intenso trabalho de pesquisa que foi apresenta<strong>do</strong>no livro Sociologia empírica <strong>do</strong> lazer, e também no Lazer ecultura popular. Na abordagem apresentada pelo autor, fica claro opapel compensatório <strong>do</strong> lazer, à medida que são trazidas para o planode análise suas funções, a seguir enunciadas: (a) função de descanso,(b) função de divertimento, recreação e entretenimento e, por fim, (c)função de desenvolvimento. E define que:O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo podeentregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-see para entreter-se ou, ainda para desenvolver sua informaçãoou formação desinteressada, sua participação socialvoluntária ou sua livre capacidade cria<strong>do</strong>ra após livrar-se oudesembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais(DUMAZEDIER, 2000, p. 34).Apresentan<strong>do</strong> uma perspectiva diferenciada, Mascarenhas optapor seguir outra trajetória. Sua reflexão se fundamenta na possibilidadede defesa de um lazer socialmente referencia<strong>do</strong> e, mais <strong>do</strong> queisso, que possa ter como significa<strong>do</strong> a emancipação <strong>do</strong> sujeito. Essacompreensão <strong>do</strong> autor se deve ao fato de que o lazer é um direitosocial e, portanto, como um direito, o lazer – parafrasean<strong>do</strong> Telles(1999, p. 138) – “estabelece uma forma de sociabilidade regida peloreconhecimento <strong>do</strong> outro como sujeito de interesses váli<strong>do</strong>s, valorespertinentes e demandas legítimas”. Assim, convida-se à reflexão: “Acriança e o a<strong>do</strong>lescente têm direito à educação, à cultura, ao esportee ao lazer (BRASIL, 1993). No entanto, metade da geração em idadeescolar não chega a completar o nível básico, embora 95% têm oportunidadede matricular-se em alguma escola; cerca de 18 milhões de24


política e lazer: interfaces e perspectivasjovens entre 7 e 17 anos são analfabetos; de cada 100 crianças emsituação de rua, 92 gostariam de estar estudan<strong>do</strong> (...)” (MASCARE-NHAS, 2004, p. 69).De outra forma, estabelecen<strong>do</strong>-se um paralelo entre o espaçodestina<strong>do</strong> ao lazer e aquele ocupa<strong>do</strong>, pelo esporte pode-se ter coincidências.Bracht (2003, p. 81) observa que: “Parece claro que noconjunto das ações governamentais o fenômeno esportivo situa-se antesnuma posição marginal frente a setores como o da economia, dasaúde, da educação, da habitação. A não ser por razões corporativas,consideran<strong>do</strong> o quadro brasileiro, poder-se-ia reivindicar para o esporteo status de prioridade de ações governamentais”. Assiste razãoao autor, posto que num contexto como o brasileiro, de exclusão social(POCHMANN e AMORIM, 2003), preterir saúde e educação aoesporte ou ao lazer é uma perspectiva questionável <strong>do</strong> ponto de vista<strong>do</strong> planejamento de políticas. Mas, segun<strong>do</strong> Brackt, uma coisa é nãoconsiderar o esporte como prioridade, outra é ignorá-lo juntamentecom o lazer.Dessa maneira, as análises apresentadas contribuem para demonstrarque o cenário desenha<strong>do</strong> é preocupante, em especial quan<strong>do</strong>se considera o esporte e o lazer como um direito de segunda categoria.Numa escala de prioridades em uma sociedade que se pauta no modelocapitalista e neoliberal, o direito, tanto da classe trabalha<strong>do</strong>ra, como decrianças e a<strong>do</strong>lescentes, ao esporte e ao lazer, é ti<strong>do</strong> como menos importante,consideran<strong>do</strong> o mapa da desigualdade social <strong>do</strong> Brasil, por meio deíndices como os de exclusão social, escolaridade, alfabetização, pobreza,violência, entre outros (POCHMANN e AMORIM, 2003).Por uma análise das políticas públicas para oesporte e lazer no BrasilViu-se anteriormente que o lazer apresenta-se como um tema periférico,embora seja, em tese, um direito social. Neste senti<strong>do</strong>, se podeindagar: qual é o espaço destina<strong>do</strong> ao lazer nas políticas governamentais?O lazer é trata<strong>do</strong> como um direito social? Se é trata<strong>do</strong>, quais são25


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)os órgãos governamentais responsáveis pela elaboração e execução depolíticas destinadas ao lazer? Este conjunto de questões desemboca emum aspecto que se apresenta como importante, qual seja, entender o espaçoatribuí<strong>do</strong> ao lazer na esfera governamental. O texto constitucional,Art. 6º da CF/88, mostra a relação estabelecida entre o lazer e o mun<strong>do</strong><strong>do</strong> trabalho, sugerin<strong>do</strong>-se a idéia, inclusive pela interpretação de Telles(2000), que o lazer é um direito assegura<strong>do</strong> ao trabalha<strong>do</strong>r no perío<strong>do</strong>de férias, ou no fim de semana. Esta discussão é polêmica se trazidapara o campo da teoria <strong>do</strong> lazer, pois é demarcada com fundamento naidéia de que vivemos em uma sociedade <strong>do</strong> trabalho. Então, se coloca aseguinte questão: é o Ministério <strong>do</strong> Trabalho o responsável pela gestãode políticas para o lazer?Mas, parece haver uma certa relação entre lazer e cultura, especialmentemarcada quan<strong>do</strong> se trata <strong>do</strong> lazer como cultura de massa,cuja principal função é a diversão. Nessa acepção o lazer é confundi<strong>do</strong>com entretenimento e pode, inclusive, ser concebi<strong>do</strong> com fundamentona relação com a apropriação da cultura popular, realizada por parte<strong>do</strong>s meios de comunicação de massa. A esse respeito registra-se o quediz Canclini: “Para o merca<strong>do</strong> e para a mídia o popular não interessacomo tradição que perdura” (CANCLINI, 2003, p. 260). Assim, o“lazer” assume o caráter de espetacularização e passa a ser defini<strong>do</strong>como de massa ou popular, como se observa a seguir:A manifestação política espetaculariza a presença <strong>do</strong> povo deum mo<strong>do</strong> pouco previsível: quem sabe como acabará a irrupçãode uma multidão nas ruas? Ao contrário, a popularidadede cantores ou atores, dentro de espaços fecha<strong>do</strong>s – um estádio,um canal de televisão –, com um princípio e um fimprograma<strong>do</strong>s, em horários precisos, é uma espetacularidadecontrolada; mais ainda se essa repercussão massiva se dilui natransmissão organizada <strong>do</strong>s televisores <strong>do</strong>s lares. O que há deteatral nos grandes shows se baseia tanto na estrutura sintáticae visual, na grandiloqüência <strong>do</strong> espetáculo, quanto nos índicesde audiência, na magnitude da popularidade; mas trata-sede uma espetacularização quase secreta, submersa finalmente26


política e lazer: interfaces e perspectivasna disciplina última da vida <strong>do</strong>méstica. O povo parece ser umsujeito que se apresenta; a popularidade é a forma extrema dareapresentação, a mais abstrata, a que reduz a um número, acomparações estatísticas (CANCLINI, 2003, p. 260).Ao passo que a cultura popular se espetaculariza, o lazer assumeuma conotação controversa de entretenimento e de passividade. Poressa razão, índices de audiência, número de freqüenta<strong>do</strong>res de umevento, dentre outros aspectos, tornam-se mais importantes <strong>do</strong> queo conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> “espetáculo”. Desta forma, perde-se a essência e vislumbra-sea aparência, muito embora a perda de referência das coisasseja um <strong>do</strong>s elementos constituintes de um modelo de sociedade modernaque foi reificada. A distorção entre senti<strong>do</strong> e significa<strong>do</strong> assumeproporções ilimitadas e permite que as tradições culturais se percam,como se fossem uma ilha de fantasia.Todavia, o poder ao povo. Assim, observa Canclini:Em nações multiétnicas, pluriculturais, como as latino-americanas,podemos argumentar que não existe tal unificação cultural,nem classes <strong>do</strong>minantes tão eficazes para eliminar as diferençasou subordiná-las inteiramente. Mas essa crítica não elimina afecundidade demonstrada pelas análises reprodutivistas para explicarpor que os comportamentos das classes populares não sãomuitas vezes de resistência e de impugnação, mas adaptativos aum sistema que os inclui. (Idem, p. 274).E explica que:Desde os anos 70, essa conceitualização de popular comoentidade subordinada, passiva e reflexa é questionada teóricae empiricamente. Não se sustenta ante as concepções pósfoucaultianas<strong>do</strong> poder, que deixam de vê-lo concentra<strong>do</strong> emblocos de estruturas institucionais, impostas verticalmente, epensam-no como uma relação social disseminada. O podernão está conti<strong>do</strong> numa instituição nem no Esta<strong>do</strong>, nem nosmeios de comunicação. Também não é um tipo de potência27


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)da qual alguns estariam <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s: é o nome que se empresta auma situação estratégica em uma dada sociedade (Foucault,1977). (Idem, p. 261).Dessa forma, a a<strong>do</strong>ção da concepção foucaultiana de poder porparte de Canclini serve para mostrar que os meios de comunicação demassa têm um poder relativo, posto que existe a possibilidade de queeles disseminem um tipo de cultura que efetivamente lhes interesse.Contu<strong>do</strong>, os sujeitos receptores desse processo são, antes de tu<strong>do</strong>,sujeitos, e por essa razão são capazes de fazer escolhas e de estabelecermecanismos de resistência. Essa visão sobre o poder também foirecuperada por Chaui no livro Conformismo e resistência: aspectos dacultura popular no Brasil, onde ela mostra que as estratégias definidaspelos múltiplos atores sociais no trato com as políticas são diferenciadas,mas têm um significa<strong>do</strong> expressivo. Desta maneira, a autora desbancaa tese de que existe uma passividade imanente aos movimentossociais ou a determina<strong>do</strong>s sujeitos na sociedade, e afirma que, inclusive,ações que podem ser interpretadas como conformistas, em verdadepodem significar uma maneira de resistir diferenciada. Apropria-se daautora no trecho que segue:Resistência que tanto pode ser difusa – como na irreverência<strong>do</strong> humor anônimo que percorre as ruas, nos ditos populares,nos grafitis espalha<strong>do</strong>s pelos muros das cidades – quantolocalizada em ações coletivas ou grupais. Não nos referimosàs ações deliberadas de resistência (...), mas a práticas <strong>do</strong>tadasde uma lógica que as transforma em atos de resistência(CHAUI, 1993, p. 63).Com isso o significa<strong>do</strong> de resistência passa a ser diverso daqueleincorpora<strong>do</strong> pela cultura <strong>do</strong>minante, e tem estreita relação com a noçãode homem cordial de Buarque de Holanda, ou mesmo a figura <strong>do</strong> Jeca – oacomoda<strong>do</strong> – e, até mesmo, a <strong>do</strong> malandro, cujo senti<strong>do</strong> atribuí<strong>do</strong> à éticaé o <strong>do</strong> que quer “tirar vantagem de tu<strong>do</strong>”. Enfim, essa interpretação corroboracom uma ressignificação <strong>do</strong> que vem a ser conformismo e o que28


política e lazer: interfaces e perspectivasé resistência, demonstran<strong>do</strong> que o povo – a cultura popular – estabelecesuas estratégias para lidar com práticas <strong>do</strong>minantes.Contu<strong>do</strong>, a questão que se colocava adiante não se resolve. Aquem pertence o protagonismo em relação ao lazer? Ao que tu<strong>do</strong> indica,o lazer foi efetivamente compreendi<strong>do</strong> como um direito social pormeio da iniciativa <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> em considerá-lo como temaimportante para a constituição de programas e ações governamentais.De acor<strong>do</strong> com a Medida Provisória 103/2003 foi cria<strong>do</strong> o Ministério<strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, com o objetivo de “Formular e implementar políticaspúblicas inclusivas e de afirmação <strong>do</strong> esporte e <strong>do</strong> lazer como direitossociais <strong>do</strong>s cidadãos, colaboran<strong>do</strong> para o desenvolvimento nacional ehumano”(MEDIDA PROVISÓRIA 103/2003). Para a formulação e planejamentode políticas nos âmbitos <strong>do</strong> esporte e lazer, acreditava-se que acriação de uma pasta ministerial para tratar <strong>do</strong> esporte propiciaria a ampliação<strong>do</strong> debate sobre esse tema, contribuin<strong>do</strong> para legitimar a discussãoe conferin<strong>do</strong> ao esporte, bem como ao lazer, um redimensionamento.Com o propósito de tornar o espaço para debate sobre os temasesporte e lazer mais democrático, foi instituída, por meio <strong>do</strong> DecretoPresidencial de 21 de janeiro de 2004, a Conferência Nacional<strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, que exerceu um papel determinante na política nacional<strong>do</strong> esporte no Brasil. A Conferência, à semelhança de discussões quese processam em áreas como saúde e educação, conta com a participaçãode representantes das diferentes instâncias de governo e dasociedade civil, ten<strong>do</strong>-se como papel para esses atores sociais a luta,por vezes, de interesses corporativos, numa disputa acirrada na arena<strong>do</strong> poder. A esse respeito ressalta-se o que observa Arendt sobrea importância da participação de diferentes atores nas decisões queenvolvem o poder:To<strong>do</strong> aquele que, por algum motivo, se isola e não participadessa convivência, renuncia ao poder e se torna impotente,por maior que seja a sua força e por mais válidas que sejamsuas razões. (...) Se o poder fosse algo mais que essa potencialidadeda convivência, se pudesse ser possuí<strong>do</strong> comoa força ou exerci<strong>do</strong> como a coação, ao invés de depender <strong>do</strong>29


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)acor<strong>do</strong> frágil e temporário de muitas vontades e intenções, aonipotência seria uma possibilidade humana concreta. Porqueo poder, como a ação, é ilimita<strong>do</strong>; ao contrário da força,não encontra limitação física na natureza humana, na existênciacorpórea <strong>do</strong> homem. Sua única limitação é a existênciade outras pessoas, limitação que não é acidental, pois o poderhumano corresponde, antes de mais nada, à condição humanada pluralidade (ARENDT, 2000, p. 213).Assim, pode-se compreender as disputas que têm origem naampliação <strong>do</strong> espaço para debate de Conferências como significativaspara o estímulo <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> poder no âmbito de uma democraciarepresentativa. Com efeito, a participação de atores sociais neste processopossibilita maior legitimidade à discussão direcionada em certamedida, pelo governo, dependen<strong>do</strong> de como é concebida a política. Aovalorizar-se a participação coletiva, permitin<strong>do</strong>-se que atores da sociedadecivil se façam presentes, bem como democratizan<strong>do</strong> e viabilizan<strong>do</strong>esta participação, tem-se a vontade de que o exercício <strong>do</strong> poder sejapercebi<strong>do</strong> como uma condição humana plural. Assim, as discussõesque tiveram lugar em Conferências podem representar simbolicamenteum redimensionamento <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de fazer a política, no senti<strong>do</strong>atribuí<strong>do</strong> por Pinheiro (2000). De toda forma, como observam Luján& Echeverría (2004), tem-se percebi<strong>do</strong>, nos últimos vinte anos, tantoem contextos como o europeu, como nos de países da América Latina,uma inclusão de idéias e uma maior transparência nas decisões governamentais,que estão refletidas na legislação e nas políticas públicas.A aprovação <strong>do</strong>s referenciais para a construção da política nacional<strong>do</strong> esporte, ten<strong>do</strong>-se como ápice a instituição <strong>do</strong> Conselho Nacional<strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> , tem a seguinte definição apresentada no seu Art.1º <strong>do</strong> Decreto 4 201/02:O Conselho Nacional <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> – CNE é órgão colegia<strong>do</strong>de deliberação, normatização e assessoramento, diretamentevincula<strong>do</strong> ao Ministro de Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e parte integrante. O Decreto 4.201, de 18 de abril de 2002, instituiu o Conselho Nacional <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>.30


política e lazer: interfaces e perspectivas<strong>do</strong> Sistema Brasileiro de Desporto, ten<strong>do</strong> por objetivo buscaro desenvolvimento de programas que promovam a massificaçãoplanejada da atividade física para toda a população, bemcomo a melhora <strong>do</strong> padrão de organização, gestão, qualidadee transparência <strong>do</strong> desporto nacional.Ten<strong>do</strong>-se como composição a seguinte:I. Ministro de Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, presidente;II. Secretário-Executivo <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>;III. Secretário Nacional de <strong>Esporte</strong> de Alto Rendimento;IV. Secretário Nacional de <strong>Esporte</strong> Educacional;V. Secretário Nacional de Desenvolvimento de <strong>Esporte</strong> e de Lazer;VI. Representante <strong>do</strong> Comitê Olímpico Brasileiro – COB;VII. Representante <strong>do</strong> Comitê Paraolímpico Brasileiro –CPB;VIII. Representante da Comissão Nacional de Atletas –CNA;IX. Representante <strong>do</strong> Fórum Nacional de Secretários e GestoresEstaduais de <strong>Esporte</strong> e Lazer;X. Representante <strong>do</strong>s Secretários e Gestores Municipais de <strong>Esporte</strong>e Lazer;XI. Representante <strong>do</strong>s Clubes Sociais;XII. Representante <strong>do</strong> Conselho Federal de Educação Física– CONFEF;XIII. Representante <strong>do</strong> Colégio Brasileiro de Ciências <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>– CBCE;XIV. Representante da Comissão Desportiva Militar Brasileira– CDMB;XV. Representante da Organização Nacional de EntidadesNacionais Dirigentes de Desporto – ONED;XVI. Representante da Confederação Brasileira de Futebol – CBF; eXVII. Seis representantes <strong>do</strong> esporte nacional, a serem indica<strong>do</strong>spelo Ministro de Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> (Bernard Rajzman,Carlos Miguel Castex Aidar, Eduar<strong>do</strong> Henrique de31


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Rose, José de Assis Aragão, José Carlos Brunoro e Rinal<strong>do</strong>José Martorelli)Percebe-se, portanto, que a composição <strong>do</strong> CNE contempla arepresentação de entidades que estão relacionadas ao esporte em diferentesdimensões, ten<strong>do</strong>-se a configuração de uma diversidade, muitoembora pareça necessário assinalar que nas entranhas da organizaçãodesse Conselho se fazem presentes forças contrárias e que estabelecemdisputas acirradas pelo poder, com a defesa de interesses corporativos,principalmente volta<strong>do</strong>s ao esporte de alto rendimento. Neste caso,pode-se citar como exemplos as seguintes instituições: COB, CPB,CNA, CONFEF, CDMB, ONED e CBF.Contu<strong>do</strong>, o Decreto 4.201/02 ainda menciona a necessidadeda criação <strong>do</strong> Sistema Nacional de <strong>Esporte</strong> e Lazer (SNEL). A esserespeito é importante mencionar a existência de uma tensão que seprocessou no âmbito de todas as discussões que precederam os fórunspreparatórios para a II Conferência Nacional <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, e também aprópria conferência. A tensão existente estava relacionada à a<strong>do</strong>ção ounão <strong>do</strong> termo Lazer na nomeclatura <strong>do</strong> Sistema, isto porque representantesde entidades que defendiam posições mais restritas acerca <strong>do</strong>esporte, bem como alguns gestores federais, acreditavam que o sistemadeveria permanecer como Sistema Nacional de <strong>Esporte</strong>. Todavia,nesta disputa entre campos e atores sociais, prevaleceu a idéia de semanter SNEL, até porque se tratava de uma terminologia que haviasi<strong>do</strong> incorporada ao Decreto referi<strong>do</strong>.A inserção <strong>do</strong> lazer nas políticas <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong><strong>Esporte</strong>O lazer, a partir da Constituição de 1988, passou a ser considera<strong>do</strong>direito social, e conseqüentemente questão de Esta<strong>do</strong>. Entretanto, a defesa<strong>do</strong> lazer no âmbito da inserção e organização das políticas federais nãoé muitas vezes aceita. A criação <strong>do</strong> Sistema Nacional de <strong>Esporte</strong> e Lazer éuma maneira de assegurar o direito de acesso tanto ao esporte, quanto aolazer, e não permitir que sejam considera<strong>do</strong>s dispensáveis.32


política e lazer: interfaces e perspectivasCabe ao Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> a função de responsabilizar-sepor investir na formação multiprofissional e multidisciplinar <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>resenvolvi<strong>do</strong>s, para que o esporte e o lazer sejam instrumentosde emancipação humana. Neste âmbito, deve-se encarar o esportecomo uma prática social de livre acesso a to<strong>do</strong>s, ten<strong>do</strong>-se a finalidadede propiciar acessabilidade à manifestação cultural esportiva numaperspectiva diferenciada <strong>do</strong> rendimento. É importante que haja o respeitoà liberdade de praticar determinadas modalidades, para aumentara diversidade de experiências e repertório cultural, na prática, eopção pelos esportes.Isto porque o esporte apresenta como uma de suas dimensõesa recreação, e por esta razão o lazer foi apropria<strong>do</strong> nesta concepçãoe a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> como um <strong>do</strong>s temas a serem trata<strong>do</strong>s pelas políticas <strong>do</strong>esporte. Tanto é assim que, durante a I Conferência Nacional <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>,o tema elenca<strong>do</strong> foi: <strong>Esporte</strong>, lazer e desenvolvimento humano,realizada em junho de 2004, em Brasília; na II Conferência Nacionalde <strong>Esporte</strong>, em maio de 2006, também em Brasília, o tema para debatefoi: Construin<strong>do</strong> o Sistema Nacional de <strong>Esporte</strong> e Lazer.Durante a I Conferência Nacional <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> ocorreram debatesque culminaram na idéia de formulação <strong>do</strong> Sistema Nacional de<strong>Esporte</strong> e Lazer – SNEL. Documento construí<strong>do</strong> com a colaboraçãode vários segmentos da sociedade, respeitan<strong>do</strong> a diversidade, muitoembora se perceba o estabelecimento de campos de disputas entre diferentesatores que participaram da discussão. Esses campos de disputas,que podem ser entendi<strong>do</strong>s por meio da concepção de Bourdieu(1983), representam a busca de legitimação social <strong>do</strong>s que participam<strong>do</strong> sistema, e também a diversidade de percepções que circundam ocampo da Educação Física. São representantes <strong>do</strong> Conselho Nacionalde Educação Física, <strong>do</strong> Comitê Olímpico Brasileiro, Colégio Brasileirode Ciências <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e entidades sociais que lutam por um pluralismodemocrático na composição <strong>do</strong> SNEL.Analisan<strong>do</strong>-se esses campos de disputas, percebe-se a existênciade diferentes vieses na concepção de políticas para o esporte e lazer noBrasil. De um la<strong>do</strong> estão relaciona<strong>do</strong>s à ampliação da discussão, e, deoutro, à disputa pelo poder, sobretu<strong>do</strong> econômico, ten<strong>do</strong> em vista que33


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)atualmente o sistema que circunda o esporte no mun<strong>do</strong> é um <strong>do</strong>s maislucrativos. No Brasil, ao passo que ocorre maior investimento e visibilidadepara o esporte de rendimento, inclusive com a viabilização dacampanha <strong>do</strong> Panamericano 2007 (Pan–2007), tem-se aportes financeirospúblicos e priva<strong>do</strong>s, numa área específica <strong>do</strong> esporte onde talvezos recursos públicos fossem dispensáveis, posto que há investimentospriva<strong>do</strong>s consideráveis para modalidades e atletas de alto nível .O Sistema Nacional de <strong>Esporte</strong> e Lazer consiste em um conjuntode elementos relaciona<strong>do</strong>s entre si, possuin<strong>do</strong> determinada organizaçãoque atende a objetivos. A estrutura <strong>do</strong> sistema é organizadaem diretrizes, bases e propósitos comuns. É dividida em partes integradasque, em conjunto, culminam em resulta<strong>do</strong> que não poderia seralcança<strong>do</strong> se fosse realiza<strong>do</strong> separadamente. É um sistema que nãose limita a delegar funções a cada agente. Pretende-se universalizar oacesso ao esporte e lazer e suas dimensões, ten<strong>do</strong> um relacionamentodireto entre conjunto e agente, articula<strong>do</strong> para atender finalidades quejustificariam sua existência. De acor<strong>do</strong> com o discurso oficial, a concepção<strong>do</strong> SNEL é a de um sistema descentraliza<strong>do</strong>, constituí<strong>do</strong> porvárias organizações públicas e instituições privadas. Com isso, tem-sea concepção de que o sistema é plural e democrático, viabilizan<strong>do</strong> aparticipação da sociedade civil organizada. Todavia, é importante destacarque esse caráter plural e democrático <strong>do</strong> sistema desemboca nasdisputas de poder pertinentes ao campo – esporte e lazer – e que refletem,em certa medida, as divergências existentes na área da EducaçãoFísica. Por outro la<strong>do</strong>, a possibilidade de estabelecimento de canais denegociação no seio dessa disputa entre campos permite que se tenha,nos debates trava<strong>do</strong>s nas Conferências, tanto na primeira, quanto na. A Nike, por exemplo, faturou com a Copa <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> de Futebol, U$ 1,5 bilhão no anofiscal de 2006, que para as empresas é o correspondente a 1/06/05 a 31/05/06 (Isto éDinheiro, 22/11/06. Acessa<strong>do</strong> por http://www.terra.com.br/istoedinheiro/reportagens/empresas_que_nao_entram_em_campo_para _perder.htm, em 02/12/06).. Estima-se que o investimento público no Pan-2007 seja de R$ 1,479 bilhão, e que sóos gastos com segurança sejam de R$ 241 milhões. Este gasto supera o da Secretaria deSegurança Pública <strong>do</strong> Rio para o ano de 2005, que foi de R $ 162,9 milhões.. Para evitar que as ações implementadas não fossem concretizadas por falta de recursos,a<strong>do</strong>taram-se medidas como o apoio à aprovação da Lei de Incentivo ao <strong>Esporte</strong> e daaprovação da Lei nº 10.891, de 9 de julho de 2004, que institui a Bolsa Atleta.34


política e lazer: interfaces e perspectivassegunda, aspectos de um pluralismo democrático existente em um governodemocrático e popular e que destoa <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> anterior – Governo<strong>do</strong> Presidente Fernan<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so, que, inclusive, haviacria<strong>do</strong> o Sistema Nacional <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, ressaltan<strong>do</strong>-se que o lazer nãoera um tema contempla<strong>do</strong> como importante.As Conferências ofereceram subsídios para diretrizes e definiçãoda Política Nacional de <strong>Esporte</strong> e Lazer. Verifica-se, portanto, queo lazer, de alguma forma, foi considera<strong>do</strong> como tema para o estabelecimentode políticas. Além desse aspecto, há que se ressaltar a existência,no âmbito <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> , de uma secretaria que trata<strong>do</strong> lazer, a Secretaria Nacional de Desenvolvimento <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e <strong>do</strong>Lazer com valor simbólico importante, à medida que se tem a constituiçãode políticas direcionadas ao lazer, numa perspectiva intersetorial.Nessa Secretaria, vêm sen<strong>do</strong> trava<strong>do</strong>s significativos debates como intuito de redimensionar o papel <strong>do</strong> lazer e, mais <strong>do</strong> que isso, depercebê-lo numa perspectiva de emancipação humana, buscan<strong>do</strong>-se aretirada de sua carga funcional.Embora se perceba um considerável avanço em relação ao iníciode uma discussão que privilegie o lazer como tema importante, temse,de outra parte, uma carência de programas e ações governamentaisque sigam nesta direção. O Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> no Governo Lula,por exemplo, tem <strong>do</strong>is programas que podem ser considera<strong>do</strong>s comode esporte em sua dimensão lúdica, também chama<strong>do</strong>s de participaçãoe lazer, quais sejam: o Programa Segun<strong>do</strong> Tempo, um <strong>do</strong>s principaisda Pasta para o esporte “educacional” que pode ser ferramenta para acompreensão <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> de proposta apresenta<strong>do</strong> pelo governo brasileiro;o Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade que merece um pouco maisde atenção. Na gestão <strong>do</strong> Presidente Fernan<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so haviao programa <strong>Esporte</strong> Solidário, cujas diretrizes foram incorporadas, emparte, ao programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da cidade. Está sen<strong>do</strong> implanta<strong>do</strong> eé gerencia<strong>do</strong> pela Secretaria Nacional de Desenvolvimento <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e<strong>do</strong> Lazer <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>; vem realizan<strong>do</strong> um conjunto de açõesque se voltam para a intervenção social, denomina<strong>do</strong> “Projeto Social”.. Cria<strong>do</strong> em janeiro de 2003, por ato <strong>do</strong> Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.35


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Há também ações que se direcionam para o desenvolvimento científicoe tecnológico <strong>do</strong> esporte e <strong>do</strong> lazer, asseguran<strong>do</strong> uma dimensãodiferenciada <strong>do</strong> alto rendimento e <strong>do</strong> educacional a um órgão governamentalespecífico como no caso. Não quer dizer que o órgão deva assumirde maneira isolada as ações governamentais correlatas ao tema, masincentivar políticas intersetoriais que porventura se façam presentes no<strong>do</strong>cumento final resultante da I Conferência Nacional <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, que jáenunciava:Propor, formular, implantar, apoiar, executar e financiar açõesintersetoriais, envolven<strong>do</strong> os Ministérios, Secretarias Estaduaise Municipais de <strong>Esporte</strong>, Saúde, Cultura, Educação, MeioAmbiente, Ciência e Tecnologia e Turismo. Ações estas depromoção <strong>do</strong> esporte e <strong>do</strong> lazer, articuladas ao princípio deinclusão social, envolven<strong>do</strong> governos estaduais e municipais eorganizações da sociedade civil, direcionadas à população, especialmenteàquelas em situação de vulnerabilidade ou exclusãosocial. Estas ações, portanto, devem valorizar as práticas<strong>do</strong> esporte e <strong>do</strong> lazer, da educação ambiental, da promoção dasaúde, da educação para a formação cidadã e da qualidade devida. (ME, 2004, p. 28).Segun<strong>do</strong> o <strong>do</strong>cumento, as ações e programas a serem desenvolvi<strong>do</strong>sdevem ter em consideração políticas que sejam intersetoriais,reconhecen<strong>do</strong>-se, desta forma, que há a necessidade <strong>do</strong> estabelecimentode canais de diálogo com outros órgãos <strong>do</strong> governo, bem comocom outras esferas, como é o caso da participação <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s e Municípios.A intersetorialidade é, sem dúvida, um princípio de granderelevância para a definição de políticas que se prestem à continuidade.Por essa razão, é importante ressaltar o que observam os autores emrelação aos planos de tipo setorial, a saber:Planos de tipo mais setorial, com objetivos muito restritos,por sua parte, ignoram externalidades e trade-offs com outrosobjetivos também relevantes. Neles pressupõe-se que osinstrumentos de ação estão suficientemente abrangi<strong>do</strong>s den-36


política e lazer: interfaces e perspectivastro <strong>do</strong> ‘setor’ governamental encarrega<strong>do</strong> da política. Porém,decisões de outros setores podem ter impacto mais forte queas comandadas diretamente, anulan<strong>do</strong> os efeitos da políticaali estabelecida e implementada. Um setor como o de saúdepode ter parte importante de suas metas atingíveis somentese instrumentos de outros setores são mobiliza<strong>do</strong>s, por exemplo,nas obras de saneamento e abastecimento de água, nosprogramas habitacionais ou nas políticas de complementaçãoalimentar. Uma medida de política urbana direta e explícita,como um plano <strong>do</strong> BNH, pode ter suas intenções desfeitaspor medidas de política salarial, financeira ou cambial. Políticasvoltadas para a criação e incorporação de tecnologiaao parque produtivo podem ser prejudicadas pela políticaindustrial ou pelas necessidades de administração da dívidaexterna (ANDRADE et al, 1986, p. 296).Deste mo<strong>do</strong>, reconhece-se a existência de uma relação de interdependênciaentre os diferentes setores e por que não dizer entre asdiversas esferas de governo, ten<strong>do</strong> como implicação a possibilidade deconstrução de políticas mais congruentes, posto que a discussão abrangeráum conjunto de atores que, por sua diversidade, pode ser capaz decontribuir e de apresentar visões e interesses que tendam ao atendimento<strong>do</strong>s cidadãos. Nesse senti<strong>do</strong>, deve-se atribuir grande relevância à relaçãoestabelecida entre as políticas (programas e ações) e a intervençãorealizada pelos órgãos <strong>do</strong> governo. Destaca-se não só o conteú<strong>do</strong> dapolítica, em que se faz presente o mérito, mas também a forma, ou seja,como a política (programas e ações) é realizada. O respal<strong>do</strong> à forma sedá principalmente em relação à participação coletiva, à constituição <strong>do</strong>debate e ao envolvimento da população. Isto porque, estu<strong>do</strong>s demonstramque a intervenção de políticas públicas no Brasil tendem a assumircaráter autoritário (SUASSUNA, 2001).A exemplo <strong>do</strong> que ocorre com as políticas ambientais no Brasil,pode-se ter o registro em <strong>do</strong>cumentos oficiais de prerrogativas queconsideram a participação democrática e popular como foco central;porém, na análise <strong>do</strong> caso concreto esta participação pode não ocorrer.A esse respeito analisa-se na seqüência:37


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)As políticas governamentais ambientais no Brasil eram executadasde mo<strong>do</strong> vertical, desconsideran<strong>do</strong> os hábitos e práticasdas populações nativas e se dirigiam para a a<strong>do</strong>ção das regras<strong>do</strong> sistema. O processo de intervenção governamental partia depressupostos funda<strong>do</strong>s em mecanismos de poder, entendi<strong>do</strong>como um conjunto de relações que envolvem luta e em que a<strong>do</strong>minação de um sobre os outros consiste na apropriação <strong>do</strong>conhecimento nos termos <strong>do</strong> racionalismo ocidental. (SUAS-SUNA, 2001 e 2007).Contu<strong>do</strong>, as políticas que são executadas a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> este modeloacabam por incorrer em um grande equívoco. As ações <strong>do</strong>s sujeitosque sofrem o processo de intervenção engendram estratégias de resistênciae, como adiante apresenta<strong>do</strong>, podem, em princípio, ser relacionadasa um certo conformismo, mas desembocará emTipos de comportamento distintos: um meramente reativo;outro racionaliza<strong>do</strong>. No primeiro caso, a relação dá-se pormeio da causa-e-efeito, isto é, admite-se que para toda açãoexiste uma reação na mesma proporção e força. No segun<strong>do</strong>caso, as condutas individuais podem se exprimir de duasformas: pela disponibilização de meios para alcançar os fins– agin<strong>do</strong> racionalmente em relação a um objetivo determina<strong>do</strong>– ou buscan<strong>do</strong> a preservação <strong>do</strong>s valores semelhantes àhonra – em que o indivíduo age racionalmente em relação aovalor (Weber, 1991). (SUASSUNA, 2001, p. 40).Percebe-se, dessa maneira, a importância <strong>do</strong> respeito <strong>do</strong> pontode vista <strong>do</strong> outro – para quem a intervenção está dirigida. E, mais<strong>do</strong> que isso, deve-se buscar estabelecer mecanismos de negociação,e também contar com a participação coletiva, ao contrário de impormodelos previamente estabeleci<strong>do</strong>s. Nesse senti<strong>do</strong>, o respeito àdiversidade é fundamental. O Brasil tem especificidades regionais eculturais acentuadas, todavia, ocorre que, na elaboração de políticas,muitas vezes essa diversidade é esquecida. Além disso, esses pressu-38


política e lazer: interfaces e perspectivaspostos não devem existir apenas como um <strong>do</strong>s aspectos que podempossibilitar que o programa ou a ação sejam executa<strong>do</strong>s junto à comunidade.Devem ser toma<strong>do</strong>s como preceitos para a política traçada,por se ter como tipo ideal de gestão a participação. No contexto,a a<strong>do</strong>ção de estratégias de avaliação, por exemplo, parece ser umbom indicativo de que o Governo está de fato interessa<strong>do</strong> em estabelecerpolíticas co-participativas. Além disso, é importante o registrode que estes indivíduos que são alvo da política pública são sujeitosde direito e, por essa razão, têm a faculdade de aceitar ou não o queos programas e ações pretendem estabelecer. Talvez com base nessesargumentos, possa-se ter o desenho de um cenário diferencia<strong>do</strong> paraas políticas públicas no Brasil, em particular, consideran<strong>do</strong> o atualgoverno. Este desenho pode avançar no senti<strong>do</strong> de que se tenhamefetivamente políticas que continuem, tornan<strong>do</strong>-se não só políticasde governo, mas políticas de Esta<strong>do</strong>.Considerações finaisDiante <strong>do</strong> que foi apresenta<strong>do</strong>, optou-se, por oferecer algumasidéias pertinentes pertinentes. O primeiro aspecto que pôde ser considera<strong>do</strong>como relevante foi a tese da intersetorialidade. As políticaspúblicas no Brasil ainda são estabelecidas sob modelos focais, não haven<strong>do</strong>exercício <strong>do</strong> diálogo entre órgãos governamentais de forma horizontale, tampouco, de forma a abranger outras esferas de governo(vertical), embora se perceba um esforço recente, com base na análise<strong>do</strong>cumental apresentada, no senti<strong>do</strong> de encaminhar a política paraa intersetorialidade. Existem dificuldades a esse respeito, sobretu<strong>do</strong>porque o modelo de gestão pública a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> anteriormente se pautavana defesa da tese da setorialidade das ações, que se aproximavada idéia, muito conhecida no campo científico, da especialidade noconhecimento. Se for observa<strong>do</strong> o registro de autores, por exemplo,como Demo (1978), percebe-se claramente que a tese da setorialidadeé recorrente, ao la<strong>do</strong> da <strong>do</strong> reconhecimento das prioridades. Aliás,como cita Bracht (2003, p. 81), amparan<strong>do</strong>-se em Manhães (1986),“estabelecer políticas públicas é sempre eleger prioridades”. Ademais,39


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)muitas das contribuições para a discussão de políticas públicas foramoriundas <strong>do</strong>s debates trava<strong>do</strong>s durante os anos 80 e, na verdade, poucacoisa se pode ter como inova<strong>do</strong>ra nesse âmbito.Entendeu-se como relevante destacar o papel da avaliação emprocesso e continuada. Esse tipo de avaliação pode resultar em feebacksmais imediatos, poden<strong>do</strong>-se corrigir equívocos de programas e açõesmais rapidamente. Contu<strong>do</strong>, sabe-se que a a<strong>do</strong>ção de políticas intersetoriaise de um modelo de avaliação em processo e continuada nãodepende de uma decisão pontual, mas de uma mudança no mo<strong>do</strong> de ver<strong>do</strong>s atores que estão gerin<strong>do</strong> as políticas. Por essa razão, a perspectivainterdisciplinar na escolha <strong>do</strong>s gestores e a<strong>do</strong>ção de uma visão maisampliada acerca <strong>do</strong> papel e <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>do</strong> Governo e,também, das demandas sociais poderão favorecer uma outra compreensão<strong>do</strong> fazer política.Enfim, foram trazi<strong>do</strong>s alguns indicativos que possam encaminharo debate acerca das políticas públicas. Não se buscou encerrar a discussão.Ao contrário, o que se espera é abrir caminhos para maior amadurecimento.Para finalizar, reforça-se a idéia que é originária <strong>do</strong> pensamentohabermasiano, é necessário fortalecer a democracia para que elaseja a representação <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>s atores sociais em comunicação.Referências BibliográficasANANIAS, Patrus. (2006). “Transferir renda e superar a pobreza”. Folha de São Paulo,27/08/06.ARENDT, Hanna. (2000). A condição humana. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense.AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública. Campinas: AutoresAssocia<strong>do</strong>s, 1997.ANDRADE, Luis A. Gama et al. “A modernização de universidades no Brasil: análise <strong>do</strong>programa MEC/BID II”. In A questão urbana, processo de trabalho, a questão agrária,elites políticas, cultura e política. Ciências Sociais Hoje. Revista da Associação Nacionalde Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Cortez., 1986.BRACHT, Valter. Sociologia crítica <strong>do</strong> esporte. 2ª ed. Ijuí/RG: Ed. Unijuí, 2003.BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s, 1988.CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. 2ª ed. São Paulo: Edusp, 2003.CHAUI, Marilena. Conformismo e resistência. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.40


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Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)SANTOS, Sales Augusto (Org.). Ações afirmativas e combate ao racismo nas Américas.Brasília: Ministério da Educação, SECAD, 2005.SUASSUNA, Dulce Maria Filgueira A. A intervenção socioambiental em comunidadespesqueiras: o caso <strong>do</strong> Projeto Tamar. Tese de <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> apresentada ao Programa dePós-Graduação em Sociologia <strong>do</strong> Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília,2001.___________________. Um olhar sobre políticas ambientais: o Projeto Tamar. ColeçãoDossiê. Brasília, Thesaurus, 2007.TELLES, Vera. Direitos sociais: afinal <strong>do</strong> que se trata? Belo Horizonte: Ed. UFMG,1999.VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.WITTGENSTEIN, L. Philosophical investigations. 3ª ed. Londres: Basil, Blackwell Ltd,1995.42


capítulo iiAnálise Comparativa dasPolíticas Públicas <strong>do</strong> Ministérioda Cultura no perío<strong>do</strong> de1996 a 2005: <strong>do</strong>cumentos, discursose a focalização <strong>do</strong> lazerAl<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong>IntroduçãoNo presente capítulo, de um mo<strong>do</strong> geral, analisam-se as políticaspúblicas <strong>do</strong> Ministério da Cultura (MinC), <strong>do</strong> ponto de vista teóricoe acadêmico, no intervalo compreendi<strong>do</strong> entre 1996, marco inicial<strong>do</strong> governo Fernan<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so (FHC), e 2005, na vigência<strong>do</strong> primeiro mandato <strong>do</strong> governo de Luís Inácio Lula da Silva (Lula).De mo<strong>do</strong> específico, realiza-se uma análise <strong>do</strong>cumental de PlanosPlurianuais (PPAs) , programas e ações, e uma análise de conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s. Entende-se por políticas públicas, aqui, a noção construída por Boneti (2006, p. 74),como sen<strong>do</strong> “ações que nascem <strong>do</strong> contexto social, mas que passam pela esfera estatalcomo uma decisão de intervenção pública numa realidade social, quer seja para fazer investimentosou para mera regulamentação administrativa”. É relevante, ainda, considerarno conceito o processo de “correlação de forças”, por intermédio <strong>do</strong> qual as políticasdeveriam ser formuladas e definidas. Consultar BONETI, Lin<strong>do</strong>man W. Políticas públicaspor dentro. Ijuí: Unijuí, 2006. O Plano Plurianual (PPA) compõe o ciclo orçamentário,que dá suporte às políticas públicas e é constituí<strong>do</strong> de três peças: o PPA – PlanoPlurianual, que define o cenário econômico; a LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias,43


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)discursos políticos de agentes representativos, no senti<strong>do</strong> de identificar,no plano das intenções, a concepção de cultura, o papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, oscritérios subjacentes ao modelo delinea<strong>do</strong> para a política pública e a focalização<strong>do</strong> lazer em cada governo considera<strong>do</strong>. Preocupou-se, ainda,em apontar a existência ou não de rupturas de ordem política, e a ideologiasubjacente ao modelo proposto por cada governo. Cabe ressaltar,no entanto, que deixa-se de la<strong>do</strong> o aprofundamento <strong>do</strong> desempenhoconcreto de tais políticas, em razão <strong>do</strong> nosso distanciamento em relaçãoàs mesmas.O interesse <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> na focalização <strong>do</strong> lazer justifica-se em razãode a Constituição Federal de 1988, tida como constituição cidadã,ter delinea<strong>do</strong> o fomento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> a este setor, crian<strong>do</strong> a expectativade “direito social” e de democratização <strong>do</strong> acesso aos bens culturaispor to<strong>do</strong>s os cidadãos. Desse mo<strong>do</strong>, o estu<strong>do</strong> representa uma contribuiçãoaos estu<strong>do</strong>s relaciona<strong>do</strong>s ao tema, em especial, àqueles quecircunscrevem o lazer como fenômeno cultural de grande significaçãohumana e social, muito embora, historicamente, a vontade política <strong>do</strong>sgovernos não tenham tal percepção e sensibilidade.Neste senti<strong>do</strong>, consideran<strong>do</strong> a periodização definida para aanálise (1996-2005), o problema delinea<strong>do</strong> para o objeto <strong>do</strong> capítulopode ser defini<strong>do</strong> pela seguinte questão:Que avaliação comparativa, de continuidade ou de ruptura política,pode ser feita entre os governos FHC e Lula, no que se refere àcultura, de um mo<strong>do</strong> geral, e ao lazer, de mo<strong>do</strong> específico, considequefixa a política de gasto <strong>do</strong> governo e orienta o processo orçamentário; e, finalmente,a LOA – Lei Orçamentária Anual, que promove as alocações específicas de recursos. OPPA, que corresponde ao perío<strong>do</strong> de quatro anos, tem início sempre no segun<strong>do</strong> ano<strong>do</strong> governo e vai até o primeiro ano <strong>do</strong> governo seguinte. Envia<strong>do</strong> pelo Presidente daRepública ao Congresso até o dia 31 de agosto <strong>do</strong> primeiro ano de seu mandato, deveser aprova<strong>do</strong> e sanciona<strong>do</strong> até o encerramento da mesma sessão legislativa, portanto, até15 de dezembro. Segun<strong>do</strong> o parágrafo 1º <strong>do</strong> artigo 165 da Constituição Federal, o PPA éobrigatório para o setor público e indicativo para o setor priva<strong>do</strong> e estabelece, de formaregionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para asdespesas de capital e outras delas decorrentes, e para as relativas aos programas de duraçãocontinuada a serem atingi<strong>do</strong>s no quadriênio. Consultar Ministério <strong>do</strong> Planejamento– Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos PPA 96/99. Disponível emhttp://aplicativos.planejamento.gov.br. Consultar também, BRASIL. (1988). ConstituiçãoFederal. Brasília: Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s.44


política e lazer: interfaces e perspectivasran<strong>do</strong>-se a dinâmica <strong>do</strong>s PPAs, <strong>do</strong>s programas, das ações e <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><strong>do</strong> discurso <strong>do</strong>s agentes <strong>do</strong> Ministério da Cultura?No plano meto<strong>do</strong>lógico, em especial, no que diz respeito aosprocedimentos da análise, a<strong>do</strong>ta-se uma abordagem de cunho qualitativo,com o apoio nas técnicas da análise <strong>do</strong>cumental e análise deconteú<strong>do</strong> . O estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos (PPAs, programas, ações e incentivos<strong>do</strong> MinC), nos <strong>do</strong>is governos, teve a intenção de mapear umatrajetória das políticas públicas <strong>do</strong> setor cultural, e a existência de programasvolta<strong>do</strong>s para o lazer da população.No senti<strong>do</strong> de estabelecer uma ponte entre teoria e empiria,além de descrever um cenário onde são produzi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos, osdiscursos <strong>do</strong>s agentes e políticas públicas, inicialmente faz-se umabreve incursão na história da relação entre Esta<strong>do</strong> e cultura no Brasilaté a década de 90, quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> início <strong>do</strong> governo FHC. Em segun<strong>do</strong>lugar, discorre-se, brevemente, sobre a noção de neoliberalismo, nosenti<strong>do</strong> de estabelecer relações entre o Esta<strong>do</strong> e as políticas públicasno cenário supracita<strong>do</strong>.Nas partes subseqüentes, discute-se para cada governo, separadamente,as políticas públicas de âmbito cultural e a focalização <strong>do</strong>lazer, levan<strong>do</strong>-se em conta o teor <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos e o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>spronunciamentos <strong>do</strong>s agentes <strong>do</strong> Ministério da Cultura.Por fim, são apresentadas as considerações finais, onde são apontadasas continuidades e rupturas, sob a forma de uma avaliação comparativadas intenções <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is governos, toman<strong>do</strong> por base a teoria eas análises realizadas.. No presente artigo, a concepção de ideologia apresenta-se como visão de mun<strong>do</strong>, o quese traduz pelo poder <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> sobre a sociedade ou, ainda, <strong>do</strong> poder da cultura européiasobre a cultura popular, derivan<strong>do</strong>, dentre outros, termos como ideologia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,ideologia <strong>do</strong> neoliberalismo, ideologia das políticas públicas, ideologia <strong>do</strong> racismoe ideologia da cultura <strong>do</strong>minante, etc. Por fim, entende-se, ainda, que a veiculação ouinculcação de uma visão de mun<strong>do</strong> implica em mascaramento da realidade social pelaclasse <strong>do</strong>minante sobre a classe <strong>do</strong>minada Essas interpretações encontram justificaçãoteórica em MARX, Karl. & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: MartinsFontes, 1989. Tradução: Luís Cláudio de Castro e Costa. Para a análise <strong>do</strong>cumental e<strong>do</strong>s pronunciamentos <strong>do</strong>s agentes, sob a forma de discursos, recorreu-se às orientaçõese categorias presentes nos estu<strong>do</strong>s de BARDIN, Laurence. Análise de conteú<strong>do</strong>. Lisboa:Edições 70, Lda, 1977. P. 30. Tradução: Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro; e, FIO-RIN, José Luiz. Elementos de análise <strong>do</strong> discurso. 13.ª ed. São Paulo: contexto, 2005.45


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Cabe registrar, ainda, que além <strong>do</strong> nosso distanciamento emrelação ao desempenho das políticas públicas <strong>do</strong> MinC, há limitaçõesno que se refere ao número de da<strong>do</strong>s levanta<strong>do</strong>s nos <strong>do</strong>cumentos, nos<strong>do</strong>is governos, bem como o pequeno teor de relações envolven<strong>do</strong> acultura e o lazer da população, presente nos referi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos,o que pode ser justifica<strong>do</strong> pela existência de um ministério particularpara cuidar <strong>do</strong> esporte e <strong>do</strong> lazer.No que se refere à literatura, discute-se o lugar das políticas públicasno debate atual, enquanto campo disciplinar de estu<strong>do</strong>s e pesquisas,suas bases teóricas, tipológicas e analíticas. Nessa ótica, sãopontuais e elucidativas as contribuições de alguns cientistas políticos ecientistas sociais, como Arretche (2003), Boneti (2003), Miceli (1984),Reis (2003), Souza (2003), Pimenta de Faria (2003), Demo (2001) eoutros. No que se refere à consistência da abordagem, num plano macro-estruturale reflexivo, recorre-se às teorias de Marx (1989), na suaobra A ideologia alemã ; Przeworski (1996), no estu<strong>do</strong> sobre a relaçãoEsta<strong>do</strong> versus merca<strong>do</strong>; Bourdieu (1999), Featherstone (1997), Laurell(1995), Santos (1979) e Melo (1999). Para fins de complementaçãoda análise, estu<strong>do</strong>s específicos das políticas públicas em esporte e lazersão considera<strong>do</strong>s, a partir <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s de Oléias (1999), Melo (2003),Padilha (2006) e outros .. Foram consulta<strong>do</strong>s, dentre outros, os seguintes autores: ARRETCHE, Marta. Dossiêagenda de pesquisas em políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, fev.2003, vol.18, no. 51, p. 7-10. ISSN 0102-6909; BONETI, Lin<strong>do</strong>man W. Políticas públicaspor dentro. Ijuí: Unijuí, 2006; PRZEWORSKI, Adam. Esta<strong>do</strong> e economia nocapitalismo. Rio de Janeiro: Relume – Dumará, 1995. Tradução de: Argelina Cheilub Figueire<strong>do</strong>e Pedro Zahluth Bastos; AZEVEDO, Al<strong>do</strong> A. Esta<strong>do</strong> e economia no capitalismo.Sociedadee Esta<strong>do</strong>. Volume XI, n.º 1, Jan./Jun., 1995.Resenha de PRZEWORSKI,Adam. Esta<strong>do</strong> e economia no capitalismo. Rio de Janeiro: Relume – Dumará, 1995.;DINIZ, Eli. Esta<strong>do</strong>, governo e políticas públicas: uma avaliação <strong>do</strong>s anos 90. 3 o Encontroda ABCP – Associação Brasileira de Ciência Política. Niterói, 28 a 31/7/2002.;FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Idéias, conhecimento e políticas públicas: um inventáriosucinto das principais vertentes analíticas recentes.Revista Brasileira de CiênciasSociais, fev. 2003, vol.18, no. 51, p. 21-30. ISSN 0102-6909; FEATHERSTONE, Mike.O desmanche da cultura: globalização, pós-modernismo e identidade. São Paulo: StudioNobel: SESC, 1997. Tradução de: Carlos Eugênio Marcondes de Moura; FREY, Klaus.Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticaspúblicas no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, IPEA, n. 21, jun.de 2000, p. 212-258; LAURELL, Asa C. (Org.). Esta<strong>do</strong> e políticas sociais no neoliberalismo.SãoPaulo: Cortez, 1995; MICELI, Sergio (Org.). Esta<strong>do</strong> e cultura no Brasil.São46


política e lazer: interfaces e perspectivasEsta<strong>do</strong> e Cultura no Brasil: história e <strong>do</strong>minaçãoDiscuto aqui, brevemente, um pouco da história da relação entreEsta<strong>do</strong> e cultura no Brasil. Essa abordagem inicial é relevante, namedida em que nos permite traçar o caminho das políticas públicas daárea cultural e identificar “se” e “como” ocorreram inserções de açõese programas de lazer nesse setor.Historicamente, o papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em relação à cultura brasileirapode ser interpreta<strong>do</strong> pela alternância entre a repressão à censurae as iniciativas de incentivo à produção cultural, além de tentar criaruma imagem integrada <strong>do</strong> nosso país, aproprian<strong>do</strong>-se da memória nacional.No entender de intelectuais e críticos, isso não atribui ao Esta<strong>do</strong>uma boa reputação.Neste senti<strong>do</strong>, é interessante observar que, em determina<strong>do</strong>smomentos da história, a cultura brasileira apresenta-se profundamentedesvalorizada pelas elites, dentre as quais, o Esta<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong>este toma como parâmetro de comparação a cultura européia e,mais recentemente, a norte-americana. Em outros momentos, certasmanifestações culturais regionais passam a ser supervalorizadas,enfatizan<strong>do</strong>-se, de forma nostálgica e ufanista, símbolos comoa música popular brasileira, a malandragem, o samba, o carnaval e,especialmente, o futebol.O que parece ficar subjacente a este contraste <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> aoconsiderar como cultura brasileira apenas as manifestações intelectuaise artísticas das elites ou valorizar as manifestações regionais típicascomo raízes nacionais, é a existência de um processo de apropriação,manipulação ou reelaboração dessas manifestações. É certo que, noinício <strong>do</strong> século XX, as elites repudiavam a participação popular emqualquer manifestação cultural, vez que os grã-finos da sociedade reconheciamcomo superiores as práticas culturais européias e desconsideravamas construções culturais locais, que contavam com a arte denegros, mulatos e pobres, fato que acirrou a ideologia <strong>do</strong> racismo.Pereira de Queiroz (1973), por exemplo, observou que o mo<strong>do</strong>Paulo: Difel, 1984. PADILHA, Valquíria.(Org.). Dialética <strong>do</strong> lazer. São Paulo: Cortez,2006. e, MARX, Karl. & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: MartinsFontes, 1989. Tradução: Luís Cláudio de Castro e Costa; BOURDIEU, Pierre.(Org.) Amiséria <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Petrópolis: Vozes, 1999; e, outros.47


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)de vida burguês começou a se difundir no Brasil aproximadamente apartir de 1820, muito antes <strong>do</strong> início da industrialização. Esse estilo devida demarcou não apenas uma diferenciação da população em termoseconômicos, mas principalmente <strong>do</strong> ponto de vista cultural, uma vezque os valores da vida intelectual européia foram toma<strong>do</strong>s como umsímbolo de distinção (QUEIROZ, 1973, p. 210).Aliás, o início da consolidação de uma sociedade urbano-industrialno Brasil, o desenvolvimento da “indústria cultural”, marcada pelahegemonia <strong>do</strong> rádio até a implantação da televisão nos anos cinqüenta,tornam-se cenários para a acentuada intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na cultura.É relevante ainda o fato de as ideologias <strong>do</strong> caráter nacionalbrasileiro terem assumi<strong>do</strong> uma nova direção a partir dessa década. Aapropriação, manipulação e conversão das manifestações popularesem símbolos de identificação nacionais passam a <strong>do</strong>minar o cenárioda cultura brasileira.As relações entre Esta<strong>do</strong> e cultura atravessaram os perío<strong>do</strong>s <strong>do</strong>incentivo, da República Velha, da participação organizacional-burocrática,no Esta<strong>do</strong> Novo e da militarização, a partir de 1969. De mo<strong>do</strong>genérico, pode-se dizer que o primeiro perío<strong>do</strong> identifica<strong>do</strong> com o incentivo<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> marca o início de uma expectativa de massificação.No segun<strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, o “Esta<strong>do</strong> Novo” de Vargas estabeleceu umapolítica que concorreu para o disciplinamento, a organização e o corporativismoda cultura, acompanhan<strong>do</strong> a legislação fechada da época.Curiosamente, no perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> intervalo democrático, compreendi<strong>do</strong>entre 1946 e 1964, o futebol já era considera<strong>do</strong> uma manifestaçãocultural autêntica, embora não fosse a única.Após 1964, a “indústria cultural”, em particular a televisão, seapropria de temas que figuram no cotidiano nacional, por meio demensagens ideológicas de trânsito fácil. Esse perío<strong>do</strong> tem como referênciaprincipal os anos da militarização, <strong>do</strong> autoritarismo, da censurae das torturas, que ocultaram as condições de cidadania <strong>do</strong> povo edesconsideravam direitos e reivindicações sociais.Segun<strong>do</strong> Oliven apud Micelli (1994), a Assessoria Especial deRelações Públicas (AERP), <strong>do</strong> general Médici, constituiu um <strong>do</strong>s maiseficientes mecanismos de campanha promocional <strong>do</strong> governo na épo-48


política e lazer: interfaces e perspectivasca, na medida em que tentou articular o slogan “Ninguém segura estepaís”, basea<strong>do</strong> no “milagre econômico”, que contou com o reforço naforça cultural <strong>do</strong> futebol.O carnaval que tomou conta <strong>do</strong> país, em 1970, com a conquista<strong>do</strong> tricampeonato mundial, era um para<strong>do</strong>xo da dura realidade social.Afinal, em plena ditadura, a grande massa fazia o jogo político <strong>do</strong> governoe deixava de la<strong>do</strong> os porões das torturas e da censura <strong>do</strong> regime.O samba, as mulatas, o carnaval e o futebol assumiram visibilidade significativana cultura brasileira, como produtos de exportação, cartãode visitas para estrangeiros e reconhecimento <strong>do</strong> Brasil no exterior.Ao longo desse regime, o Brasil foi derrota<strong>do</strong> nas copas de 1974,1978 e 1982. O futebol começava a ser questiona<strong>do</strong>, enquanto “tábua desalvação” <strong>do</strong> povo brasileiro. Por outro la<strong>do</strong>, a frustração que se abateusobre a população trouxe uma luz no fim <strong>do</strong> túnel: as eleições diretas. Aindaem 1982, as eleições diretas para governa<strong>do</strong>r, que introduziram novasregras no jogo político, iriam mudar o país, com a “Nova República”.Nesse perío<strong>do</strong>, ganham espaço junto à população as manifestações culturaisque se abrem à crítica política, seja na música, no teatro, no cinema,nas manifestações de rua, nos desfiles de carnaval, etc.Em 1985, foi cria<strong>do</strong> o Ministério da Cultura (MinC), em meioà retomada da democracia, após vinte anos de ditadura militar. A justificativa<strong>do</strong>s secretários estaduais de cultura foi a de que o governofederal deveria assumir seu papel na coordenação da política cultural.Um aspecto histórico relevante nesse processo é o fato de que instituiçõestradicionais já existentes, como o Museu Nacional de Belas Artes,a Casa de Rui Barbosa, o Instituto <strong>do</strong> Patrimônio Histórico e ArtísticoNacional (IPHAN) e a FUNARTE, boa parte situada no Rio de Janeiro,foram incorporadas pelo Minc.No entender de Meira (2004), este fato sempre foi considera<strong>do</strong>relevante, na medida em que dificultou muitas possibilidades de articulaçãode uma política integrada e nacional, se considerarmos o pesoque o Rio de Janeiro sempre exerceu na cultura brasileira, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong>uma antiga capital <strong>do</strong> país. Diante deste desarranjo, o papel de gestor<strong>do</strong> MinC tem si<strong>do</strong> modifica<strong>do</strong> nos últimos 19 anos, no que se refere àorientação institucional nacional (MEIRA, 2004).49


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Em 1988, a Constituição Federal consagra a relevância da culturacomo “direito”, quan<strong>do</strong> no Título “Da Ordem Social”, Capítulo III,Seção II, “Da Cultura”, foram inseri<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is parágrafos, 215 e 216,nos quais se explicitam os “direitos culturais” <strong>do</strong>s cidadãos. Aponta,ainda, o caráter protetor <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, no que se refere à democratização<strong>do</strong> acesso aos bens culturais, às fontes e às manifestações que to<strong>do</strong>cidadão deve ter acesso, em especial, as culturas populares, indígenase afro-brasileiras, dentre outras, no contexto <strong>do</strong> território nacional.Deve-se destacar também que os artigos 23 e 24 da constituição,estabelecem que os temas culturais e a proteção ao patrimôniocultural são de competência comum da União, <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s, <strong>do</strong> DistritoFederal e <strong>do</strong>s Municípios, sen<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong> concorrente quan<strong>do</strong> houverafinidade entre os diversos entes federa<strong>do</strong>s. O artigo 30, por suavez, afirma a competência <strong>do</strong>s municípios, atribuin<strong>do</strong> aos mesmos a .competência de “promover a proteção <strong>do</strong> patrimônio histórico-culturallocal, observada a legislação e a ação fiscaliza<strong>do</strong>ra federal e estadual”(BRASIL, 1988).Em 1989, com eleição de Fernan<strong>do</strong> Collor, as relações Esta<strong>do</strong> ecultura assumem novos rumos, acentuan<strong>do</strong> muitas dificuldades, além<strong>do</strong> descrédito atribuí<strong>do</strong> ao setor cultural por esse governo. Órgãos importantesforam extintos, e o MinC foi transforma<strong>do</strong> em Secretaria daCultura, diretamente vinculada à Presidência da República, situação quese reverteu <strong>do</strong>is anos depois, em novembro de 1992, em razão da fortepressão da comunidade cultural brasileira, que reagiu contra a política dedesmantelamento <strong>do</strong> ministério. Talvez, o único sal<strong>do</strong> considera<strong>do</strong> positivodesse perío<strong>do</strong> tenha si<strong>do</strong> a aprovação da Lei n.º 8.313/91, chamadade Lei Rouanet ou Lei Federal de Incentivo à Cultura.A conquista da Copa <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> de 1994, após vinte anos dejejum, apesar de servir de ponto de apoio para a recuperação da autoestimanacional, introduziu o futebol de resulta<strong>do</strong>s na Seleção Brasileirae, na política, acompanhou-se o controle de gastos nas áreas sociais enas políticas públicas, como a educação, a saúde e a cultura.Com a eleição <strong>do</strong> Presidente Fernan<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so(FHC), as influências <strong>do</strong> modelo neoliberal e <strong>do</strong> processo de globalizaçãonos seus diversos setores modificaram e serviram de baluarte à50


política e lazer: interfaces e perspectivasestrutura da política <strong>do</strong> governo, com prejuízos aos projetos sociais.Segun<strong>do</strong> Meira (2004), em 1995 houve uma reorganização da estrutura<strong>do</strong> MinC, transformada em lei em 1998. Uma virtude da gestão<strong>do</strong> Ministro Francisco Weffort foi a de ter recupera<strong>do</strong> e preserva<strong>do</strong> aexistência <strong>do</strong> Ministério, algumas vezes ameaça<strong>do</strong> pela “mão direita<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>”, leia-se equipe econômica. Ou seja, o governo FHC, deconcepção minimalista <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, manteve o MinC à mínguae o levou a investir quase toda sua capacidade institucional na modalidadede “mecenato” da Lei Rouanet, transferin<strong>do</strong> para o “merca<strong>do</strong>”grande parte da definição da “política cultural”.É nesse perío<strong>do</strong>, a partir de 1996, que nossa análise terá seuinício de fato.O Esta<strong>do</strong> Neoliberal e as Políticas PúblicasNesse tópico, a idéia inicial é compreender, brevemente, os termosliberalismo e neoliberalismo, na medida em que são úteis paraanalisar a relação entre o Esta<strong>do</strong> e as políticas públicas. Num segun<strong>do</strong>momento, busca-se o entendimento da dinâmica dessa relação nocontexto <strong>do</strong> neoliberalismo.Inicialmente, sabe-se que, no século XIX, o liberalismo clássicosignificou a separação entre o Esta<strong>do</strong> e a economia, com atentativa de despolitizar as relações econômicas e sociais pelacriação de uma sociedade de produtores e cidadãos, ten<strong>do</strong>como horizontes de ação os ideais <strong>do</strong> individualismo, <strong>do</strong> racionalismocientífico e <strong>do</strong> progresso social da época. Esse modeloentrou em crise por não dar conta <strong>do</strong> crescimento econômicoe de garantir a ordem social, o que provocou mudanças queatravessaram a década de 20 até a década de 70 <strong>do</strong> século XX,quan<strong>do</strong> o formato de Esta<strong>do</strong> Social também entra em crise.Suas principais prerrogativas, diferentemente <strong>do</strong> liberalismo,foram a legalização da classe operária e suas organizações,institucionalizan<strong>do</strong> uma parte <strong>do</strong> conflito de classes (trabalha<strong>do</strong>rese patrões), e a politização das relações civis por intermédioda intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na economia.51


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)O neoliberalismo, por sua vez, instaura-se nos anos 80, <strong>do</strong> séculoXX, e apóia-se na crise <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> social, que falhou na posição deconcilia<strong>do</strong>r <strong>do</strong> crescimento econômico com a legitimidade da ordemsocial; isto é, como regula<strong>do</strong>r da economia e <strong>do</strong>s conflitos sociais .Neste contexto é que aqui se posiciona a análise das relações entreo Esta<strong>do</strong> e as políticas públicas, onde o neoliberalismo se consolidacomo um padrão de acumulação de capital funda<strong>do</strong> no livre merca<strong>do</strong>, eque regula as ações e programas governamentais de mo<strong>do</strong> racional.O marco inicial dessa análise encontra-se na crise desse modelo,no mesmo perío<strong>do</strong> supracita<strong>do</strong>, com a fragilidade econômica,em especial, de países da América latina, o que traz à tona, na áreasocial, uma linha crescente de exclusão e desigualdade, impon<strong>do</strong> anecessidade de um questionamento em torno <strong>do</strong> modelo neoliberal.De mo<strong>do</strong> específico, é visível o enfraquecimento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileirona qualidade de ator central da condução das políticas públicas e <strong>do</strong>bem estar social da população, em razão das exigências <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>internacional.Os resulta<strong>do</strong>s desse modelo para a realidade brasileira tiveramcomo soluções as privatizações de grandes empresas estatais e o cortedrástico de investimentos em áreas sociais prioritárias para o desenvolvimento<strong>do</strong> país, sob o argumento central de que os programas deajuste e mudança estrutural <strong>do</strong> novo Esta<strong>do</strong> eram essencialmente denatureza econômica e, em decorrência, que os gastos nas áreas sociais. Do ponto de vista teórico, o atual neoliberalismo incorpora várias perspectivas, nãonecessariamente convergentes, a saber: Escola de Chicago, Escola Austríaca, Escola Virginiana<strong>do</strong> Public Choise e Escola Anarco-Capitalista. Na Escola de Chicago tem-se umavisão positivista da ciência típica <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> Círculo de Viena; defende-se que o fracassode políticas coletivistas não apresentam um caráter de necessidade, interessan<strong>do</strong>,portanto, as políticas econômicas concretas. A Escola Austríaca entende que o pano defun<strong>do</strong> <strong>do</strong> neoliberalismo é empírico e irracional, embora não positivista, e o merca<strong>do</strong> é osanciona<strong>do</strong>r final das ações eficientes <strong>do</strong>s sujeitos. A Escola Virginiana <strong>do</strong> Public Choiseapóia-se num liberalismo modera<strong>do</strong>, no racionalismo construtivista, no individualismoe no contratualismo. Critica o Welfaire State, entenden<strong>do</strong> que as instituições devemestar a serviço das preferências individuais. A Escola Anarco-Capitalista, por sua vez,apoiada em posições teóricas, ontológicas e valorativas, procura dar ao neoliberalismouma fundamentação mais ética <strong>do</strong> que econômica; porém, defende o individualismo(meto<strong>do</strong>lógico), a liberdade (<strong>do</strong> merca<strong>do</strong>), a privatização e uma menor incidência depreocupação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> com a previdência social. Para estu<strong>do</strong> mais detalha<strong>do</strong>, consultarLAURELL, Asa C. (Org.). Esta<strong>do</strong> e políticas sociais no neoliberalismo.São Paulo:Cortez, 1995, P. 77-80.52


política e lazer: interfaces e perspectivascomo a educação, a saúde e a cultura, por exemplo, eram secundáriose transitórios (BOURDIEU, 1999).Cabe ressaltar, ainda, que o avanço <strong>do</strong> neoliberalismo, orienta<strong>do</strong>pelo processo de globalização da economia, decorrente da expansãocapitalista, implicou a afirmação da condição <strong>do</strong>s países em vias dedesenvolvimento, como o Brasil, em nações periféricas. Essas naçõesencontram <strong>do</strong>is grandes obstáculos intransponíveis para superar essacondição, quais sejam: a) elementos histórico-estruturais herda<strong>do</strong>s(dependência e marginalização de coloniza<strong>do</strong>res e de grandes potênciaseconômicas, o que gera contradições no processo de modernizaçãoe na forma de inserção desses países na economia mundial globalizada);e, b) processos moderniza<strong>do</strong>res ineficientes (na medida em queimplicam num mecanismo de sobrevivência desses países no mun<strong>do</strong>moderno, desde que abram suas fronteiras ao capital internacional, nosenti<strong>do</strong> de obter uma falsa incorporação ou equiparação ao sistemamundial global com a falsa ilusão de desenvolvimento). Desse mo<strong>do</strong>,a superação da condição de periferia seria uma ilusão, significan<strong>do</strong>muito mais uma renovação de tal condição (CORBUCCI, 2003). .Pode-se acrescentar ao debate dessas questões algumas estratégiasque, segun<strong>do</strong> Petras (1996) constituem uma defesa ideológica <strong>do</strong>neoliberalismo, a saber: a) a irreversibilidade <strong>do</strong> processo de globalizaçãoda economia; b) o colapso das alternativas socialistas, na medidaem que esse modelo mostrou-se incapaz de dar conta <strong>do</strong>s problemassociais; c) os problemas sociais não são mais responsabilidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,poden<strong>do</strong> ser equaciona<strong>do</strong>s pela sociedade e pelo merca<strong>do</strong>; e, d)os problemas sociais não possuem raízes sistêmicas, isto é, não estãonas raízes estruturais da sociedade.Nestas perspectivas, em nosso entendimento, fica evidencia<strong>do</strong>que, em se tratan<strong>do</strong> de Brasil, o termo neoliberal encontra uma associaçãocom posturas políticas profundamente conserva<strong>do</strong>ras e defensoras<strong>do</strong> poder <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> e da repressão política e social de formaradical. Alia<strong>do</strong> ao processo de globalização, o neloliberalismo atingeáreas sociais como a cultura e o lazer da população, resultan<strong>do</strong> naquiloque Featherstone (1997) denominou como “desmanche da cultura”(FEATHERSTONE, 1997).53


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Nestas perspectivas, em nosso entendimento, fica evidencia<strong>do</strong> que,em se tratan<strong>do</strong> de Brasil, o termo neoliberal encontra uma associaçãocom posturas políticas profundamente conserva<strong>do</strong>ras e defensoras <strong>do</strong> poder<strong>do</strong> merca<strong>do</strong> e da repressão política e social de forma radical. Alia<strong>do</strong>ao processo de globalização, o neoliberalismo atinge áreas sociais comoa cultura e o lazer da população, resultan<strong>do</strong> naquilo que Featherstone(1997) denominou como “desmanche da cultura”.Assim, é de se deduzir que há entraves políticos acerca da natureza,<strong>do</strong>s princípios e das intenções das políticas públicas formuladas pelosagentes políticos <strong>do</strong> país. O que dizer, então, das políticas públicas noespaço da cultura, que sofreram as influências da globalização cultural egeraram, entre outras, contradições entre o local e o global, o tradicional eo moderno, em razão da imposição de novos padrões internacionais?É neste cenário de <strong>do</strong>minação <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> que, a partir de 1996, ogoverno FHC, ao assumir o poder, faz uma adequação de suas políticaspúblicas no setor cultural. Em 2005, já sob a vigência <strong>do</strong> governo Lula, háuma busca de alternativas de superação, pela ação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.Políticas Públicas no Âmbito Cultural no GovernoFHC e a Focalização <strong>do</strong> LazerNo presente item, aponto algumas questões relacionadas à natureza,princípios e intenções das políticas públicas no âmbito cultural,no governo FHC. Para tal, considero relevante registrar, antes, o fatode que para Melo (1999) há uma relação de proximidade entre as políticaspúblicas e os órgãos governamentais, o que possibilita tentativasde análises normativas, prescritivas e descritivas, como o estu<strong>do</strong> queaqui se desenvolve.No que se refere à natureza, princípios e intenções das políticaspúblicas no campo cultural, há um aspecto a ser leva<strong>do</strong> em conta: adiversidade e complexidade da própria idéia de cultura. Essas referênciasconferem a esse espaço uma infinidade de possibilidades de setoresde análise como cinema, artes, patrimônio, literatura, até mesmo oesporte e o lazer, etc.54


política e lazer: interfaces e perspectivasOutra questão que se impõe, ainda, é que se tem pouca clarezasobre quem formula tais políticas e como elas são implementadas. Háque se considerar, também, a verificação de que, com freqüência, apolítica pública faz a política, na medida em que muitos governos sãopor vezes identifica<strong>do</strong>s por intermédio da primeira . Tal fato é comumaos governos FHC e Lula, se levarmos em conta o “comunidade solidária”e o “Fome Zero”, respectivamente.No governo FHC, observa-se que o programa “ComunidadeSolidária”, por exemplo, identificou o governo como assistencialista esubserviente ao merca<strong>do</strong> internacional. Detecta-se, portanto, no quese refere à natureza de uma política pública, o discurso da “solidariedade”como forma de “inclusão social”. A questão é que há uma relaçãocontrária e complexa entre assistencialismo e emancipação.Se para programas sociais abrangentes e unifica<strong>do</strong>res como oComunidade Solidária houve auxílios e investimentos residuais proporcionaisà condição desfavorecida da própria população, optou-sepelo fomento à dependência irreversível da situação de pobreza e miserabilidadedas pessoas, a partir da distribuição de benefícios ridículos,como bolsas e vales irrisórios, em troca da autonomia de cidadãos, sujeitosde sua própria história, que entregam seus problemas nas mãosde poderosos para que estes resolvam. Do mesmo mo<strong>do</strong>, no que serefere à cultura e a sua diversidade de setores, tais valores e incentivosforam relega<strong>do</strong>s a um plano inferior.Neste senti<strong>do</strong>, Demo (2001) é elucidativo ao dizer que: “...nocapitalismo a assistência tem ti<strong>do</strong> influência relevante quan<strong>do</strong> se destinaa pobrezas residuais, dentro <strong>do</strong> teorema social liberal: os recursossão inversamente proporcionais ao tamanho da miséria”.A desconsideração da cultura e, portanto, <strong>do</strong> lazer, nos projetosculturais, corporifica-se na idéia de uma falsa solidariedade que implicano chamamento da sociedade a atividades de cunho voluntário, mas de-. Estas questões guardam íntima relação com o fato de que na formulação de políticas háque se levar em conta as prioridades <strong>do</strong>s cidadãos, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e da sociedade civil. Portanto,em cada um desses segmentos existem prioridades em termos de políticas. Essasidéias encontram-se em: PRZEWORSKI, Adam. Esta<strong>do</strong> e economia no capitalismo. Riode Janeiro: Relume – Dumará, 1995. Tradução de: Argelina Cheilub Figueire<strong>do</strong> e PedroZahluth Bastos. Ver, também, AZEVEDO, Al<strong>do</strong> A. (op. cit.)55


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)pendentes <strong>do</strong>s favores <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Embora o voluntarismo seja útil ao associativismoe ao individualismo, da forma como é incluí<strong>do</strong> nas propostas<strong>do</strong> MinC, no governo FHC, não contribui e nem é estratégia suficiente auma conquista da cidadania da população, na luta por seus direitos sociaisbásicos, luta contra a pobreza e outras desigualdades sociais.Cabe ressaltar, no entanto, que houve, no plano das intenções, aprevisão no Plano Plurianual (PPA), desde 1996 até 1999, a descentralização<strong>do</strong>s gastos, no senti<strong>do</strong> de direcionar a ação direta <strong>do</strong> ProgramaComunidade Solidária para as populações mais pobres nos Municípiosmais carentes. Nessa estratégia, no entanto, a palavra de ordem foi aação em parceria, envolven<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>s, Municípios e sociedade (iniciativaprivada e Organizações não-governamentais), e executa<strong>do</strong> a partir deinstâncias e unidades descentralizadas com poderes para definir ondegastar os recursos públicos . Nas linhas propostas pelo PPA, para o perío<strong>do</strong>,o redesenho <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e de sua forma de atuação tornou-se parteindissociável das mudanças em curso no País e da construção de umnovo modelo de desenvolvimento, ambos tributários da consolidação <strong>do</strong>processo de estabilização preconizada pelo Plano Real.Portanto, há um avanço em relação ao plano das intenções devi<strong>do</strong>à força jurídica constitucional. Embora tenham existi<strong>do</strong> as intenções nogoverno FHC, é bem verdade que a pauta desse governo primou peloelitismo de gabinete e pela “racionalização” de uma economia fundadana estabilidade como um fim. Aliás, a priorização da estabilidade comopolítica central permite retomar uma idéia de Weber (1987), a saber: “...onde a apropriação capitalista é racionalmente efetuada, a ação correspondenteé racionalmente calculada em termos de capital” .. A análise <strong>do</strong>cumental empreendida aqui tomou por base o relatório de acompanhamento<strong>do</strong> PPA, de 1996 a 1999, <strong>do</strong> governo FHC. Consultar Ministério <strong>do</strong> Planejamento- Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos PPA 96/99. Disponível emhttp://aplicativos.planejamento.gov.br.. O conceito de “racionalização” foi desenvolvi<strong>do</strong> pelo sociólogo Max Weber e serviucomo referência explicativa e operacional para o avanço significativo alcança<strong>do</strong> pelasorganizações burocráticas, a partir da segunda metade <strong>do</strong> século XIX até os dias atuais.A gestão moderna incorporou, dentre outros, os critérios de previsibilidade, da contabilidadee <strong>do</strong> cálculo racional como fins. consultar WEBER, Max A ética protestante e oespírito <strong>do</strong> capitalismo. São Paulo: Livraria e Editora Pioneira, 1987. Tradução: M. Irenede Q. F. Szmrecsanyi e Tamás J. M. Szmrecsanyi. Op. Cit. P.5; e, WEBER, Max. Economiae sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: EdUnB, 1994. P.18-19.Tradução: Regis Brabosa e Karen Elsabe Barbosa.56


política e lazer: interfaces e perspectivasNesta perspectiva, acompanhan<strong>do</strong> a noção de “solidariedade“,que foi usada falsamente para sensibilizar a malha social, é evidenteque a intenção era dar suporte social ao Plano Real. Por que haveria,então, de se preocupar com as mudanças na estrutura política, no sistemaprodutivo e na sociedade? Por que gastar com políticas públicasculturais?Análise Documental <strong>do</strong> Plano Plurianual (1996-1999),Programas e Ações <strong>do</strong> Ministério da Cultura noGoverno FHCA partir de uma análise das estratégias <strong>do</strong> PPA (1996-1999) ,o plano das intenções para a cultura encampa<strong>do</strong> pelo MinC, teve nadescentralização, a possibilidade de viabilizar o que se denominou nogoverno FHC, de “eficiência <strong>do</strong> gasto público”, realinhan<strong>do</strong> a políticacultural com a política de privatização instaurada.Em que pese as iniciativas de preservação <strong>do</strong> patrimônio (histórico,artístico e arqueológico), apoiadas pelo Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID), ressalta-se o início da implantação <strong>do</strong> Centrode Referência e Documentação da Cultura Afro-Brasileira, ti<strong>do</strong> comouma das ações fundamentais para a aquisição da cidadania deste importantesegmento da população brasileira, e também as ações de difusãocultural e promoção <strong>do</strong> hábito de leitura, apontadas no PPA. Fica evidentea ênfase na política de patrocínios para a cultura, como um <strong>do</strong>smaiores trunfos para atingir a descentralização.Num paralelo com o esporte e o lazer, houve no plano das intençõesuma tentativa de “fomento” ao chama<strong>do</strong> esporte social. Um<strong>do</strong>s segmentos desse modelo foi o chama<strong>do</strong> “esporte solidário”, no qualidentifica-se a tentativa <strong>do</strong> PPA de realinhar essa área ao grande programa<strong>do</strong> governo: o “Comunidade Solidária”. Embora se constitua comoequivocada, a intenção se estendeu para os âmbitos <strong>do</strong> lazer e da edu-. Optou-se aqui por analisar o PPA de FHC (1996-1999), em suas linhas gerais, e nãoanalisar o PPA de FHC 2000-2003, mas, discutir alguns de seus programas culturaisprincipais.57


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)cação, para propiciar a “assistência” <strong>do</strong> discurso <strong>do</strong> “solidário” junto àscomunidades carentes e aos porta<strong>do</strong>res de deficiência física .Não quis o PPA, portanto, deixar a cultura, o esporte e o lazerfora <strong>do</strong> contexto global, na medida em que era relevante no momentoa constituição de redes, no senti<strong>do</strong> de acompanhar as transformaçõesem curso na sociedade, especialmente no setor de informatização.Para além <strong>do</strong> PPA, no intuito de dar sustentação a um ponto devista crítico, ressalto como fundamental o impulso da<strong>do</strong> pelo MinC naLei Rouanet. Essa lei regulou diretamente os investimentos e patrocíniosem bens e valores culturais, com concessão de isenção de Imposto deRenda aos projetos culturais e também aos projetos nas áreas de esportese lazer, ainda que estes tivessem um ministério específico 10 .É visível, neste texto legal, a perspectiva de criação de um “merca<strong>do</strong>da cultura”, a partir <strong>do</strong>s estímulos à instrumentalização de pareceriaspara projetos culturais, ampliação da participação das empresas,pela dedução de Imposto de Renda , na ordem de 2% até 5%, ea possibilidade de utilização de até 25% <strong>do</strong>s produtos culturais, porparte <strong>do</strong>s investi<strong>do</strong>res, para fins promocionais.Na perspectiva jurídica, ainda que tal legislação conceda umacontrapartida financeira ao desenvolvimento de projetos no setor,. No teor <strong>do</strong> PPA consta que o objetivo <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> Solidário era “garantir o desenvolvimentode projetos de esporte para crianças e a<strong>do</strong>lescentes em regiões de reconhecida carênciaassistencial”. Sua continuidade dependeria <strong>do</strong> “estabelecimento de parcerias comvários segmentos da sociedade para otimizar espaços e infra-estruturas já instala<strong>do</strong>s,programas em andamento e mobilizar vários atores sociais para fomentar a massificaçãoda prática desportiva”.10. Criada em 1991, no governo Collor, para incentivar investimentos culturais, a Lei Federalde Incentivo à Cultura (Lei n.º 8.313/91), ou Lei Rouanet, como também é conhecida,pode ser usada por empresas e pessoas físicas que desejam financiar projetosculturais. Ela institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), que é forma<strong>do</strong>por três mecanismos: o Fun<strong>do</strong> Nacional de Cultura (FNC), o Incentivo Fiscal (Mecenato),e o Fun<strong>do</strong> de Investimento Cultural e Artístico (Ficart).O FNC destina recursos aprojetos culturais por meio de empréstimos reembolsáveis ou cessão a fun<strong>do</strong> perdi<strong>do</strong> e oFicart possibilita a criação de fun<strong>do</strong>s de investimentos culturais e artísticos (mecanismoinativo).O Mecenato viabiliza benefícios fiscais para investi<strong>do</strong>res que apoiam projetos culturaissob forma de <strong>do</strong>ação ou patrocínio. Empresas e pessoas físicas podem utilizar a isenção ematé 100% <strong>do</strong> valor no Imposto de Renda e investir em projetos culturais. Esta Lei foi alteradaoriginariamente pela Medida Provisória 1.589, de 24 de setembro de 1997, que apóssucessivas reedições foi transformada na Lei nº 9.874, de 23 de novembro de 1999, jána vigência <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Presidente Fernan<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so.58


política e lazer: interfaces e perspectivasconstata-se a natureza voluntária e a intencionalidade de prestar uma“assistência” imediata e sem um ponto de origem claro e consciente naimplementação da ação.Este é um tema que se insere no debate da concentração <strong>do</strong> poderlegislativo sobre as políticas públicas na esfera federal, até mesmo emáreas menos prioritárias, como cultura, esporte e lazer, com o agravantede que os <strong>do</strong>is últimos se incluem na esfera <strong>do</strong> primeiro, consideran<strong>do</strong>,ainda, o interesse da iniciativa privada no processo.Nas entrelinhas <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> jurídico, percebe-se que a Lei Rouanetnão incorporou a intenção de discutir a questão das desigualdadessociais <strong>do</strong> país. Desse mo<strong>do</strong>, em concordância com Boneti (2006)aponto aqui como contraponto de crítica ao encaminhamento dessa leiestratégica <strong>do</strong> governo FHC, o fato de que, em geral,... os agentes defini<strong>do</strong>res das políticas públicas que representamos interesses das classes <strong>do</strong>minantes e que têmpoder de barganha no âmbito da correlação de forças nasua definição não levam em consideração o caráter desigualdadeda sociedade e consideram que a igualdade seresume na conquista de interesses específicos <strong>do</strong>s grupose indivíduos por meio das instâncias jurídicas, como se apossibilidade de acesso aos direitos sociais fosse igual parato<strong>do</strong>s (BONETI, 2006).Acrescento, ainda, as contribuições de Silva (2001), que apontoucomo princípios das estratégias políticas <strong>do</strong> modelo neoliberal,presentes no programa social “Comunidade Solidária”, a benevolênciae a bondade nos discursos, a secundarização da responsabilidadepública pelas políticas sociais, na centralização <strong>do</strong> governo federal, emações focalizadas e seletivas, com indefinição e dependência de recursosde vários ministérios, apresentan<strong>do</strong> um caráter de instabilidadeaos programas. Com isso, faz senti<strong>do</strong> o fato de que na essência da LeiRouanet e <strong>do</strong> PPA, <strong>do</strong> governo FHC, tem-se claro uma intenção de assistencialismoe não priorização <strong>do</strong> campo cultural, mas, uma sujeiçãodeste ao campo econômico priva<strong>do</strong>.59


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Verifica-se um princípio comum, qual seja, a não “focalização”<strong>do</strong> lazer, nas políticas públicas <strong>do</strong> MinC. Ao conceber essas áreas comoinvisíveis, no plano <strong>do</strong> senso comum, talvez a intencionalidade <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>rtenha si<strong>do</strong> de incorporar o lazer no campo <strong>do</strong>s “congêneres”. É oque sugere o trecho abaixo, no qual o lazer estaria diluí<strong>do</strong>, mas subordina<strong>do</strong>à idéia de espetáculo: “...a produção comercial de espetáculos teatrais,de dança, música, canto, circo e demais atividades congêneres”.(Lei n.º 8.313/91 – Lei Rouanet, Art. 3º. , II, alínea “e” ).De qualquer forma, percebe-se que houve uma restrição à diversidadecultural, o que permitiria uma explicitação <strong>do</strong> lazer comoforma cultural típica das multidões, que é produtor de identidades econfere estilo de vida às pessoas. Isso nos permite chegar à deduçãode que tais políticas restringiram-se a ações circunstanciais e emergenciais<strong>do</strong> ministério, no senti<strong>do</strong> de incorporar, indiretamente, o lazercomo direito consagra<strong>do</strong> na Constituição Federal de 1988. As políticassociais de FHC, portanto, apresentaram tal caráter, na tentativa debuscar uma compensação de setores sociais vulneráveis e carentes decultura e <strong>do</strong> lazer, porém, não focaliza<strong>do</strong>s na esfera <strong>do</strong>s direitos e dasdistorções estruturais da sociedade brasileira.Assim, no que se refere à efetivação de direitos sociais, as políticaspúblicas de cultura no governo FHC se processaram apenas naaparência e na visibilidade <strong>do</strong> consenso e não pelo conflito das classes,fican<strong>do</strong> apenas no plano da solidariedade e à mercê de financia<strong>do</strong>res(empresas). Entende-se aqui que houve uma intencionalidade de secundarização,focalização excludente e fragmentação das políticas públicas,que não consideraram os direitos e a autonomia <strong>do</strong>s cidadãos.Tais precauções concorrem para o conhecimento e aprofundamentoda dinâmica interna das políticas públicas 11 .11. Estu<strong>do</strong> relevante que aborda de forma consistente a dinâmica interna das políticas públicasfoi realiza<strong>do</strong> por Boneti, ao concebê-las como um processo de correlação de forçasna sociedade, com objetivos claros e bem defini<strong>do</strong>s, ações de intervenção horizontais everticais e agentes formula<strong>do</strong>res e defini<strong>do</strong>res, ten<strong>do</strong> em vista o atual contexto globaliza<strong>do</strong>e seus efeitos sobre a política, a economia e demais esferas sociais. Consultar paramaior aprofundamento <strong>do</strong> tema, BONETI, Lin<strong>do</strong>man W. Políticas públicas por dentro.Ijuí: Unijuí, 2006.60


política e lazer: interfaces e perspectivasOs Programas e o Lazer no Governo FHCPara uma breve caracterização desse tópico, optamos por citaralguns programas de referência <strong>do</strong> Ministério da Cultura, no governoFHC, e a relevância <strong>do</strong>s mesmos, no senti<strong>do</strong> de apontar a focalização<strong>do</strong> lazer enquanto um direito e condição de cidadania da população.É certo que existem oposições visíveis entre cultura e lazer, na medidaem que, na primeira, diversas manifestações prestam-se ao lazer, masnão há nos programas culturais uma ênfase ou objetivos volta<strong>do</strong>s paraele. O que sugere a presente análise, como veremos no conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>sprogramas, é que o lazer, embora não focaliza<strong>do</strong> diretamente, encontra-sediluí<strong>do</strong> nas práticas e manifestações discriminadas.Optamos por situar os anos de 2001 e 2002, já no final <strong>do</strong> governoFHC, no senti<strong>do</strong> de identificar a consolidação da política decultura, no que se refere a oferta de programas.Em 2001, podem ser considera<strong>do</strong>s como relevantes os seguintesprogramas:1) Cultura Afro-Brasileira: objetivou a promoção da garantia<strong>do</strong>s direitos humanos. Atenção especial à comunidade negra,com formação de <strong>do</strong>centes e pesquisa<strong>do</strong>res interessa<strong>do</strong>s nos estu<strong>do</strong>s<strong>do</strong>s quilombos, restaurações de patrimônios, realizaçãode eventos da área. Justificou-se pela ausência de investimentos<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na cultura afro-brasileira;2) Gestão da Política de Cultura: objetivou o desenvolvimentoda indústria cultural no Brasil. Teve como direcionamento o desenvolvimentode um sistema de informações e da organizaçãoda cultura no país;3) Museu, Memória e Futuro: objetivou o desenvolvimento daindústria cultural, sob a perspectiva da preservação de museus erealização de exposições, com estímulo às visitas a museus;4) Música e Artes Cênicas: objetivou o desenvolvimento da indústriacultural, sob a ótica das bandas, orquestras e promoçãode eventos e concursos nesses setores;5) Produção e difusão Cultural: objetivou o desenvolvimento da61


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)indústria cultural, a partir da modernização e apoio a eventosculturais no Brasil e no exterior.Se considerarmos que o lazer transcende a mera prática <strong>do</strong>lazer esportivo, tais programas pressupõem que a apreciação damúsica, das artes, visitas a museus, acesso a informações e conhecimentoda cultura afro-brasileira constituem modalidades fundamentaisde uso <strong>do</strong> tempo livre. Porém, entende-se que tais programasnão aprofundam a questão das desigualdades, da cidadaniae da popularização da “indústria cultural”, ainda que se leve emconta a relevância da cultura negra.Em 2002, etapa final <strong>do</strong> governo FHC, a concepção <strong>do</strong>s programasanteriores é mantida, apresentan<strong>do</strong> dificuldades de aferiçãode resulta<strong>do</strong>s e apenas alguns novos contornos 12 . No caso <strong>do</strong> ProgramaCultura Afro-Brasileira, um <strong>do</strong>s mais relevantes, aponta-secomo resulta<strong>do</strong>s a titulação de novos quilombos e a restauração desítios históricos remanescentes, novas informações sobre a culturanegra e resgate histórico da mesma, com ênfase às práticas dasdanças e da “capoeira”.Nesse ponto, entende-se como relevante este último programa,por propiciar o “lazer” sob a forma de vivência cultural e conhecimento.Também, o Programa Museu, Memória e Futuro, apresenta-secomo relevante ao conceituar a idéia de museu, e, nesse senti<strong>do</strong>, servecomo “lazer” pela educação e deleite da população. No que se refereao programa Gestão da Política de Cultura, tanto em 2001 quanto em2002, não se registra resulta<strong>do</strong>s expressivos.A seguir, veremos no plano <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s pronunciamentos(discursos) <strong>do</strong>s agentes a linha de ação, ideologia, as metas e perspectivaspreconizadas. Optamos por resgatar pronunciamentos de posse ede proposições, o que ocorreu tanto para o governo FHC quanto parao governo Lula.12. Os resulta<strong>do</strong>s principais para a análise, aqui expostos, foram sintetiza<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s relatóriosde avaliação <strong>do</strong>s programas <strong>do</strong> Ministério da Cultura, disponíveis em: http://www.abrasil.gov.br/avalppa/RelAvalPPA2002/default.62


política e lazer: interfaces e perspectivasO Conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> Discurso <strong>do</strong>s Agentes <strong>do</strong> Ministérioda Cultura <strong>do</strong> Governo FHCA intencionalidade <strong>do</strong> governo FHC em encaminhar medidasracionais orientadas para o merca<strong>do</strong> e para os eixos <strong>do</strong> neolberalismo,pelo chamamento das empresas privadas, aponta descaminhos paraas políticas públicas, geran<strong>do</strong> distorções nos critérios da focalização,verticalidade e horizontalidade. Embora se releve a essencialidade dacultura como setor de desenvolvimento <strong>do</strong> país, tal intencionalidade deentrega das rédeas da cultura à iniciativa privada encontra-se expressano pronunciamento <strong>do</strong> então Ministro da Cultura, Francisco Wefort,no final de 1995:Cultura é EssencialPara o governo Fernan<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so, a cultura é parteessencial <strong>do</strong> desenvolvimento <strong>do</strong> País. Daí a sua concepção deparceria entre Esta<strong>do</strong> e Empresa, manten<strong>do</strong> as responsabilidades<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, ao mesmo tempo que estimula a participaçãoda iniciativa privada e da sociedade civil. A recente reforma daregulamentação da Lei de Incentivo à Cultura instrumentalizouessa parceria, ao fortalecer o merca<strong>do</strong> de projetos culturaise ampliar a participação das empresas, com o aumento <strong>do</strong>spercentuais de dedução tributária, cujo limite cresce agora de2% para 5%. A meta é desburocratizar o uso da lei. A liberdadede criação artística e o acesso à cultura são manifestações dacidadania preciosas para um projeto de Nação. As empresase a sociedade civil têm um importante papel nesse processo,que cuidamos de viabilizar. (Francisco Weffort , Ministro daCultura, Brasília, Setembro, 1995).Corrobora com os princípios merca<strong>do</strong>lógicos explícitos no escopodas políticas públicas no setor cultural, a visão <strong>do</strong>, então, Secretáriode Apoio à Cultura, <strong>do</strong> governo FHC:... o investimento priva<strong>do</strong> em cultura é um poderoso parceiro<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no desenvolvimento econômico e social.Experiências conhecidas de empresas que investem com63


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)regularidade em atividades culturais comprovam o retornosatisfatório desse tipo de marketing, tanto em termosinstitucionais como, em alguns casos, inclusive na alavancagemde produtos. Este resulta<strong>do</strong>, alia<strong>do</strong> aos benefíciosfiscais decorrentes da Lei Federal de Incentivo à Cultura,faz da parceria Esta<strong>do</strong>/iniciativa privada/produtor culturalum merca<strong>do</strong> promissor, só comparável ao merca<strong>do</strong> publicitário,um vez que envolve, necessariamente, os meiosmodernos de comunicação. Isso é o que faz <strong>do</strong> investimentoem cultura um bom negócio (José Álvaro Moisés– Secretário de Apoio à Cultura, 1995 – Discurso)Em outro discurso, o mesmo secretário faz uma alusão ao marketing,como uma estratégia promocional e merca<strong>do</strong>lógica, com umareferência comparativa aos patrocínios no esporte:Os incentivos que o governo dá a empresas que investemna produção cultural vêm confirmar, entre nós, umaforte tendência internacional no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s negócios: acrescente opção pelo marketing cultural. Por esse motivo,apontam os especialistas, patrocínios artísticos e culturaisestão conquistan<strong>do</strong> espaços tradicionalmente ocupa<strong>do</strong>spor outras estratégias de promoção de imagem, inclusivepatrocínios esportivos. (José Álvaro Moisés – Secretáriode Apoio à Cultura, 1995)Entende-se, portanto, que ao conceber a cultura como um “bomnegócio” fica evidencia<strong>do</strong> que o lazer da população não seria objeto deapoio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> como direito <strong>do</strong>s cidadãos, ainda que a cultura, por sisó, resulte em possibilidades de lazer.Cabe ressaltar, ainda, que nessa linha de interpretação da cultura,são capturadas, em outros fragmentos <strong>do</strong> mesmo discurso, categoriastípicas <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, como “simbólico”, “ espetáculo”, “imagem”,“ marca”, “produto”, “marketing estratégico” , num contextode “globalização”, conceben<strong>do</strong> o turismo, a cultura e o lazer enquantoelementos de uma indústria bastante lucrativa, como descrito abaixo:64


política e lazer: interfaces e perspectivasO marketing cultural oferece a mais rica gama de opções, nouniverso simbólico, de valores que o empresário pode agregarà imagem de seu empreendimento ou à marca de seuproduto, a depender da estratégia estabelecida. (..).Nuncaos museus foram tão visita<strong>do</strong>s, as obras de arte valorizadase não há paralelo para os lucros que obtêm hoje os entretenimentosculturais e o show-business. Turismo, cultura elazer integram-se nos planos de negócios de uma poderosaindústria, na era da globalização, da qual o Brasil não podeabrir mão. Diferentemente <strong>do</strong> que se temia, a integração econômicainternacional tem revitaliza<strong>do</strong> as culturas nacionais,regionais e locais (...). (José Álvaro Moisés – Secretário deApoio à Cultura, 1995)Em 1998, as ações <strong>do</strong> MinC se pautaram pela tentativa deafirmação da cultura como um direito, ten<strong>do</strong> como referência aconstituição federal de 1988. Sob esse direcionamento, as intençõesvoltaram-se para a garantia <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong>s direitos culturais,o acesso às fontes de cultura, valorização e incentivo à produçãocultural e preservação <strong>do</strong> patrimônio nacional. O discurso socialveicula<strong>do</strong> foi o da redução das desigualdades socioculturais presentesnas regiões <strong>do</strong> país.Vale ressaltar que as possibilidades de lazer nessa agenda de1998 estiveram contempladas na realização de festas de cunho popular,implantação de centros de difusão cultural e de bibliotecas e a dinamizaçãode diversas atividades, a exemplo da realização de festivaisde música e cinema.Em 1999, o MinC reforçou o discurso em prol da democratizaçãoe da descentralização da cultura, sem deixar de la<strong>do</strong> a relevância dainiciativa privada nos seus propósitos, como expresso no trecho abaixo,em pronunciamento ministerial: “No ano de 1999, o MinC reorganizou-sepor áreas temáticas, reforçan<strong>do</strong> a democratização de informaçõese manifestações culturais. Na procura de diversificação dasfontes de financiamento, buscou divulgar a legislação de incentivo àcultura e fortalecer parcerias com governos estaduais e municipais,65


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)organismos internacionais e iniciativa privada (...)” (Pronunciamento<strong>do</strong> Ministro Francisco Weffort. Ministério da Cultura, 1999).É possível perceber no texto alguma ligação com o lazer por meiodas manifestações culturais, com implantação de mais espaços para a práticae maior incentivo financeiro aos programas relaciona<strong>do</strong>s à cultura.Não há, portanto, uma diretiva de abordagem <strong>do</strong> lazer no discurso.Políticas Públicas <strong>do</strong> Ministério da Cultura no governoLula e a Focalização <strong>do</strong> LazerA considerar a interpretação inicial das políticas públicas no governoFHC, também faz senti<strong>do</strong> aqui afirmar que a política pública faza política. Desse mo<strong>do</strong>, uma interpretação <strong>do</strong> Programa Fome Zero,principal bandeira <strong>do</strong> governo Lula, permite entender que há uma“prioridade”, uma política de ação identifica<strong>do</strong>ra.Ainda que existam críticas ao “Fome Zero”, seja como “golpepublicitário” ou como base de sustentação política, na medida em queninguém é a “favor da fome”, a verdade é que, apesar das contradiçõesque encerra, o programa passou a figurar como um direito social,que vem contribuin<strong>do</strong> para uma segurança alimentar da populaçãocarente. Esse programa articulou e se integrou à emancipação dessapopulação, oferecen<strong>do</strong> uma condição básica mínima para a conquistade outros direitos como cidadãos brasileiros.Um <strong>do</strong>s ramos principais desse programa é o “Bolsa família”,que transfere renda aos pobres. Também, o Programa Nacional de AlimentaçãoEscolar (PNAE), o Programa Nacional de Fortalecimentoda Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa Primeiro Empregoconstituem outros pilares de sustentação <strong>do</strong> “Fome Zero”. Ressalta-se,ainda, o esforço governamental por mais empregos e postos de trabalhopara a população, no senti<strong>do</strong> de se ter uma garantia contra a fomee o combate à pobreza.Neste senti<strong>do</strong>, o Fome Zero identificou e vem servin<strong>do</strong> de âncorapara um Esta<strong>do</strong> que deseja constituir uma base sólida mínima,para que a sociedade possa lutar e desfrutar de outros direitos, por66


política e lazer: interfaces e perspectivasintermédio <strong>do</strong> exercício da sua cidadania. Desse mo<strong>do</strong>, a cultura podeser identificada como um desses direitos a serem focaliza<strong>do</strong>s e, no seubojo, a conquista <strong>do</strong> direito ao lazer.Ficou evidencia<strong>do</strong> na análise anterior que a principal herança<strong>do</strong>s oito anos de governo FHC, em matéria de cultura, para o governoLula, além da subordinação ao merca<strong>do</strong>, foi o isolamento político <strong>do</strong>MinC. Desse mo<strong>do</strong>, não havia iniciativas e ações culturais articuladascom outros setores, a exemplo de setores estratégicos como o turismo,as comunicações, o meio-ambiente e o próprio lazer da população, oque indicava uma situação de fechamento político <strong>do</strong> MinC, no finalde 2002. Entende-se, portanto, que o governo Lula, em seus programas,tratou de conduzir um processo de “culturalização” <strong>do</strong>s espaçosdisponíveis em escolas, ruas, hospitais, presídios, creches e outros,promoven<strong>do</strong> ações culturais de interesse das comunidades. É nessecontexto espacial que o lazer foi, indiretamente, contempla<strong>do</strong>.É elucidativo dizer, ainda, que a leitura, a televisão, o turismo, aeducação da população e atitudes em relação ao jeito de ser e ao estilode vida constituem possibilidades de lazer. Fato que esteve previsto naspropostas <strong>do</strong> MinC, nos <strong>do</strong>is governos.Nesse ponto, concorda-se com Dumazedier (2000) quan<strong>do</strong> entendeque hoje, a noção de lazer ainda não está integrada nos sistemasde pensamento, na medida em que existem estudiosos que pensam asociedade como se não existisse o lazer.As primeiras soluções apontavam para uma revitalização <strong>do</strong> MinCem termos de integração, objetivan<strong>do</strong> atribuir ao órgão a função de dirigenteda política cultural <strong>do</strong> país. Em agosto de 2003, por decreto presidencial,foi feita a primeira etapa de uma reforma da estrutura interna<strong>do</strong> MinC que se concluiu, também por decreto, em abril de 2004.Segun<strong>do</strong> Meira (2004), uma das ações fundamentais neste processode revitalização foi a desvinculação das atividades “finalísticas”, dalinha programática <strong>do</strong> MinC, o que contribuiu para uma maior capacidadegerencial, de planejamento estratégico e fortalecimento institucional<strong>do</strong> ministério, o que guardava coerência com os princípios <strong>do</strong> próprioprograma <strong>do</strong> governo Lula. O MinC assumiu, portanto, o papel de coordena<strong>do</strong>rde uma política pública que garantisse aos cidadãos o direito67


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)básico à cultura, ao fortalecimento da identidade nacional e da economiada cultura, numa perspectiva transversal e sistêmica.Nesta perspectiva, pode-se visualizar a “focalização” nas intençõesprogramáticas <strong>do</strong> MinC, como veremos a seguir.Análise Documental <strong>do</strong> Plano Plurianual (2004-2007),Programas e Ações <strong>do</strong> Ministério da Cultura <strong>do</strong>Governo LulaAo longo de 30 meses de governo Lula, em meio ao estabelecimento<strong>do</strong> PPA (2004-2007), que preconizou a “Estabilidade econômicacom desenvolvimento e inserção social”, ainda vigente, algunselementos factuais devem aqui ser aponta<strong>do</strong>s, para uma composição<strong>do</strong> cenário atual da cultura no país.Além da nomeação de Gilberto Gil, como Ministro da Cultura,em janeiro de 2003, a avaliação empreendida foi a de que o setorencontrava-se em esta<strong>do</strong> de fragilidade, necessitan<strong>do</strong> de avançar emdireção a algumas frentes, a saber: o estabelecimento de uma PolíticaPública de Cultura no Brasil, com a implantação de um Plano Nacionalde Cultura, de caráter plurianual, e de um Sistema Nacional deCultura (SNC).A concepção relevante e ampliada da cultura no governo Lulaencontrou eco na proposição de dez ações, a saber:“1 – Promover o reconhecimento da diversidade cultural, noBrasil e no mun<strong>do</strong>, e garantir a livre expressão dessas manifestações;2 – Promover e assegurar condições de justiçasocial, ten<strong>do</strong> em mente a cultura como um direito fundamentalpara a plena constituição da cidadania; 3 – Promoveras condições de estímulo e fomento às atividades culturais;4 – Garantir e fiscalizar o cumprimento de contratos e depreceitos legais no âmbito da cultura; 5 – Promover arranjosinstitucionais e de mecanismos de regulação econômica adequa<strong>do</strong>sao pleno desenvolvimento das atividades culturais; 6– Promover a salvaguarda e proteção <strong>do</strong> patrimônio (materiale imaterial) brasileiro; 7 – Representar internacionalmente68


política e lazer: interfaces e perspectivaso país nas instâncias de negociação internacional; 8 – Promovera integração da cultura com a educação com vistasao aperfeiçoamento qualitativo <strong>do</strong> sistema de educação <strong>do</strong>país; 9 – Contribuir para a democratização da sociedade pormeio de diálogo e deliberação democrática; e, 10 – Construirmecanismos transparentes de ação e informação <strong>do</strong> setorcultural” (Ministério da Cultura <strong>do</strong> Brasil, 2005 – Políticas.Sistema Nacional de Cultura).O atendimento a estas frentes de ações da cultura em to<strong>do</strong> o paísimplicou na constituição e criação, em 2004, de uma das metas centrais<strong>do</strong> MinC: o Sistema Nacional de Cultura (SNC). Esse sistema preconizoua construção de uma política pública de cultura ten<strong>do</strong> como basede sustentação os Esta<strong>do</strong>s, os Municípios e o Distrito Federal (DF),no senti<strong>do</strong> de proporcionar os meios de acesso à cultura, como prevê aConstituição Federal de 1988, em seus artigos 23 e 24.Esta iniciativa demonstra a intencionalidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiroem descentralizar as ações, no senti<strong>do</strong> de busca pelas especificidadesregionais, e fazer da população, nas diversas localidades e culturasespalhadas pelo país, sujeitos <strong>do</strong> processo de construção, transforman<strong>do</strong>-osem protagonistas das ações estatais, mas levan<strong>do</strong> em contaa autonomia e a democratização <strong>do</strong> acesso aos bens culturais.Nesta perspectiva, preconizou-se que: “A sociedade civil cumpre,portanto, papel decisivo na construção <strong>do</strong>s sistemas culturaispúblicos e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> democrático. Durante as reuniões com a sociedadecivil, municípios e o fórum nacional de secretários de Esta<strong>do</strong>da cultura, em 2004, estabeleceu-se que o SNC será um ‘sistema dearticulação, gestão, informação e promoção de políticas públicas decultura, pactua<strong>do</strong> entre os entes federa<strong>do</strong>s, com participação social”.(Ministério da Cultura <strong>do</strong> Brasil, 2005. Sistema Nacional de Cultura.snc@minc.gov.br).Assim, a focalização das políticas setoriais ocupa espaço naspreocupações estratégicas <strong>do</strong> SNC, na medida em que a participaçãoda sociedade civil é vista como condição necessária ao estabelecimentoe definição das prioridades, controle e acompanhamento das ações69


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)programadas. Isso se justifica, ainda, pelo fato de uma significativadestinação <strong>do</strong>s programas culturais sob o fomento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> seremdireciona<strong>do</strong>s à sociedade civil, especialmente para as políticas setoriaisda União, <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s e municípios, consideran<strong>do</strong> também asmicrorregiões.A perspectiva que se vislumbra, portanto, é a da “universalização”da cultura, pela extensão das políticas públicas para os camposnacional, regional e local <strong>do</strong> país. As contribuições nessa direção vêmsen<strong>do</strong> realizadas pelo Plano Nacional de Cultura, com o apoio <strong>do</strong>sconselhos de política cultural e os colegia<strong>do</strong>s setoriais, que cobrem atéas microrregiões.Em 2005, por fim, último ano <strong>do</strong> recorte temporal <strong>do</strong> presenteestu<strong>do</strong>, vimos que a agenda <strong>do</strong> MinC foi reforçada com a celebraçãode protocolos de intenções para a implantação definitiva <strong>do</strong> SNC, oque veio a ocorrer com a instituição <strong>do</strong> Sistema Federal de Culturae a reestruturação <strong>do</strong> Conselho Nacional de Política Cultural, peloDecreto n.º 5.520, de 24 de agosto. A explicitação da missão <strong>do</strong>SNC ficou expressa da seguinte forma: “Implementar uma políticapública de cultura democrática e permanente, pactuada entre os entesda federação, e com a participação da sociedade civil, de mo<strong>do</strong> aestabelecer e a efetivar o Plano Nacional de Cultura, promoven<strong>do</strong> odesenvolvimento com pleno exercício <strong>do</strong>s direitos culturais e acessoàs fontes da cultura nacional”.No que se refere aos objetivos, ficaram defini<strong>do</strong>s “articulação”,“gestão”, “informação” e “promoção”, com a seguinte significação:Articulação – Entre setores público e priva<strong>do</strong>: gestão e promoçãopública da cultura; Entre entes federa<strong>do</strong>s: coordenaçãopara a estruturação <strong>do</strong> SNC, formação, circulação e estruturaçãode bens e serviços culturais. Gestão – Processo democrático:participação da sociedade civil – produtores e usuários– nas definições de políticas e investimentos públicos; Eficiência:capacitar, avaliar e acompanhar o desenvolvimento <strong>do</strong>sdiferentes setores e das instituições públicas e privadas da cultura.Informação – Criar o Sistema Nacional de InformaçõesCulturais: da<strong>do</strong>s sobre bens, serviços, programas, instituições70


política e lazer: interfaces e perspectivase execução orçamentária; Promover mapeamentos culturais,para o conhecimento da diversidade cultural brasileira; Aumentara transparência <strong>do</strong>s investimentos em cultura. Promoção– Difundir e fomentar as artes e o patrimônio culturalbrasileiro e universal; Promover a circulação nacional e interregionalde projetos; Promover a transversalidade da políticacultural; Promover a integração entre a criação, a preservaçãoe a indústria cultural (Ministério da Cultura <strong>do</strong> Brasil, 2005.Sistema Nacional de Cultura. snc@minc.gov.br).No final de 2005 foi realizada, pela primeira vez na história <strong>do</strong>Brasil, uma conferência onde a sociedade civil e o Esta<strong>do</strong> se unirampara traçar, conjuntamente, propostas de políticas públicas de cultura.A 1ª Conferência Nacional de Cultura, realizada de 13 a 16 dedezembro, reuniu mais de oitocentos representantes de diversas áreasculturais de todas as regiões <strong>do</strong> Brasil. No evento, foram traçadasas diretrizes <strong>do</strong> Plano Nacional de Cultura, além de outras propostasprioritárias de políticas culturais, com destaque para a descentralizaçãoe democratização <strong>do</strong>s meios de comunicação de massa, especialmentea televisão e o rádio, o apelo de mais recursos para a culturae a implantação <strong>do</strong> SNC, no senti<strong>do</strong> de ser um órgão definitivo dearticulação, gestão, informação, formação e promoção da cultura coma participação e o controle da sociedade.Assim, no governo Lula, a cultura foi incluída, pela primeiravez, como uma das áreas estratégicas <strong>do</strong> desenvolvimento nacionalcontempladas no Plano Plurianual <strong>do</strong> governo. Na leitura realizada <strong>do</strong>PPA, percebe-se a existência de um propósito embuti<strong>do</strong>, qual seja, umolhar transforma<strong>do</strong>r da cultura, em direção ao cidadão que dela vaidesfrutar em suas diversas manifestações e como parte integrante <strong>do</strong>desenvolvimento <strong>do</strong> país.Programas Culturais e o Lazer no Governo LulaNo governo Lula, na área cultural, diversos programas foramlança<strong>do</strong>s. A exemplo <strong>do</strong> que foi apresenta<strong>do</strong> para o governo FHC, no71


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)tópico correspondente, os programas não serão analisa<strong>do</strong>s de mo<strong>do</strong>aprofunda<strong>do</strong>, mas apenas identifica<strong>do</strong>s em termos de “intencionalidade”de ação. Lembro, essa discussão torna-se ampliada, a partir <strong>do</strong>soutros tópicos apresenta<strong>do</strong>s.Dentre os programas, os principais são: a) Gestão da Política deCultura: Programa apoia<strong>do</strong> pelo Sistema Nacional de Cultura (SNC) epelo Sistema Nacional de Informações Culturais (SNIF); b) Patrimônio(material e imaterial), apoia<strong>do</strong> por uma Política Nacional de Museus(PNM); c) Cultura e Cidadania (programa que engloba vários subprogramas,incluin<strong>do</strong> a cultura afro-brasileira, as culturas populares eas culturas indígenas, etc); d) Arte e Cultura (objetiva a ampliação <strong>do</strong>público para as diversas expressões artísticas <strong>do</strong> País, pelo acesso popularvia barateamento <strong>do</strong>s custos); e) Cultura Viva (envolve o apoio<strong>do</strong>s Agentes de Cultura Viva e a Cultura Digital e Escola Viva, etc); f)Identidade e Diversidade Cultural.O que se depreende <strong>do</strong> desenvolvimento destes programas é o espaçoamplia<strong>do</strong> de possibilidades de encaminhamento <strong>do</strong> lazer da população,a considerar categorias analíticas fundamentais como “informação”,“cidadania”, “culturas populares”, “barateamento de custos” e olhar volta<strong>do</strong>para o respeito à “identidade” e “diversidade cultural”. Nesse aspecto,pode-se entender uma “ruptura” no plano de intenções <strong>do</strong>s programascita<strong>do</strong>s, em relação ao governo anterior. A idéia de cultura plural surge nogoverno Lula, com maior ênfase. No entanto, trata-se apenas de um lequede possibilidades de oferta de lazer. Não há, portanto, uma ação diretaque conjugue a cultura como lazer..O Conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> Discurso <strong>do</strong>s Agentes <strong>do</strong> Ministérioda Cultura <strong>do</strong> Governo LulaNo discurso <strong>do</strong> Ministro da Cultura, <strong>do</strong> governo Lula, GilbertoGil, no SEMINÁRIO CULTURA XXI, em 20 de março de2003, em Fortaleza, no Ceará, percebe-se uma concepção de culturadistinta <strong>do</strong> governo FHC, fundada na coerência e na democratizaçãodas políticas públicas, muito embora a percepção da amplitudee a complexidade <strong>do</strong> setor sejam convergentes nos discursos72


política e lazer: interfaces e perspectivasministeriais <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is governos. É que sugere abaixo, o trecho <strong>do</strong>discurso <strong>do</strong> Ministro Gilberto Gil:O MinC tem o enorme desafio de formular e implementarpolíticas públicas para um <strong>do</strong>s campos de atuação indubitavelmentemais fascinantes, complexos e, por outrola<strong>do</strong>, marca<strong>do</strong> pela falta de tradição no desenvolvimentodas mesmas. (...) é indispensável para o fortalecimento <strong>do</strong>setor cultural brasileiro que a ação pública <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> nestecampo seja feita com base em políticas públicas coerentes econsistentes, formuladas e implementadas de mo<strong>do</strong> democrático.A complexidade <strong>do</strong> campo cultural é notável. Sãoinúmeras as linguagens e suportes de expressão a seremcontempla<strong>do</strong>s: teatro, música, dança, cinema, comunicaçãode massa, artes plásticas, fotografia, escultura, artesanato,livros, patrimônio cultural (material e imaterial), circo, museusetc., cada um com a sua complexidade e especificidadea ser considerada.Em segun<strong>do</strong> lugar, faz senti<strong>do</strong> apontar, pelo menos no plano <strong>do</strong>discurso, uma clara oposição entre a perspectiva assistencialista identificadanas intenções <strong>do</strong>s mentores da cultura no governo FHC, coma visão “emancipatória”, presente em uma das diretrizes culturais nogoverno Lula. Tal oposição pode ser identificada em outro fragmento<strong>do</strong> discurso supracita<strong>do</strong>, a saber: “Promover e assegurar condições dejustiça social, ten<strong>do</strong> em mente a cultura como um direito fundamentalpara a plena constituição da cidadania” 13 .A questão da diversidade cultural também foi considerada noprojeto de cultura <strong>do</strong> governo Lula, muito embora, a focalização <strong>do</strong> lazere <strong>do</strong> esporte, a exemplo <strong>do</strong> que aconteceu no governo FHC, tambémapresente-se fragmentada. Há que se considerar a existência de um ministérioespecífico responsável pelo setor – Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>. 14 Nodiscurso ministerial, há equivalência de áreas em ambos os governos,13. Idem.14. O Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> foi cria<strong>do</strong> em janeiro de 2003, por ato <strong>do</strong> Presidente LuizInácio Lula da Silva.73


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)no que se refere ao critério da diversidade, conforme o trecho abaixo:“Temos também diferentes públicos ou segmentos culturais que devemser enfoca<strong>do</strong>s pelas políticas públicas de cultura: povos indígenas e afrodescendentes,juventude, porta<strong>do</strong>res de necessidades especiais, comunidadesmarginalizadas das grandes cidades...” 15 .Apesar desta identificação, há uma significativa diferença noque se refere à abrangência e focalização das políticas públicas culturaispara os povos considera<strong>do</strong>s no discurso acima. Desse mo<strong>do</strong>, háque se ressaltar os critérios de “coerência”e “consistência” <strong>do</strong>s encaminhamentosdiscursivos e institucionais, na medida em que a “intencionalidade”das ações culturais, no governo Lula, além da garantia dademocratização <strong>do</strong> processo, aponta o Esta<strong>do</strong> como o protagonista daação, e não as empresas, como no governo FHC, o que fica patente notrecho a seguir:Todas estas ações convergem no senti<strong>do</strong> de <strong>do</strong>tar o Brasil deinstituições sólidas e democráticas na promoção da ação culturale artística. E nesse cenário, o Esta<strong>do</strong> brasileiro tem umamissão intransferível de protagonismo na articulação e fortalecimento<strong>do</strong> que a sociedade brasileira projeta, compõe, filma,modela e produz no setor cultural. Neste contínuo processode transformação da cena cultural brasileira, partimos da premissade que o processo de formulação e de implementação depolíticas públicas deve ser o mais democrático possível. 16Seguin<strong>do</strong> a tendência <strong>do</strong> protagonismo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, ressalta-se,ainda, que os programas, os projetos, os editais, as leis, os decretos eas portarias, dentre outros, constituem as formas concretas de implementaçãode políticas públicas, asseguran<strong>do</strong>, dessa forma, a legitimidadenos procedimentos diante da sociedade.A proposta de consolidação de uma autonomia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e dasociedade no contexto da dinâmica de encaminhamento e oferta das políticaspúblicas culturais, se reafirma na “intencionalidade” ministerial, em15. Discurso <strong>do</strong> Ministro da Cultura, Gilberto Gil, no SEMINÁRIO CULTURA XXI, em20 de março de 2003, Fortaleza, Ceará.16. Idem.74


política e lazer: interfaces e perspectivasoposição e crítica aos governos anteriores, que deixaram a cultura emsegun<strong>do</strong> plano, como explicita<strong>do</strong> abaixo: “O MinC tem empreendi<strong>do</strong> umesforço consistente para deslocar a cultura para o centro da agenda política,econômica e social <strong>do</strong> país, consolidan<strong>do</strong>-a como uma dimensãocrucial e indispensável <strong>do</strong> desenvolvimento econômico e social que tantoalmejamos. Trata- se de retirar a cultura <strong>do</strong> papel de subalternidade a quehavia si<strong>do</strong> relegada pelos governos antecessores” 17 .O protagonismo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e a relevância cultural, por fim, sãoreafirma<strong>do</strong>s nos seguintes dizeres:A segunda diretriz política com que trabalhamos é que o Esta<strong>do</strong>tem uma série de responsabilidades intransferíveis nocampo cultural brasileiro. Operan<strong>do</strong> uma concepção menosideologizada e mais pragmática das atribuições <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>nacional no contexto contemporâneo (...) A terceira diretrizfundamental com que operamos é a de que a cultura é umcomponente central da estratégia de desenvolvimento efetivamentesustentável <strong>do</strong> Brasil.Portanto, diferentemente <strong>do</strong> governo anterior (FHC), verifica-seum deslocamento claro da cultura para o centro <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, no senti<strong>do</strong>de consolidá-la como setor indispensável ao desenvolvimento social eeconômico, e não subalterno ou secundário.Acredita-se que está em curso um processo de sedimentaçãoda relevância da cultura nas diretrizes <strong>do</strong> governo Lula, na medidaem que trata-se de um dever <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Razão para esse pressupostofoi a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que criou oPlano Nacional de Cultura, no dia 1º de junho, pelo Sena<strong>do</strong> Federal,que será defini<strong>do</strong> em termos de plano plurianual, em direção à cidadaniacultural.Assim, as tendências apontam para a superação de uma visãoessencialista de merca<strong>do</strong> e <strong>do</strong>s interesses priva<strong>do</strong>s no âmbito da cultura,que marcou profundamente o governo FHC. Aliás, os discursos17. Discurso <strong>do</strong> Ministro da Cultura, Gilberto Gil, no SEMINÁRIO CULTURA XXI, em20 de março de 2003, Fortaleza, Ceará..75


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)<strong>do</strong>s ministros <strong>do</strong> governo Lula, no início das gestões em suas pastasreforçam novos caminhos para a cultura <strong>do</strong> país, numa direção contráriaa <strong>do</strong> governo FHC, o que poderá levar em conta as práticas ea autonomia <strong>do</strong>s gestores e cidadãos. Nos fragmentos <strong>do</strong> discurso <strong>do</strong>Ministro <strong>do</strong> Planejamento <strong>do</strong> governo Lula, as intenções nessa direçãosão claras:A boa gestão das contas públicas, assim como a estabilidade,não são fins em si mesmos, mas meios para a promoção <strong>do</strong>crescimento sustenta<strong>do</strong> e <strong>do</strong> combate à fome e à pobreza..(...)Deve, isto sim, ser o resulta<strong>do</strong> de um processo de mobilizaçãoda sociedade civil e da opinião pública que formule asdemandas e necessidades, locais, regionais e setoriais, a seremtransformadas em projetos e objetivos persegui<strong>do</strong>s pelaspolíticas públicas. É dessa maneira que estaremos formulan<strong>do</strong>um novo modelo de desenvolvimento.(...) é necessária apresença <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> na elaboração de estratégias de desenvolvimento(...) para captar as demandas populares e traduzi-lasem políticas públicas. (...) A política é tida como a arte <strong>do</strong>possível e a ciência <strong>do</strong> necessário... 18Também, nas palavras <strong>do</strong> Ministro da Cultura, identifica-se avisão de diversidade e de abertura da cultura brasileira, <strong>do</strong>s ideais denação e da nossa identidade para o mun<strong>do</strong>:Cultura não no senti<strong>do</strong> das concepções acadêmicas ou <strong>do</strong>sritos de uma “classe artístico-intelectual”. Mas em seu senti<strong>do</strong>pleno, antropológico. Vale dizer: cultura como a dimensãosimbólica da existência social brasileira. Como usina econjunto de signos de cada comunidade e de toda a nação.Como eixo construtor de nossas identidades, construçõescontinuadas que resultam <strong>do</strong>s encontros entre as múltiplasrepresentações <strong>do</strong> sentir, <strong>do</strong> pensar e <strong>do</strong> fazer brasileiros e adiversidade cultural planetária.(...) Como espaço de realizaçãoda cidadania e de superação da exclusão social, seja pelo18. Discurso de posse <strong>do</strong> Ministro <strong>do</strong> Planejamento, Orçamento e Gestão, Gui<strong>do</strong> Mantega,em 07/01/2003.76


política e lazer: interfaces e perspectivasreforço da auto-estima e <strong>do</strong> sentimento de pertencimento,seja, também, por conta das potencialidades inscritas no universodas manifestações artístico-culturais com suas múltiplaspossibilidades de inclusão socioeconômica. (...)Cultura,também, como fato econômico, capaz de atrair divisas para opaís – e de, aqui dentro, gerar emprego e renda 19 .Não há, portanto, uma priorização <strong>do</strong> econômico no discurso,embora se admita que a cultura seja um fato econômico; porém, nosenti<strong>do</strong> de geração de emprego e renda e não como merca<strong>do</strong>. Faz-se,ainda, uma alusão à cidadania.A noção de cultura como dever <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> sugere uma renovadacondição de intervenção deste, à medida que se atribui o estímulo daprodução cultural à formulação e à execução das políticas públicas,como parte de um grande projeto de construção de um país democráticopara to<strong>do</strong>s os cidadãos:(...) a cultura se impõe, desde logo, no âmbito <strong>do</strong>s deveres estatais.É um espaço onde o Esta<strong>do</strong> deve intervir. Não segun<strong>do</strong> a velhacartilha estatizante, mas mais distante ainda <strong>do</strong> modelo neoliberalque faliu. Vemos o Governo como um estimula<strong>do</strong>r da produçãocultural. Mas também, através <strong>do</strong> MinC, como um formula<strong>do</strong>r eexecutor de políticas públicas e de projetos para a cultura. Ou seja:pensamos o MinC no contexto em que o Esta<strong>do</strong> começa a retomaro seu lugar e o seu papel na vida brasileira. Enfim, pensamos apolítica cultural <strong>do</strong> Governo Lula como parte <strong>do</strong> projeto geral deconstrução de uma nova hegemonia em nosso país. Como parte<strong>do</strong> projeto geral de construção de uma nação realmente democrática,plural e tolerante. Como parte e essência da construção deum Brasil de to<strong>do</strong>s (...) a cultura assumirá, de fato, uma dimensãoestratégica no caminho da nação que desejamos construir 20 .19. Discurso <strong>do</strong> Ministro da Cultura, Gilberto Gil, no SEMINÁRIO CULTURA XXI, em20 de março de 2003, Fortaleza, Ceará.20. Idem.77


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Considerações finaisO presente capítulo não apresenta uma conclusão, mas consideraçõesacerca de uma temática ampla e permeada pela ideologiapolítica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, durante to<strong>do</strong> o interstício considera<strong>do</strong> para a análise(1996 – 2005), durante os governos FHC e Lula. Se no primeirocaso, o neoliberalismo e a globalização inspiraram decisivamente asações governamentais de FHC, marcadas pela concepção de “culturade merca<strong>do</strong>”, “privatização” da cultura, “assistencialismo” e “provisoriedade”das ações, no governo Lula, mesmo diante da força econômicae ideológica daquele cenário, as expectativas apontaram para opapel de resistência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> como “promotor” e “protagonista” dacultura <strong>do</strong> país, no senti<strong>do</strong> de concebê-la como base da “cidadania”da população.Em que pese a abertura e a relevância <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> noprocesso de condução das políticas públicas, programas e ações culturais,no governo Lula, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que no governo FHC, o lazernão teve um chamamento direto para o campo cultural. A diferençaficou no plano da concepção de cultura e no papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Nessaótica, as posições ideológicas são claras.No governo FHC, a parceria entre Esta<strong>do</strong> e Merca<strong>do</strong> confere opoder para o segun<strong>do</strong>, conforme o receituário neoliberal. A iniciativaprivada, as empresas e a cultura como produto de consumo, constituemuma concepção “merca<strong>do</strong>lógica”, “privatista” e “subalterna” dacultura e, em conseqüência, <strong>do</strong> lazer.No governo Lula, a parceria é entre o Esta<strong>do</strong> e a cultura; porém,com o poder de “protagonista” <strong>do</strong> primeiro. Em razão disso, a cultura,antes de ser vista como “produto” de merca<strong>do</strong>, tornou-se elemento depromoção da “cidadania”, com ênfase na expressão cultural <strong>do</strong> povobrasileiro e na diversidade de suas manifestações locais, em detrimento<strong>do</strong> global. Nesse contexto geral, as políticas públicas <strong>do</strong> MinC, nogoverno Lula, acompanham a constitucionalização da cultura e, conseqüentemente,<strong>do</strong> lazer, embora de forma não direta, como já ditoanteriormente.É certo que existem oposições visíveis entre cultura e lazer, namedida em que, na primeira, diversas manifestações prestam-se ao la-78


política e lazer: interfaces e perspectivaszer, mas não há nos programas culturais uma ênfase ou objetivos volta<strong>do</strong>sa ele. O que sugere a presente análise, como veremos no conteú<strong>do</strong><strong>do</strong>s programas é que o lazer embora não focaliza<strong>do</strong> diretamente, encontra-sediluí<strong>do</strong> nas práticas e manifestações discriminadas.O que fica patente e claro, na tentativa aqui, até certo ponto, inglória,de identificar e analisar criticamente os programas de esporte e, principalmente,<strong>do</strong> lazer para a população, no interior das políticas públicas<strong>do</strong> MinC, no governos FHC e Lula, é o fato de que no primeiro, percebeu-seum claro distanciamento entre as intenções e as ações, numa totaldesarticulação, um certo descaso pela focalização fragmentária e umaorientação finalística. Nesse modelo, qualquer proposta de intervenção noâmbito da cultura e, estritamente, <strong>do</strong> lazer ou <strong>do</strong> esporte, seria inócua naprática, vez que os verdadeiros protagonistas não foram os sujeitos queconstruíram sua história de mo<strong>do</strong> autônomo nas comunidades espalhadaspelo país. No segun<strong>do</strong> caso, houve a tentativa de encaminhar as discussõese ações com base na “autonomia” <strong>do</strong>s sujeitos, o que favoreceu aimplantação <strong>do</strong>s programas.Mas há que se ressaltar que a idéia de focalização é diferentede priorização. Nesse caso, a focalização ficou por conta da cultura,tanto no Ministério da Cultura, nos <strong>do</strong>is governos, com o lazer diluí<strong>do</strong>nos programas, se partirmos <strong>do</strong> princípio de que a relação entre lazere cultura é dialética e não de oposição. Tal fato pode ser interpreta<strong>do</strong>como uma “continuidade” entre os governos, se considerarmos que oconteú<strong>do</strong> e as manifestações da cultura não, necessariamente, se modificaram,ainda que a concepção de cultura tenha muda<strong>do</strong>, enquanto“ação”, como percebi<strong>do</strong> no PPA, nos programas e no conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s discursos<strong>do</strong>s agentes.A questão da priorização, no entanto, é discutível, se pensarmosque no governo FHC, o Esta<strong>do</strong> abriu mão <strong>do</strong> seu papel de gestore protagonista da cultura no país, entregan<strong>do</strong> essa tarefa para ainiciativa privada, ao enfatizar a parceria Esta<strong>do</strong>-merca<strong>do</strong>, seguin<strong>do</strong>o receituário neoliberal. No caso <strong>do</strong> governo Lula, por sua vez, verifica-seuma inversão, na medida em que o Esta<strong>do</strong> assumiu as rédeasda cultura. Se considerarmos esta última situação, o lazer encontroumaiores possibilidades de ser considera<strong>do</strong> no escopo <strong>do</strong>s programas,<strong>do</strong> que no governo FHC.79


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)O planejamento racional exerceu grande influência no governoFHC, na medida em que três estratégias de ação balizaram os investimentose o direcionamento da reforma <strong>do</strong> aparelho de Esta<strong>do</strong>, a saber:a) construção de um Esta<strong>do</strong> moderno e eficiente; b) redução <strong>do</strong>s desequilíbriosespaciais e sociais; e, c) inserção competitiva e modernizaçãoprodutiva. Ao se considerar tais estratégias, em que pese a eficiência<strong>do</strong> programa de estabilidade da moeda ocorri<strong>do</strong>, verificou-se um tratamentode subalternidade das políticas públicas <strong>do</strong> governo, em termosde investimento.No governo Lula as ações se pautaram pela abertura política edemocrática de resgate da cidadania <strong>do</strong> povo brasileiro, desde o direito anecessidades básicas como o combate à fome, à pobreza, além <strong>do</strong> acessoà terra e ao trabalho. Tais políticas constituíram uma base de sustentaçãode prioridades sociais para os próximos anos da gestão <strong>do</strong> governo,com a perspectiva de busca <strong>do</strong> crescimento sustenta<strong>do</strong>.Neste senti<strong>do</strong>, houve uma preocupação central com o atendimentoao social em detrimento da inserção competitiva extremada e <strong>do</strong>minadapelo merca<strong>do</strong> internacional, como ocorreu no governo FHC. Essatendência, portanto, diferenciou-se da secundarização e subalternidadedas políticas públicas, como ocorreu no governo FHC.Esta inversão, detectada no governo Lula, a meu ver, propiciouum tratamento próximo ao deseja<strong>do</strong> em termos de políticas públicas,ten<strong>do</strong> como grande bastão o Programa Fome Zero e a disseminaçãode outras ações cidadãs numa perspectiva de universalização, focalização,verticalidade, horizontalidade e respeito à diversidade, comono caso da cultura.Como visto nas teorias estudadas, na formulação de políticas háque se levar em conta as prioridades <strong>do</strong>s cidadãos, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e da sociedadecivil. Portanto, em cada um desses segmentos existem prioridadesem termos de políticas. Com base nessas teses, no governo FHChouve a tentativa de enfocar a diversidade da cultura, porém, sem aconstrução de uma política pública nacional, e o estabelecimento depolíticas setoriais de valorização <strong>do</strong> setor, pelo entendimento da mesmacomo área estratégica <strong>do</strong> desenvolvimento social, como ocorreu nogoverno Lula, que abriu as perspectivas para a autonomia <strong>do</strong>s sujeitos,80


política e lazer: interfaces e perspectivase a construção democrática de um projeto de cultura, com o apoio <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong>.Por fim, sugere-se novos estu<strong>do</strong>s que se dediquem ao acompanha-mento<strong>do</strong> “desempenho” das políticas em todas as suas fases, o quenão foi proposto no presente estu<strong>do</strong>. Desse mo<strong>do</strong>, será possível apontarnovas análises de continuidades, rupturas, focalização, prioridades <strong>do</strong>sgovernos e ideologia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, o que será útil para elucidar interfacescom outros setores sociais, como o lazer da população, além da compreensãoe explicação das práticas de minorias sociais engendradas nasdiversas localidades <strong>do</strong> país.Referências BibliográficasARRETCHE, Marta. “Dossiê agenda de pesquisas em políticas públicas” In RevistaBrasileira de Ciências Sociais, fev. 2003, vol.18, no. 51, p. 7-10. ISSN 0102-6909.AZEVEDO, Al<strong>do</strong> A. Esta<strong>do</strong> e economia no capitalismo.Sociedade e Esta<strong>do</strong>. Volume XI,n.º 1, Jan./Jun., 1995. Resenha de PRZEWORSKI, Adam. Esta<strong>do</strong> e economia no capitalismo.Rio de Janeiro: Relume – Dumará, 1995..BARDIN, Laurence. Análise de conteú<strong>do</strong>. Lisboa: Edições 70, Lda, 1977. P. 30. Tradução:Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro.BITTAR, Marluce e OLIVEIRA, João Ferreira de (Org.). Gestão e políticas da educação.Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2004.BONETI, Lin<strong>do</strong>man W. Políticas públicas por dentro. Ijuí: Unijuí, 2006.BOURDIEU, Pierre (Org.). A miséria <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Petrópolis: Vozes, 1999.BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s, 1988.BRASIL. Lei n.º 8.313. Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s. Lei Federal de Incentivo à Cultura, 1991.BRASIL. Ministério <strong>do</strong> Planejamento/Secretaria de Planejamento e Investimentos EstratégicosPPA 96/99 – Relatório de Acompanhamento. Disponível em http://aplicativos.planejamento.gov.br.BRASIL. Ministério da Cultura <strong>do</strong> Brasil, 2005. Sistema Nacional de Cultura. snc@minc.gov.br.CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. 4ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.COGGIOLA, Osval<strong>do</strong>. Neoliberalismo ou crise <strong>do</strong> capital? São Paulo: Xamã, 1995.COLOMBO, Eduar<strong>do</strong>. Análise <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>: o Esta<strong>do</strong> como paradigma de poder. São Paulo:Imaginário, 2001. Tradução de: Plínio Augusto coelho.CORBUCCI, Paulo R. O Brasil e a globalização: a renovada condição periférica. Brasília:Universa, 2003.81


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)DINIZ, Eli. “Esta<strong>do</strong>, governo e políticas públicas: uma avaliação <strong>do</strong>s anos 90”. 3 o Encontroda ABCP – Associação Brasileira de Ciência Política. Niterói, 28 a 31/7/2002.DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 2000.FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. “Idéias, conhecimento e políticas públicas: um inventáriosucinto das principais vertentes analíticas recentes”. Revista Brasileira de CiênciasSociais, fev. 2003, vol.18, no. 51, p. 21-30. ISSN 0102-6909.FEATHERSTONE, Mike. O desmanche da cultura: globalização, pós-modernismo eidentidade. Tradução de: Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo: Studio Nobel:SESC, 1997.FIORIN, José Luiz. Elementos de análise <strong>do</strong> discurso. 13.ª ed. São Paulo: contexto, 2005.FREY, Klaus. “Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à práticada análise de políticas públicas no Brasil”. In. Planejamento e Políticas Públicas. Brasília:IPEA, n. 21, jun. de 2000, p. 212-258.LAURELL, Asa C. (Org.). Esta<strong>do</strong> e políticas sociais no neoliberalismo.São Paulo: Cortez,1995.MARX, Karl. & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989.Tradução: Luís Cláudio de Castro e Costa.MEIRA, Márcio A . F de. “Para um política pública de cultura no Brasil”. Revista Teoria eDebate, Editora Fundação Perseu Abramo (SP), Edição nº 58 - maio/junho de 2004.MELO, Alexandre. Globalização cultural. Lisboa: Quimera, 2002.MELO, Marcus André. “Esta<strong>do</strong>, governo e políticas públicas”. In. MICELI, Sérgio (org.).O que ler na ciência social brasileira (1970-1995), v. 3, Ciência Política. São Paulo eBrasília: Sumaré, ANPOCS, CAPES, 1999.MELO, Victor A . Lazer e minorias sociais. São Paulo: Ibrasa, 2003.MICELI, Sergio (Org.). Esta<strong>do</strong> e cultura no Brasil.São Paulo: Difel, 1984.MORAIS, Denis de. (Org.). Globalização, mídia e cultura contemporânea. CampoGrande: Letra Livre, 1997.OLÉIAS, Valmir J. “Políticas esportivas no neoliberalismo”.In. Motrivivência. Ano XI.n.º12.maio/1999.PADILHA, Valquíria.(Org.). Dialética <strong>do</strong> lazer. São Paulo: Cortez, 2006.PETRAS, James. “Perspectivas de libertação: alternativas para o neoliberalismo naAmérica Latina”. In. Revista Plural. 1996. N.º 7.PRZEWORSKI, Adam. Esta<strong>do</strong> e economia no capitalismo. Tradução de: Argelina CheilubFigueire<strong>do</strong> e Pedro Zahluth Bastos. Rio de Janeiro: Relume – Dumará, 1995.REIS, Elisa P. “Reflexões leigas para a formulação de uma agenda de pesquisa empolíticas públicas”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, fev. 2003, vol.18, no. 51, p.11-14. ISSN 0102-6909.82


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capítulo iiiLazer e Meio Ambiente:algumas implicações conceituais Dulce SuassunaArthur José Medeiros de AlmeidaJaciara Oliveira LeiteTatiana Valente GushikenLudimila CarvalhoIntroduçãoA discussão acerca da relação entre lazer e meio ambiente aparececomo algo controverso. A controvérsia pode ser apresentadade diferentes formas e sob os mais astutos argumentos. Ambientalistasradicais consideram a natureza como algo intocável, e sãodesacredita<strong>do</strong>s acerca da possibilidade de uma relação equilibradaentre homem e meio ambiente. Se as questões são pontuadas para oambientalismo radical desta forma, como pensar propostas de sustentabilidadeque se assentem numa perspectiva de equilíbrio entre. Este trabalho apresenta o resulta<strong>do</strong> de uma oficina Lazer e Meio Ambiente, ministradadurante a I Reunião Nacional de Agentes <strong>do</strong> Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade. Colaboroucom a oficina o Prof. Juarez Sampaio.85


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)homem e meio ambiente, contemplan<strong>do</strong> o lazer como um tema importante?É importante salientar que as propostas de sustentabilidade a seremapresentadas deveriam, em tese, partir da premissa de que o lazeré um direito social. Para tanto, é preciso compreender o senti<strong>do</strong> de sustentabilidadede lazer – como direito social – e, de políticas de Esta<strong>do</strong>.Assim, discutem-se à luz da teoria social algumas idéias que podem vir acontribuir com o tema. Compreendem-se os direitos sociais como aquelesque se revestem de um caráter de sociabilidade (Telles, 1999)Lazer, direito social e cidadaniaO cenário para constituição <strong>do</strong> que chamamos sociedade ocidentalmoderna está delinea<strong>do</strong> por uma disputa de campos e se configurapor meio <strong>do</strong> posicionamento <strong>do</strong>s países no mun<strong>do</strong>. (MichelDenning, 2005). Trata-se, na verdade, de uma configuração de trêsmun<strong>do</strong>s, e que tem um importante significa<strong>do</strong> para a chamada viradacultural, processo que é regularmente reconheci<strong>do</strong> como globalizaçãoe que goza de certa imprecisão teórica. Faria (2002, p. 4) afirma oseguinte em relação ao termo globalização:Esse termo, apesar de usa<strong>do</strong> com muita freqüência, carece deprecisão para definir o modelo hegemônico. Porém, é aceitopor boa parte da mídia mundial, pelos executivos e tambémpor muitos cientistas, que o vêem como um processo naturale irreversível <strong>do</strong> desenvolvimento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, o que faz comque esse termo sirva muitas vezes como legitima<strong>do</strong>r da continuidade<strong>do</strong> processo de reprodução <strong>do</strong> capitalismo.Compartilha-se da idéia apresentada por Faria. Nesta direção,acredita-se que a visão sobre globalização está relacionada com umaconcepção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, que se pauta na perda de referência das coisas,com o objetivo de forjar contextos de permissibilidade e, desta maneira,impossibilitar que nexos sejam construí<strong>do</strong>s em relação a problemasque são coloca<strong>do</strong>s. Por assim dizer, o fenômeno <strong>do</strong> lazer pode ser86


política e lazer: interfaces e perspectivasaqui pontua<strong>do</strong>, pois há uma tendência para considerá-lo como umfenômeno pós-moderno, isto é, algo que está situa<strong>do</strong> em um contextoque ultrapassa a modernidade e, desta maneira, as características quea exprimem (SUASSUNA et al, 2004).A associação lazer e pós-modernidade aparece de forma imediata,sem se ter a clareza <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> da luta por esse bem como umdireito social no contexto moderno.Com isso, perde-se a referência de que o lazer foi uma demandade movimentos sociais organiza<strong>do</strong>s ao longo da história, sen<strong>do</strong> um fenômenoimportante <strong>do</strong> sistema econômico que se denomina capitalismo.É importante considerá-lo como fenômeno social que surge comodemanda legítima da classe trabalha<strong>do</strong>ra com a consolidação da sociedadecapitalista, portanto, trata-se de um fenômeno que tem referêncianessa sociedade. Alguns registros, a seguir apresenta<strong>do</strong>s, podemcontribuir com essa interpretação. Ainda durante o início <strong>do</strong> séculoXX, por volta de 1906, metroviários de Paris apresentavam como demandas:8 horas de trabalho, 8 horas de descanso e 8 horas de lazer .O outro registro diz respeito à obra de Paul Lafargue de 1880. O seulivro O direito à preguiça, defende a tese de que os trabalha<strong>do</strong>res nasociedade capitalista se tornam aliena<strong>do</strong>s, sobretu<strong>do</strong> por encararem otrabalho como um <strong>do</strong>gma.A principal crítica <strong>do</strong> autor ao proletaria<strong>do</strong> se dirige ao fato deesses trabalha<strong>do</strong>res não perceberem a dimensão alienante <strong>do</strong> trabalhoe destinarem to<strong>do</strong> o seu tempo para essa atividade, relegan<strong>do</strong> aosegun<strong>do</strong> plano o tempo destina<strong>do</strong> ao descanso, bem como ao ócio(preguiça). Aproprian<strong>do</strong>-se dessa interpretação, pode-se admitir queo lazer deve se tornar uma demanda da classe trabalha<strong>do</strong>ra e, comodemanda social, deve se constituir como uma pauta legítima na buscapela conquista da cidadania.A relação estabelecida entre lazer e os direitos sociais é permeadapelo trabalho. O trabalho na sociedade capitalista assume umcaráter de centralidade e, deste mo<strong>do</strong>, é difícil dimensionar, ainda nosdias de hoje, uma sociedade <strong>do</strong> não-trabalho ou mesmo uma socie-. Documentário: “Nós que aqui estamos por vós esperamos”. Direção: Marcelo Masagão,Brasil, 1999.87


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)dade que tenha o lazer como um fenômeno tão importante quanto otrabalho. Nesta direção, Lafargue considera que o trabalho é um elementoaprisiona<strong>do</strong>r <strong>do</strong> homem, enquanto ser social e sujeito histórico.Que razões motivam a tese <strong>do</strong> autor? Pressupõe-se que a motivação<strong>do</strong> manifesto à preguiça está relacionada à visão crítica que Lafargueconstrói sobre o modelo de sociedade vigente, como pode ser percebi<strong>do</strong>pelo disposto a seguir:Não é curioso, porém, que o desprezo pela preguiça e a extremavalorização <strong>do</strong> trabalho possam existir numa sociedade quenão desconhece a maldição que recai sobre o trabalho, visto quetrabalhar é castigo divino e não virtude <strong>do</strong> livre-arbítrio humano?Aliás, a idéia <strong>do</strong> trabalho como desonra e degradação não éexclusiva da tradição judaica-cristã. Essa idéia aparece em quaseto<strong>do</strong>s os mitos que narram a origem das sociedades humanascomo efeito de um crime cuja punição será a necessidade detrabalhar para viver (LAFARGUE, 1999, p. 11).Com base na citação, percebe-se que há uma forte crítica à valorização<strong>do</strong> trabalho de forma extremada, e também uma associação<strong>do</strong>s ideais <strong>do</strong> trabalho como desonra, e uma punição estabelecida parao homem devi<strong>do</strong> à sua condição de peca<strong>do</strong>r, como preconiza a históriada cigarra e da formiga, em que a cigarra sofre punição por buscar arealização pessoal, enquanto que as formigas são recompensadas pelotrabalho realiza<strong>do</strong>. A história <strong>do</strong> Jeca Tatu, lembrada por Chaui, na introdução<strong>do</strong> livro de Lafargue, também contribui para a compreensão<strong>do</strong> mito <strong>do</strong> trabalho, neste caso, particularmente associa<strong>do</strong> ao casobrasileiro, cujo imaginário social que prevalece é de acomodação e,portanto, de condição de pobreza.Weber, por seu turno, apresentan<strong>do</strong> uma análise da constituiçãodas sociedades ocidentais modernas, constrói uma interessanterelação entre a filiação religiosa e a estratificação social. Este autordefende que a compreensão da condição de desenvolvimento de umpaís está associada à condução de sua ética religiosa, que tem implicaçãona forma como o homem concebe o trabalho. Para este autor,88


política e lazer: interfaces e perspectivasao aceitar a condução de uma nova ética no perío<strong>do</strong> de consolidação<strong>do</strong> capitalismo <strong>do</strong>s EUA, os protestantes demonstraram que estavamdispostos a encarar mudanças sociais, enquanto os católicos,acomoda<strong>do</strong>s com a condição que tinham no passa<strong>do</strong>, não aceitaramas mudanças e lutaram pela manutenção das regras <strong>do</strong> sistema. Assim,a relação entre filiação religiosa e estratificação social se apresentacomo uma das possibilidades de compreensão da condição dedesenvolvimento ou subdesenvolvimento de um país. Weber afirma,em outras palavras, que enquanto os protestantes aceitaram o trabalhonas indústrias, os católicos a ele resistiram. Além disso, os protestantesbuscaram ter formação e incentivaram a educação <strong>do</strong>s seus filhos,enquanto os católicos ainda não conseguiam perceber a importânciada educação. Esses <strong>do</strong>is aspectos foram de fundamental importância,segun<strong>do</strong> Weber, para que os protestantes assumissem altos postos nasnovas indústrias, enquanto que os católicos – presos a antigos ideais eà sua ética – foram trabalhar em postos subordina<strong>do</strong>s aos protestantes.Com isso, Weber responde parcialmente o questionamento queinicia o livro A Ética Protestante e o espírito <strong>do</strong> capitalismo, qual seja, ofato de que os líderes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> naquele momento eram protestantes.Lembran<strong>do</strong>-se de que se tratava de um perío<strong>do</strong> entre o fim <strong>do</strong> séculoXIX e início <strong>do</strong> século XX (Weber, 1991).Portanto, a associação construída por Lafargue entre trabalho epreguiça e, portanto, entre a condição de acomodação <strong>do</strong>s homens àtradição judaica-cristã e, a relação entre a filiação religiosa e a estratificaçãosocial, bem como o nível de desenvolvimento <strong>do</strong>s países, contribuipara mostrar que, embora pertençam a matrizes teóricas distintas, odiálogo entre os autores pode subsidiar uma explicação que contribuapara o amadurecimento <strong>do</strong> lazer enquanto categoria. Com isso, pode-secompreender que o fato de o brasileiro ser católico, e, por seu turno,ser acomoda<strong>do</strong> à condição de vida que “Deus lhe deu” pode contribuirpara explicar o porquê da busca ou não pela legitimação de alguns deseus direitos, principalmente os direitos sociais, como no caso <strong>do</strong> lazer.Isto ocorre também porque o brasileiro é visto historicamente como umhomem trabalha<strong>do</strong>r, haven<strong>do</strong> um conjunto de representações sociaisque reforçam essa noção. Por outro la<strong>do</strong>, o sujeito preguiçoso, ou que89


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)não gosta <strong>do</strong> trabalho é socialmente mal visto e identifica<strong>do</strong> como ovagabun<strong>do</strong>. No livro Trabalho e Vadiagem Lúcio Kowarick analisa aconstituição <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> de mão-de-obra no Brasil <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> da escravidãoaté o século XIX e mostra que “os nacionais [referin<strong>do</strong>-se aosnasci<strong>do</strong>s no Brasil] sempre foram encara<strong>do</strong>s como vadios, inaptos parao trabalho organiza<strong>do</strong> e regular, que continuou nas grandes plantaçõespaulistas alicerça<strong>do</strong> no escravo até as vésperas da Lei Áurea” (KOWA-RICK, 1994, p. 102).E continua o autor mostran<strong>do</strong> a não-conformação com o trabalhopor parte <strong>do</strong>s nacionais: “Como trabalhar sob as ordens dealguém significava, de fato, aceitar uma condição semelhante a <strong>do</strong>cativo, tenderam a afundar-se na miséria e sem destino, preferin<strong>do</strong>essa situação a se submeter às regras de <strong>do</strong>mínio com que ossenhores tratavam os escravos” (KOWARICK, 1994, p. 102). Comestas palavras é possível compreender-se o imaginário social construí<strong>do</strong>acerca <strong>do</strong> homem que resiste ao trabalho. Este imaginárioencontra eco na dicotomia campo-cidade, à medida que se associaao campo a condição de acomodação e pobreza, e à cidade, o trabalhoprodutivo – na indústria – e a prosperidade, progresso social.É importante destacar que esse dualismo se faz presente no imaginárioconstruí<strong>do</strong> sobre o campo e a cidade desde a origem daquiloque chamamos de mo<strong>do</strong> de produção capitalista, isto é, tem seufundamento no resulta<strong>do</strong> de um processo histórico que teve comoimportantes fatos as revoluções da Inglaterra e da França (duplarevolução),respectivamente, Revolução Industrial (1760-1830) e aRevolução Francesa (1789).O lazer no contexto brasileiro da atualidade“Daí a mendicância e indigência de um povo de várias origense matizes, ferra<strong>do</strong> pela desclassificação social produzidapor uma sociedade cuja riqueza e poder se estruturava notrabalho cativo” (KOWARICK, 1994, p. 102).90


política e lazer: interfaces e perspectivasO lazer é apresenta<strong>do</strong> no Brasil como direito social, pela primeiravez, com a Constituição Federal de 1988. Esta constituiçãodefine como direitos sociais: “(...) a educação, a saúde, o trabalho, amoradia, o lazer, a segurança, a proteção à maternidade e à infância,a assistência aos desampara<strong>do</strong>s, na forma desta Constituição” (Art.6º, Constituição Federal de 1988). Como direito social, o lazer deveconstituir-se em uma demanda da população. Isto é, a população devepautar o lazer como um <strong>do</strong>s aspectos importantes para sua vida, o quenormalmente se chama de bem estar social.Para fazer a compreensão <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> lazer como direitosocial, utiliza-se duas importantes autoras contemporâneas, que aosseus mo<strong>do</strong>s, contribuirão para que se perceba a necessidade de se discutira questão <strong>do</strong>s direitos como um importante aspecto da vida emsociedade em um Esta<strong>do</strong> democrático. A primeira é Marilena Chaui,que apresenta uma interessante leitura sobre as diferentes possibilidadesde reivindicação da sociedade civil brasileira no livro Conformismoe Resistência. A segunda é Vera Telles, que destaca um capítulo no seulivro Direitos Sociais: afinal <strong>do</strong> que se trata? para discutir, exclusivamente,uma compreensão <strong>do</strong>s direitos sociais.Em sua análise sobre os movimentos sociais no Brasil, Chaui mostraque a sociedade brasileira encontrou, ao longo <strong>do</strong>s anos, estratégiasou mecanismos de resistência que conseguem escapar da compreensão<strong>do</strong>minante ou hegemônica de movimentos sociais organiza<strong>do</strong>s; contu<strong>do</strong>,esses movimentos assumem um importante espaço de debate paraquestões nacionais. Desta maneira, demandas apresentadas pelos movimentossociais urbanos da década de 80, ou outros que tiveram uma conotaçãomais organizada como o <strong>do</strong> Impechment <strong>do</strong> Collor, contribuempara que se perceba o poder de reação ou de ação da sociedade brasileira.Vê-se, pois, a sociedade em movimento. Por outro la<strong>do</strong>, movimentosque fogem à dinâmica organizativa e que se situam numa condição periféricaem relação aos movimentos sociais organiza<strong>do</strong>s também devemser considera<strong>do</strong>s como importantes, por contribuírem para mostrar onível de insatisfação da sociedade com as políticas públicas de mo<strong>do</strong>geral. Estes movimentos, normalmente pouco representativos em termosnuméricos, exprimem um senti<strong>do</strong> de indignação por meio de um91


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)certo ostracismo com relação ao Esta<strong>do</strong>. Portanto, esses mecanismos deresistência se constituem em práticas que assumem uma lógica própriae que ultrapassam a conotação hegemônica sobre o que vem a ser movimentossociais, mas que ao mesmo tempo, não anula as demandas quesão apresentadas coletivamente e de maneira organizada pela sociedadecivil. Neste nível, tem-se uma multiplicidade de ações construídas porsujeitos sociais que se consubstanciam em resistências e que ganhamvieses diferencia<strong>do</strong>s em um Esta<strong>do</strong> em que se assegure uma ordem legal<strong>do</strong> tipo democrático, e a exigência <strong>do</strong> estabelecimento de garantias individuais,sociais, econômicas, políticas e culturais (CHAUI, 1993). Destamaneira, a pluralidade de ações mostra que os indivíduos estão buscan<strong>do</strong>,por meio de significa<strong>do</strong>s diferencia<strong>do</strong>s de resistência, demandas quelhes parecem legítimas.A esse respeito, apresentam-se alguns elementos de uma comunidadetradicional de pesca<strong>do</strong>res que foi estudada durante o <strong>do</strong>utora<strong>do</strong>.Esta comunidade se constituía por laços fortes e apresentava umaidentidade cultural definida, e a partir <strong>do</strong> início <strong>do</strong>s anos 80 começoua sofrer um processo de intervenção socioambiental de uma políticapública. Naquele cenário era de se imaginar que a comunidade aceitariaa intervenção e a<strong>do</strong>taria o modelo estabeleci<strong>do</strong> pela ação governamental.Contu<strong>do</strong>, não foi bem isso o que ocorreu. Os nativos, comose costuma chamar os indivíduos que vivem em comunidades tradicionais,construíram mecanismos de resistência difusos e que não eramcompreendi<strong>do</strong>s pelos agentes <strong>do</strong> Governo. Eles falavam <strong>do</strong> presente seremeten<strong>do</strong> ao passa<strong>do</strong>, isto é, quan<strong>do</strong> os agentes <strong>do</strong> Governo questionama existência de uma determinada espécie de animal, eles diziam:“ah, eu vi sim, mas isso era muito antigamente”. Por meio dessa formade se expressar, os nativos conseguiram resistir e mostraram por meioda retrospecção a melhor forma para isto. Quer dizer, a resistêncianão foi direta. Foi difusa. Difusa ao ponto de fazer com que o seuinterlocutor, isto é, o agente governamental, não conseguisse precisarhistoricamente o tempo em que a ação aconteceu. Isto quer dizer queos indivíduos encontram “maneiras” diferenciadas de construir resistências,que por vezes pode ser concebida como uma situação de crise.A esse respeito contribui ainda a autora: “Uma crise nunca é entendi-92


política e lazer: interfaces e perspectivasda como resulta<strong>do</strong> de contradições latentes que se tornam manifestaspelo processo histórico e que precisam ser trabalhadas social e politicamente.A crise é sempre convertida no fantasma da crise, irrupçãoinexplicável e repentina da irracionalidade, ameaçan<strong>do</strong> a ordem sociale política. Caos. Perigo” (CHAUI, 1993, p. 60).Portanto, a luta por demandas sociais que parecem legítimas ouo estabelecimento de estratégias de resistência que mostram, de algumaforma, a insatisfação <strong>do</strong> sujeito com o contexto social em que viveé vista como uma situação de crise no senti<strong>do</strong> pejorativo <strong>do</strong> termo, queindica caos ou perigo, ao passo que deveria ser compreendida como aluta pela legitimação de direitos.Ao mesmo tempo, a autora observa que, para que se tenha oespaço público como espaço de negociação <strong>do</strong>s sujeitos e de reconhecimento<strong>do</strong>s seus direitos como práticas sociais, é necessária a manutençãode uma cultura pública democrática, que possibilite a visão<strong>do</strong>s conflitos e <strong>do</strong>s “direitos demanda<strong>do</strong>s como exigência da cidadania”(TELLES, 1999, p. 139). Com essa percepção, o lazer pode seapresentar como uma prática social, que se manifesta em espaços denegociação, mas que pode se representar de mo<strong>do</strong> conflituoso. Comotal, o lazer é um fenômeno para<strong>do</strong>xal, isto é, permite a interação socialentre os sujeitos, mas ao mesmo tempo se reveste de elementos detamanha diversidade que pode gerar conflito. A natureza para<strong>do</strong>xal <strong>do</strong>lazer está relacionada à correlação freqüentemente estabelecida entrelazer e tempo disponível ou tempo <strong>do</strong> não-trabalho. Como tempo <strong>do</strong>não-trabalho, o lazer assume uma função compensatória na sociedadecapitalista e é utiliza<strong>do</strong>, por vezes, de forma instrumental para servira interesses determina<strong>do</strong>s. Mas, como fenômeno social, o lazer podeser visto de maneira emancipatória, na medida em que possibilita umavisão crítica e reflexiva <strong>do</strong> sujeito diante <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e passa a ser socialmentedemanda<strong>do</strong>, isto é, visto como um direito social em umasociedade que deve buscar o desenvolvimento sustentável.O conceito de desenvolvimento sustentável aparece como importante,na medida em que incorpora não só aspectos que assegurama sustentabilidade ambiental, mas também que se direcionam à dimensãoda sustentabilidade social. De acor<strong>do</strong> com Sachs:93


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Ela (a noção de desenvolvimento sustentável) é baseada no duploimperativo ético de solidariedade sincrônica com a geraçãoatual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras.Ela nos compele a trabalhar com escalas múltiplas de tempoe espaço, o que desarruma a caixa de ferramentas <strong>do</strong> economistaconvencional. Ela nos impele ainda a buscar soluçõestriplamente vence<strong>do</strong>ras, eliminan<strong>do</strong> o crescimento selvagemobti<strong>do</strong> ao custo de elevadas externalidades negativas, tantosociais quanto ambientais. Outras estratégias, de curto prazo,levam ao crescimento ambientalmente destrutivo, mas socialmentebenéfico, ou ao crescimento ambientalmente benéfico,mas socialmente destrutivo (2004, p. 15).Com fundamento na concepção <strong>do</strong> autor sobre desenvolvimentosustentável, propõe-se a construção da relação entre lazer emeio ambiente. O lazer é um tema que surge, como se viu adiante, apartir de um contexto capitalista de produção, o que ocorreu aindano processo de consolidação da sociedade capitalista moderna. Atemática ambiental, por seu turno, ganha força a partir da década de70 <strong>do</strong> século XX, portanto, é ainda mais recente. Contu<strong>do</strong>, para quese tenha o desenvolvimento de projetos sociais, ações governamentaisque pautem com responsabilidade o lazer e sua relação com omeio ambiente, como, por exemplo, o ecoturismo, o turismo rural,entre outros, se faz necessário que se compreenda a necessidade dealiar os diferentes elementos que constituem a noção de desenvolvimentosustentável. Esta observação torna-se cabível, quan<strong>do</strong> seconstata o que ocorreu, por exemplo, com o desenvolvimento <strong>do</strong>turismo em determinadas regiões <strong>do</strong> país, principalmente, no litoralbrasileiro (MARTINS, 1991, LUCHIARI, 1999 e SUASSUNA,2001). Por outro la<strong>do</strong>, pensan<strong>do</strong> no desenvolvimento sustentávellocal, algumas práticas, inclusive, como as já citadas, ou mesmo oesporte de aventura ou atividades corporais na natureza, além <strong>do</strong>resgate de manifestações culturais locais, podem e devem funcionarcomo mecanismos para o incremento econômico e social <strong>do</strong> município,esta<strong>do</strong> ou região. Neste âmbito, a questão que se coloca é:94


política e lazer: interfaces e perspectivascomo prática social, o lazer, além de se expressar como um direito ese manifestar culturalmente, pode ser um meio de reflexão e crítica<strong>do</strong> sujeito em relação às questões ambientais? Como essa reflexãopode ser construída? Aí precisamente encontra a relação entre lazer,cultura e a questão ambiental.Meio Ambiente e sustentabilidadesA Constituição Federal de 1988 trata <strong>do</strong> tema Meio Ambiente noseu art. 255 e assim determina: “To<strong>do</strong>s têm direito ao meio ambienteecologicamente equilibra<strong>do</strong>, bem de uso comum <strong>do</strong> povo e essencialà sadia qualidade de vida, impon<strong>do</strong>-se ao poder público e à coletividadeo dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futurasgerações” (Art. 225, CF de 1988). Construin<strong>do</strong>-se uma interpretação<strong>do</strong> artigo, tem-se que: 1) o direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibra<strong>do</strong> é universal; 2) cabe ao poder público e à sociedade brasileira– senti<strong>do</strong> de coletividade presente no texto constitucional – odever de defender e preservar o meio ambiente. Esta concepção legalse alia à noção de desenvolvimento, pois traz consigo importantes aspectosque têm intrínseca relação com desenvolvimento sustentável.De acor<strong>do</strong> com Sachs, uma das maneiras de encarar o desenvolvimentoconsiste em classificá-lo nas gerações <strong>do</strong>s direitos humanos, quaissejam: “direitos políticos, civis e cívicos; direitos econômicos, sociaise culturais, entre eles o direito ao trabalho digno, criticamente importante,por motivos intrínsecos e direitos coletivos ao meio ambiente eao desenvolvimento” (2004, p. 14).O desenvolvimento sustentável é defini<strong>do</strong> por meio de cinco dimensões,quais sejam:a) Social, fundamental por motivos tanto intrínsecos .quanto instrumentais, por causa da perspectiva de disrupçãosocial que paira de forma ameaça<strong>do</strong>ra sobre muitos lugaresproblemáticos <strong>do</strong> nosso planeta;b) Ambiental, com as suas dimensões (os sistemas de sustentaçãoda vida como prove<strong>do</strong>res de recursos e como ‘recipientes’para a disposição de resíduos);95


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)c) Territorial, relaciona<strong>do</strong> à distribuição espacial <strong>do</strong>s recursos,das populações e das atividades;d) Econômico, sen<strong>do</strong> a viabilidade econômica a conditio sinequa non para que as coisas aconteçam;e)Político, a governança democrática é um valor funda<strong>do</strong>r eum instrumento necessário para fazer as coisas acontecerem;a liberdade faz toda a diferença (SACHS, 2004, p. 16).Com base na definição <strong>do</strong> autor, pode-se inferir que a discussãoque permite a interseção entre lazer e meio ambiente deve ter emconsideração aspectos sociais, ambientais, territoriais, econômicose políticos. Isto quer dizer que, para tratar de temas como lazer emeio ambiente, é necessário a apropriação de uma visão interdisciplinar,que vislumbre o estabelecimento de conexões e tenha a relaçãohomem-meio ambiente como central no processo. Essas dimensões<strong>do</strong> desenvolvimento sustentável podem ser compreendidas como sustentabilidadese, por meio <strong>do</strong> estabelecimento de conexões entre elas,é possível que se pense em um modelo de desenvolvimento para oEsta<strong>do</strong> – como gera<strong>do</strong>r de políticas públicas – que se assente numaperspectiva intersetorial para a definição de programas e ações. Alémdisso, ao tratar das cinco dimensões, o conceito de desenvolvimentosustentável consegue fugir de teses preservacionistas puras, que enxergama relação homem/meio ambiente como para<strong>do</strong>xal e conflituosa.A esse respeito é necessário lembrar que os preservacionistas purosconcebem a natureza como intocável, e, portanto, a presença humana,por resultar sempre em destruição e degradação ambiental, deve serevitada (DIEGUES, 1993). Essa visão de conflito entre homem ea apropriação que ele faz da natureza, inclusive no âmbito <strong>do</strong> lazer,quan<strong>do</strong> se pensa em atividades na natureza como o ecoturismo, encontrarespal<strong>do</strong>, conforme observa Faria (2002, p. 5), no seguinte:As formas de apropriação da natureza nas mais diferentes localidades,submetidas à lógica das grandes corporações, passam anão tomar o lugar como referência da ação (...) A fluidez impostapelo grande capital ao espaço faz com que os diversos lugaresestejam subordina<strong>do</strong>s a uma lógica estranha às suas sociedades96


política e lazer: interfaces e perspectivase aos seus limites naturais de exploração de riquezas. Desta forma,percebe-se que há uma “exploração” <strong>do</strong> grande capital emrelação à natureza, às culturas locais, por meio da concepçãode grandes empreendimentos, inclusive, no setor <strong>do</strong> turismo,o que pode resultar em um reordenamento de organização <strong>do</strong>sespaços e à submissão a uma lógica de acumulação mundial.E completa o autor: “Essa oposição entre sociedade e naturezapossibilitou a construção de um modelo de desenvolvimentoque imagina a natureza apenas como fonte de recursos, mas nãocomo limite de ação (FARIA, 2002, p. 7).A citação <strong>do</strong> autor parece elucidativa, na medida em que se percebeque a existência de uma relação de exploração, que se corporificano reordenamento espacial por parte <strong>do</strong> capital, corresponde a umalógica que torna sem referência culturas locais, senti<strong>do</strong>s atribuí<strong>do</strong>s poressas culturas para o meio ambiente (natureza), suas práticas sociais eculturais, bem como suas manifestações corporais.A discussão acerca da perda de referência também é trazidapor Marc Auge no livro Não lugares (2004). Nesta discussão, os nãolugares são entendi<strong>do</strong>s como espaços em que os sujeitos perdem areferência de tempo e de espaço, em que tu<strong>do</strong> se apresenta de mo<strong>do</strong>idealiza<strong>do</strong>. Assim, por exemplo, a savana africana pode ser “recriada”no Rio de Janeiro ou em um ecoresort no litoral <strong>do</strong> Nordeste brasileiro.Porém, essa recriação espacial transforma muito mais que espaços.Modifica culturas sem, todavia, se dar conta da dimensão das rupturasocasionadas em relação aos valores e aos referenciais sociais eculturais existentes, haven<strong>do</strong>, por seu turno, uma outra significação dacultura local, ao passo que a descaracteriza. Neste senti<strong>do</strong>, considera-sepertinente apresentar uma compreensão sobre a apropriação <strong>do</strong>sespaços naturais por parte <strong>do</strong> capital e, de outra parte, entender qual éo senti<strong>do</strong> dessa apropriação por parte da população nativa.A apropriação <strong>do</strong>s espaços naturais e culturais por parte de empreende<strong>do</strong>rescapitalistas, com a finalidade de incrementar o desenvolvimentosustentável local, merece especial atenção. Algumas experiênciasde desenvolvimento sustentável local contribuem para uma reorientaçãoda visão conflituosa entre homem e natureza, contribuin<strong>do</strong> para que97


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)esses conflitos sejam minimiza<strong>do</strong>s. Contu<strong>do</strong>, também existem exemplosopostos, em que grandes empreendimentos econômicos se apropriam<strong>do</strong>s espaços de populações tradicionais e transformam estes espaços emnão-lugares, com o objetivo de obtenção de maior lucro. Em geral, essasconcepções que se pautam em grandes empreendimentos econômicosa<strong>do</strong>tam como modelo de sustentabilidade o ecoturismo, e defendemque a sustentabilidade econômica assegura a sustentabilidade ambiental.Exemplo deste tipo de empreendimento pode ser visto em Praia <strong>do</strong>Forte, município de Mata <strong>do</strong> São João/BA. Naquela região, empresáriosestrangeiros se apropriaram da natureza nativa e construíram, nadécada de 70, um grande hotel – ecoresort – que atualmente é uma dasprincipais fontes de arrecadação <strong>do</strong> município. Além disso, a vila depesca<strong>do</strong>res foi requalificada, manten<strong>do</strong>-se um ambiente prazeroso paraatividades de entretenimento e crian<strong>do</strong>-se a idéia de resgate de tradiçõesculturais. Para o turista, permeia a sensação de estar viven<strong>do</strong> como os“nativos”, na verdade se aproprian<strong>do</strong> de um mo<strong>do</strong> de vida que não é oseu, no senti<strong>do</strong> de “descotidianizar”, ou seja, fugir de sua realidade cotidianae buscar o prazer a qualquer custo. Nessa compreensão, pode-seafirmar que a relação entre lazer e meio ambiente se concretiza de mo<strong>do</strong>artificial, isto é, a relação é apropriada de forma idealizada pelo turista,não ten<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> ou referência.Em relação ao senti<strong>do</strong> de apropriação das culturas locais porparte <strong>do</strong>s empreendimentos capitalistas, há que se questionar: como sesente a população nativa? O que pensa essa população em relação àsestratégias de desenvolvimento encontradas por empresários capitalistas?Como ficam as questões culturais desse grupo social? Em estu<strong>do</strong>realiza<strong>do</strong>, observou-se que a inserção de empreendimentos capitalistasem comunidades tradicionais é complexa, pois produz situações deresistência e conflitos entre as populações nativas e os empreende<strong>do</strong>res.Esses conflitos existem por duas razões básicas: a apropriação <strong>do</strong>senti<strong>do</strong> de natureza; a apropriação das manisfestações culturais locais.(Suassuna, 2007).Outro aspecto relevante a se destacar é a constituição de parceriasentre Esta<strong>do</strong> e iniciativa privada. O estabelecimento de relaçõeshíbridas entre interesses públicos e priva<strong>do</strong>s pode ser visto de forma98


política e lazer: interfaces e perspectivasconfusa pela população tradicional. A confusão de papéis ocorre, principalmente,porque não fica claro para a população quem defenderá osinteresses públicos, portanto, pertinentes à coletividade. Desta maneira,é importante buscar esclarecer o significa<strong>do</strong> das relações entre Esta<strong>do</strong>e iniciativa privada e, neste caso, buscar responder aos questionamentoslevanta<strong>do</strong>s pela população. Isto porque assim como ocorreu com aapropriação <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> de natureza e das manifestações culturais porparte de grupos empresariais, pode ser que a população compreenda arelação entre Esta<strong>do</strong> e iniciativa privada como algo que venha a reforçare defender interesses priva<strong>do</strong>s. A população nativa tende a entender aintervenção como algo vertical e que se impõe aos seus mo<strong>do</strong>s de vidade forma abrupta, transforman<strong>do</strong> suas realidades, os senti<strong>do</strong>s atribuí<strong>do</strong>sà cultura, ao meio ambiente, enfim, a tu<strong>do</strong> que lhe parece socialmentereferencia<strong>do</strong>. Há na compreensão da população nativa o sentimento deque seu mo<strong>do</strong> de vida, seus costumes e tradições foram usurpa<strong>do</strong>s, e,assim, ela constrói seus mecanismos de resistência. Esses mecanismosde resistência podem ser direciona<strong>do</strong>s ao poder público instituí<strong>do</strong> nolocal ou aos que lá representam o capital econômico, como ocorreu nocaso analisa<strong>do</strong> em Praia <strong>do</strong> Forte. Neste âmbito, os mecanismos de resistênciaencontra<strong>do</strong>s pela população nativa se deram de mo<strong>do</strong> direto,repercutin<strong>do</strong> na forma como a política pública no local agia, no caso, oProjeto Tamar, (programa governamental <strong>do</strong> Ibama/MMA) (Suassuna,2001 e 2007).Considerações finaisA discussão apresentada buscou refletir as tensões existentes entreos temas lazer e meio ambiente. Percebeu-se que, ao se considerar o lazercomo um direito social, pode-se considerá-lo como uma prática social,que se constitui como demanda legítima no contexto da sociedade capitalista,por vezes considerada como sociedade de trabalho. A relação entrelazer e meio ambiente, como se viu, pode consistir em um para<strong>do</strong>xo namedida em que assume a perspectiva de que a sustentabilidade econômicapode assegurar a sustentabilidade ambiental. Este para<strong>do</strong>xo se deve aofato de que o crescimento econômico e a apropriação das culturas locais ede suas concepções de natureza são incompatíveis com uma proposta de99


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)desenvolvimento sustentável crítica e reflexiva. Ações desenvolvidas comoecoturismo, que em tese alia lazer e meio ambiente, apresentam, em suageneralidade, visões distorcidas acerca <strong>do</strong> lazer e também <strong>do</strong> meio ambiente.Em sua maior parte, a concepção de lazer a<strong>do</strong>tada por essas açõesconsiste em transformar realidades locais em não-lugares. Viu-se que atransformação de realidades em não-lugares produz realidades que sãosimulacros, não se ten<strong>do</strong> qualquer referência ou senti<strong>do</strong> com as culturaslocais. O lazer, neste âmbito, assume uma perspectiva de entretenimento,e o meio ambiente é entendi<strong>do</strong> como não-lugar e, portanto, um espaçocênico.Desta maneira, constituiu-se uma crítica entre a relação lazere meio ambiente com base em perspectivas que partem de uma concepçãoparcial de desenvolvimento sustentável (sustentabilidade econômicagera sustentabilidade ambiental). Esta perspectiva tem caráterprecário por não considerar as demais dimensões da noção de desenvolvimentosustentável, tais como: sustentabidade social, sustentabilidadeterritorial e política. Além desse aspecto, a construção de programase ações que relacionem lazer e meio ambiente de forma coerente(reflexiva e crítica) deve considerar o seguinte:(1) A diversidade. Este aspecto apresenta uma dupla-interpretação.Primeiramente, tem particular ligação com as culturas locais,identifican<strong>do</strong>-se as manifestações culturais e corporais com clareza; emseguida, deve-se ter o registro <strong>do</strong>s aspectos de diferenciação de classe,sexo, etnia, geracional, entre outros existentes na realidade social determinada.É interessante observar, por exemplo, que em algumas comunidades,como as pesqueiras, em que os homens passam longo perío<strong>do</strong>no mar, as mulheres devem receber uma especial atenção em relação aprogramas e ações para o lazer. Em outros contextos, como em comunidadesquilombolas, as manifestações culturais a elas intrínsecas devemser também observadas, buscan<strong>do</strong>-se referência com a identidadeda população. A cultura corporal local – jogos, danças, brincadeiras,esportes, entre outras manifestações – que estão socialmente referenciadasna comunidade, é um importante aspecto para que se tenha adefinição das identidades <strong>do</strong>s sujeitos em suas realidades locais.100


política e lazer: interfaces e perspectivas(2) Percepção <strong>do</strong>s conflitos. Considerar o contexto em que asrelações homem e meio ambiente se realizam. Trata-se de uma sociedadecapitalista, que tem como pressuposto valores como individualismo,competitividade, idéia de vencer a qualquer custo. As propostas devemassumir que os conflitos existem e são parte da constituição <strong>do</strong> modelode sociedade existente. Negá-los não permite a reflexão e a crítica sobreeles. Propostas que negam os conflitos, as diferenças sociais, de classe,gênero, etnia, entre outras, desconsideram as contradições sociais quesão imanentes no mo<strong>do</strong> de produção capitalista. Deste mo<strong>do</strong>, é importanteque se tenha a referência com o modelo de sociedade vigente, etambém que se busque a superação <strong>do</strong>s conflitos, com fundamento emestratégias amplamente discutidas com a população local, respeitan<strong>do</strong>seas diversidades. Modelos de projetos que não consideram as contradiçõescomo aspectos relevantes tendem a a<strong>do</strong>tar posições autoritárias nasintervenções, ao passo que negam os conflitos. Tais modelos engendrammecanismos de intervenções verticais e não permitem o estabelecimento<strong>do</strong> diálogo com as comunidades locais.(3) Estímulo ao debate e à discussão popular. Incentivo à participaçãopolítica. Há necessidade de que os projetos resultem de ampladiscussão popular, isto é, o debate deve ser trava<strong>do</strong> no seio da comunidade;a população deve participar de mo<strong>do</strong> efetivo, desde o nível municipalaté o federal. Para tanto, é necessário que se promova a criaçãode estratégias para o incentivo da participação popular e que a populaçãopossa compreender os limites e possibilidades da implantaçãoe implementação de projetos considera<strong>do</strong>s modelos para outras comunidades,mas que podem não ter eficácia naquela localidade. Comisso, pode-se estabelecer canais de diálogo com a comunidade. Emrelação à implantação e implementação de projetos, deve-se respeitara diversidade local, a cultura, as manifestações e práticas corporaispresentes. A identificação destas realidades deve ser fundamentadaem pesquisa <strong>do</strong> tipo diagnóstico, com equipe interdisciplinar, na qualalém de especialistas <strong>do</strong> setor ambiental, como biólogos, se façam presentesantropólogos, sociólogos, pesquisa<strong>do</strong>res da área da EducaçãoFísica. Os resulta<strong>do</strong>s da pesquisa devem ser capazes de permitir uma101


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)interpretação da realidade local <strong>do</strong> ponto de vista social (cultural),territorial, político, ambiental e econômico.(4) Proposta educacional. A educação, entendida de maneira formalou não, deve ser assumida como premissa e instigar a reflexão <strong>do</strong> sujeitosobre suas ações, mas também sobre as políticas que lhe dizem respeito.A reflexão <strong>do</strong>s sujeitos deve subsidiar as suas demandas coletivas,inclusive em relação ao que pensa sobre a educação, o lazer, a sociedade,o Esta<strong>do</strong>, bem como a preservação das culturas locais e <strong>do</strong> meio ambiente.Estas discussões devem se pautar em estratégias críticas e reflexivas,de forma continuada, para que a população possa ter o feedback, enquantoproposta pedagógica. Neste âmbito, a educação ambiental podeser uma boa estratégia, principalmente entenden<strong>do</strong>-a como possibilidadede desenvolvimento de processos pedagógicos que promovam a reflexão<strong>do</strong> sujeito diante da realidade social e <strong>do</strong> meio ambiente.(5) Definição de políticas intersetoriais. A intersetorialidade seconstitui como um importante aspecto para a definição de programase ações por parte <strong>do</strong> poder público. Por meio de políticas intersetoriais,é possível que se contemple um maior número de demandas sociais,respeitan<strong>do</strong>-se princípios como a diversidade. Além disso, a a<strong>do</strong>ção daintersetorialidade será capaz de esgotar políticas focais, cujo objetivo épontual, e trazer à tona políticas que relacionam, por exemplo, saúde,educação, esporte, meio ambiente e lazer de forma mais contundente.Assim, uma política para a saúde pública pode significar melhoria daqualidade de vida da população à medida que se relaciona com outrossetores, como os anteriormente cita<strong>do</strong>s.(6) Avaliação. Avaliar em processo, de forma continuada, osprogramas e ações construí<strong>do</strong>s para que se tenha a real percepção <strong>do</strong>alcance desses mecanismos e, mais <strong>do</strong> que isso, que se possa reformularas políticas públicas à medida que esse indica<strong>do</strong>r aparece comoimportante para a população.Por fim, acredita-se que a a<strong>do</strong>ção destes critérios pode permitiruma ressignificação das políticas públicas que relacionam o lazer e omeio ambiente como temas importantes, poden<strong>do</strong>-se, ao se atentarpara tais critérios, ter-se a reformulação das políticas públicas diri-102


política e lazer: interfaces e perspectivasgidas para estes setores, visan<strong>do</strong> ao desenvolvimento sustentável emsuas diferentes dimensões.Referências bibliográficasBRASIL. Constituição Federal. Brasília: Centro de Documentação e Informação-Coordenaçãode Publicações, 1988. Com alterações a<strong>do</strong>tadas pelas Emendas Constitucionaisde n. 1, de 1992, a 35, de 2001, e pelas Emendas Constitucionais de Revisão n. 1 a 6,de 1994.CHAUI, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. SãoPaulo: Brasiliense, 1993.DENNING, Michel. A cultura na era <strong>do</strong>s três mun<strong>do</strong>s. São Paulo: Francis, 2005.DIEGUES, Antonio Carlos. Populações tradicionais em unidades de conservação: o mitomoderno da natureza intocável. São Paulo: 1993.FARIA, Marcelo Oliveira de. “O mun<strong>do</strong> globaliza<strong>do</strong> e a questão ambiental”. In. Neiman,Zysman. Meio ambiente: educação e ecoturismo. Barueri/São Paulo: Manole, 2002.KOWARICK, Lúcio. Trabalho e vadiagem. A origem <strong>do</strong> trabalho livre no Brasil. 2ª ed. Riode Janeiro: Paz e Terra, 1994.LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. São Paulo: UNESP/HUCITEC, 1999.LUCHIARI, Maria Teresa D. P. “Turismo, natureza e cultura caiçara: um novo colonialismo”.In. SERRANO, Célia M. T. e BRUNHS, Heloisa T. Turismo, cultura e ambiente. 2ªed. Campinas: Papirus, 1999.MARC, Augé. Não-lugares. Campinas: Papirus, 2004.MARTINS, José de Souza. A chegada <strong>do</strong> estranho. São Paulo: HUCITEC, 1991.SACHS, Ignacy. Desenvolvimento includente, sustentável, sustenta<strong>do</strong>. Rio de Janeiro:Garamond, 2004.SUASSUNA, Dulce Maria F. A. A intervenção socioambiental em comunidades pesqueiras:o caso <strong>do</strong> Projeto Tamar. Tese de <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília, Brasília, 2001.SUASSUNA, Dulce Maria F. A. et al. “A relação corpo-natureza na modernidade”. RevistaSociedade e Esta<strong>do</strong>. Brasília, v. 20 n. 1, p. 1-284, jan/abr 2004.SUASSUNA, Dulce Maria F. A. Um olhar sobre políticas ambientais: o Projeto Tamar.Coleção Dossiê. Brasília: Thesaurus, 2007.TELLES, Vera. Direitos sociais. Afinal <strong>do</strong> que se trata? Belo Horizonte: Editora da UFMG,1999.WEBER, Max. A ética protestante e o espírito <strong>do</strong> capitalismo. São Paulo: Pioneira,1991.103


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capítulo ivO Lazer e o Programa Nacionalde Educação Ambiental: repensan<strong>do</strong>canais de diálogoArthur José Medeiros de AlmeidaDulce SuassunaIntroduçãoÉ notório o crescente interesse da sociedade em relação à questãoambiental. Desde os primeiros alertas, na década de setenta, coma apresentação <strong>do</strong> Relatório de Mea<strong>do</strong>ws ao clube de Roma (1971)passan<strong>do</strong> pela Conferência de Estocolmo no ano seguinte, o aumentoda consciência <strong>do</strong>s problemas tem leva<strong>do</strong> inúmeros campos <strong>do</strong> sabera despertar para a dimensão ambiental: direito ambiental, economiaambiental, engenharia ambiental entre tantas outras (BURSZTYN,2001).A educação não está fora deste debate, desde então com a realização<strong>do</strong> Seminário Internacional de Belgra<strong>do</strong> sobre educação ambiental, em1975 e da Conferência Intergovernamental sobre educação ambiental,na Geórgia, em 1977. Foram elabora<strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos cujos princípios105


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)passaram a nortear os processos educacionais nesta área. No Brasil, oGoverno Federal criou a Secretaria Especial <strong>do</strong> Meio Ambiente (SEMA),com o intuito de educar a população sobre o uso adequa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s recursosnaturais. Em 1992, durante a realização da Conferência Rio-92 estesprincípios foram revistos durante a jornada de educação ambiental, emque foi aprova<strong>do</strong> o Trata<strong>do</strong> de Educação Ambiental para SociedadesSustentáveis e Responsabilidade Global (PEGORARO & SORRENTI-NO, 1998). Em 1999, o governo brasileiro instituiu a Política Nacionalde Educação Ambiental, Lei 9795/99 que decreta em seu art. 2º: “Aeducação ambiental é um componente essencial e permanente da educaçãonacional, deven<strong>do</strong> estar presente, de forma articulada, em to<strong>do</strong>sos níveis e modalidades <strong>do</strong> processo educativo, em caráter formal e nãoformal”(BRASIL, 1999, p. 1).Por outro la<strong>do</strong>, o lazer, como temática que perpassa relaçõescom o meio ambiente e com a educação, deve ser trabalha<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong>a contribuir para uma melhor compreensão da realidade social e dacomplexidade da questão ambiental, transmitin<strong>do</strong> novos valores à sociedade.A relação entre lazer, educação e meio ambiente pode serconstruída com base na compreensão de que o lazer, assim como aeducação, são direitos sociais. Acredita-se que o espaço <strong>do</strong> lazer e daeducação são espaços conquista<strong>do</strong>s e que podem se realizar de mo<strong>do</strong>não formal e ser media<strong>do</strong> pela temática ambiental [meio ambiente].Assim, ten<strong>do</strong> em vista esta articulação, foi desenvolvida uma análisede mo<strong>do</strong> a propiciar uma discussão que possibilite um diálogo entre aeducação ambiental e o lazer.Neste contexto, pretende-se analisar, por meio da revisão de literatura,o Programa Nacional de Educação Ambiental – ProNEA, seusprincípios, objetivos e linhas de ação em relação ao ensino não-formal,de mo<strong>do</strong> a identificar de que forma tais ações vêm sen<strong>do</strong> desenvolvidasem âmbito nacional. Em seguida, relaciona-se o tempo livre com olazer, de mo<strong>do</strong> a contribuir para a inserção da educação ambiental empráticas de lazer, valen<strong>do</strong>-se de seu componente educacional, a fim demodificar a relação entre homem e meio ambiente. Para tanto, vem àtona uma questão que será nortea<strong>do</strong>ra desta discussão: em que medidao lazer pode contribuir com a educação ambiental, no senti<strong>do</strong> deesclarecer as contradições da sociedade industrial moderna e de mo<strong>do</strong>106


política e lazer: interfaces e perspectivasa compreender as conseqüências geradas ao meio ambiente a fim deconstruir uma nova subjetividade nos indivíduos?Apresentan<strong>do</strong> definiçõesProcurou-se analisar o Programa Nacional de Educação Ambiental– ProNEA, coordena<strong>do</strong> pelo Ministério <strong>do</strong> Meio Ambiente,fundamenta<strong>do</strong> na Política Nacional de Educação Ambiental – Lei9.795, sancionada em 27 de abril de 1999 e regulamentada pelo Decreto4.281 de 25 de junho de 2002, que define a educação ambientalcomo sen<strong>do</strong>: “Processos por meio <strong>do</strong> qual, o indivíduo e a coletividade,constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes ecompetências voltadas para a conservação <strong>do</strong> meio ambiente, bem deuso comum <strong>do</strong> povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”(BRASIL, 1999, p. 1).Dessa forma, torna-se necessário compreender-se o meio ambientecomo um to<strong>do</strong>, onde estão em relações de interação e interdependênciaos diferentes aspectos que o compõem: biológicos, físicos,econômicos, políticos e culturais, inserin<strong>do</strong>-se neste âmbito o Lazer,como uma importante dimensão. Ou ainda, como sen<strong>do</strong> um lugar determina<strong>do</strong>onde estão em relações dinâmicas e constante interação osaspectos naturais e sociais (REIGOTA, 2001). Portanto, a EducaçãoAmbiental não deverá tratar apenas da natureza, mas, sim, compreendêlacomo parte atuante da sociedade. Conforme a UNESCO:Uma das metas básicas da educação ambiental é conseguirque as pessoas e as comunidades compreendam o carátercomplexo <strong>do</strong> ambiente natural e artificial, resultanteda inter-relação de seus aspectos biológicos, físicos, sociais,econômicos e culturais e adquirir o conhecimento,os valores, as atitudes e aptidões práticas que permitamparticipar, de forma responsável e eficaz, no trabalho deprever e de resolver problemas ambientais e de uma gestãoqualitativamente apropriada ao meio ambiente (UNESCO,1999, p. 56).107


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Em 1992, na Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimentono Rio de Janeiro, elaborou-se o Trata<strong>do</strong> de EducaçãoAmbiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global,que define como princípio n° 7:A Educação Ambiental deve tratar das questões globais críticas,suas causas e inter-relações em uma perspectiva sistêmica,em seu contexto social e histórico. Aspectos primordiais relaciona<strong>do</strong>scom o desenvolvimento e o meio ambiente, tais comopopulação, saúde, paz, direitos humanos, democracia, fome,degradação da flora e da fauna, devem ser aborda<strong>do</strong>s dessamaneira (CASCINO, 2003, p. 45).Tratan<strong>do</strong> de aspectos relaciona<strong>do</strong>s ao desenvolvimento, nãose pode deixar de considerar o estilo de vida, as práticas sociais, acultura. O estilo de vida <strong>do</strong>s sujeitos é influencia<strong>do</strong> por um conjuntode fatores, ten<strong>do</strong>-se como pano de fun<strong>do</strong> o modelo de sociedadevigente, qual seja, industrial e moderna. Este modelo compreende avida por meio de uma divisão cronológica <strong>do</strong> tempo onde o trabalhoé elemento fundamental, mensuravel pela unidade de tempo, ocorren<strong>do</strong>sua divisão também na vida das pessoas: tempo de trabalho,tempo familiar, tempo de educação, tempo livre. Contu<strong>do</strong>, a vida,além <strong>do</strong> tempo, se relaciona também com o espaço, com o local ondeo indivíduo realiza alguma atividade referente a um determina<strong>do</strong>tempo. Neste senti<strong>do</strong>, o lazer pode ser entendi<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> estas duasvariáveis, tempo/atitude.A palavra lazer deriva <strong>do</strong> verbo latino licere, que quer dizer “serpermiti<strong>do</strong>” e está liga<strong>do</strong> à idéia de “poder-se fazer” (CINTRA RO-LIM, 1989). Lazer é entendi<strong>do</strong> como:Um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode seentregar de livre vontade seja para repousar, seja para diverti-se,recrear-se e entreter-se ou ainda para desenvolver suaformação desinteressada, sua participação social voluntáriaou sua livre capacidade cria<strong>do</strong>ra, após livrar-se ou desembaraçar-sedas obrigações profissionais, familiares e sociais108


política e lazer: interfaces e perspectivas(DUMAZEDIER apud MARCELLINO, 1987, p. 30).Gutierrez, em seu livro, Lazer e prazer: questões meto<strong>do</strong>lógicase alternativas políticas, apresenta as características que definemuma atividade de lazer: “Liberdade de escolha” – trata-se de uma livreopção <strong>do</strong> indivíduo, embora sofra suas referências culturais, sociais,antropológicas e políticas, assim como sua consciência individual.“He<strong>do</strong>nista” – busca de satisfação pessoal, busca <strong>do</strong> prazer que, segun<strong>do</strong>o autor, distingue o lazer de outras atividades sociais. “Pessoal”– uma atividade em que a personalidade de cada um manifesta-se commaior autonomia, constitui uma dimensão significativa da existênciahumana. “Desinteressada” – uma atividade sem fins lucrativos, utilitáriosou ideológicos, sem uma obrigação institucional. Trata-se dabusca de satisfação de quem a vivencia, ou seja, uma contraposiçãoà “produtividade” requerida pela sociedade industrial moderna. Comefeito, compreende-se que o lazer pode propiciar, além de descanso edivertimento, o desenvolvimento de habilidades e sociabilidade. Nessaperspectiva, pode-se considerar o que afirma a autora a seguir:(...) o lazer se constitui como uma prática social, que se manifestaem espaços de negociação, mas que pode se representarde mo<strong>do</strong> conflituoso. Como tal, o lazer é um fenômenopara<strong>do</strong>xal, isto é, permite a interação social entre os sujeitos,mas ao mesmo tempo se reveste de elementos de tamanhadiversidade que pode gerar conflito. A natureza para<strong>do</strong>xal <strong>do</strong>lazer está relacionada à correlação freqüentemente estabelecidaentre lazer e tempo disponível ou tempo <strong>do</strong> não-trabalho(SUASSUNA, 2006, p. 8).A educação ambiental tem como meta democratizar o conhecimento,a fim de que a sociedade incorpore novos valores reivindican<strong>do</strong>um novo modelo de desenvolvimento, o desenvolvimento sustentável.Entende-se por desenvolvimento sustentável aquele que atende às necessidades<strong>do</strong> presente sem comprometer a capacidade das futurasgerações (CMMAD, 1991). Para se almejar tal modelo de desenvolvimento,é necessária uma transformação da economia e da sociedade,que não busque o crescimento basean<strong>do</strong>-se na exploração <strong>do</strong>s homens109


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)e da natureza, mas na eqüidade, asseguran<strong>do</strong> as mesmas oportunidadesa to<strong>do</strong>s. As comunidades devem participar efetivamente <strong>do</strong> processodecisório, articulan<strong>do</strong> e impon<strong>do</strong> interesses coletivos sobre osinteresses <strong>do</strong> capital <strong>do</strong>minante, contribuin<strong>do</strong> para a conformação deuma sociedade sustentável. Sociedade sustentável é um <strong>do</strong>s importantespilares da educação ambiental. Neste senti<strong>do</strong>, apropria-se deRuscheinsky, quan<strong>do</strong> diz:Uma sociedade sustentável pode ser definida como a quevive e se desenvolve integrada à natureza, consideran<strong>do</strong>-aum bem comum. Respeita a diversidade biológica e socioculturalda vida. Está centrada no pleno exercício responsável econseqüente da cidadania, com a distribuição eqüitativa dariqueza que gera. Não utiliza mais <strong>do</strong> que pode ser renova<strong>do</strong>e favorece condições dignas de vida para as gerações atuais efuturas (RUSCHEINSKY, 2002, p. 8).A noção de sustentabilidade defendida por Ruscheinsky (2002)é de um senso profundamente ético, de igualdade e justiça social. Portanto,o modelo de desenvolvimento basea<strong>do</strong> em uma ideologia neoliberalmostra-se claramente insustentável, pois é inerente a este modeloa instabilidade, posto que seu resulta<strong>do</strong> é a procura constante pelaexpansão e a movimentação <strong>do</strong> capital..Aproximan<strong>do</strong> o Lazer da Educação AmbientalApesar de a lei sobre Política Nacional de Educação Ambientalter si<strong>do</strong> sancionada em 1999, só foi implementada em 2003, com ainstalação <strong>do</strong> Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambientalcujas atribuições são: definição de diretrizes para implementaçãoem âmbito nacional e articulação, coordenação, supervisão enegociação de financiamentos a planos, programas e projetos em EducaçãoAmbiental. O primeiro resulta<strong>do</strong> foi a assinatura de um Termode Cooperação Técnica entre os Ministérios <strong>do</strong> Meio Ambiente e daEducação, no mesmo ano, com o objetivo de realizar conjuntamente110


política e lazer: interfaces e perspectivasa Conferência Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, além de expandiro ensino da Educação Ambiental nas escolas, atingin<strong>do</strong> desde a préescolaaté o ensino médio.O <strong>do</strong>cumento ProNEA, elabora<strong>do</strong> por esses Ministérios, em sua3ª edição, está de acor<strong>do</strong> com o Trata<strong>do</strong> de Educação Ambiental paraSociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global e foi resulta<strong>do</strong> deum processo de consulta pública realiza<strong>do</strong> entre setembro e outubro de2004, envolven<strong>do</strong> mais de 800 educa<strong>do</strong>res em 22 unidades federativas<strong>do</strong> país. Apresenta as diretrizes, princípios e as missões que orientamas ações <strong>do</strong> programa. Trata-se de um programa de âmbito nacional,porém sua implementação não é de competência exclusiva <strong>do</strong> poderpúblico federal. Tal <strong>do</strong>cumento visa a contribuir para uma mudançacultural na sociedade, dan<strong>do</strong> à educação para modificar a forma decompreender a realidade e os padrões de produção e consumo, lazer ereligiosidade, superar a injustiça social e a apropriação da natureza eda humanidade pelo capital (BRASIL, 2004).Para que a atuação <strong>do</strong> poder público no campo da educaçãoambiental possa ocorrer de mo<strong>do</strong> articula<strong>do</strong> tanto entre asiniciativas existentes no âmbito educativo como entre as açõesvoltadas à proteção, recuperação e melhoria socioambiental,e assim propiciar um efeito multiplica<strong>do</strong>r com potencial derepercussão na sociedade, faz-se necessária a formulação ea implementação de políticas públicas de educação ambientalque integrem essa perspectiva. Nesse senti<strong>do</strong>, a criação <strong>do</strong>ProNEA se configura como um esforço <strong>do</strong> governo federalno estabelecimento das condições necessárias para a gestãoda Política Nacional de Educação Ambiental, fortalecen<strong>do</strong>os processos existentes nessa direção na sociedade brasileira(BRASIL, 2004, p. 19).Após a criação da diretoria <strong>do</strong> ProNEA, em 1999, uma série deatividades passaram a ser desenvolvidas, destacan<strong>do</strong>-se a implementação:<strong>do</strong> Sistema Brasileiro de Informações sobre Educação Ambiental(Sibea) de pólos de educação ambiental nos esta<strong>do</strong>s; de cursos de educaçãoambiental a distância. Em 2000, a educação ambiental passa a111


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)integrar o Plano Plurianual (2000-2003) com status de programa constituí<strong>do</strong>por sete ações de responsabilidade <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> Meio Ambiente[MMA], Instituto Brasileiro <strong>do</strong> Meio Ambiente e <strong>do</strong>s RecursosNaturais Renováveis [Ibama], Banco <strong>do</strong> Brasil e Jardim Botânico <strong>do</strong> Riode Janeiro, onde se sobressaem: a capacitação de recursos humanos emeducação ambiental; a implementação de pólos de difusão de práticassustentáveis e o fomento a projetos integra<strong>do</strong>s de educação ambiental.Em 2001, o Fun<strong>do</strong> Nacional <strong>do</strong> Meio Ambiente – FNMA, apoiouo fortalecimento da Rede Brasileira de Educação Ambiental (Rebea).Em 2003, é instaurada a Comissão Intersetorial de Educação Ambiental(Cisea), visan<strong>do</strong> a um processo coordena<strong>do</strong> de consultas e deliberações,internas ao Ministério <strong>do</strong> Meio Ambiente, contribuin<strong>do</strong> para ocaráter transversal das ações em educação ambiental desenvolvidas porsuas secretarias e órgãos vincula<strong>do</strong>s. Em 2004, foi realiza<strong>do</strong> o primeiroencontro governamental nacional sobre políticas públicas de educaçãoambiental, com o objetivo de elaborar um diagnóstico <strong>do</strong>s desafios aoenraizamento da educação ambiental no país. Com o início de um novoPlano Plurianual (2004-2007), o programa passa a ser intitula<strong>do</strong> EducaçãoAmbiental para Sociedades Sustentáveis.Objetivan<strong>do</strong> assegurar a integração e interação equilibrada dasdimensões que compõem a sustentabilidade (ecológica, social, ética,econômica, cultural, espacial e política), o ProNEA assume com suasdiretrizes: transversalidade e interdisciplinaridade; descentralizaçãoespacial e institucional; sustentabilidade socioambiental; democracia eparticipação social e aperfeiçoamento e fortalecimento <strong>do</strong> sistema deensino, meio ambiente e outros que possuam interface com a educaçãoambiental.A diretriz que trata da descentralização espacial e institucionalprivilegia o envolvimento de atores sociais e segmentos institucionaisna construção e implementação de políticas públicas para a educaçãoambiental em diferentes níveis de representatividade no país. Permiteque a União, Esta<strong>do</strong>s e Municípios promovam ações para além daescola, onde o indivíduo possa se relacionar consigo próprio, com osoutros, e principalmente com o meio ambiente. Esta diretriz abre umaperspectiva de inserção <strong>do</strong> lazer como veículo de educação em políticas112


política e lazer: interfaces e perspectivaspúblicas de forma descentralizada, consideran<strong>do</strong> a diversidade cultural<strong>do</strong> país, possibilitan<strong>do</strong>, por meio de práticas e reflexões, resgatare valorizar a cultura local, a fim de contribuir para formação de umaconsciência crítica e, dessa forma, para a sustentabilidade cultural.Democracia e participação social visam à universalização <strong>do</strong>sdireitos e a inclusão social por meio da disponibilização da informaçãoe socialização <strong>do</strong> conhecimento; portanto, o lazer como um direitosocial deve ser proporciona<strong>do</strong> por meio de políticas públicas voltadasà educação ambiental, de mo<strong>do</strong> a garantir o seu acesso a to<strong>do</strong>s e, dessemo<strong>do</strong>, democratizar o conhecimento. Sen<strong>do</strong> assim:ProNEA pode e deve dialogar com as mais amplas propostas,campanhas e programas governamentais e não-governamentaisem âmbitos nacional, estadual e municipal, fortalecen<strong>do</strong>ose sen<strong>do</strong> por eles fortaleci<strong>do</strong>, agregan<strong>do</strong> a estas reflexõese práticas marcadamente ambientalistas e educacionais. Emconjunto com esses programas, são propostas ações educacionaisfundadas e voltadas ao ideário ambientalista, permitin<strong>do</strong>a formação de agentes, editores, comunica<strong>do</strong>res e educa<strong>do</strong>resambientais, apoian<strong>do</strong> e fortalecen<strong>do</strong> grupos, comitês e núcleosambientais, em ações locais voltadas à construção de sociedadessustentáveis”(BRASIL, 2004, p. 35).O lazer, como veículo de educação, pode trazer desenvolvimentopessoal, na medida em que contribui para a compreensão darealidade e desenvolvimento social, pelo reconhecimento das responsabilidadesde cada indivíduo para com a sociedade. Como práticasocial, se constrói por meio de demandas que são socialmente produzidas.Neste âmbito, deve-se não só educar pelo lazer, mas tambémpara o lazer. Assumi<strong>do</strong> como proposição educativa e como demandasocial, o lazer perde seu caráter “utilitarista” ou compensatório. Nessavisão, busca recuperar a força de trabalho, visan<strong>do</strong> a um aumentoda produtividade econômica e, por conseguinte, reproduzir condutase práticas insustentáveis. Como um <strong>do</strong>s canais de atuação cultural,deve contribuir para uma nova ordem moral e intelectual, ter uma113


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)proposta pedagógica que favoreça as mudanças na realidade social,ou seja, ser considera<strong>do</strong> um campo contra-hegemônico, visan<strong>do</strong> aromper a lógica de exploração neoliberal.Mascarenhas, em Lazer como prática de liberdade, acredita emuma “pedagogia crítica <strong>do</strong> lazer” na qual não se deve recusar a idéia<strong>do</strong> fazer pedagógico como prática intencional, procuran<strong>do</strong> garantirapropriação coletiva de elementos teóricos que sustentem uma apreensãocrítica e reflexiva <strong>do</strong> saber. Trata-se de uma práxis criativa quesugere o lazer como “prática da liberdade”, procuran<strong>do</strong> traduzir pressupostosque sirvam de base para um trabalho popular desenvolvi<strong>do</strong>junto a diferentes grupos sociais. O autor chama a atenção para que:,,,o lazer como uma prática pedagógica seja planeja<strong>do</strong> ten<strong>do</strong>como sua grande referência a emancipação <strong>do</strong> homem. Referimo-nosà tentativa de situá-lo em seu estar no e com o mun<strong>do</strong>,possibilitan<strong>do</strong>-lhe a apropriação e o desenvolvimento de determinadashabilidades e valores necessários à sua autodeterminaçãocomo indivíduo coletivo, mediante a tematização e reflexãosobre os diversos conteú<strong>do</strong>s <strong>do</strong> lazer e das condições de suaprópria existência histórica, mediada no e pelo trabalho (MAS-CARENHAS, 2004, p. 33).Embasan<strong>do</strong> a discussão, o autor alia-se a Paulo Freire, toman<strong>do</strong>como educação o processo pelo qual a libertação é realizada pelodiálogo crítico entre sujeitos de um mesmo grupo, em luta diária poremancipação. Compreende conscientização como um processo pormeio <strong>do</strong> qual o sujeito se insere de forma crítica em seu momentohistórico. Este processo se dá pela interação de conhecimentos prévioscom novos conhecimentos, para a construção de uma nova subjetividade,individual e coletiva. Entende-se por subjetividade: conhecimento,cultura, sensibilidade e sociabilidade, que dizem respeito a sistemade valor incorporal (GATTARI, 1995). A educação é fator crucial paraque nossa sociedade supere a ideologia neoliberal. Com base na democratização<strong>do</strong> conhecimento, um processo de conscientização seráinicia<strong>do</strong>, dan<strong>do</strong> origem a mudanças nas relações homem-natureza ehomem-homem. Consciência no senti<strong>do</strong> de apoderar-se de algo, no114


política e lazer: interfaces e perspectivascaso, o conhecimento, que é uma construção histórica da humanidade,para compreendê-lo, criá-lo e recriá-lo pela própria condição deincompletude humana (RUSCHEINSKY, 2002).Segun<strong>do</strong> Reigota (2001), para compreender o que vem a ser aeducação ambiental, deve-se ter a noção da abrangência <strong>do</strong> conceitode meio ambiente, concordan<strong>do</strong>-se que: “A educação ambiental (...) éuma ação cultural que se relaciona ao processo de tomada de consciênciacrítica, com o objetivo de tornar transparentes as relações implícitasna organização das cidades e <strong>do</strong> país e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>” (RUSCHEINSKY,2002, p. 71). E que, portanto, trata-se de uma ação política que visa àpromoção da cidadania, para que, participan<strong>do</strong> ativamente, o indivíduopossa contribuir para a transformação da sociedade. Baseia-se na interdisciplinaridadepara conseguir atingir to<strong>do</strong>s os aspectos que compõe osistema social. Trata-se de uma complexa rede de inter-relações com oobjetivo de alcançar a sustentabilidade.O lazer, utilizan<strong>do</strong> seu potencial educacional, deve incorporaràs suas atividades culturais princípios da educação ambiental de mo<strong>do</strong>a (re)construir uma nova subjetividade, formar uma consciência ambientalque contribua para o alcance de uma sociedade que seja sustentável.Essa consciência requer a busca e a consolidação de novosvalores, modifican<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong> de se relacionar no mun<strong>do</strong>, a partir dacomplexidade ambiental. Transmissão de valores que emancipem ohomem, por meio de práticas sociais que se fundamentem em demandasda sociedade na busca por direitos. Com isso, tem-se que a relaçãoentre lazer e meio ambiente pode ser construída com base na educaçãoambiental.Dentre os princípios <strong>do</strong> ProNEA, destacam-se: concepção de ambienteem sua totalidade, consideran<strong>do</strong> a interdependência sistêmica entreo meio natural e o construí<strong>do</strong>; o socioeconômico e o cultural; o físicoe o espiritual, sob o enfoque da sustentabilidade. Abordagem articuladadas questões ambientais locais, regionais, nacionais, transfronteiriças eglobais. Reconhecimento da diversidade cultural, étnica, racial, genética,de espécies e de ecossistemas. Enfoque humanista, histórico, crítico,político, democrático, participativo, inclusivo, dialógico, cooperativo eemancipatório. E, a vinculação entre as diferentes dimensões <strong>do</strong> conhe-115


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)cimento; entre os valores éticos e estéticos; entre a educação, o trabalho,a cultura e as práticas sociais.O Programa tem como objetivos: promover processos de educaçãoambiental volta<strong>do</strong>s para valores humanistas, conhecimentos, habilidades,atitudes e competências que contribuam para a participaçãocidadã na construção de sociedades sustentáveis; criar espaços de debatedas realidades locais para o desenvolvimento de mecanismos dearticulação social, fortalecen<strong>do</strong> as práticas comunitárias sustentáveis egarantin<strong>do</strong> a participação da população nos processos decisórios sobrea gestão <strong>do</strong>s recursos ambientais; incentivar iniciativas que valorizema relação entre cultura, memória e paisagem, assim como a interaçãoentre os saberes tradicionais e populares e os conhecimentos técnicocientíficos.Fomentar processos de formação continuada em educaçãoambiental, formal e não-formal, dan<strong>do</strong> condições para a atuação nosdiversos setores da sociedade, dentre outros.Nota-se, por meio <strong>do</strong>s princípios e <strong>do</strong>s objetivos <strong>do</strong> programa, umenfoque sistêmico da questão ambiental e uma preocupação em relação àparticipação de um maior número de agentes sociais na elaboração, implementaçãoe avaliação de ações voltadas à educação ambiental, visan<strong>do</strong>valorizar o conhecimento tradicional, articulan<strong>do</strong>-o aos saberes científicos,vislumbran<strong>do</strong> a construção de valores éticos a fim de emancipar oindivíduo, por meio de ações <strong>do</strong> ensino formal e não-formal, contribuin<strong>do</strong>para almejar a sustentabilidade. De acor<strong>do</strong> com a Lei 9795/99, em seuArt. 13, entende-se por educação ambiental não-formal: “Ações e práticaseducativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questõesambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade <strong>do</strong>meio ambiente” (BRASIL, 1999, p. 5).Na linha de ação e estratégias, o ProNEA, em relação à gestão eà implementação da educação ambiental no país, busca a promoção <strong>do</strong>planejamento estratégico e participativo da população na esfera pública,contribuin<strong>do</strong> para que esta população possa ter acesso às políticaspúblicas, programas e projetos em to<strong>do</strong> o país, em articulação comgovernos estaduais e municipais. Esta participação dá-se por meio defóruns, comissões e outras instâncias democráticas, priman<strong>do</strong> peladescentralização das ações e informações. Também objetiva-se reali-116


política e lazer: interfaces e perspectivaszar, por intermédio das CIEAs, a identificação e o registro de diferentesmanifestações culturais <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s, com o intuito de estabelecerinterfaces entre elas e projetos de educação ambiental, incentivan<strong>do</strong>,dessa forma, a realização das atividades culturais de caráter ecopedagógico.Por fim, o ProNEA visa a estimular e apoiar a inserção daeducação ambiental nas práticas de ecoturismo, buscan<strong>do</strong> garantir asustentabilidade social, ecológica e econômica das comunidades receptorase proporcionan<strong>do</strong> uma interação adequada <strong>do</strong>s turistas comos ecossistemas locais.Embora o programa tenha como objetivo contribuir para umamudança cultural na sociedade, procuran<strong>do</strong> modificar a forma decompreender o lazer, este não é menciona<strong>do</strong> explicitamente em suaslinhas de ação, apesar de ações como festivais culturais de caráter ecopedagógicoe o ecoturismo poderem ser identificadas como o lazer,entendi<strong>do</strong> como uma prática social.Os festivais ecoculturais ocorrem em parceria com o Ministério daCultura. De 2003 até agora, foram realiza<strong>do</strong>s festivais em diferentes locais<strong>do</strong> território brasileiro que possuam peculiaridades em relação à questãoambiental. Dentre os festivais destacam-se: V Festival Internacional <strong>do</strong>Cinema e Vídeo Ambiental – FICA, em Goiás Velho; Festival Ecológico eCultural das Águas de Mato Grosso – FEC – Águas <strong>do</strong> Pantanal; I Festivalde Inverno de Alto Paraíso; I Festival Ecocultural sobre a Revitalização<strong>do</strong> Rio São Francisco, nas cidades de Paulo Afonso, na Bahia, DelmiroGouveia e Piranhas, em Alagoas, e Canindé de São Francisco, em Sergipe.Em 2005 os Ministérios <strong>do</strong> Meio Ambiente e o da Cultura firmaramacor<strong>do</strong> de consolidação de uma agenda bilateral para a implementação<strong>do</strong>s projetos Sala Verde e Ponto de Cultura.O ecoturismo é incentiva<strong>do</strong> com base no Programa de Desenvolvimento<strong>do</strong> Ecoturismo na Amazônia Legal – Proecotur. Executa<strong>do</strong>pelo Ministério <strong>do</strong> Meio Ambiente, em conjunto com o <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> eTurismo, Embratur, Ibama nos nove esta<strong>do</strong>s que compõem a AmazôniaLegal e conta com o financiamento <strong>do</strong> Banco Interamericano deDesenvolvimento-BID. As ações de implementação ocorrem em duasfases. A primeira, de pré-investimentos, visa a um planejamento estratégico,para que na segunda possam ocorrer investimentos em capaci-117


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)tação, infra-estrutura, marketing, proteção de atrativos, e possibilitarfluxo de visitantes. O objetivo é viabilizar o desenvolvimento sustentávelpor meio <strong>do</strong> ecoturismo na Amazônia Legal, da qual fazem parte osesta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará,Rondônia, Roraima e Tocantins. Desde 2000, o programa executaa primeira fase, desenvolven<strong>do</strong> estu<strong>do</strong>s de planejamento estratégicopara o desenvolvimento <strong>do</strong> ecoturismo, aplican<strong>do</strong> recursos para criarinfra-estrutura e capacidade gerencial nos esta<strong>do</strong>s.Com o objetivo de propiciar uma maior aproximação <strong>do</strong> homemcom a natureza, entendida neste momento em sua acepçãofísica, as políticas públicas buscam viabilizar iniciativas que consistemno estabelecimento de interfaces com o lazer, como podeser percebi<strong>do</strong> por meio das propostas adiante apresentadas. Constata-seque durante o Governo Lula da Silva (2002-2006), houveum considerável incremento na a<strong>do</strong>ção de medidas para viabilizarprocessos pedagógicos visan<strong>do</strong> à constituição de uma outra visão<strong>do</strong> homem sobre a natureza. Assim, vale lembrar que o GovernoFederal almeja ampliar o acesso às unidades de conservação e áreasprotegidas federais, sem provocar riscos e prejuízos para a preservação<strong>do</strong>s biomas, como Mata Atlântica, Amazônia, Pantanal, quecompõem a biodiversidade brasileira. A utilização de forma sustentável<strong>do</strong> patrimônio natural e cultural incentiva sua conservação ebusca a formação de uma consciência ambientalista, promoven<strong>do</strong>o bem-estar das populações, possuin<strong>do</strong> um caráter educativo paraos visitantes.Muito embora se perceba o esforço <strong>do</strong> Governo Federal em desenvolverações e estratégias voltadas para a compreensão <strong>do</strong> desenvolvimentosustentável em suas diferentes dimensões, ações como ecofestivaise o ecoturismo são assistemáticas e, portanto, não se constituem emações educativas continuadas, poden<strong>do</strong>, muitas vezes, não contribuirpara uma mudança na relação homem-natureza. O ecoturismo, por seruma atividade que requer recurso financeiro para ser desfrutada, é acessívela uma limitada parcela da sociedade brasileira, não se constituin<strong>do</strong>,dessa forma, uma ação que promova valores, conhecimentos, atitudesvoltadas para a construção de uma sociedade sustentável, na população118


política e lazer: interfaces e perspectivasem geral. Dessa forma, é importante destacar que o lazer, como práticasocial, pode ser uma eficaz estratégia para que se possa abarcar gruposem diferentes condições sociais e econômicas, bem como em condiçõesde vulnerabilidade socioambiental, em ações de caráter educativopermanente e contínuo, visan<strong>do</strong> a uma mudança de comportamentoem relação ao meio ambiente. Nesta acepção, entende-se que o lazer,constituí<strong>do</strong> por um conjunto de práticas sociais e ambientais crítica ereflexiva, pode ser considera<strong>do</strong> como um meio de disseminação <strong>do</strong>sconhecimentos ambientais visan<strong>do</strong> a uma sociedade sustentável.De acor<strong>do</strong> com Gorz (2005), “socializan<strong>do</strong>-se o sujeito se produzirá”,possibilitan<strong>do</strong> a assimilação de saberes construí<strong>do</strong>s na culturacomum, que formará sua subjetividade. O saber não necessariamentese constitui como conhecimentos formais, codifica<strong>do</strong>s; resulta da experiênciaprática da vida em sociedade, é de essência social, comuma to<strong>do</strong>s. Relacionan<strong>do</strong> a noção de lazer como prática social à idéia deGorz (2005), em que o indivíduo constrói saberes com base na culturaem que está inseri<strong>do</strong>, encontra-se a possibilidade de formar-se umanova subjetividade na sociedade por meio de práticas de lazer.A inserção de princípios da educação ambiental nas atividadesde lazer, e o lazer nas linhas de ação <strong>do</strong> ProNEA, pode contribuir paraa formação de uma subjetividade que busque a emancipação, trazen<strong>do</strong>o senti<strong>do</strong> educacional a estas práticas. O lazer deve valorizar seupotencial transforma<strong>do</strong>r, para que com fundamento na formação deuma outra consciência, uma outra visão de mun<strong>do</strong>, a sociedade compreendaa inter-relação e a interdependência entre os aspectos quecompõem o meio ambiente. Procuran<strong>do</strong>, desse mo<strong>do</strong>, superar a ideologiaque vem determinan<strong>do</strong> as relações entre os homens e destes coma natureza, trazen<strong>do</strong> uma noção de sustentabilidade que contemple assuas diferentes dimensões.Considerações finaisA discussão que se propôs tratar neste texto foi orientada paraa construção de uma relação entre lazer e meio ambiente, permean<strong>do</strong>-secom a concepção de educação ambiental. Buscou-se construir119


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)uma análise <strong>do</strong> Programa Nacional de Educação Ambiental – ProNEApor meio da inserção da temática lazer, entendida como uma práticasocial. Defendeu-se que a relação entre o lazer e a questão ambientaldeve se pautar em uma proposta pedagógica crítica e reflexiva quepossibilite a superação de sua visão compensatória ou utilitarista, freqüentementeutilizada na sociedade industrial moderna para a defesade interesses hegemônicos. Com base em Gorz, percebeu-se que hápossibilidade de relacionar o lazer e a temática ambiental, quan<strong>do</strong> tratada aquisição de conhecimento e saberes, por meio de práticas vivenciadassocialmente. O autor considera que a formação da subjetividade,consciência, não se realiza somente no tempo <strong>do</strong> trabalho, mastambém no tempo conquista<strong>do</strong> pela classe trabalha<strong>do</strong>ra por meio dademanda por direitos sociais. Assim, o tempo <strong>do</strong> não trabalho torna-sefundamental para a produção <strong>do</strong> si.O lazer, por ocorrer em um espaço conflituoso, devi<strong>do</strong> à diversidadede saberes, possui um potencial transforma<strong>do</strong>r e deve apropriarse<strong>do</strong>s conhecimentos da educação ambiental a fim de transformar arealidade, por meio da formação de uma outra subjetividade. E assim,promover o desenvolvimento sustentável, construin<strong>do</strong> uma outra consciênciade meio ambiente, compreenden<strong>do</strong> a inter-relação e interdependênciaexistente entre os diversos aspectos que o compõem. E dessamaneira, propiciar que a sociedade participe ativamente das decisõespolíticas e econômicas que determinam as relações homem-homem ehomem-natureza, a fim de se buscar uma sociedade mais justa e democrática,com base nas dimensões da sustentabilidade..Referências BibliográficasALMEIDA, Arthur J. M. & SUASSUNA, Dulce. “A formação da consciência ambiental e aescola”. In Revista Eletrônica de Mestra<strong>do</strong> em Educação Ambiental, Rio Grande, volume15: 107-129, jul-dez/2005.BRASIL, Ministério da Educação. Lei nº 9 795 de Abril de 1999.___________ . Ministério <strong>do</strong> Meio Ambiente, Diretoria de Educação Ambiental; Ministérioda Educação, Coordenação Geral de Educação Ambiental. Programa Nacional de EducaçãoAmbiental/ ProNEA. 3ª edição. MMA, Brasília, 2005.BURSZTYN, Marcel. “Armadilhas <strong>do</strong> progresso: contradições entre economia e ecologia”.In. Revista Sociedade e Esta<strong>do</strong>, Brasília, volume X, n° 1: 97-124, jan-jun/1995.120


política e lazer: interfaces e perspectivas___________ . (org). A difícil sustentabilidade: política energética e conflitos ambientais.Rio de Janeiro, Garamond, 2001.CASCINO, Fábio. Educação ambiental: princípios, história, formação de professores. 3ªedição. São Paulo, Editora Senac, 2003.CINTRA ROLIM, Liz. Educação e lazer: a aprendizagem permanente. São Paulo, EditoraÁtica, 1989.CMMAD, Organização das Nações Unidas. Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro, FGV,1991.GATTARI, Félix. As três ecologias. 5ª edição. Campinas, Papirus, 1995.GORZ, André. O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo, Annablume, 2005.GUTIERREZ, Gustavo L. Lazer e prazer: questões meto<strong>do</strong>lógicas e alternativas políticas.Campinas, Autores Associa<strong>do</strong>s, chancela editorial CBCE, 2001.MARCELLINO, Nelson C. Lazer e educação. Campinas, Papirus, 1987.MASCARENHAS, Fernan<strong>do</strong>. Lazer como prática da liberdade: uma proposta educativapara a juventude. Goiânia, UFG, 2004.PADILHA, Valquíria. Tempo livre e capitalismo: um par imperfeito. Campinas, EditoraAlínea, 2000.PEGORARO, João L. & SORRENTINO, Marcos. “Programas educativos com flora efauna (expressões da diversidade) e a educação ambiental”. In Scientia Forestalis, Piracicaba,n° 54: 131-142, dez/1998.REIGOTA, Marcos. O que é educação ambiental. Coleção primeiros passos. São Paulo,Editora Brasiliense, 2001.RUSCHEINSKY, Aloísio et al. “Educação ambiental: uma perspectiva freireana”. In.Revista Ambiente & Educação. Rio Grande, volume 7, Fundação Universidade <strong>do</strong> RioGrande, 2002.SUASSUNA, Dulce. Lazer e Meio Ambiente. Brasília, Reunião Nacional de Agentes <strong>do</strong>Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade. Acesso: www.unb.br/fef/cedes.121


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capítulo vAs políticas públicas para o lazerelaboradas e desenvolvidas peloMinistério da EducaçãoPaulo Henrique Azevê<strong>do</strong>O lazer e a educaçãoO ponto inicial quan<strong>do</strong> de uma análise sobre esse assunto é a constataçãoda vinculação, da fundamentação e da responsabilidade da educaçãopara com o lazer e o mesmo <strong>do</strong> lazer para com a educação.Educar para o lazer não tem si<strong>do</strong> prioridade em muitas organizações,sejam elas públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos. Arelação entre educação e lazer não tem si<strong>do</strong> bem compreendida entreas pessoas, e isso pode ter provoca<strong>do</strong> um lapso de tempo importanteno desenvolvimento de políticas fundamentais para a melhoria da qualidadede vida <strong>do</strong>s cidadãos em nosso país. Para que ocorra o entendimentoda relevância <strong>do</strong> nexo educação-lazer, há que se analisar essesconceitos individualmente e em sua concepção coletiva.Para Struna (1977), o movimento, como atividade humana, começano nascimento e cessa somente após a morte. O corpo é o meio


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)para a ação dentro e através <strong>do</strong> espaço e, no processo de movimento,ele exibe várias qualidades; ele se move em relação ao meio ambiente,a objetos, ou a outras pessoas. Assim, estes quatro componentes– corpo, espaço, esforço ou qualidade – e seus relacionamentos unemo joga<strong>do</strong>r de basquetebol com o dançarino de ballet; o trabalha<strong>do</strong>r dafábrica com a criança no parque infantil. Cada um deles deve adquirirconhecimento de como o corpo funciona para produzir a ação desejadae como ele se move, através <strong>do</strong> espaço, de um lugar a outro.LazerO lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduopode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja paradivertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolversua informação ou formação desinteressada, sua participação socialvoluntária ou sua livre capacidade cria<strong>do</strong>ra, após livrar-se oudesembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais(DUMAZEDIER, 1979).Para Parker (1978) “o lazer é tempo livre de trabalho e de outrasobrigações, e também engloba atividades que se caracterizam por umsentimento de (relativa) liberdade”.Lazer é como qualquer atividade que não seja profissional ou<strong>do</strong>méstica; é um conjunto de atividades gratuitas, prazerosas, voluntáriase liberatórias, centradas em interesses culturais, físicos, manuais,intelectuais, artísticos e associativos, realizadas num tempo livrerouba<strong>do</strong> ou conquista<strong>do</strong> historicamente sobre a jornada de trabalhoprofissional e <strong>do</strong>méstica, e que interferem no desenvolvimento pessoale social <strong>do</strong>s indivíduos (CAMARGO, 1989). É uma visão generalistade lazer, porque engloba inúmeras atividades, visto que exclui apenasas <strong>do</strong>mésticas e as relativas ao trabalho.No entendimento de Dumazedier (1979), esta necessidade delazer por parte das pessoas está em fragmentos nas atividades e emfunção <strong>do</strong>s diferentes meios sociais, <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, <strong>do</strong>s jovens epessoas i<strong>do</strong>sas.124


política e lazer: interfaces e perspectivasEducaçãoA educação, entendida como um processo mais amplo, tantocumprin<strong>do</strong> o papel de transmissora e recria<strong>do</strong>ra de cultura entre aspessoas, quanto sen<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s meios mais eficientes para demudarindivíduos conformistas em críticos e criativos, a educação pode sercapaz de inculcar valores questiona<strong>do</strong>res da situação e preparar as pessoaspara a realização de transformações em toda a sociedade. Deveestar associada ao desenvolvimento humano e, conseqüentemente, aosocial, cultural e econômico.Neste contexto de desenvolvimento, a educação pressupõe aformação <strong>do</strong> homem integral, em contraposição ao homem unilateral.Não há uma única forma nem um único modelo de educação, bemcomo a escola não é o único local onde ela ocorre, já que ela está presentena rua, na igreja, na família, em todas as instituições e relaçõessociais. Da mesma forma, o ensino escolar não pode ser considera<strong>do</strong>como sua única prática, e o professor como seu único praticante.A educação difere, também, de acor<strong>do</strong> com cada sociedade. Assim,a educação possui uma força fundamental na formação <strong>do</strong>s homensque as sociedades buscam forjar. Se são necessários burocratasou mesmo guerreiros, a educação e o saber que são transmiti<strong>do</strong>s sãoutiliza<strong>do</strong>s como meios para os constituírem e legitimarem. Muito alémde formar os homens, ela é responsável pela formação das sociedades,pela produção de crenças, idéias, qualificações, trocas de símbolos,bens e poderes (BRANDÃO, 1985).O lazer como prática educativaO lazer é uma prática educativa, e como tal, tem como uma desuas prioridades proporcionar o desenvolvimento humano integral, nosenti<strong>do</strong> da omnilateralidade proposta por Marx, tanto pessoal quantosocial. Prática entendida no senti<strong>do</strong> de práxis:A expressão práxis refere-se, em geral, à ação, à atividade, e,no senti<strong>do</strong> que atribui Marx, à atividade livre, universal, criativae autocriativa, por meio da qual o homem cria (faz, produz)e transforma (conforma) seu mun<strong>do</strong> humano e histórico e a si125


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)mesmo; atividade específica ao homem, que o torna basicamentediferente de to<strong>do</strong>s os outros seres. Nesse senti<strong>do</strong>, o homem podeser considera<strong>do</strong> como um ser da práxis, entendida como o conceitocentral <strong>do</strong> marxismo, e este como a “filosofia” (ou melhor, o“pensamento”) da “práxis” (BOTTOMORE, 1988, p. 292).A maioria <strong>do</strong>s autores contemporâneos relaciona<strong>do</strong>s aos estu<strong>do</strong>s<strong>do</strong> lazer reconhece seu duplo aspecto educativo, o que não ocorrecom os estudiosos da educação. Os autores contemporâneos baseiamseem duas constatações:• A primeira é que o lazer é um veículo privilegia<strong>do</strong> de educação;• A segunda, que para a vivência de atividades de lazer é necessárioaprendiza<strong>do</strong>, estímulo e iniciação aos conteú<strong>do</strong>sculturais que possibilitem a superação da etapa conformista,mais simples, para etapas críticas e criativas, mais elaboradase complexas.Assim se estabelece o seu duplo aspecto educativo: o lazer comoveículo da educação – a educação pelo lazer e o lazer como objeto daeducação –, a educação para o lazer.Embora o reconhecimento desse duplo aspecto educativo sejaquase unânime na área <strong>do</strong> lazer, variam os enfoques da<strong>do</strong>s à relaçãolazer-educação. Alguns autores, como Vazquez (2000), Requixa(1990), Medeiros (1970), Rolim (2000), entre outros, liga<strong>do</strong>s ao estu<strong>do</strong><strong>do</strong> lazer, muitas vezes recusam ou até mesmo negam o valor daescola no processo educativo, já que destacam as possibilidades <strong>do</strong> lazercomo veículo de educação (cita<strong>do</strong>s por (MARCELLINO, 2003).Em seus estu<strong>do</strong>s, França (1999) considera que o aspecto educativo<strong>do</strong> lazer, sua vivência e experiência com qualidade, poderãocontribuir para a compreensão <strong>do</strong> novo mun<strong>do</strong> social e a intervençãonele. Na relação entre educação e lazer, a produção de conhecimentosdeve permitir novos horizontes ao ser humano, possibilitan<strong>do</strong> a melhoriana qualidade de vida, com condições objetivas e progressistas, àmedida que se propõe forjar cidadãos prático-reflexivos.126


política e lazer: interfaces e perspectivasEducação pelo lazer e educação para o lazerRequixa (1980) sugere um duplo aspecto educativo <strong>do</strong> lazer: olazer como veículo de educação – educação pelo lazer; o lazer comoobjeto de educação –, educação para o lazer. Este autor diz que oindivíduo, ao participar em atividades de lazer, desenvolve-se tantoindividual como socialmente, condições estas indispensáveis para garantiro seu bem-estar e a participação mais ativa no atendimento denecessidades e aspirações de ordem individual, familiar, cultural e comunitária.Educação pelo lazerA educação pelo lazer é de extrema importância quan<strong>do</strong> sebusca o enriquecimento pessoal e social <strong>do</strong> indivíduo que proporcioneum maior e melhor desenvolvimento humano. Requixa (1980) abordaa ampliação <strong>do</strong> dimensionamento educativo que as atividades de lazerpodem representar, poden<strong>do</strong> ser entendi<strong>do</strong> como essencial e o maisprovocante, pela riqueza de possibilidades que oferece.As possibilidades educacionais que o lazer oferece para o desenvolvimentopessoal e social estão nas oportunidades de vivências, noestímulo da sensibilidade e nas variadas opções de informações proporcionadas.Caracteriza-se, aí, a educação com prazer e satisfação,de mo<strong>do</strong> alegre, descompromissa<strong>do</strong> e de livre adesão.Educação para o lazerJá a educação para o lazer é necessária, pois o ser humano éaltamente valoriza<strong>do</strong> em termos da sua produtividade. Para Requixa(1980), a educação para o lazer é um importante instrumento parapreparar o ser humano para uma vida em que haja um equilíbrio entreo trabalho e o lazer, e, se possível, antecipar o lazer. Esse tipo de práticaeducativa, além de favorecer o aprendiza<strong>do</strong> para o uso <strong>do</strong> “tempolivre”, também estimula a diversificação das atividades.Kraus apud Gaelzer (1979, p.1-2) afirma que o principal propósitoda educação para o lazer, assim como em outras formas de127


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)educação, é “promover certas mudanças individuais desejáveis nos estudantesque estão expostas a ela”. Este autor trabalha com algumasmetas que podem ser estabelecidas:• Atitude: é essencial que o estudante desenvolva um conhecimentoda importância <strong>do</strong> lazer na sociedade e reconheça osvalores significativos que eles podem trazer à sua vida;• Conhecimento: atitudes positivas bem fundadas devem sersuplementadas pelo conhecimento individual; saber "como","por que", e "onde" deve ocorrer a participação recreativa;• Habilidades: o objetivo de ensinar técnicas não é somente o deconseguir que o estudante <strong>do</strong>mine certo número de atividadesespecíficas, com a idéia de que ele necessariamente participarádelas, em sua vida recreativa, na juventude e idade adulta;é ainda o de proporcionar certas habilidades básicas, paraque ele possa participar dessas habilidades com certo grau decompetência, sucesso e prazer;• Comportamento: qualquer das metas acima, atitude, conhecimentoe habilidades, leva a esse último propósito que é ocomportamento. A conseqüência da educação para o lazerdeve ser a existência de um comportamento que seja marca<strong>do</strong>pela capacidade de um bom julgamento pessoal, quan<strong>do</strong> daseleção de atividades recreativas.Ainda segun<strong>do</strong> Kraus, a escola tem a responsabilidade de proporcionarexperiências vivas, tanto pela assistência direta ao corpodiscente como pela colaboração com a comunidade, que também deveproporcionar atividades recreativas para a intensificação de seu programade educação para o lazer. O comportamento de lazer pode serfirma<strong>do</strong>, e os hábitos de participação efetiva podem ser solidamenteimplanta<strong>do</strong>s, se a escola se esforçar em ensinar uma real participaçãonas atividades de lazer.128


política e lazer: interfaces e perspectivasO Lazer no ensino da Educação FísicaDe acor<strong>do</strong> com Ribeiro (2004), a educação física deve se enquadrarno objetivo da educação que, de uma forma simplificada, pode serenuncia<strong>do</strong> como “educar jovens para que se tornem indivíduos sãos,capazes, críticos e autônomos, bons cidadãos, interessa<strong>do</strong>s e partícipes nasociedade em que vivem, inclusive para quererem modificá-la, se acharemisto necessário”. E, para contribuir com este objetivo, a educação físicadeve transmitir aos alunos que o mais importante não é a atividade físicaem si, mas sim a busca da qualidade de vida, enfocan<strong>do</strong> principalmente osaspectos de saúde e bem-estar. O lazer deve se inserir nessa busca e, porisso mesmo, deve fazer parte <strong>do</strong> plano de ensino.A Carta Internacional de Educação para o Lazer propõe que olazer faça parte da estrutura formal da escola:• Detectar o potencial para o conteú<strong>do</strong> de lazer que existe emcada matéria, currículo e atividades extracurriculares;• Incluir matérias apropriadas e relevantes para o estu<strong>do</strong> de lazer,tanto direta como indiretamente – cada matéria deve serenriquecida com conteú<strong>do</strong> de lazer;• Incorporar o lazer em todas as atividades educacionais e culturais,dentro e fora da escola.Segun<strong>do</strong> a Carta, as abordagens de ensino e aprendizagem daeducação para o lazer nas escolas devem incluir facilitação, animação,criatividade, experimentação pessoal, auto-aprendiza<strong>do</strong>, aulas teóricase orientação. Recomenda-se que a aprendizagem ocorra individualmentee em grupo. “A abordagem de ensino <strong>do</strong> lazer deve ser a deestimular mais <strong>do</strong> que a de instruir”.Para Vaz (2003), a escola deve atender às necessidades, interessese motivações de seus alunos, onde o aspecto recreativo, base da concepçãoutilitária e social da educação física, deve ser leva<strong>do</strong> em consideraçãoquan<strong>do</strong> <strong>do</strong> planejamento das atividades a serem desenvolvidas, poistrabalho e lazer, tal como a educação intelectual e a educação física, nãopodem ser considera<strong>do</strong>s como partes separadas. Vaz cita M’Bow em129


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)sua afirmação “que cada um seja, daqui por diante, prepara<strong>do</strong> para umaeducação física e esportiva que lhe permita manter a saúde ao longo davida, ou simplesmente ocupar o seu lazer”. Desse mo<strong>do</strong>, o lazer comoprática educativa, nas possibilidades da educação para e pelo lazer, podeproporcionar o desenvolvimento humano integral.A história <strong>do</strong> Ministério da EducaçãoO Ministério da Educação <strong>do</strong> governo federal <strong>do</strong> Brasil, entidademáxima da educação no país, é o responsável por organizar osistema de ensino. A sigla MEC – acrônimo <strong>do</strong> antigo nome Ministérioda Educação e da Cultura – foi mantida pelo vínculo cria<strong>do</strong> pela população,deste nome com o Ministério da Educação.O Ministério da Educação – MEC teve suas origens no Decreton.º 19.402, de 14 de novembro de 1930, que criou uma Secretaria deEsta<strong>do</strong> com a denominação de Ministério <strong>do</strong>s Negócios da Educaçãoe Saúde Pública e pelo Decreto n.º 19.444, foram defini<strong>do</strong>s algunsserviços. Neste mesmo ano, pelo Decreto n.º 19.518, de 22 de dezembro,passaram a ser subordina<strong>do</strong>s ao mesmo, repartições que faziamparte <strong>do</strong> Ministério da Justiça e Negócios Interiores.O Decreto n.º 19.560, de 5 de janeiro de 1931, aprovou o regulamentoque organizava a Secretaria de Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Ministério daEducação e Saúde Pública.A Lei n.º 378, de 13 de janeiro de 1937, passou sua denominaçãopara Ministério da Educação e Saúde, com atividades relativas àeducação escolar, educação extra-escolar, saúde pública e assistênciamédico-social.Com o Decreto-lei n.º 8.535, de 2 de janeiro de 1946, as Divisõesde Ensino Superior, Ensino Secundário, Ensino Comercial eEnsino Industrial <strong>do</strong> Departamento Nacional de Educação, transformadasem Diretorias, foram subordinadas diretamente ao Ministro daEducação e Saúde.Em decorrência da criação <strong>do</strong> Ministério da Saúde, pela Lei n.°1.920, de 25 de julho de 1953, passou a denominar-se Ministério daEducação e Cultura.130


política e lazer: interfaces e perspectivasEm função <strong>do</strong> Decreto-lei n.° 200, de 25 de fevereiro de 1967,foi redefinida a sua área de competência.Neste mesmo ano, pelo Decreto n.° 60.731, de 17 de maio, to<strong>do</strong>sos estabelecimentos de ensino manti<strong>do</strong>s pelo Ministério da Agriculturapassaram a integrar a estrutura básica <strong>do</strong> Ministério da Educaçãoe Cultura.Uma nova organização administrativa foi realizada, pelo Decreton.° 66.967, de 27 de julho de 1970.O Decreto n.° 72.614, de 15 de agosto de 1973, realizou umaprofunda reforma estrutural.Mudanças na sua estrutura básica foram desencadeadas, peloDecreto n.° 81.454, de 17 de março de 1978.O Ministério da Educação – MEC, pelo Decreto n.° 85.843, de 25de março de 1981, foi objeto de ampla reorganização administrativa.Através e como conseqüência <strong>do</strong> Decreto n.° 91.144, de 15 demarço de 1985, que criou o Ministério da Cultura – MinC e transferiupara esse to<strong>do</strong>s os assuntos da área cultural, passou a denominar-seMinistério da Educação, mas manten<strong>do</strong> a sigla MEC.• Com o Decreto n.° 99.244, de 10 de maio de 1990, quetratou da reorganização e <strong>do</strong> funcionamento <strong>do</strong>s órgãos daPresidência da República e <strong>do</strong>s Ministérios, o Ministério daEducação – MEC passou por uma mudança estrutural significativa.Neste mesmo ano, pelo Decreto n.° 99.678, de 8 denovembro, foi aprovada a Estrutura Regimental <strong>do</strong> Ministérioda Educação, crian<strong>do</strong> unidades não previstas na estruturaanterior;• A Lei n.° 8.490, de 19 de novembro de 1992, mu<strong>do</strong>u a suadenominação para Ministério da Educação e <strong>do</strong> Desporto, absorven<strong>do</strong>as atividades da Secretaria <strong>do</strong>s Desportos.O Ministério da Educação – MEC, pela Medida Provisória n.°813, de 1º de janeiro de 1995, tem alterada as suas competências.O Decreto n.° 1.917, de 27 de maio de 1996 aprovou uma novaEstrutura Regimental.131


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Em 14 de fevereiro de 1997, o Ministério da Educação – MECpassou pelas seguintes transformações na sua Estrutura:• Pela Medida Provisória n.º 1.549-27, foi extinta a Fundaçãode Assistência ao Estudante – FAE, ten<strong>do</strong> suas competênciastransferidas para o Fun<strong>do</strong> Nacional <strong>do</strong> Desenvolvimento daEducação – FNDE;• Pela Medida Provisória n.º 1.568, teve transforma<strong>do</strong> o InstitutoNacional de Estu<strong>do</strong>s e Pesquisas Educacionais – INEP deórgão específico singular para autarquia; e• Pelo Decreto n.° 2.147, teve aprovada sua Estrutura, que retratouas ações das Medidas já citadas, como, também, a extinçãodas Secretarias de Política Educacional e de Avaliaçãoe Informação Educacional.Por força da Lei n.° 9.649, de 27 de maio de 1998, teve suascompetências ratificadas na conversão da Medida Provisória n.° 813,de 1° de janeiro de 1995. Neste mesmo ano, pelo Decreto n.° 2.890,de 21 de dezembro, foram extintas as Delegacias Estaduais <strong>do</strong> Ministério,criadas as Representações nos Esta<strong>do</strong>s de São Paulo e <strong>do</strong> Rio deJaneiro e redefinidas as suas competências.• Em 12 de junho de 2000, pelo Decreto n° 3.501, teve aprovadaa sua Estrutura Regimental, e dessa forma, ocorreu outra alteraçãode competência;• O Ministério da Educação – MEC, com o Decreto n.º 3.772,de 14 de março de 2001, tem aprovada a sua Estrutura Regimental.Dessa forma, novamente é redefinida a sua alçada.Com o Decreto n° 4.791, de 22 de julho de 2003, o Ministério daEducação – MEC tem aprovada a sua Estrutura Regimental. Assim, a áreade competência <strong>do</strong> Ministério da Educação ficou assim estabelecida:• Política nacional de educação;• Educação infantil;• Educação em geral, compreenden<strong>do</strong> ensino fundamental, ensinomédio, ensino superior, ensino de jovens e adultos, edu-132


política e lazer: interfaces e perspectivascação profissional, educação especial e educação a distância,exceto ensino militar;• Avaliação, informação e pesquisa educacional;• Pesquisa e extensão universitária;• Magistério;• Assistência financeira a famílias carentes para a escolarizaçãode seus filhos ou dependentes.O Ministério da Educação e suas políticas públicaspara o lazer no BrasilSerá a gestão governamental <strong>do</strong> lazer, no Brasil, uma administraçãovoltada para os objetivos? Para Ching (1997), os gerentes fazemo seguinte questionamento: “Como melhorar o que fazemos?”;“Como reduzir o custo <strong>do</strong> que fazemos?”. Estes questionamentos sãotípicos de gestores segui<strong>do</strong>res de teorias antigas sobre a organização<strong>do</strong> trabalho, como: divisão <strong>do</strong> trabalho em tarefas, necessidade decontroles elabora<strong>do</strong>s e hierarquia funcional rígida. Por outro la<strong>do</strong>, osgerentes críticos e inova<strong>do</strong>res perguntam: “Por que estamos fazen<strong>do</strong>isto?”; “Por que fazemos o que fazemos?”.Do modelo de gestão <strong>do</strong>s programas e recursos disponíveis parao oferecimento de atividades de lazer em to<strong>do</strong>s os níveis é que dependerãoos resulta<strong>do</strong>s almeja<strong>do</strong>s para o fortalecimento desta etapa <strong>do</strong>processo social. O comportamento atual <strong>do</strong> administra<strong>do</strong>r mostrará,adiante, que o seu nível de competência, talento, comprometimento,espírito empreende<strong>do</strong>r e atuação como agente de mudanças foi capazde criar as condições necessárias para que o futuro seja efetivamenteconstruí<strong>do</strong>. Ou seja, que a colocação de sua visão em ação proporcionao lazer a todas as camadas da população.O papel <strong>do</strong> governo federal nas políticas para o lazerCumpre à sociedade e, em especial, ao Governo Federal, a reuniãode esforços para a disseminação de atividades que visem atender o preconiza<strong>do</strong>na legislação, oferecen<strong>do</strong> acesso a to<strong>do</strong> cidadão, indistintamente.133


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)O caminho percorri<strong>do</strong> pelo esporte e lazer nos órgãos<strong>do</strong> governoA quantidade e a velocidade das trocas de ministérios, ministrose demais profissionais de diversos escalões <strong>do</strong> governo, nesse perío<strong>do</strong>,são, efetivamente, um <strong>do</strong>s principais agentes responsáveis pela dificuldadede organização pela qual passou o esporte brasileiro entre 1995e 2002. O quadro 1 sintetiza os fatos.Quadro 01 – Esquema demonstrativo das vinculações <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e <strong>do</strong> lazerjunto a ministérios, seus dirigentes e perío<strong>do</strong>s de permanência – 1995-2002As mudanças <strong>do</strong> esporte e <strong>do</strong> lazer entre osMinistérios e a gestão estratégicaSomente no perío<strong>do</strong> de 1995 a 2002, o esporte esteve liga<strong>do</strong> atrês ministérios distintos. Em 1995, saiu <strong>do</strong> Ministério da Educação e<strong>do</strong> Desporto (MEC) e passou para o Ministério de Esta<strong>do</strong> Extraordinário<strong>do</strong>s <strong>Esporte</strong>s. Em 1998, retornou para o Ministério da Educaçãoe <strong>do</strong> Desporto (MEC) e, em 1999, foi inseri<strong>do</strong> no recém-cria<strong>do</strong> Ministério<strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e <strong>do</strong> Turismo, onde permaneceu até o final daquelegoverno, em dezembro de 2002.O Quadro 2 ilustra a vinculação <strong>do</strong> esporte ao longo dessesoito anos.134


política e lazer: interfaces e perspectivasQuadro 2 – Demonstrativo das alterações de vinculação <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> junto aosministérios <strong>do</strong> Governo Federal – perío<strong>do</strong> 1995-2002Perío<strong>do</strong>Jan. 1995Jan. 1995 a abr. 1998Abr. 1998 a jan. 1999Jan. 1999 a dez. 2002Ministério responsável pelo <strong>Esporte</strong>Ministério da Educação e <strong>do</strong> Desporto (MEC)Ministério de Esta<strong>do</strong> Extraordinário <strong>do</strong>s <strong>Esporte</strong>sMinistério da Educação e <strong>do</strong> Desporto (MEC)Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e Turismo (MET)No perío<strong>do</strong> ocuparam a pasta responsável pelo esporte os ministros:Edson Arantes <strong>do</strong> Nascimento (Jan. 1995 a abr. 1998); PauloRenato Souza (Abr. 1998 a jan. 1999); Rafael Grecca (Jan. 1999 amai. 2000); Carlos Carmo Andrade Melles (Mai. 2000 a mar. 2002);e Caio Luiz Cibella de Carvalho (Abr. a dez. 2002). Não está sen<strong>do</strong>conta<strong>do</strong> o Ministro da Educação e <strong>do</strong> Desporto (MEC), que em janeirode 1995 passou as atribuições <strong>do</strong> esporte de seu ministério para oMinistério de Esta<strong>do</strong> Extraordinário <strong>do</strong>s <strong>Esporte</strong>s.Os ministros permaneceram, em média, 16 meses (um ano equatro meses). O que se manteve mais tempo na pasta foi o senhorEdson Arantes <strong>do</strong> Nascimento, por 40 meses (três anos e quatro meses).O que ficou por menos tempo foi o senhor Caio Luiz Cibella deCarvalho, por cerca de oito meses. Foram muitas as mudanças, o queimpediu fundamentalmente, a idealização, implantação, controle e obtençãode resulta<strong>do</strong>s qualitativos no esporte nacional.Um plano nacional de desenvolvimento <strong>do</strong> esporte somente foiapresenta<strong>do</strong> em outubro de 1999, passa<strong>do</strong>s cinco anos e dez mesesdesde a primeira gestão <strong>do</strong> Presidente Fernan<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so.O planejamento estratégico e a administração estratégica possuem,como suporte básico para a vida de uma organização, um permanentetrabalho de “previsão <strong>do</strong> futuro”. Hamel & Prahalad (1995) apontampara um trabalho cada vez mais minucioso de antecipação <strong>do</strong> futurodas organizações.Fato é que as mudanças de ministros foram mais intensas justamentedurante o segun<strong>do</strong> mandato <strong>do</strong> presidente da república, entre135


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)os anos 1999 e 2002, onde seria de se supor que existisse uma maiorestabilidade na gestão da coisa pública. As mudanças de ministérios ede ministros, somadas à de instalações físicas, provocaram inúmerostranstornos e perdas de <strong>do</strong>cumentos, em caráter irreversível.As mudanças setoriais versus gestão estratégicaDurante essa movimentação por esses três ministérios, trêsestruturas ficaram responsáveis pela administração <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> eLazer brasileiros. A Secretaria de Desportos (SEDES) era remanescenteda estrutura de origem, o Ministério da Educação e <strong>do</strong>Desporto (MEC). Com a criação <strong>do</strong> Ministério de Esta<strong>do</strong> Extraordinário<strong>do</strong>s <strong>Esporte</strong>s, em 1995, foi implanta<strong>do</strong> o Instituto Nacionalde Desenvolvimento <strong>do</strong> Desporto (INDESP), que passou a ter essaatribuição. Em abril de 1998, com a extinção <strong>do</strong> Ministério de Esta<strong>do</strong>Extraordinário <strong>do</strong>s <strong>Esporte</strong>s, o INDESP foi transferi<strong>do</strong> para oMinistério da Educação e <strong>do</strong> Desporto (MEC), para onde o esporteretornou. Com a criação <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e <strong>do</strong> Turismo,o INDESP foi remaneja<strong>do</strong> para essa nova estrutura. Em outubrode 2000, foi extinto o INDESP e criada a Secretaria Nacional de<strong>Esporte</strong> (SNE), que ficou no Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e Turismo atéo final daquele governo, em dezembro de 2002. Observa-se nitidamenteuma grande mudança de setores responsáveis pelas políticaspúblicas de esporte e lazer, opon<strong>do</strong>-se a uma gestão estratégicaintegra<strong>do</strong>ra e, portanto, muito mais eficaz.O Quadro 03, a seguir, representa as movimentações ministeriaise setoriais sofridas pela estrutura de gestão <strong>do</strong> esporte brasileiro.136


política e lazer: interfaces e perspectivasQuadro 03 – Demonstrativo das alterações de vinculação <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> juntoaos ministérios <strong>do</strong> Governo Federal e setores internos desses órgãos – perío<strong>do</strong>1995-2002Perío<strong>do</strong>Ministério responsável pelo <strong>Esporte</strong>Órgão <strong>do</strong> ministérioresponsável pelo <strong>Esporte</strong>1995a19981998a1999Ministério da Educação e <strong>do</strong> Desporto (MEC)Ministério de Esta<strong>do</strong> Extraordinário <strong>do</strong>s <strong>Esporte</strong>sJan. 1995 a abr. 1998Ministério da Educação e <strong>do</strong> Desporto (MEC)Abr. 1998 a jan. 1999Secretaria de Desportos(SEDES)Instituto Nacional de Desenvolvimento<strong>do</strong> Desporto (INDESP)Mar 1995 a out. 20001999a2002Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e Turismo (MET)Jan. 1999 a dez. 2002Secretaria Nacional de <strong>Esporte</strong>(SNE)Out. 2000 a dez. 2002.O INDESP teve, durante a sua existência, de 1995 a 2000, seispresidentes, senhores Joaquim Ignácio Car<strong>do</strong>so Filho, Asfilófio de OliveiraFilho, Ruthênio de Aguiar (interino), Luiz Felipe Cavalcante deAlbuquerque, Manoel José Gomes Tubino, e Augusto Carlos Garcia deViveiros. Cada dirigente passou, em média, pouco mais de onze mesesno cargo. O senhor Asfilófio de Oliveira Filho foi o que mais tempo permaneceu,por 18 meses (um ano e seis meses). Os senhores Ruthênio deAguiar (interino) e Manoel José Gomes Tubino foram os que ficaram pormenos tempo, cerca de pouco mais de quatro meses cada um.A Secretaria Nacional de <strong>Esporte</strong> (SNE) teve, de outubro de2000 a dezembro de 2002, <strong>do</strong>is secretários. O senhor José OtávioGermano permaneceu no cargo por pouco mais de quatro meses, issose for conta<strong>do</strong> o tempo em que ficou responden<strong>do</strong> pelo cargo. O senhorLars Schmidt Grael ocupou a chefia da secretaria por vinte e<strong>do</strong>is meses (um ano e dez meses). Na média, cada secretário exerceua chefia por cerca de treze meses (um ano e um mês).Em pesquisa de campo realizada, não se conseguiu encontrar o relatórioanual de atividades <strong>do</strong> ano 2003, referentes ao PPA 2000-2003.137


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)O Ministério da Educação entre 1992 e 2006 e o lazerO vice-presidente da república, Itamar Franco, no exercício <strong>do</strong>cargo de presidente da república, promulgou a Lei N° 8.490, de 19 denovembro de 1992, que dispunha sobre a organização da Presidênciada República e <strong>do</strong>s Ministérios e dava outras providências. Neste<strong>do</strong>cumento é previsto, dentre outros, o Ministério da Educação e <strong>do</strong>Desporto. Os assuntos que constituem área de competência dele são:a) política nacional de educação e política nacional <strong>do</strong> desporto;b) educação pré-escolar, educação em geral, compreenden<strong>do</strong> ensino fundamental,ensino médio, ensino superior e ensino supletivo, educação tecnológicae educação especial;c) pesquisa educacional;d) pesquisa e extensão universitária;e) magistério;f) coordenação de programas de atenção integral a crianças e a<strong>do</strong>lescentes;g) fomento e supervisão <strong>do</strong> desenvolvimento <strong>do</strong>s desportos no País.O lazer não aparece explicitamente no texto.Em 1995, a Medida Provisória Nº 931, de 1º de março, dispunhasobre a organização da Presidência da República e <strong>do</strong>s Ministérios,e dava outras providências. Esse dispositivo legal, em seu artigo13, no número VII, mantém o Ministério da Educação e <strong>do</strong> Desportoe cria, no artigo 26, o cargo de Ministro de Esta<strong>do</strong> Extraordinário <strong>do</strong>s<strong>Esporte</strong>s.Os assuntos que constituíam área de competência <strong>do</strong> Ministérioda Educação e <strong>do</strong> Desporto eram os seguintes:a) política nacional de educação e política nacional <strong>do</strong> desporto;b) educação pré-escolar;c) educação em geral, compreenden<strong>do</strong> ensino fundamental, ensino médio,ensino superior, ensino supletivo, educação tecnológica e educação especial,exceto ensino militar;d) pesquisa educacional;138


política e lazer: interfaces e perspectivase) pesquisa e extensão universitária;f) magistério;g) coordenação de programas de atenção integral a crianças e a<strong>do</strong>lescentes;O Ministro de Esta<strong>do</strong> Extraordinário <strong>do</strong>s <strong>Esporte</strong>s tinha asseguintes atribuições:I – supervisionar o desenvolvimento <strong>do</strong>s esportes no País;II – manter intercâmbio com organismos públicos e priva<strong>do</strong>s,nacionais, internacionais e estrangeiros;III – articular-se com os demais segmentos da administraçãopública, ten<strong>do</strong> em vista a execução de ações integradas na área <strong>do</strong>sesportes.A Medida Provisória Nº 1.642-41, de 13 de março de 1998,altera as atribuições <strong>do</strong> Ministro de Esta<strong>do</strong> Extraordinário <strong>do</strong>s <strong>Esporte</strong>s,que passam a ser:I – estabelecer, em conjunto com o Ministro de Esta<strong>do</strong> da Educaçãoe <strong>do</strong> Desporto, a política nacional <strong>do</strong> desporto;II – supervisionar o desenvolvimento <strong>do</strong>s esportes no País;III – manter intercâmbio com organismos públicos e priva<strong>do</strong>s,nacionais, internacionais e estrangeiros;IV – articular-se com os demais segmentos da AdministraçãoPública, ten<strong>do</strong> em vista a execução de ações integradas na área <strong>do</strong>sesportes.De uma forma ambígua, o Ministério da Educação continua ater o esporte em seu nome e até em competências. O lazer não apareceem nenhum <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is ministérios como uma competência específica e,ao mesmo tempo, deveria continuar a ser política desses órgãos.A Lei Nº 9.649, de 27 de maio de 1998, que mudava a organizaçãoda Presidência da República e <strong>do</strong>s Ministérios, e dava outrasprovidências, em seu capítulo II, denomina<strong>do</strong> “Dos Ministérios”, naSeção I “Da Denominação”, estabelecia a existência, dentre outros,<strong>do</strong> Ministério da Educação e <strong>do</strong> Desporto. Este <strong>do</strong>cumento legal nãotecia nenhuma referência específica ao lazer, por não ser o objeto específicopara tal. Os assuntos que constituem área de competência139


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)<strong>do</strong> Ministério da Educação e <strong>do</strong> Desporto são os mesmos da MedidaProvisória Nº 931, de 1º de março:A Medida Provisória Nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001,alterou dispositivos da Lei nº 9.649, e, em seu artigo 13, já mudava arelação <strong>do</strong>s ministérios, e passava a existir o Ministério da Educaçãode maneira específica, e cria<strong>do</strong> o Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e Turismo.A área de competência <strong>do</strong> Ministério da Educação abrangia:a) política nacional de educação e política nacional <strong>do</strong> desporto;b) educação pré-escolar;c) educação em geral, compreenden<strong>do</strong> ensino fundamental, ensino médio,ensino superior, ensino supletivo, educação tecnológica, educação especiale educação a distância, exceto ensino militar;d) pesquisa educacional;e) pesquisa e extensão universitária;f) magistério;g) assistência financeira a famílias carentes para a escolarização de seusfilhos ou dependentes.Já a área de competência <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e Turismo era a seguinte:a) política nacional de desenvolvimento <strong>do</strong> turismo e da prática <strong>do</strong>s esportes;b) promoção e divulgação <strong>do</strong> turismo nacional, no País e no exterior;c) estímulo às iniciativas públicas e privadas de incentivo às atividades turísticase esportivas;d) planejamento, coordenação, supervisão e avaliação <strong>do</strong>s planos e programasde incentivo ao turismo e aos esportes.A lei não aborda o lazer entre as abrangências <strong>do</strong> Ministério daEducação e <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e Turismo.Em 28 de maio de 2003 é promulgada a Lei nº 10.683, quealtera a organização da Presidência da República e <strong>do</strong>s Ministérios,e dá outras providências. É realizada modificação na estrutura administrativapelo novo governo. O Ministério da Educação é manti<strong>do</strong> ecria<strong>do</strong> o Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>.140


política e lazer: interfaces e perspectivasAs áreas de competência <strong>do</strong> Ministério da Educação continuamsen<strong>do</strong> as mesmas da Medida Provisória anterior.Já a área de competência <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> Turismo éa seguinte:a) política nacional de desenvolvimento da prática <strong>do</strong>s esportes;b) intercâmbio com organismos públicos e priva<strong>do</strong>s, nacionais, internacionaise estrangeiros, volta<strong>do</strong>s à promoção <strong>do</strong> esporte;c) estímulo às iniciativas públicas e privadas de incentivo às atividades esportivas;d) planejamento, coordenação, supervisão e avaliação <strong>do</strong>s planos e programasde incentivo aos esportes e de ações de democratização da práticaesportiva e inclusão social por intermédio <strong>do</strong> esporte.Mais uma vez, a lei não aborda o lazer entre as abrangências <strong>do</strong>Ministério da Educação e <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>.O Plano Plurianual (PPA), o Ministério da Educação eo lazerO Plano Plurianual é o principal instrumento de planejamentode médio prazo das ações <strong>do</strong> Governo brasileiro, conforme determinaa Constituição. O PPA deve orientar o planejamento e a gestão daadministração pública para um perío<strong>do</strong> de quatro anos. Nele deverãoestar definidas as metas físicas e financeiras para fins <strong>do</strong> detalhamento<strong>do</strong>s orçamentos anuais.Conforme prevê a Constituição Federal (1988), o Projeto deLei <strong>do</strong> PPA deve conter “as diretrizes, objetivos e metas da administraçãopública para as despesas de capital e outras delas decorrentese para as relativas aos programas de duração continuada”. Ele deveser organiza<strong>do</strong> por Programas que devem ser estrutura<strong>do</strong>s de acor<strong>do</strong>com as diretrizes estratégicas de governo e a disponibilidade de recursos.Os Programas são executa<strong>do</strong>s conforme as ações realizadas,permitin<strong>do</strong> transparência na alocação de recursos e avaliação na aferiçãode resulta<strong>do</strong>s.141


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Segun<strong>do</strong> o glossário da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s (http://www2.camara.gov.br/glossario/p.html), o PPA define as prioridades <strong>do</strong> governopor um perío<strong>do</strong> de quatro anos, e estabelece ligação entre elas e a LeiOrçamentária Anual (LOA). O Presidente da República deve encaminhá-loao Congresso Nacional até o dia 31 de agosto <strong>do</strong> primeiro anode sua posse.Para a Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira,da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s, o Plano Plurianual é uma lei de periodicidadequadrienal, de hierarquia especial e sujeita a prazos e ritospeculiares de tramitação, instituída pela Constituição Federal de1988, como instrumento normatiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> planejamento de médioprazo e de definição das macro-orientações <strong>do</strong> Governo Federalpara a ação nacional em cada perío<strong>do</strong> de quatro anos, sen<strong>do</strong> estasdeterminantes (mandatórias) para o setor público e indicativas parao setor priva<strong>do</strong> (art. 174 da Constituição). Consoante estabeleceo art. 165, § 1º da Constituição, “a lei que instituir o PPA estabelecerá,de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metasda administração pública federal para as despesas de capital e outrasdelas decorrentes e para as relativas aos programas de duraçãocontinuada” (http://www.camara.gov.br/internet/orcament/principal/exibe.asp?idePai=10&cadeia=0@).O Plano Plurianual foi instituí<strong>do</strong> pela Lei nº 9.989, de 21dejulho de 2000. O Decreto nº 2829, de 29.10.1998, estabeleceu asnormas para a elaboração e execução <strong>do</strong> PPA e <strong>do</strong>s Orçamentos daUnião, definiu também, em seus artigos 5º, 6º e 7º, os princípios paraavaliação <strong>do</strong>s programas e <strong>do</strong> Plano.Como foi observa<strong>do</strong> anteriormente, o Ministério da Educaçãorecebeu, durante o perío<strong>do</strong> indica<strong>do</strong> no Quadro 4, as seguintes denominações:142


política e lazer: interfaces e perspectivasQuadro 4 – Demonstrativo das denominações <strong>do</strong> Ministérioda Educação – perío<strong>do</strong> 1995-2006Perío<strong>do</strong>Ministério responsável pelo <strong>Esporte</strong>1995-1999 Ministério da Educação e <strong>do</strong> Desporto (MEC)1999-2006 Ministério da Educação (MEC)A análise realizada neste <strong>do</strong>cumento está calcada nos relatórios<strong>do</strong>s Planos Plurianuais, conforme descritos no Quadro 5:Quadro 5 – Denominações e perío<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s Planos Plurianuais – perío<strong>do</strong> 1996-2007DenominaçãoPlano Plurianual 1996-1999 1996-1999Avança Brasil 2000-2003Plano Brasil 2004-2007Perío<strong>do</strong>O Ministério da Educação e <strong>do</strong> Desporto e o lazer, noPlano Plurianual 1996-1999No Relatório de Acompanhamento <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> 1996-1999,existe um item denomina<strong>do</strong> “Da<strong>do</strong>s Físicos: Metas” e que possui ossubitens Tema/Ação/Objetivo. Cada Tema possui uma Ação e esta,por sua vez, possui Objetivos.O Tema liga<strong>do</strong> ao Ministério da Educação e <strong>do</strong> Desporto era“Educação, Cultura e Desporto”, que possuía as seguintes ações:Administração Geral; Alimentação e Nutrição; Assistência Financeira;Assistência Médica e Sanitária; Assistência Social Geral; Bolsas deEstu<strong>do</strong>; Campus Universitário; Desenvolvimento Experimental; DesportoAma<strong>do</strong>r; Difusão Cultural; Educação Compensatória; EducaçãoPré-Escolar; Ensino de Graduação; Ensino Polivalente; Ensino Regular;Estu<strong>do</strong>s e Pesquisas Econômico-Sociais; Formação para o SetorPrimário; Livro Didático; Material de Apoio Pedagógico; PatrimônioHistórico, Artístico e Arqueológico; Radiodifusão; Transporte Escolar;Treinamento de Recursos Humanos.143


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Algumas Ações desencadearam objetivos que possuem repercussãono lazer, outras, não, sen<strong>do</strong> que Desporto Ama<strong>do</strong>r e DifusãoCultural apresentaram ações ligadas ao lazer.O Ministério da Educação e <strong>do</strong> Desporto e o lazer, noPlano Plurianual 2000-2003Para o perío<strong>do</strong> 2000-2003, o plano apresenta<strong>do</strong> pelo Governoao Congresso, que recebeu o nome de Avança Brasil, previa mudançasde grande impacto no sistema de planejamento e orçamento federais.Nos relatórios <strong>do</strong> PPA 2000-2003 foram verificadas contribuiçõesa organizações, estu<strong>do</strong>s e pesquisas educacionais, formulação depolíticas e emissão de atos normativos para a educação nacional, como físico e o financeiro realiza<strong>do</strong>s, pelo menos parcialmente. Já o gerenciamentode políticas da educação e <strong>do</strong> ensino previsto não apontourealização física, somente a realização financeira.O ano 2000O Relatório Anual de Avaliação – Exercício 2000 – não contemplaum posicionamento direto por ministério, mas sim uma avaliaçãopor programa desenvolvi<strong>do</strong>. Não foram encontra<strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s relaciona<strong>do</strong>scom o lazer, no perío<strong>do</strong>.O ano 2001O Relatório Anual de Avaliação – Exercício 2001 – apontou osseguintes programas liga<strong>do</strong>s ao Ministério da Educação:• Arrecadação <strong>do</strong> Salário-Educação;• Desenvolvimento da Educação Especial;• Desenvolvimento da Educação Profissional;• Desenvolvimento <strong>do</strong> Ensino de Graduação;• Desenvolvimento <strong>do</strong> Ensino de Pós-Graduação;• Desenvolvimento <strong>do</strong> Ensino Médio;• Educação de Jovens e Adultos;• Escola de Qualidade para To<strong>do</strong>s;144


política e lazer: interfaces e perspectivas• Estatísticas e Avaliações Educacionais;• Extensão Universitária;• Gestão da Política de Educação;• Hospitais de Ensino;• Toda Criança na Escola.O Programa Estatísticas e Avaliações Educacionais apresentou apublicação, na linha editorial própria, de 172 títulos, com distribuiçãode 359.024 exemplares e edição conjunta de 14 obras, pelo programade Apoio à Formação Inicial e Continuada de Professores, <strong>do</strong> qualparticiparam 11 editoras universitárias; também realizou o desenvolvimentoe implantação da Biblioteca Brasileira de Educação – BBE online e divulgação <strong>do</strong> Thesaurus Brasileiro da Educação – Brased. Casotenha si<strong>do</strong> propicia<strong>do</strong> o acesso da comunidade a essas realizações,pode ser caracterizada como a única atividade de lazer oferecida peloMinistério da Educação neste ano.O ano 2002O Relatório Anual de Avaliação – Exercício 2002 – apontou osseguintes programas liga<strong>do</strong>s ao Ministério da Educação:• Desenvolvimento da Educação Especial;• Desenvolvimento da Educação Profissional;• Desenvolvimento <strong>do</strong> Ensino de Graduação;• Desenvolvimento <strong>do</strong> Ensino de Pós-Graduação;• Desenvolvimento <strong>do</strong> Ensino Médio;• Educação de Jovens e Adultos;• Escola de Qualidade para To<strong>do</strong>s;• Estatísticas e Avaliações Educacionais;• Gestão da Política de Educação;• Hospitais de Ensino;• Toda Criança na Escola.De maneira semelhante ao ocorri<strong>do</strong> em 2001, no ano 2002, o145


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Programa “Estatísticas e Avaliações Educacionais” apresentou disseminaçãode informações pelo INEP (Instituto Nacional de Estu<strong>do</strong>s ePesquisas Educacionais), com 2.224.847 usuários da internet, 3.904usuários da biblioteca, 41 eventos realiza<strong>do</strong>s, 336.250 títulos publica<strong>do</strong>s,317.750 publicações distribuídas (da<strong>do</strong>s preliminares, mas osúnicos constantes <strong>do</strong> relatório). Podem ser as únicas atividades de lazeroferecidas pelo Ministério da Educação em 2002, caso tenhamatingi<strong>do</strong> essa dimensão, também.O ano 2003Não foi encontra<strong>do</strong> o relatório referente ao ano 2003, por issonão há como analisar as ações <strong>do</strong> Ministério da Educação no lazer.Ocorre a ausência <strong>do</strong> relatório referente ao último ano <strong>do</strong> PPA 2000-2003, que abrangeu o primeiro ano <strong>do</strong> governo de Luiz Inácio Lulada Silva e, ao mesmo tempo, o último ano de um plano plurianualelabora<strong>do</strong> pelo governo de Fernan<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so.Análise <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>Segun<strong>do</strong> o Relatório de Situação – Novembro/Dezembro/2002,sobre os Programas Estratégicos <strong>do</strong> Avança Brasil (PPA 2000-2003),dentre as 54 prioridades governamentais, cinco deles estavam liga<strong>do</strong>sdiretamente ao Ministério da Educação, estan<strong>do</strong> classifica<strong>do</strong>s entre osde maior prioridade, conforme demonstra<strong>do</strong> no quadro abaixo. São osseguintes, os programas: Toda criança na escola; Escola de qualidadepara to<strong>do</strong>s; Desenvolvimento <strong>do</strong> ensino médio; Desenvolvimento daeducação profissional; e Educação de jovens e adultos (Quadro 31).146


política e lazer: interfaces e perspectivasQuadro 31 – As oito maiores prioridades estratégicas dentre os programas <strong>do</strong>“Avança Brasil”Prioridade01 Toda criança na escolaPrograma02 Escola de qualidade para to<strong>do</strong>s03 Desenvolvimento <strong>do</strong> ensino médio04 Desenvolvimento da educação profissional05 Educação de jovens e adultos06 Saúde da família e da criança07 Valorização <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so e da pessoa porta<strong>do</strong>ra de deficiência08 <strong>Esporte</strong> na escola... ...Fonte: Relatório de Situação – Novembro/Dezembro/2002, sobre os Programas Estratégicos <strong>do</strong> AvançaBrasil (PPA 2000-2003)Muito pouca atividade relacionada com o lazer foi encontradanesses cinco programas, com quase nenhuma previsão ou resulta<strong>do</strong> adespeito da prioridade <strong>do</strong>s programas <strong>do</strong> Ministério da Educação.O Ministério da Educação e o lazer, no PlanoPlurianual 2004-2007O PPA 2004-2007 recebeu a denominação de Plano Brasile foi elabora<strong>do</strong> pelo governo para mudar o Brasil, inauguran<strong>do</strong> ummodelo de desenvolvimento de longo prazo, para muito além de2007, destina<strong>do</strong> a promover profundas transformações estruturaisna sociedade brasileira (http://www.planobrasil.gov.br/texto_base.asp).Em seu bojo previu, para o Ministério da Educação, os seguintesprogramas:• Brasil Alfabetiza<strong>do</strong>;• Brasil Escolariza<strong>do</strong>;• Democratização da Gestão nos Sistemas de Ensino;• Democratizan<strong>do</strong> o Acesso à Educação Profissional, Tecnológicae Universitária;• Educação na Primeira Infância;147


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)• Escola Básica Ideal;• Escola Moderna;• Gestão da Política de Educação;• Universidade <strong>do</strong> Século XXI;• Valorização e Formação de Professores e Trabalha<strong>do</strong>res daEducação.O ano 2004O Ministério da Educação – MEC, em função da Lei OrçamentáriaAnual 2004 e seus créditos adicionais, foi autoriza<strong>do</strong> a realizardespesas no valor de R$ 19.521.090.512,00 para o cumprimento <strong>do</strong>sprogramas e ações sob sua responsabilidade, ten<strong>do</strong> executa<strong>do</strong> o totalde R$ 18.388.018.033,00, para este mesmo exercício.Foram eleitos quatro eixos estratégicos para uma efetiva melhoriaem to<strong>do</strong> o sistema educacional, em contraposição aos principaisproblemas que se afiguram na sociedade. Os quatro eixos estratégicosforam os seguintes:1. Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos;2. Melhoria da Educação Básica;3. Expansão <strong>do</strong> Ensino Técnico;4. Reforma <strong>do</strong> Ensino Superior.Mesmo se observan<strong>do</strong> pontualmente no Relatório Anual de Avaliação– Exercício 2005 – Ano Base 2004 –, não se encontram ações eobjetivos relaciona<strong>do</strong>s com o lazer da população.O ano 2005O Caderno Setorial <strong>do</strong> Ministério da Educação, pertencente aoRelatório de Avaliação PPA 2004 – 2007, Exercício 2006 – Ano Base2005 aponta que naquele ano, <strong>do</strong> total previsto para o Ministério daEducação, foram utiliza<strong>do</strong>s R$ 20 bilhões para a execução <strong>do</strong>s programase ações sob sua responsabilidade, de acor<strong>do</strong> com o Quadro 32.148


política e lazer: interfaces e perspectivasQuadro 32 – Recursos previstos e realiza<strong>do</strong>s para a execução <strong>do</strong>s programase ações – ano base 2005Recursos orçamentários autoriza<strong>do</strong>s(LOA + Créditos):R$ 22.329.424.928,00Realiza<strong>do</strong>orçamentário1:R$ 20.028.497.199,00Recursos não orçamentáriosprevistos:-Realiza<strong>do</strong> nãoorçamentário:-Total previsto: R$ 22.329.424.928,00 Total realiza<strong>do</strong>: R$ 20.028.497.199,00Fonte: SIGPlan (Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento, <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong>Planejamento, Orçamento e Gestão)Além disso, <strong>do</strong> total de R$ 1,2 bilhão inscrito em restos a pagar,relativo ao exercício de 2004, foram executa<strong>do</strong>s R$ 891,9 milhões.O Programa Educação para a Diversidade e Cidadania foi realiza<strong>do</strong>em 1.237 escolas das regiões metropolitanas de Belo Horizonte-MG,Porto Alegre-RS, Recife-PE, Rio de Janeiro-RJ, Salva<strong>do</strong>r-BA e Vitória-ES, abertas nos finais de semana para o desenvolvimento de atividadeseducacionais, culturais e de lazer, onde o financeiro previsto e realiza<strong>do</strong>atingiu o valor de R$ 19.043.703,00. A ação apresentou um desempenho24% superior ao previsto, passan<strong>do</strong> de 155 escolas em janeiro de 2005para 1.237 escolas apoiadas ao final <strong>do</strong> mesmo ano.Este pode ser considera<strong>do</strong> o único programa leva<strong>do</strong> a efeito peloMinistério da Educação e que possuiu relação direta com o lazer.A necessidade de uma gestão pública profissionalpara o lazerDo modelo de gestão <strong>do</strong>s programas e recursos disponíveis parao oferecimento de atividade de lazer nas escolas e no ambiente educacionalcomo um to<strong>do</strong> – em to<strong>do</strong>s os níveis – é que dependerão osresulta<strong>do</strong>s almeja<strong>do</strong>s para o fortalecimento <strong>do</strong> processo de inclusãosocial de to<strong>do</strong>s os cidadãos. O comportamento atual <strong>do</strong> administra<strong>do</strong>rmostrará, no futuro, se o seu nível de competência, talento, comprometimento,espírito empreende<strong>do</strong>r e atuação como agente de mudançasque coloca sua visão em ação foi capaz de criar as condições ne-149


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)cessárias para que se construa esse projeto. Ou seja, se o lazer cumpriua sua etapa no processo de formação de indivíduos críticos e autônomos.Historicamente, os governantes utilizam a educação física, o esportee o lazer em seu jogo de poder. A partir da década de 1990, oGoverno Federal realizou esforços no senti<strong>do</strong> de adequar a legislaçãobrasileira à realidade, demonstran<strong>do</strong> um posicionamento que conduziaà responsabilidade social, associadas à competência na gestão <strong>do</strong>lazer, seja para as instituições com fins lucrativos ou não (Lei Zico,1993 e Lei Pelé, 1998).A gestão das atividades conduzidas pelo próprio Governo Federaltambém deve seguir a mesma direção traçada para as organizações nãogovernamentais. Se o caminho percorri<strong>do</strong> não é o correto na gestão profissionaldas atividades desenvolvidas, torna-se viável estudar alternativasque visem a corrigir as falhas e atingir os objetivos preconiza<strong>do</strong>s.O lazer, como elemento que, em nível governamental, sempreesteve atrela<strong>do</strong> ao esporte, sofreu, ao longo <strong>do</strong>s tempos, com a enormealternância de vínculo <strong>do</strong> esporte com diversos ministérios <strong>do</strong> governofederal – que é nitidamente observada no perío<strong>do</strong> de 1995-2002. Issofoi, por si só, um convite à reflexão sobre a existência de uma gestãoque conduza a resulta<strong>do</strong>s sociais importantes para uma população tãocarente de ações efetivas <strong>do</strong> governo. O esporte esteve liga<strong>do</strong> a diversosórgãos <strong>do</strong> governo, tais como o Ministério da Educação e Cultura,Secretaria de Desportos da Presidência da República e o MinistérioExtraordinário <strong>do</strong>s <strong>Esporte</strong>s.Lazer, legislações e benefícios socioeducacionaisAtualmente não se discute mais sobre os benefícios <strong>do</strong> lazer,mas sim a forma mais correta de realizá-lo para alcançar e/ou mantero bem estar <strong>do</strong>s indivíduos.O Manifesto Mundial da Educação Física, da Federação Internacionalde Educação Física – FIEP (1970) já incluía em seu textoque “As atividades de lazer não devem ser inteiramente entregues àsempresas comerciais, para as quais os fins educativos, por acaso existentes,ficam logicamente em plano secundário”. Assim, já se deixa150


política e lazer: interfaces e perspectivasclara a necessidade premente de o Esta<strong>do</strong> atuar em atividades de lazere, incluin<strong>do</strong>-se aí, o desenvolvimento de ações educacionais para olazer da comunidade.Reafirma o Manifesto Mundial da Educação Física, da FédérationInternationale d’ Education Physique (2000), quan<strong>do</strong> em seu artigo8º ressalta que “A Educação Física deverá sempre constituir-se depráticas prazerosas para que possa criar hábitos e atitudes favoráveisnas pessoas quanto ao uso das diversas formas de atividades físicas notempo para o lazer”.A Constituição Federal (1988) se refere de maneira destacadaao lazer:• Em seu artigo 6º inclui pela relevância <strong>do</strong> lazer para as pessoas,essa atividade como um <strong>do</strong>s direitos sociais.• No parágrafo 3º, <strong>do</strong> artigo 217, prevê que o poder públicoincentivará o lazer, como forma de promoção social.• No artigo 217, impõe com dever da família, da sociedade e<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, assegurar à criança e ao a<strong>do</strong>lescente, com absolutaprioridade, o direito a diversos elementos essenciais, dentreeles, ao lazer.A legislação esportiva brasileira e o lazerA Lei Nº 9.615/1998 (Lei Pelé), que institui normas gerais sobredesporto e dá outras providências, cita o lazer apenas no momentoem que reconhece o desporto na manifestação denominada desportoeducacional:CAPÍTULO IIIDA NATUREZA E DAS FINALIDADES DO DESPORTOArt. 3º O desporto pode ser reconheci<strong>do</strong> em qualquer dasseguintes manifestações:I - desporto educacional, pratica<strong>do</strong> nos sistemas de ensino eem formas assistemáticas de educação, evitan<strong>do</strong>-se a seletividade,a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidadede alcançar o desenvolvimento integral <strong>do</strong> indivíduo151


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática <strong>do</strong>lazer (grifo nosso);Este é o único momento em que, ao longo <strong>do</strong>s 96 (noventa eseis) artigos, esta legislação aborda o lazer em seu conteú<strong>do</strong>. A Leitambém não indica responsabilidade específica de um Ministério paratratar <strong>do</strong> lazer. É importante registrar que, a despeito da indicaçãoexpressa de responsabilidade, a Lei inclui o lazer dentro <strong>do</strong> desportoeducacional, ou seja, daquele integrante <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s escolares e,portanto, de responsabilidade <strong>do</strong> Ministério da Educação, em parceriacom outros órgãos, tais como o Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, Ministério daSaúde, Ministério da Cultura, dentre outros.Considerações finaisDe uma maneira geral, no perío<strong>do</strong> de 1996 a 2005, a gestãopública federal <strong>do</strong> lazer brasileiro apresentou um pre<strong>do</strong>mínio deações ligadas ao esporte, a uma atividade com identidade própria.Possivelmente, com a criação <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, em 2003,as atividades de lazer foram mais concentradas neste órgão e oMinistério da Educação se viu desobriga<strong>do</strong> no desenvolvimento deações nesta área. Talvez tenha falta<strong>do</strong> uma ação conjunta interministerial,com um planejamento competente, divisão de tarefas, reduçãode custos e uma abrangência e obtenção de resulta<strong>do</strong>s significativamentemais representativos <strong>do</strong> que os obti<strong>do</strong>s até o presente.Isso possibilitaria uma realidade de maior motivação em relação aofuturo.Historicamente, o esporte e o lazer não tiveram uma identidadeprópria dentro <strong>do</strong> governo federal. Liga<strong>do</strong>s à educação, à cultura eao turismo, não se constata a possibilidade na elaboração de políticasque, prioritariamente, privilegiassem o esporte como um preeminenteinstrumento social de exercício da cidadania.Mesmo dividin<strong>do</strong> espaço com outras áreas governamentais, oesporte e o lazer poderiam ter desempenha<strong>do</strong> um papel mais relevante.No perío<strong>do</strong> analisa<strong>do</strong>, não ocorreu a escolha de uma equipe de traba-152


política e lazer: interfaces e perspectivaslho que estivesse afinada com to<strong>do</strong> o projeto de governo e que pudesseconduzir os trabalhos <strong>do</strong> início até a sua conclusão, voltada a cumprirefetivamente as metas traçadas pelo plano de governo, culminan<strong>do</strong>com a elaboração de um plano nacional de lazer basea<strong>do</strong>s nesse planode governo, e que privilegiasse a capacitação, motivação da equipe,controle <strong>do</strong>s programas e reajustes permanentes, quan<strong>do</strong> necessários.Isso tu<strong>do</strong>, com vistas ao cumprimento da parte <strong>do</strong> sistema, contribuin<strong>do</strong>para o alcance <strong>do</strong>s objetivos <strong>do</strong> programa de governo, que éo to<strong>do</strong>.No Ministério da Educação – entre 1996 e 2005 –, as ações eresulta<strong>do</strong>s de políticas públicas voltadas para o lazer da comunidadeforam inexpressivos. Talvez, com a aproximação das escolas com acomunidade, essa situação possa ser modificada, o que pode ser objetode uma análise específica, por exemplo, a abertura das escolas nosfinais de semana para um encontro com a sua comunidade, além derealização de atividades esportivas, sociais, culturais e educativas.Por isso, de nada adiantará um Ministério da Educação preocupa<strong>do</strong>apenas com a educação, esquecen<strong>do</strong>-se de outras ações complementarese altamente relevantes e que possuem um caráter social maisidentifica<strong>do</strong> com a sociedade. Para que isso ocorra, são necessáriasas articulações com outros Ministérios, tais como o Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>,Ministério da Cultura, Ministério das Cidades e Ministério daSaúde, dentre outros, para que as ações sejam planejadas, implantadase consigam objetivos muito mais abrangentes <strong>do</strong>s que os obti<strong>do</strong>squan<strong>do</strong> à atuação ministerial se dá de forma solitária.A profissionalização da gestão pública é um fator que facilitará,em muito, o cumprimento <strong>do</strong> relevante papel social <strong>do</strong> lazer. Uma gestãopública federal <strong>do</strong> lazer será fundamental no processo de integraçãosocial, quan<strong>do</strong> vinculada a uma política governamental, fruto deplanejamento em conjunto com as outras áreas sociais, para que sejampropiciadas as melhores condições, visan<strong>do</strong> a um resulta<strong>do</strong> definitivo.Assim, o lazer não teve lugar de destaque na agenda propositiva<strong>do</strong> Ministério da Educação, ao longo <strong>do</strong>s anos 1996-2005, e não contribuiude maneira suficiente às necessidades nacionais no complexoprocesso de geração de atividades, neste âmbito, para a comunidade.153


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)No Brasil, teve uma ligação mais forte com a Educação Físicae, particularmente, com o esporte. A educação possuiu um vínculocom o lazer, particularmente enquanto o esporte era componente <strong>do</strong>Ministério da Educação brasileiro; quan<strong>do</strong> essa ligação deixou de existir,ocorreu um distanciamento da educação para com o lazer, comose ocorresse uma transferência plena de responsabilidade institucionalpara outro órgão governamental. Só que, no complexo cenárioda educação nacional, não há como desvincular o lazer da formaçãode to<strong>do</strong> cidadão crítico e autônomo. Lazer e educação são elementosindissociáveis, e isto deve ser sempre bem registra<strong>do</strong>.O lazer não é responsabilidade de um ou outro ministério, masde um esforço concentra<strong>do</strong> de to<strong>do</strong>s os órgãos da administração federale da sociedade.Referências BibliográficasBOTTOMORE, T. Dicionário <strong>do</strong> pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.BRANDÃO, C. R. O que é educação? 15. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.BRASIL. Constituição: República Federativa Do Brasil. – Brasília: Sena<strong>do</strong> Federal, CentroGráfico, 1988, 292 p.BRASIL. Lei nº. 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto edá outras providências. Diário Oficial da República Federativa <strong>do</strong> Brasil, Brasília, DF, 25mar.1998. Seção 1, p. 1-7.DUMAZEDIER, J. Sociologia empírica <strong>do</strong> lazer. São Paulo: Perspectiva, 1979.FRANÇA, T. L. “Educação para e pelo lazer”. In: MARCELLINO, N. C. (org.). Lúdico,educação e educação física. Ijuí: UNIJUÍ, 1999.GAELZER, L. Lazer: benção ou maldição? Porto Alegre: URGS, 1979.MARCELLINO, N. C. Lazer e educação. 10. Campinas: Papirus, 2003.REQUIXA, R. As dimensões <strong>do</strong> lazer. Revista Brasileira de Educação Física e Desporto.n. 45. São Paulo, 1980.RIBEIRO, T. L. “Pontos sobre a educação física escolar”. Disponível em: . Acesso em: 25 mar. 2004.VAZ, L. G. D. “O profissional de turismo e lazer”. Disponível em:


capítulo viUm olhar sobre as relações entre aspolíticas públicas implementadas peloMinistério da Cidade e o LazerAlfre<strong>do</strong> Feres NetoMaíra de Souza Guerra F. de CastroIntroduçãoAo longo <strong>do</strong>s anos, as cidades brasileiras e sua população cresceram,mas por vários anos esse crescimento ocorreu sem a existência deuma política urbana em nível nacional e sem um órgão específico queefetivamente pensasse as questões das cidades (Min. Cidades, 2006).Não faltaram tentativas de implantar uma política urbananacional. A tentativa que foi mais longe se deu durante oregime militar e consistiu na criação <strong>do</strong> SERFHAU (ServiçoFederal de Habitação e Urbanismo), <strong>do</strong> BNH (BancoNacional de Habitação), <strong>do</strong> SFH (Sistema Financeiro daHabitação) e <strong>do</strong> CNDU (Conselho Nacional de DesenvolvimentoUrbano). Ainda sob o regime militar foram institucionalizadaspor legislação federal nove (9) Regiões Metropo-155


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)litanas. E no II PND – Plano Nacional de Desenvolvimento– o desenvolvimento urbano foi lembra<strong>do</strong>. Foi o perío<strong>do</strong>da proliferação <strong>do</strong>s Planos Diretores – PDs – a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s emparte <strong>do</strong>s municípios brasileiros. A forma autoritária, centraliza<strong>do</strong>rae tecnocrática de formulação dessa política nãochegou a torná-la inteiramente inócua, mas impediu suaimplementação (SEMADUR, 2006, s/p).No perío<strong>do</strong> de 1964 a 1985, as cidades brasileiras passaram a teruma “cara” diferenciada; foram construí<strong>do</strong>s vários edifícios de apartamentos,destina<strong>do</strong>s, sobretu<strong>do</strong> à classe média, classe mais beneficiadapelo BNH/SFH; nesse perío<strong>do</strong> foram implanta<strong>do</strong>s os principais sistemasde saneamento e construídas mais de 4 milhões de moradias no Brasil.Também foram construídas habitações mais populares, mas de uma formageral, estas se localizam distante <strong>do</strong>s centros das cidades, “submeten<strong>do</strong>sua população a sacrifícios de viver “fora da cidade”, segregada,isolada e freqüentemente ignorada pela administração pública” (Idem).No ano de 1985, no governo <strong>do</strong> ex-presidente José Sarney, foicria<strong>do</strong> o Ministério <strong>do</strong> Desenvolvimento Urbano, que após várias alteraçõesde nomenclatura, desapareceu e posteriormente retornou comoSecretaria Nacional de Desenvolvimento Urbano (Idem).Em 1986, a Caixa Econômica Federal passa assumir o lugar<strong>do</strong> BNH, que não existiria mais. “Os financiamentos concedi<strong>do</strong>s pelaCEF durante os anos 90 permitem constatar a continuidade <strong>do</strong> atendimentoprioritário à classe média, em detrimento da população querecebe baixos salários” (Idem).Uma interessante consideração sobre a questão <strong>do</strong> saneamento,principalmente a partir da segunda metade da década de 90, é a deque, nessa área, a política de privatização <strong>do</strong>s serviços de saneamentoesteve em foco. “Em 1996 e em 2001, <strong>do</strong>is projetos de lei encaminha<strong>do</strong>sao Congresso intensificaram o debate sobre a titularidade e sobrea participação <strong>do</strong> setor priva<strong>do</strong> nas concessões sobre os sistemas integra<strong>do</strong>sde água e esgoto”. (Idem).A não existência de uma política nacional eficiente para tratar156


política e lazer: interfaces e perspectivasda questão urbana (habitação, transporte, saneamento, etc.), sobretu<strong>do</strong>entre os anos 1980 e 1990, assim como a ausência de articulação e estímuloà participação <strong>do</strong>s diversos setores sociais nas decisões e ações noâmbito das cidades, instigaram o surgimento de um movimento de lutapor melhores condições de vida nas cidades, o movimento social pelaReforma Urbana, que foi constituí<strong>do</strong> por organizações não governamentais,sindicatos, movimentos populares, universitários, intelectuais,entre outros. Essa luta teve <strong>do</strong>is momentos bastante relevantes para acriação <strong>do</strong> Ministério das Cidades. Primeiramente, no ano de 1994,no perío<strong>do</strong> de campanhas eleitorais, os setores que lutavam por melhorqualidade de vida nas cidades prepuseram uma Reforma Urbana, coma criação de um Ministério da Reforma Urbana, um Conselho Nacionalde Política Urbana e Regional e também a estruturação de um PlanoNacional de Política Urbana e Regional. Já em 2000, especialistas e líderessociais que de alguma maneira estavam inseri<strong>do</strong>s no contexto dasreivindicações <strong>do</strong> Movimento de Reforma Urbana foram convida<strong>do</strong>s aelaborar um projeto pensan<strong>do</strong> soluções para questões problemáticas nosetor habitacional.Sob a coordenação de Luiz Inácio Lula da Silva, teve início aelaboração deste projeto, conheci<strong>do</strong> como Projeto Moradia, que redefineo conceito de habitação, como se percebe pelo que segue: “OProjeto Moradia a<strong>do</strong>tou o conceito de que a habitação não se restringeà casa e exige, especialmente em meio urbano, serviços e obras complementaresindispensáveis à vida coletiva: água, esgoto, drenagem,coleta de lixo, transporte, trânsito, saúde, educação, abastecimento,lazer, etc.” (Idem).Esse projeto tem como base três eixos principais, que são a questãourbana ou fundiária, o financiamento e a questão institucional. Sobre oeixo “questão institucional”, o projeto sugere a criação de um Ministériodas Cidades e de um Conselho das Cidades, visan<strong>do</strong> promover a integração<strong>do</strong>s setores de habitação, transporte e saneamento ambiental. Dessaforma, basea<strong>do</strong> na proposta <strong>do</strong> Projeto Moradia, em 1º de janeiro de2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cria o Ministério das Cidades.Foi cria<strong>do</strong> por meio da Medida Provisória nº. 103, que posteriormentefoi convertida na Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003.157


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Foi cria<strong>do</strong> para atuar de maneira articulada e em conjunto comesta<strong>do</strong>s e municípios, bem como outros segmentos da sociedade, comoorganizações não governamentais, movimentos sociais e também setorespriva<strong>do</strong>s; sua ação está voltada para os setores da habitação, transportee mobilidade urbanos, e planejamento urbano. Com a criação <strong>do</strong>Ministério das Cidades, objetiva-se a superação <strong>do</strong> recorte setorial dahabitação, <strong>do</strong> saneamento e <strong>do</strong>s transportes, por meio da articulação eintegração <strong>do</strong>s mesmos (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2006) .Podemos dizer que a criação <strong>do</strong> Ministério das Cidades, em parte,resulta da reivindicação de vários setores da sociedade (movimentosocial forma<strong>do</strong> por profissionais, lideranças sindicais e sociais, ONGs,intelectuais, pesquisa<strong>do</strong>res e professores universitários), que tinhamcomo intuito uma valorização <strong>do</strong> espaço das cidades e lutaram paraque diversas questões de desigualdades socioeconômicas, tão freqüentesno ambiente urbano, pudessem receber maior atenção por parte<strong>do</strong> governo, e gerassem discussões que ao mesmo tempo balizariame seriam ponto de partida na busca de soluções. Além da criação <strong>do</strong>ministério, e mesmo antes dela, essa luta obteve outras importantesconquistas, pensan<strong>do</strong>-se no ambiente das cidades, tais como a inserçãoda questão urbana na Constituição Federal de 1988, a lei FederalEstatuto da Cidade, <strong>do</strong> ano de 2001, e a Medida Provisória 2220,também <strong>do</strong> ano de 2001 (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2006 ; SE-MADUR, 2006).Essas questões de desigualdades sociais estão diretamente relacionadasao crescimento desordena<strong>do</strong> e não planeja<strong>do</strong> da maioriadas cidades brasileiras, que, em termos populacionais, sofreram umgrande inchaço, produzin<strong>do</strong> condições de desigualdades, exclusão emiséria facilmente observáveis. Há menos de um século, as cidades noBrasil representavam apenas 10% da população brasileira. Esse quadronos dias atuais é totalmente diferencia<strong>do</strong>; a população urbana hojeno Brasil representa certa de 82% da população brasileira (Idem).. Acesso por meio <strong>do</strong> seguinte endereço: http://www.cidades.gov.br/index.php?option=content&task=category&sectionid=7&id=116&menufid=34&menupid=31&menutp=conheçaoministério. Idem.158


política e lazer: interfaces e perspectivasSem planejamento e/ou reorganização <strong>do</strong> espaço urbano, a tendênciaé o crescente aumento das desigualdades e péssimas condiçõesde vida nas cidades, sobretu<strong>do</strong> para as populações menos abastadas.Como resulta<strong>do</strong> de um processo desorganiza<strong>do</strong> de crescimento urbanono país, encontramos que “6,6 milhões de famílias não possuemmoradia, 11% <strong>do</strong>s <strong>do</strong>micílios urbanos não têm acesso ao sistema deabastecimento de água potável e quase 50% não estão liga<strong>do</strong>s às redescoletoras de esgotamento sanitário”. Moradias inadequadas, sistemasde transporte caóticos, multiplicação de favelas, condições que refletemproblemas nas cidades brasileiras que necessitam de atenção e açõestransforma<strong>do</strong>ras, e não apenas paliativas (Idem).Dessa forma, o Ministério das Cidades foi cria<strong>do</strong> com o objetivode assegurar o “direito à cidade – garantin<strong>do</strong> que cada moradia recebaágua tratada, coleta de esgoto e de lixo, que cada habitação tenha emseus arre<strong>do</strong>res escolas, comércio, praças e acesso ao transporte público”.Segun<strong>do</strong> postura a<strong>do</strong>tada pelo próprio Ministério, essa tarefacabe e é de responsabilidade não somente <strong>do</strong> governo federal, mastambém das instancias estatuais e municipais, destacan<strong>do</strong> ser tambémfundamental o amplo envolvimento da sociedade brasileira (Idem).Segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ministério, no primeiro ano e meio de ação,foram investi<strong>do</strong>s, em habitação, 30% a mais de recursos investi<strong>do</strong>s noperío<strong>do</strong> de 1995 a 2002; na área de saneamento os recursos investi<strong>do</strong>srepresentaram 14 vezes mais recursos que os investi<strong>do</strong>s nos anos de1999 a 2002.Com a criação <strong>do</strong> Ministério das Cidades, iniciou a elaboraçãode uma política nacional de desenvolvimento urbano – PNDU,que se configurará como um instrumento no qual haverá delineamentosnortea<strong>do</strong>res das ações <strong>do</strong>s poderes públicos, de maneiradescentralizada, coordenada e democrática, com a participação dapopulação, a fim de diminuir as desigualdades sociais e regionaisno espaço das cidades (Idem).Dessa forma, aconteceu um processo de conferências realizadasem 3.457 <strong>do</strong>s 5.561 municípios de to<strong>do</strong> o país; em 2003, nos dias 23 a26 de outubro, aconteceu, em Brasília, a 1ª Conferência Nacional dasCidades, evento que elegeu o Conselho das Cidades, discutiu sobre di-159


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)versos temas e elaborou diretrizes para as políticas no campo <strong>do</strong> desenvolvimentourbano. Os trabalhos desenvolvi<strong>do</strong>s tiveram como lemaCidade para To<strong>do</strong>s e o tema Construin<strong>do</strong> uma política democrática eintegrada para as cidades (Idem).Entre os dias 30 de novembro e 03 de dezembro de 2005 aconteceua 2ª Conferência Nacional das Cidades, também em Brasília. Foramdebatidas as formulações da Política Nacional de DesenvolvimentoUrbano – PNDU. A 2ª Conferência Nacional das Cidades debateusobre os temas da Participação e Controle Social, Questão Federativa,Política Urbana Regional e Metropolitana, e Financiamento <strong>do</strong> DesenvolvimentoUrbano. Também houve eleição <strong>do</strong>s novos membros <strong>do</strong>Conselho das Cidades (Idem).Estrutura <strong>do</strong> Ministério das CidadesO Ministério das Cidades possui hoje uma organização que incluium Conselho Nacional das Cidades, e algumas secretariais: SecretariaExecutiva, Secretaria Nacional da Habitação, Secretaria Nacionalde Programas Urbanos, Secretaria Nacional de SaneamentoAmbiental e Secretaria Nacional <strong>do</strong> Transporte e Mobilidade Urbana.Associa<strong>do</strong>s a essa estrutura estão ainda outros órgãos como o DepartamentoNacional de Trânsito (DENATRAN), a Companhia Brasileirade Trens Urbanos (CBTU) e a Empresa de Trens Urbanos de PortoAlegre S.A. (Trensurb).A Secretaria Executiva (SE) tem como função promover a integração<strong>do</strong>s órgãos e secretarias <strong>do</strong> ministério, bem como estimulara formação e capacitação de seus integrantes e oferecer suporte àsatividades gabinete <strong>do</strong> ministro. A Secretaria Nacional de Habitação(SNH) tem a responsabilidade de formular e propor estratégias e instrumentospara que a Política Nacional de Habitação seja implementadade maneira eficiente, buscan<strong>do</strong> trabalhar com a meta de equacionaro déficit habitacional no Brasil. Procura estimular a centralização <strong>do</strong>planejamento e regulação no que se refere à habitação, e ao mesmotempo, estimular a descentralização quan<strong>do</strong> se pensa na ação e operacionalizaçãodesse planejamento. A SNH atua em conjunto com a160


política e lazer: interfaces e perspectivasCaixa Econômica Federal, e juntas avaliam os programas, pensan<strong>do</strong>sua estrutura e ação, e visan<strong>do</strong> principalmente um atendimento à populaçãode baixa renda.A Secretaria Nacional de Programas Urbanos (SNPU) tem comoatribuição formular e propor programas que induzam a expansão urbanabrasileira para um outro modelo de desenvolvimento, capaz de revertero quadro de exclusão territorial hoje existente, transforman<strong>do</strong> em regularese legais os assentamentos humanos produzi<strong>do</strong>s e ocupa<strong>do</strong>s pelapopulação de mais baixa renda, e amplian<strong>do</strong> as possibilidades de formaçãode assentamentos legais. A ênfase principal de atuação da Secretariade Programas Urbanos deve ser a política de prevenção da formaçãode novos assentamentos precários e irregulares, e de regularização <strong>do</strong>sjá existentes. Dessa forma, a Secretaria Nacional de Programas Urbanos(SNPU) tem como missão implantar o Estatuto das Cidades (Lei10.257/2001), através de ações diretas, com transferência de recursos<strong>do</strong> OGU e ações de mobilização e capacitação. Para cumprir sua missão,a SNPU conta com quatro áreas de atuação: apoio à elaboração dePlanos Diretores, regularização fundiária, reabilitação de áreas centraise prevenção e contenção de riscos associa<strong>do</strong>s a assentamentos precários.À Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental caberá formular,propor e acompanhar a implantação da Política Nacional de SaneamentoAmbiental, bem como seu respectivo Plano Nacional, visan<strong>do</strong> à universalização<strong>do</strong>s serviços <strong>do</strong> setor. Deverá também promover a compatibilizaçãoda Política de Saneamento Ambiental com outras políticaspúblicas, em especial com as de Saúde, Meio Ambiente e de RecursosHídricos. A missão da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental éassegurar os direitos humanos fundamentais de acesso à água potávele à vida em ambiente salubre nas cidades e no campo, mediante a universalização<strong>do</strong> abastecimento de água e <strong>do</strong>s serviços de esgotamentosanitário, coleta e tratamento <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s, drenagem urbana econtrole de vetores e reservatórios de <strong>do</strong>enças transmissíveis.À Secretaria Nacional de Transportes e Mobilidade Urbana(SEMOB) cabe estabelecer um conjunto de políticas de transporte ede circulação, destina<strong>do</strong> a proporcionar o acesso amplo e democráticoao espaço urbano, através da priorização <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s de transportecoletivo e <strong>do</strong>s não-motoriza<strong>do</strong>s, de forma efetiva, socialmente inclu-161


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)siva e ecologicamente sustentável. Constituem tarefas da Secretaria,nesse senti<strong>do</strong>, apoiar o desenvolvimento institucional, regulatório e degestão <strong>do</strong> setor, além de coordenar ações para integração das políticasde mobilidade urbana, e destas com as demais políticas de desenvolvimentourbano.Encontra-se ainda na estrutura <strong>do</strong> Ministério das Cidades a Coordenaçãode Relações Comunitárias, que, vinculada ao Gabinete <strong>do</strong>Ministro, deve atuar para estabelecer permanente diálogo entre o Ministérioe os diversos grupos e entidades comunitários.O Ministério das Cidades estabelece parceria com a Caixa EconômicaFederal para desenvolver a Política de Desenvolvimento Urbano;ressalta-se que a Caixa Econômica Federal está localizada em diversosmunicípios e fica responsável por operar o FGTS. Além da Caixa Econômica,O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BN-DES – e ainda a Fundação Nacional de Saúde (Ministério da Saúde) sãoparceiros fundamentais para que se garanta a eficiência e operacionalizaçãodas ações e programas <strong>do</strong> Ministério das Cidades.As cidades e o LazerA literatura referente à área denominada de “estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> lazer”apresenta certo consenso no que se refere à noção de que esta esferada vida humana surge a partir <strong>do</strong> incremento da urbanização e industrialização,notadamente na Inglaterra <strong>do</strong> século XVIII, que culminaramno que veio a ser conheci<strong>do</strong> como Revolução Industrial. Frutodestes processos complementares, a “sociedade moderna urbano-industrial”marcará uma série de diferenças com a “sociedade tradicional”,especialmente no que tange à noção de tempo, ou seja, como eleé percebi<strong>do</strong> e vivencia<strong>do</strong>. De fato, Le Goff (1992, p. 495) lembra quea noção de tempo não é estática através da história. Se por um la<strong>do</strong>existe o tempo cósmico, “regula<strong>do</strong>r da duração que se impõe a todasas sociedades humanas”, as maneiras pelas quais as sociedades captam,medem e transformam este tempo dependem de “suas estruturassociais e políticas, seus sistemas econômicos e culturais e seus instrumentoscientíficos e tecnológicos”.162


política e lazer: interfaces e perspectivasEsta posição também é defendida pelo historia<strong>do</strong>r inglês E.P.Thompson. O autor argumenta que os processos de urbanização e industrializaçãose constituem em um “divisor de águas” em todas as convençõese valores existentes até então. A partir de estu<strong>do</strong>s que visavamcompreender as mudanças na percepção <strong>do</strong> tempo pelo homem, defendeque nas sociedades pré-industriais não se verifica o binômio trabalho/lazer, pois não havia um tempo demarca<strong>do</strong> para o trabalho. Desta maneira,“sempre que os homens estavam em posição de controlar a suaprópria vida de trabalho, alternavam os perío<strong>do</strong>s de labuta intensa com osde completa preguiça” (THOMPSON, 1991, p. 59).Antes de prevalecer o surgimento das cidades decorrente <strong>do</strong>sprocessos de urbanização e industrialização acima menciona<strong>do</strong>s, e/ouem regiões que hoje estão afastadas das áreas urbanas, o local de moradiaconfunde-se com o de trabalho; o mesmo sucede com o divertimentoe produção cultural. “No padrão artesanal, não há nenhumaseparação entre trabalho e divertimento, entre trabalho e cultura. Se seentende o divertimento como uma atividade exercida por ela mesma,sem qualquer outro objetivo além de dar satisfação ao indivíduo, entãoo trabalho seria uma atividade realizada para criar valor econômico ououtro resulta<strong>do</strong> final” (MILLS, 1979, p. 240).É nas cidades, portanto, que o fenômeno lazer, fruto de reivindicaçõespor menores jornadas de trabalho e melhores condições devida, surgirá e será impulsiona<strong>do</strong>. Portanto, ele é “fruto da sociedadeurbano-industrial e, dialeticamente, incide sobre ela, como gera<strong>do</strong>r denovos valores que a contestam” (MARCELLINO, 2003, p. 44-45). Épreciso lembrar, de to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>, que a urbanidade será particularmenteimpulsionada pelas mudanças ocorridas na transição <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> deprodução feudal para o capitalista, que por sua vez se beneficiará <strong>do</strong>incremento <strong>do</strong> comércio que se verificou na segunda metade da IdadeMédia, decorrente da produção de excedentes agrícolas e artesanais,e das Cruzadas. Esta última motivou o deslocamento de milhares depessoas, que precisavam de provisões, fornecidas por merca<strong>do</strong>res queos acompanhavam (ANDERY, 1988).As cidades, então, surgiram dentro de terras que pertenciamaos senhores feudais, em geral no cruzamento de estradas que foram163


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)impulsionadas particularmente pelas Cruzadas, e que tiveram grandeserventia para o aparecimento de um tipo de atividade comercial maisgregária. Embora boa parte da produção artesanal e comercial fosserealizada nelas, os seus habitantes não produziam o próprio alimento,geran<strong>do</strong> a divisão <strong>do</strong> trabalho entre cidade e campo. De to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>,gradativamente ocorreu um processo de êxo<strong>do</strong> rural, decorrente daexpansão <strong>do</strong> comércio. “[...]as cidades passaram a oferecer trabalhoa um maior número de pessoas, que para lá se dirigiam; as cidadeslivres ofereciam asilo aos servos fugitivos <strong>do</strong>s <strong>do</strong>mínios senhoriais”(ANDERY, 1988, p.).Pode-se perceber que o surgimento das cidades, portanto, estáintrinsecamente liga<strong>do</strong> à esfera <strong>do</strong> trabalho e da produção material. Etal ênfase persiste, quan<strong>do</strong> se compara o seu peso com a dimensão <strong>do</strong>lazer, notadamente quan<strong>do</strong> verificamos as políticas públicas de umaperspectiva histórica. Por exemplo, basta verificar que na maioria dascidades brasileiras o sistema de transporte público atende majoritariamenteàs pessoas em seu tempo de trabalho, convenciona<strong>do</strong> em grandemedida no denomina<strong>do</strong> “horário comercial”. Já em 1986, MariaIsabel de Souza Lopes chamava a atenção para a prevalência da esferaprodutiva em relação à <strong>do</strong> “tempo disponível”, notadamente no quese refere aos deslocamentos urbanos. “A reivindicação primeira é odireito ao trabalho... mais trabalho... sempre trabalho. O lazer é apêndice.Já repararam que a quantidade de transportes coletivos urbanosé reduzida nos finais de semana e feria<strong>do</strong>s? O que diferencia esses dias<strong>do</strong>s outros da semana? O TRABALHO. Enquanto os <strong>do</strong>nos <strong>do</strong> capitalmantiverem a massa proletária reivindican<strong>do</strong> tão-somente trabalho,ou seu alia<strong>do</strong>, O Esta<strong>do</strong>, terá condições de manter-se sur<strong>do</strong> frente àsnecessidades de melhor educação, saúde, moradia e demais condiçõeshumanas de vida decente” (LOPES, 1986, p. 34).Em que medida esta realidade ainda perdura? Parece ser possívelafirmar que já houve alguns avanços no Brasil, ladea<strong>do</strong>s pela manutençãoda lógica exposta acima, de maneira bastante contundente.Vejamos o exemplo de Brasília: a capital <strong>do</strong> país conta com uma estruturametroviária moderna, que atualmente liga o “Plano Piloto” a duascidades satélites, Taguatinga e Samambaia, embora a primeira linha164


política e lazer: interfaces e perspectivastenha uma extensão até outra cidade satélite, Ceilândia, que gradativamentecomeça a operar. O metrô, desde sua implantação, em 2001,funciona de segunda à sexta, das 6h às 20horas. Portanto, deixa deatender à população nos horários que, em sua maioria, disporiam parao lazer, nas noites e nos finais de semana. Isto sem mencionar o sistemade transporte urbano via ônibus, cuja lógica de operação é similarà maioria das cidades brasileiras, no que se refere aos seus horários defuncionamento, que também escasseiam à noite e principalmente aosfinais de semana.Outra questão que merece destaque é o esvaziamento <strong>do</strong>scentros urbanos, como conseqüência da ampliação das cidades, porconta da procura por moradia acessível a grandes camadas da população.“Do ponto de vista da produção habitacional, a disponibilidadede crédito a juros subsidia<strong>do</strong>s volta<strong>do</strong> sempre para a produção deimóveis novos, permitiu à classe média das grandes cidades constituirnovos bairros e novas centralidades na cidade geran<strong>do</strong>, além daexpansão horizontal, o paulatino esvaziamento <strong>do</strong>s centros tradicionais”(BOTLER, 2003, p. 71).Este processo de “periferização” da cidade não foi acompanha<strong>do</strong>por políticas públicas consistentes no que se refere à construção emanutenção de equipamentos específicos e não específicos de lazernestas áreas, crian<strong>do</strong> um “fosso” entre aqueles que podem morar emregiões mais centrais e podem usufruir de bens culturais já estabeleci<strong>do</strong>snelas, e aqueles que não podem. “Se procedermos à relaçãolazer/espaço urbano, verificaremos uma série de descompassos, deriva<strong>do</strong>sda natureza <strong>do</strong> crescimento das nossas cidades, relativamenterecente, e caracteriza<strong>do</strong> pela aceleração e imediatismo. O aumentoda população urbana não foi acompanha<strong>do</strong> pelo desenvolvimento deinfra-estrutura adequada, geran<strong>do</strong> desníveis na ocupação <strong>do</strong> solo ediferencian<strong>do</strong> marcadamente: de um la<strong>do</strong>, as áreas centrais, ou oschama<strong>do</strong>s pólos nobres, concentra<strong>do</strong>res de benefícios, e de outro, aperiferia, com seus bolsões de pobreza, verdadeiros depósitos de habitações(MARCELLINO, 2006).Os centros também sofreram com a perda de sua função original,na medida em que houve uma dissociação entre o patrimônio original e165


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)a dinâmica econômica e social que os caracterizavam, levan<strong>do</strong> à perdade significa<strong>do</strong> de seus equipamentos originais. “Nos centros tradicionais,operou-se uma espécie de reducionismo, restringin<strong>do</strong>-se o patrimôniocultural aos seus elementos tangíveis, em oposição às atividadesali desempenhadas, ou melhor, à natureza das atividades que, enquantointangíveis, deram significa<strong>do</strong> ao próprio patrimônio edifica<strong>do</strong> (BO-TLER, 2003, p.72).O autor em foco ainda leva em conta os processos de globalizaçãoque influenciam de maneira desigual as cidades localizadas empaíses centrais e periféricos. “No caso das economias urbanas brasileiras,a nova agenda trazida pela globalização atinge cidades incompletas,precariamente assentadas e em pleno processo de expansão defronteiras. Neste contexto, o esvaziamento de áreas centrais consolidadase providas de infra-estrutura e equipamentos em cidades ondeestes atributos estão longe de ser generaliza<strong>do</strong>s ou universais, tem umimpacto bastante perverso” (BOTLER, p. 74).Nas cidades <strong>do</strong>s países centrais, com alto grau de urbanidadee consolidação demográfica, a realidade pode ser outra. Em A CondiçãoPós-Moderna, Jonathan Raban, cita<strong>do</strong> por David Harvey (1989),apresenta o conceito de “soft-city”, no qual a urbe pode ser moldadade acor<strong>do</strong> com as subjetividades que a compõe. “Para o bem ou parao mal, [a cidade] o convida a refazê-la, a consolidá-la numa formaem que você possa viver nela. Você também. Decida quem você é, e acidade mais uma vez vai assumir uma forma fixa ao seu re<strong>do</strong>r. Decidao que ela é, e a sua própria identidade será revelada, como um mapafixa<strong>do</strong> por triangulação. As cidades, ao contrário <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s e pequenosmunicípios, são plásticas por natureza” (p.17).Alguns desafios futuros da vida urbana e suasrelações com o LazerO arquiteto e urbanista francês Paul Virilio, em seu livro O espaçocrítico (1993) argumenta que vivemos na contemporaneidadeum rearranjo da Cidade, <strong>do</strong> ponto de vista espacial e temporal, a partir<strong>do</strong> que denomina “ruptura de continuidade”, que se des<strong>do</strong>bra em,166


política e lazer: interfaces e perspectivaspelo menos, três aspectos: utilização das tecnologias eletrônicas decomunicação, reorganização industrial e revolução <strong>do</strong>s transportes. Aprimeira se caracteriza principalmente por se constituir em uma mediaçãoeletrônica que substitui o contato face a face; a segunda peloque vem provocan<strong>do</strong> de desemprego, fechamento de empresas, aumento<strong>do</strong> trabalho autônomo e <strong>do</strong> tele trabalho; a terceira por caminharna direção de extinguir a oposição entre “intra-muros” e “extramuros” (o que, segun<strong>do</strong> Virilio, resulta no fenômeno de conturbação<strong>do</strong>s centros urbanos).Tu<strong>do</strong> isto faz com que os limites espaciais das portas, portões,muros e fachadas sejam substituí<strong>do</strong>s pela interface da tela – que constituiuma nova topologia “eletrônica” (VIRILIO, op. cit., p. 9). Destemo<strong>do</strong>, a própria representação da cidade muda, pois as suas tramas“não mais se inscrevem no espaço de um teci<strong>do</strong> construí<strong>do</strong>, mas nasseqüências de uma planificação imperceptível <strong>do</strong> tempo na qual a interfacehomem/máquina toma o lugar das fachadas <strong>do</strong>s imóveis, dassuperfícies <strong>do</strong>s loteamentos...” (Idem).Uma conseqüência imediata da substituição <strong>do</strong>s limites espaciaispela tela é a perda da noção <strong>do</strong> limite temporal entre o dia e a noite,na medida em que esta nova topologia a desconsidera. Institui-se, portanto,um “falso dia eletrônico”, que caminha para o paroxismo de um“presente permanente cuja intensidade sem futuro destrói os ritmos deuma sociedade cada vez mais aviltada” (Idem).Para o arquiteto francês, chegamos ao paroxismo de vivenciarmoso “desaparecimento” da cidade, a partir <strong>do</strong> mesmo movimento quea circunscreve na nova “topologia eletrônica”, processo que considerajá durar ao menos há quatro décadas, ou seja, a partir <strong>do</strong> adventoda televisão como meio de comunicação de massa. Deste mo<strong>do</strong>, o queconstitui a cidade (parece-me ainda fortemente presente no imagináriocoletivo), como as referências simbólicas, históricas, arquitetônicas e,sobretu<strong>do</strong>, as geométricas, deixam paulatinamente de existir.Como implicação deste movimento, tem-se a substituição <strong>do</strong>contato face a face pela mediação das tecnologias eletrônicas de comunicação.Deste mo<strong>do</strong>, coloca-se em xeque o Tempo e o Espaço apartir da emergência da velocidade como parâmetro de funcionamento167


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)da sociedade, o que, segun<strong>do</strong> o arquiteto francês, representa o declínioda informação imediata pela sobreposição da informação mediatizada,“fazen<strong>do</strong> com que o efeito de real pareça suplantar a realidade imediata”.Esta é, para ele, a gênese <strong>do</strong> que se convencionou denominar“crise das grandes narrativas”, na medida em que as novas tecnologias“enfatizam mais os ‘meios’ <strong>do</strong> que os ‘fins’” (Idem).Não obstante, Virilio (op. cit, pp. 18-9) não se preocupa em teorizarse estamos ou não na pós-modernidade; para ele, a questão que secoloca é menos o fato de estarmos ou não construin<strong>do</strong> grandes ou micronarrativas e mais o que lhe parece se caracterizar como uma crise danarrativa em si, justamente pela crescente incapacidade de “descrever einscrever o real”. Sintetiza este ponto fazen<strong>do</strong> um paralelismo no quala desinformação, a desmesura e a incomensurabilidade “estariam paraa pós-modernidade da mesma maneira que a resolução filosófica <strong>do</strong>sproblemas e a resolução da imagem (pictorial, arquitetural...) estiverampara o nascimento das luzes”.Se por um la<strong>do</strong> a cidade, por conta <strong>do</strong>s meios eletrônicos decomunicação, sofre um processo de desaparecimento, por outro la<strong>do</strong>estas mesmas mídias são responsáveis pela “co-produção da realidadesensível na qual as percepções diretas e mediatizadas se confundempara construir uma representação instantânea <strong>do</strong> espaço, <strong>do</strong> meio ambiente.(...) A observação direta <strong>do</strong>s fenômenos visíveis é substituídapor uma tele observação na qual o observa<strong>do</strong>r não tem mais contatoimediato com a realidade observada. Se este súbito distanciamentooferece a possibilidade de abranger às mais vastas extensões jamaispercebidas (geográficas ou planetárias), ao mesmo tempo revela-se arrisca<strong>do</strong>,já que a ausência da percepção imediata da realidade concretaengendra um desequilíbrio perigoso entre o sensível e o inteligível, quesó pode provocar erros de interpretação tanto mais fatais quanto maisos meios de tele detecção e telecomunicação forem performativos, oumelhor: videoperformativos” (1993, p. 23).Portanto, cada vez mais passa a ser crível somente aquilo quepode ser mediatiza<strong>do</strong> pelas tecnologias avançadas, que supostamentetrazem em si um rigor estatístico irrefutável, caracterizan<strong>do</strong> um “cinematismoda representação científica”, cada vez mais desvinculada168


política e lazer: interfaces e perspectivas<strong>do</strong> humano, ético e, inclusive, científico. “Tipo de arte pela arte daconcepção teórica, ciência pela ciência de uma representação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>mágico-estatística, cuja tendência pode ser constatada pela recenteenumeração das partículas elementares”. Na visão de Virilio (op. cit.,p. 59), esta mediatização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, ao abranger todas as dimensões<strong>do</strong> humano, afetará também, de maneira já bastante presente, as relaçõesinterpessoais, particularmente aquelas tradicionalmente fundadaspor laços de vizinhança e comunidade. Neste ponto, o urbanistafrancês menciona Walter Benjamin quan<strong>do</strong> este afirma, a respeito dareprodutibilidade da obra de arte, haver cada vez mais a necessidadede se possuir o objeto, em sua cópia ou reprodução (VIRILIO, op. cit.,p. 36-7).Nesta mesma direção, Carlos Rodrigues Brandão, em texto intitula<strong>do</strong>“Espaços de Lazer e Cidadania”, analisa de maneira geral amediatização das relações humanas a partir da televisão, <strong>do</strong> telefonee da internet. O antropólogo da Unicamp fala-nos de um processo derecastelamento, de medievalização da vida social urbana. Refere-se àtendência cada vez mais presente de as pessoas vivenciarem seu tempode lazer em seus próprios lares, operan<strong>do</strong> computa<strong>do</strong>res, assistin<strong>do</strong> àtelevisão, falan<strong>do</strong> ao telefone ou, algo ainda não tão difundi<strong>do</strong>, masem crescente expansão, conversan<strong>do</strong> com outras pessoas por meio decorreio eletrônico via modem, buscan<strong>do</strong> informações via mecanismosde buscas virtuais etc. Assim, estaria haven<strong>do</strong> um aumento no relacionamentoentre o que o autor em foco denomina de “iguais virtuais” declasse e/ou de extração intelectual, que podem estar a distâncias tãograndes quanto a de um país a outro, e portanto sem estabeleceremalgum contato face a face, e uma conseqüente diminuição da convivênciacom pessoas da própria comunidade, vizinhos de rua etc.Brandão não expressa um pessimismo enfático a respeito damediatização <strong>do</strong> contato pela tecnologia, mas que é preciso ter cautela.Deste mo<strong>do</strong>, entende que esta, em si, “é muito inova<strong>do</strong>ra e desafia<strong>do</strong>ra,visto que ela aponta para horizontes infin<strong>do</strong>s, onde o perigo estájustamente no deslocar para a excelência da perfeição de um equipamentoo efeito e o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> próprio trabalho e da própria ética daconvivência”. (BRANDÃO, 1994, p. 27).169


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)É, porém, com relação a este último aspecto que faz sua advertênciamais incisiva:Essa possibilidade de me encastelar e colocar dentro <strong>do</strong> meumun<strong>do</strong>, através de um mecanismo de manipulação, as imagens,as vozes de quem eu quero, na situação em que eu quero– e aí está o efeito perverso desses limites da tecnologia – geraum superindividualismo na experiência <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> elase transforma numa espécie de rede à distância de superindividualizaçãomediatizada por aparelhos. Eu não me relacionomais com as coisas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, com as cachoeiras, com belezasreais <strong>do</strong> real, com os pores-<strong>do</strong>-sol, com aqueles espaços concedi<strong>do</strong>s,sobretu<strong>do</strong> pela natureza, assim como também não merelaciono mais com as pessoas. Mas, através da invenção tecnológica,posso tê-las, às pessoas e à natureza, repetidamentequantas vezes quiser, e nunca de uma forma pessoal e experimental,mas, sim, dentro de uma relação de posse (BRAN-DÃO, 1994, p. 28).João Francisco Régis de Morais, em seu livro Estu<strong>do</strong>s de Filosofiada Cultura, comenta duas expressões utilizadas por Max Schelerem um ensaio intitula<strong>do</strong> “O homem e a história”: que o homemcontemporâneo é o desertor da vida e que, sobretu<strong>do</strong>, se contentacom substitutos <strong>do</strong> viver. A partir daí, identifica na vivência humanacontemporânea elementos que corroboram os dizeres de Scheler,como por exemplo, a estranheza que acomete alguns quan<strong>do</strong> entramem contato com a natureza. “Isto chega, muitas vezes, ao paroxismode as pessoas irem às praias ou aos campos, mas não se sentirem bem,pois perderam – lá no fun<strong>do</strong> de si – o gosto pelo natural”. (MORAIS,1992, p. 58).Tão grave quanto o incômo<strong>do</strong> provoca<strong>do</strong> pela interação <strong>do</strong> homemcom a natureza é a perda de elementos básicos de convivênciahumana que têm acometi<strong>do</strong> as pessoas. Fica patente nos dizeres a seguiro quanto estamos efetivamente contentan<strong>do</strong>-nos com substitutos<strong>do</strong> viver, principalmente em nossas relações humanas.170


política e lazer: interfaces e perspectivasDe outra parte a afetividade (que é rico sentimento) vai sen<strong>do</strong>substituída pela gentileza, esta muito mais composta de gestosteatrais; substitui-se, como já disse, o caminhar (partilhante)pelo rodar (individualista, no interior de uma bolha mecânicaque é o automóvel); substitui-se o entendimento humano,no que este tem de proximidade e compreensão, por normasburocratizadas e até mesmo contratuais de coexistência. Eassim o homem contemporâneo parece ir de fato desertan<strong>do</strong>da vida, das suas leis fundamentais, <strong>do</strong> seu sagra<strong>do</strong> cósmico(MORAIS, 1992, p. 58).Desaparecimento da cidade, relações de posse mediatizadas substituin<strong>do</strong>a convivência face a face, perda de contato com a natureza. Estessão alguns <strong>do</strong>s desafios coloca<strong>do</strong>s pelas políticas públicas urbanas, de maneirageral, e mais especificamente ligadas à esfera <strong>do</strong> transporte, moradiae revitalização de áreas centrais urbanas, três <strong>do</strong>s principais focos de atuação<strong>do</strong> Ministério das Cidades, em suas relações com o lazer. A seguir,será feita uma descrição sucinta de alguns <strong>do</strong>s principais programas destapasta, com vistas a permitir uma análise crítica, ten<strong>do</strong> como base algumasquestões mais diretamente ligadas ao lazer.Breve descrição <strong>do</strong>s programas e ações <strong>do</strong> Ministériodas Cidades – 1996-2005Programas, Ações e Investimentos no perío<strong>do</strong> de1996 a 2005Apresentaremos a seguir algumas informações sobre programase ações nas três grandes áreas estudadas nesse trabalho – habitação,transporte e desenvolvimento urbano – selecionadas de acor<strong>do</strong> com aperspectiva de trabalho atual <strong>do</strong> Ministério das Cidades. Tais programase ações são referentes ao perío<strong>do</strong> de 1996 a 2005, e a análise <strong>do</strong>smesmos tem por objetivo o delineamento qualitativo <strong>do</strong>s investimentosnessas áreas, dentro das quais deveria ser contemplada, entre outras, aquestão <strong>do</strong> lazer, uma vez que, para a sua vivência e fruição, as questõesreferentes a transporte, habitação e revitalização de áreas urbanas171


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)centrais (pelas possibilidades de acesso a importantes bens culturais),são de vital importância, conforme procuramos demonstrar no tópicoacima.Para o levantamento <strong>do</strong>s programas, seus objetivos e algumasações, utilizamos como fonte de referência principal os Planos Plurianuaisde 1996-1999, 2000-2003 e 2004-2007, e seus respectivos relatóriosde avaliação, encontra<strong>do</strong>s no sítio <strong>do</strong> ministério <strong>do</strong> planejamento(http://www.planejamento.gov.br) na rede mundial de computa<strong>do</strong>res..Perío<strong>do</strong> de 1996 a 1999Nesse perío<strong>do</strong>, encontramos algumas ações que tiveram comoobjetivo principal melhorar as condições habitacionais da populaçãode baixa renda, possibilitar maior acesso a financiamentos de moradiaspara tais famílias, e melhorar a legislação <strong>do</strong> Sistema Financeirode Habitação (SFH). Programas como o Pró-Moradia, o ProgramaHabitar-Brasil e Carta de Crédito podem ser cita<strong>do</strong>s.O Programa Pró-Moradia foi cria<strong>do</strong> com o objetivo de darapoio ao poder público local para que esse investisse no setor de habitações,infra-estrutura urbana e saneamento básico para famílias cujarenda atinja até 3 salários mínimos. Nesse perío<strong>do</strong> de 1996 a 1999,as contratações deste programa atenderam mais de 300 mil famílias,totalizan<strong>do</strong> investimento de R$ 697 milhões.Já o Programa Habitar-Brasil, segun<strong>do</strong> relatórios de avaliação <strong>do</strong>PPA 1996-1999, realizou algumas intervenções em áreas consideradasde risco, ocupadas por barracos, favelas, palafitas, entre outros tipos deprecárias moradias. Atuou principalmente nos municípios onde vivemfamílias com renda mensal de até 3 salários mínimos, que faziam partede outro Programa <strong>do</strong> Governo, o Programa Comunidade Solidária.Em 1999, por exemplo, foram investi<strong>do</strong>s R$ 108,7 milhões, benefician<strong>do</strong>56.086 famílias e crian<strong>do</strong> cerca de <strong>do</strong>ze mil postos de trabalho.O Programa Carta de Crédito foi cria<strong>do</strong> para que a populaçãode baixa renda tivesse acesso ao financiamento, construção e reformasde imóveis, além de urbanização de lotes. Com esse programa,“no perío<strong>do</strong> de 1996 a 1999, foram investi<strong>do</strong>s R$ 8,4 bilhões nessas172


política e lazer: interfaces e perspectivasmodalidades, benefician<strong>do</strong> 580 mil famílias. Só em 1999, tais investimentossomaram R$ 2,1 bilhões, atingin<strong>do</strong> mais de 190 mil famíliasbeneficiárias”.No setor <strong>do</strong>s transportes, o foco desse perío<strong>do</strong> foi o investimentode recursos para restaurar e manter ro<strong>do</strong>vias, portos e hidrovias;investiu-se também em programas cujo intuito era a diminuição e prevençãode acidentes de trânsito. Para os transportes, podemos citar oPrograma de Contratação de Restauração e Manutenção da Rede deRo<strong>do</strong>vias Federais – CREMA – , o Programa de Recuperação Descentralizadade Ro<strong>do</strong>vias, o Programa de Adequação e o Programa deImplantação e Pavimentação, por exemplo.Investiu-se em programas como o PARE – Programa de Reduçãode Acidentes nas Estradas, e o SALVE – Programa de Socorro aAcidenta<strong>do</strong>s nas Ro<strong>do</strong>vias Federais, que promoveram atividades permanentesde cunho educativo, engloban<strong>do</strong> ações conjuntas de váriasesferas governamentais e setores da sociedade civil. Esses programasbuscaram reduzir os eleva<strong>do</strong>s índices de acidentes nas estradas, bemcomo o atendimento pré-hospitalar adequa<strong>do</strong> aos acidenta<strong>do</strong>s nas ro<strong>do</strong>vias,complementan<strong>do</strong> as melhorias nas vias e as ações repressivas efiscaliza<strong>do</strong>ras.No âmbito <strong>do</strong> desenvolvimento urbano podemos destacar oPró-Infra (Programa de Infra-estrutura Urbana) e o Programa deDifusão de Boas Práticas em Desenvolvimento urbano. O primeiroestá direciona<strong>do</strong> aos municípios de médio e grande porte que possuemserviços de transporte coletivo urbano. As ações voltadas paraa redução de acidentes viários abrangem todas as vias urbanas, benefician<strong>do</strong>áreas comerciais, industriais e residenciais, independenteda renda da população beneficiária e <strong>do</strong> porte <strong>do</strong> município. E o segun<strong>do</strong>foi cria<strong>do</strong> com o objetivo de incentivar e disseminar práticascriativas e bem sucedidas de gestão urbana, habitação e saneamento,que tenham ti<strong>do</strong> impacto positivo sobre a qualidade de vida e omeio ambiente construí<strong>do</strong> ou que tenham melhora<strong>do</strong> a eficiência <strong>do</strong>ssistemas de gestão para o fornecimento de serviços urbanos básicos...173


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Perío<strong>do</strong> de 2000 a 2003Nesse perío<strong>do</strong>, assim como no anterior, os programas e açõessão administra<strong>do</strong>s de maneira descentralizada e não integrada; não háum único órgão responsável por pensar sobre habitação, planejamentoe desenvolvimento urbano, transporte e mobilidade urbana. Dentre osprogramas nessas áreas, alguns são de responsabilidade <strong>do</strong> Ministério<strong>do</strong>s Transportes, outros <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> Planejamento, da SecretariaEspecial de Desenvolvimento Urbano, e <strong>do</strong> Ministério da Saúde.Podemos citar nesse perío<strong>do</strong> a existência de programas comoo Programa Carta de Crédito, também presente no perío<strong>do</strong> de 1996a 1999, o Programa Infra-Estrutura Urbana, ou os programas MinhaCasa, Morar Melhor, Nosso Bairro, Transporte Ro<strong>do</strong>viário Urbanoe Saneamento é Vida, desenvolvi<strong>do</strong>s pela Secretaria Especial de DesenvolvimentoUrbano. Outros programas que podem ser cita<strong>do</strong>s sãoos Programas Descentralização de Ro<strong>do</strong>vias Federais, Manutençãoda Malha Ro<strong>do</strong>viária Federal, Manutenção de Hidrovias e TransporteFerroviários Urbano de Passageiros, desenvolvi<strong>do</strong>s pelo Ministério<strong>do</strong> Transportes.Tais programas, de uma maneira geral, objetivam melhorar osserviços de saneamento básico, de infra-estrutura urbana, e reduzir odéficit habitacional. São encontradas ações de implantação, ampliaçãoe melhoria <strong>do</strong> sistema de coleta de lixo, bem como tratamento edestinação final de resíduos sóli<strong>do</strong>s; construção de complexos habitacionaisdestina<strong>do</strong>s a famílias que residem em áreas de risco. Nesse perío<strong>do</strong>,os programas na área de transporte continuam vislumbran<strong>do</strong> aampliação, restauração e manutenção da malha das ro<strong>do</strong>vias, ferroviase hidrovias <strong>do</strong> país, não sen<strong>do</strong> encontradas ações direcionadas para otransporte coletivo público em uma perspectiva de facilitar o acessodas diversas populações ao seu ambiente de trabalho ou a locais ondepossam ser realizadas atividades no âmbito <strong>do</strong> lazer.O programa Nosso Bairro, por exemplo, foi instituí<strong>do</strong> com intuitode melhorar a condição de vida das famílias com renda de até três saláriosmínimos, que vivem em assentamentos subnormais nas aglomerações urbanas,com ações integradas de habitação, saneamento e infra-estrutura174


política e lazer: interfaces e perspectivasurbana. Outro exemplo nesse senti<strong>do</strong> é o Programa Minha Casa, que foicria<strong>do</strong> para permitir e facilitar o acesso de famílias com renda mensal deaté seis salários mínimos à moradia, através de arrendamentos residenciaiscom possibilidade de compra futura. Esse programa foi realiza<strong>do</strong>em regiões metropolitanas e em grandes centros urbanos, onde se observaa presença de muitas favelas, invasões e moradias precárias, reflexo deum déficit habitacional em um país com grandes desigualdades sociais.O Programa Minha Casa foi financia<strong>do</strong> com recursos <strong>do</strong> FGTS em R$2,4 bilhões até 2003, destina<strong>do</strong>s a atender por volta de 200 mil famílias. ..Perío<strong>do</strong> de 2004 a 2005No perío<strong>do</strong> de 2004 a 2005, já com o Ministério das Cidadesestabeleci<strong>do</strong>, os programas e ações encontram seu planejamento maiscentraliza<strong>do</strong>. Ainda são pensadas as 3 grandes áreas de atuação – habitação,transporte e mobilidade, e planejamento urbano. Segun<strong>do</strong>PPA 2004-2007, o ministério atua com alguns programas, tais comoo Programa de Financiamento Imobiliário Habitacional (visan<strong>do</strong> ampliaro merca<strong>do</strong> imobiliário, permitin<strong>do</strong> novas formas de acesso ao financiamentohabitacional); o Programa Habitação de Interesse Social(que objetiva ampliar o acesso à terra urbanizada, à moradia dignae promover melhoria da qualidade das habitações da população debaixa renda nas áreas urbana e rural); o Programa Mobilidade Urbana(objetivan<strong>do</strong> promover o aumento da mobilidade urbana, de formasustentável, favorecen<strong>do</strong> os deslocamentos não-motoriza<strong>do</strong>s e o transportecoletivo, com vistas a reduzir os efeitos negativos da circulaçãourbana); o Programa Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais (parapromover a reabilitação urbana e o adensamento de áreas centrais desocupadas,de forma a otimizar a infra-estrutura instalada, recuperaro estoque habitacional e a dinâmica econômica, conservan<strong>do</strong> o patrimôniocultural e imobiliário). Houve ainda os programas Segurança eEducação de Trânsito: Direito e Responsabilidade de To<strong>do</strong>s (visan<strong>do</strong>reduzir a mortalidade, a gravidade e o número de acidentes de trânsitono País); o Programa Trilhos Urbanos (para contribuir para a melho-175


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)ria da prestação de serviços de transporte metro-ferroviário estaduaisou municipais por meio da modernização e expansão <strong>do</strong>s respectivossistemas) e o Programa Urbanização, Regularização e Integração deAssentamentos Precários (cujo objetivo é melhorar as condições dehabitabilidade de assentamentos humanos precários, reduzir riscosmediante sua urbanização e regularização fundiária, integran<strong>do</strong>-os aoteci<strong>do</strong> urbano da cidade).Segun<strong>do</strong> relatório de avaliação <strong>do</strong> PPA 2004-2007, ano base2005, os principais resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s pelos programas cita<strong>do</strong>s, desenvolvi<strong>do</strong>spelo Ministério das Cidades em 2004, foram:– A conclusão de 358 obras de saneamento ambiental; contrataçãode 286 operações de crédito, no valor total de R$ 2,26 bilhões,para implantação, manutenção e ampliação de sistemas de esgotamentosanitário e água, além de estu<strong>do</strong>s e projetos em saneamentoambiental;– Foram apoia<strong>do</strong>s 53 municípios na elaboração de Planos Diretorese 3 esta<strong>do</strong>s para capacitação de seus municípios em elaboraçãode Planos Diretores. Concedi<strong>do</strong>s financiamentos habitacionaissubsidia<strong>do</strong>s a 86.404 famílias com renda de até 5salários mínimos para melhoria ou aquisição de moradias, e financiamentoshabitacionais no valor de R$ 1,62 bilhão a 90.341famílias com renda acima de 5 salários mínimos para aquisiçãode imóveis residenciais. Foram realizadas melhorias em habitaçõessituadas em assentamentos precários;– No setor de transportes, o número de passageiros que foramtransporta<strong>do</strong>s nos sistemas ro<strong>do</strong>viários em cidades como BeloHorizonte, Recife, Salva<strong>do</strong>r, Natal, João Pessoa e Maceió aumentouem 3,9%, e houve aumento de 9,65% no número de passageirostransporta<strong>do</strong>s no sistema ferroviário urbano de passageirosnas cidades de Porto Alegre. Além disso, incorporou-se 53 municípiosao Sistema Nacional de Trânsito, que cantava com 629municípios integrantes.176


política e lazer: interfaces e perspectivasConsiderações finaisObservan<strong>do</strong> os objetivos de tais programas, e analisan<strong>do</strong> o queo relatório de avaliação <strong>do</strong> PPA 2004-2007, ano 2005, aponta comoprincipais resulta<strong>do</strong>s, pode-se perceber que estes estão volta<strong>do</strong>s para amelhoria da estrutura de moradia e infra-estrutura de água, esgoto e saneamentourbano em geral; contemplam ainda a questão <strong>do</strong> transportenuma perspectiva de estruturação e manutenção de ro<strong>do</strong>vias e ferrovias,principalmente, e de educação e prevenção de acidentes de trânsito. Diretamente,não se encontrou menções feitas ao lazer, não obstante estaesfera da vida humana constar <strong>do</strong>s objetivos gerais <strong>do</strong> ministério dascidades, como um campo a ser contempla<strong>do</strong> na urbanidade, mas naprática, este se encontra ainda em segun<strong>do</strong> plano.Pode-se dizer que ocorre aí a reprodução da velha idéia, presenteno senso comum, de que é preciso suprir necessidades básicas e primordiais,como uma moradia adequada, sistema de saneamento básico, porexemplo, para em uma instância posterior, quan<strong>do</strong> esses foram satisfatoriamentecontempla<strong>do</strong>s, o lazer talvez possa vir a ser foco de algum programaou ação específica. É o que constatou José Guilherme C. Magnani,em seu Festa no Pedaço, quan<strong>do</strong> iniciou sua coleta de da<strong>do</strong>s ten<strong>do</strong> comoreferência a esfera <strong>do</strong> lazer na periferia de São Paulo. “Parece que quan<strong>do</strong>se trata de falar sobre dificuldades e problemas, a percepção é clara e aresposta, pronta; mas as ocasiões de encontro, as formas de entretenimentoe diversão não parecem suscitar maior entusiasmo no entrevista<strong>do</strong>nem interesse no entrevista<strong>do</strong>r” (MAGNANI, 2004, p. 133).No caso das políticas públicas em nível federal, que envolvem asquestões de moradia, habitação e revitalização de áreas centrais urbanas,verifica-se a quase total ausência da preocupação com as questõesligadas ao lazer. Tal constatação foi expressa por Antonio CarlosBramante, atual Secretário da Juventude da cidade de Sorocaba, comrelação ao lugar desta esfera da vida humana também nas políticaspúblicas municipais. “O lazer, concebi<strong>do</strong> na sua transversalidade, nãosó com a educação e cultura, como nas demais áreas de sua vivência,de forma orgânica e sustentável e como política de Esta<strong>do</strong>, ainda estápor ser implementada” (BRAMANTE, 2006).177


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Com relação às políticas específicas de fomento à moradia, nãose verificou uma proposta mais contundente no que se refere ao processode especulação imobiliária que vem ocorren<strong>do</strong> nas grandes cidadesbrasileiras, impulsionan<strong>do</strong> os trabalha<strong>do</strong>res de baixa renda para asperiferias das cidades e, portanto, interferin<strong>do</strong> diretamente nas possibilidadese na qualidade na vivência <strong>do</strong> lazer. “Essa situação é agravada,sobretu<strong>do</strong>, se considerarmos que, cada vez mais, as camadas maispobres da população vêm sen<strong>do</strong> expulsas para a periferia, e, portanto,afastadas <strong>do</strong>s serviços e <strong>do</strong>s equipamentos específicos: justamente aspessoas que não podem contar com as mínimas condições para a prática<strong>do</strong> lazer em suas residências e para quem o transporte adicional,além de economicamente inviável, é muito desgastante. Nesse processo,cada vez menos encontramos locais para os folgue<strong>do</strong>s infantis,para o futebol de várzea, ou que sirvam como pontos de encontro decomunidades locais” (MARCELLINO, 2006).Por outro la<strong>do</strong>, é preciso destacar as ações relacionadas à revitalizaçãode áreas centrais urbanas, que parecem possuir o maior potencial de benefíciosdiretos e indiretos para a vivência e fruição <strong>do</strong> lazer, seja por estimulara moradia nestas áreas, seja pela facilitação de acesso a bens culturais aospresentes no centro das grandes cidades. Por conta deste quadro atual, temhavi<strong>do</strong> um movimento de revalorização <strong>do</strong>s centros urbanos, na direção de se“repovoar” seu espaço, aproximan<strong>do</strong> em grande medida a população de seulocal de trabalho, bem como de equipamentos específicos e não específicosde lazer, ao mesmo tempo em que poderá se constituir em uma “re-criação”<strong>do</strong> espaço público de convivência e cidadania.Trata-se, neste âmbito, de uma política de reabilitação urbanaque crie as condições e os instrumentos necessários paraconter e reverter o processo de expansão, repovoan<strong>do</strong> e dinamizan<strong>do</strong>áreas centrais esvaziadas de forma multiclassista,rompen<strong>do</strong> com a cultura da periferização e da segregaçãourbana e melhoran<strong>do</strong> a possibilidade de integração de vastossetores à economia urbana (BOTLER, 2003, p. 75).Há experiências nacionais, em nível municipal, que avançam <strong>do</strong>ponto de vista <strong>do</strong> transporte como direito da população ao lazer, e que178


política e lazer: interfaces e perspectivaspoderiam servir de estímulo para políticas nacionais relacionadas aotransporte urbano. Por exemplo, em Curitiba foi instituída a Comissãode Estu<strong>do</strong> Tarifário em janeiro de 2005, cujo objetivo foi “a reavaliação<strong>do</strong>s critérios e procedimentos que resultam na fixação da tarifa<strong>do</strong> transporte coletivo da Rede Integrada de Transporte de Curitiba eRegião Metropolitana”. Vale citar aqui trecho deste <strong>do</strong>cumento paraos fins deste trabalho:Além <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s técnicos, merecem destaque, a criaçãoda tarifa <strong>do</strong>mingueira, com valor de R$1, 00, quase metadeda tarifa normal que vigorava na época, (R$1, 90), favorecen<strong>do</strong>a população nos fins de semana para deslocamentose atividades de lazer em parques e praças da cidade e principalmentepara convívio com familiares que moram distantee, em Curitiba, ao invés de aumentar a tarifa <strong>do</strong> transportecoletivo, como vinha acontecen<strong>do</strong> nas grandes capitaisbrasileiras, houve a redução da tarifa para R$ 1, 80 (BANCODE MELHORES PRÁTICAS, Prefeitura de Curitiba, 2006,s/p – o grifo é nosso).Em suma, se por um la<strong>do</strong> a criação <strong>do</strong> Ministério das Cidadesrepresentou uma maior integração das políticas públicas municipais,na medida em que trás para a mesma pasta os projetos e ações relacionadasà habitação, transporte e revitalização de áreas centrais urbanas,por outro la<strong>do</strong> parece que é preciso dar um passo a mais, na direçãode se integrar estas políticas para garantir as condições necessárias, aoconjunto da população, <strong>do</strong> direito constitucional à vivência e a fruição<strong>do</strong> lazer, foco e preocupação principal deste trabalho.Referências BibliográficasANDERY, M. A. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio deJaneiro: Espaço e tempo / Educ., 1988.BOTLER, Milton. Políticas de reabilitação de áreas urbanas centrais. Ministério das Cidades,2003.BRAMANTE, Antonio Carlos. Transversalidade <strong>do</strong> Lazer na Educação e Cultura. Anais<strong>do</strong> XVIII Encontro Nacional de Recreação e Lazer. Curitiba, 2006.179


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)BRANDÃO, Carlos Rodrigues. “Espaços Públicos de lazer e cidadania” In Revista “Apaixão de aprender”. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Educação, n. 6, 1994.HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1998.LE GOFF, Jaques. História e memória. Campinas: Ed. da Unicamp, 1992.LOPES, Maria Isabel de Souza. “É pirueta para cavar o ganha-pão”. Revista Reflexão“Lazer e Trabalho”. Ano XI, no. 35, maio/ago. Campinas: PUC-Campinas, 1986.MAGNANI, José Guilherme C. Festa no pedaço: Cultura Popular e Lazer na Cidade. SãoPaulo: Hucitec, 2004.MARCELLINO, Nelson C. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 2003.__________________. Lazer, espaço urbano e transversalidade. Anais <strong>do</strong> XVIII EncontroNacional de Recreação e Lazer. Curitiba, 2006.MILLS, Wright. A nova classe média. Rio de Janeiro: Zahar, 1979MORAIS, João Francisco Régis de. Estu<strong>do</strong>s de Filosofia da Cultura. São Paulo: EdiçõesLoyola, 1992.THOMPSON, E. P. “O tempo, a disciplina <strong>do</strong> trabalho e o capitalismo industrial” In SIL-VA, Tomaz Tadeu da. Trabalho, educação e prática social. Porto Alegre: Artes Médicas,1991.VIRILIO, Paul. O Espaço Crítico e as perspectivas <strong>do</strong> tempo real. Tradução de Paulo RobertoPires. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. Documentos consulta<strong>do</strong>s por meio eletrônicoMINISTÉRIO DAS CIDADES. http://www.cidades.gov. br. Acesso em 23 nov 2006.__________________. http://www.cidades.gov.br. Acesso em 26 nov. 2006.__________________. http://www.cidades.gov.br. Acesso em 26 nov. 2006.__________________. http://www.cidades.gov.br. Acesso em 26 nov. 2006.MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO. Relatório de Acompanhamento PPA 1996-1999.http://www.planejamento.gov.br/planejamento_investimento/conteu<strong>do</strong>/PPA1996/SIAP-PA.HTM. Acesso 23 nov 2006.__________________. Relatório de Avaliação PPA 2000-2003. http://www.abrasil.gov.br/avalppa/avalplano/content/default.htm. Acesso 23 nov. 2006PREFEITURA DE CURITIBA. Banco de Melhores Práticas. http://mpraticas.imap.org.br/saiba.php?cod=41Acesso em 04/12/2006PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Mensagem ao Congresso Nacional 2000. https://www.planalto.gov.br/publi_04/colecao/00mens3e.htm.Acesso em 01 dez 2006.__________________. Relatório de Avaliação PPA 2004 – 2007 – Exercício 2005 – AnoBase 2004. Ministério das Cidades. http://www.planobrasil.gov.br/texto.asp?cod=49.Acesso em 04 dez 2006.SECRETARIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO URBANODO RIO DE JANEIRO (SEMADUR). http://www.semads.rj.gov.br/conferencia/nacional/<strong>do</strong>cumento_informativo.asp. Acesso em 29 nov 2006.180


capítulo viiLazer e Utopia: Limites epossibilidades de ação política Fernan<strong>do</strong> MascarenhasAntes de tu<strong>do</strong>, cabe registrar que os limites e possibilidades de ação políticaaqui aponta<strong>do</strong>s foram consubstancia<strong>do</strong>s como resulta<strong>do</strong> de umaampla análise investigativa, que nos permitiu compreender e explicar alógica venal que vem estimulan<strong>do</strong> a proliferação de novas práticas dedivertimento entre significativa parcela da população brasileira, conferin<strong>do</strong>formato a uma dinâmica social em que o lazer, anteriormentevincula<strong>do</strong> às necessidades de produção e reprodução da força detrabalho, como uma espécie de antivalor, passa a subordinar-se diretamenteà produção e reprodução <strong>do</strong> capital, sucumbin<strong>do</strong>, de mo<strong>do</strong>tendencial e <strong>do</strong>minante, à forma merca<strong>do</strong>ria. Não se tratam de proposiçõesdesconexas, tampouco derivam de uma capitulação reformista.Ao mesmo tempo em que se assentam sobre princípios ético-políticose num projeto histórico de sociedade, des<strong>do</strong>bram-se numa perspectivade transição, tentan<strong>do</strong> fugir tanto ao voluntarismo típico das leituras. Artigo originalmente publica<strong>do</strong> sob a seguinte referência: MASCARENHAS, Fernan<strong>do</strong>.“Lazer e utopia: limites e possibilidades de ação política”. Movimento, Porto Alegre, v.11, n. 3, p. 155-182, set. 2005.181


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)crítico-idealistas, que ignoram as tensões e os interesses objetivos queperpassam o lazer no presente, como das interpretações de viés crítico-reprodutivista,afirman<strong>do</strong>-o como tempo e espaço homogêneo dereprodução e legitimação <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de produção capitalista.Trata-se, portanto, de uma síntese propositiva que vislumbra orevigoramento das políticas sociais, especialmente das políticas de lazer,hodiernamente, em decorrência da desintegração <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> deBem Estar, transmutadas em serviços sociais competitivos. Ancoradanuma concepção dialética da história, funda-se no balanço crítico dasmudanças econômicas, políticas e culturais que imputaram ao lazer,ao longo das duas últimas décadas, a marca da merca<strong>do</strong>ria, bem comono exame das contradições inerentes a este processo e em suas possibilidadessupera<strong>do</strong>ras. O intento é o de mapear as bifurcações que secolocam e que se abrem para a construção de alternativas, procuran<strong>do</strong>identificar, no jogo das forças sociais em disputa, aquilo que pode seviabilizar no senti<strong>do</strong> da conquista da cidadania participativa. Queremoscom isso discutir os princípios e o norte necessários para a açãopolítica de quem almeja e compartilha a vontade coletiva de fazer realidadeum “outro lazer”, crítico e supera<strong>do</strong>r em relação a sua mercantilizaçãoatual. Isto para poder apresentar propostas concretas, fixan<strong>do</strong>apontamentos mais críveis, que possam compor a base programáticade uma política pública de lazer, além de reivindicar uma pedagogiacrítica <strong>do</strong> lazer que, no desenrolar cotidiano de tais políticas, possapotencializar, junto à sociedade civil, especialmente aos setores populares,um outro tipo de sociabilidade e experiência lúdica, articulada àutopia de um novo mo<strong>do</strong> de se conceber e organizar a vida.Outro lazer é possívelO primeiro e grande enigma que se abre para aqueles que diretaou indiretamente estão envolvi<strong>do</strong>s com o lazer, particularmente paraos que estão empenha<strong>do</strong>s em qualificar a condição da existência humana,é saber se existem alternativas à mercantilização. Pois à medidaque as pessoas introjetam o valor e as relações mercantis como princí-182


política e lazer: interfaces e perspectivaspio orienta<strong>do</strong>r de interpretação e organização da vida, igual dinâmicafaz com que elas aceitem o “mercolazer” como paradigma exclusivopara a interpretação e organização <strong>do</strong> lazer. Na esfera mais objetiva,basta a pergunta sobre um serviço de lazer pelo qual não seja precisopagar pelo acesso, para termos uma dimensão <strong>do</strong> quão corrompidaanda sua experiência. Óbvio que certas modalidades tradicionais delazer, ainda refratárias às relações mercantis, podem ser localizadas.Mas a dificuldade de identificarmos com certa prontidão e segurançaalguma prática de lazer que não tenha sucumbi<strong>do</strong> à forma merca<strong>do</strong>ria,por si só, já constitui obstáculo para a construção de alternativas.Ao tempo em que o merca<strong>do</strong> se torna o lugar comum das práticasde lazer, e ao tempo também em que a indústria cultural globalizada– particularmente, a grande indústria <strong>do</strong> lazer – se encarrega dedizer qual é o bom e o melhor lazer, fica parecen<strong>do</strong> que nada mais épossível fora <strong>do</strong> “mercolazer”, que não há alternativas que valham apena considerar. Diante da reconversão das formas ideológicas pelasquais atualmente se entabula a noção de lazer, qualquer projeto quese vislumbre de um “outro lazer” soa como utópico. E se entendemosa utopia não no senti<strong>do</strong> de algo irrealizável, mas de objetivos quesintetizam uma vontade coletiva cuja realização não se pode precisarno tempo, sim, podemos dizer que tal projeto é realmente utópico.Isto porque assumir o projeto de um “outro lazer” significa tambémassumir o projeto histórico de uma “outra sociedade”. Ou seja, umasociedade que garanta a to<strong>do</strong>s os seus membros o efetivo direito deacesso aos bens e riquezas materiais e simbólicas produzidas, asseguran<strong>do</strong>-lhesdemocraticamente a condição de cidadania, dispensan-. A expressão categorial “mercolazer” procura traduzir tanto a dinâmica tendencial demercantilização <strong>do</strong> lazer em sua manifestação mais imediata, quan<strong>do</strong> assume a formade uma merca<strong>do</strong>ria propriamente dita, e, também, sua manifestação como: valor de usoprometi<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> seu poder imagético, como coisa significante, aparece involucralmentecola<strong>do</strong> ao corpo de outras merca<strong>do</strong>rias; como palco de vivências, servin<strong>do</strong> deatrativo diverti<strong>do</strong> e emprestan<strong>do</strong> o estatuto <strong>do</strong> lazer a um conjunto de pontos de vendaou equipamentos de comércio; e como compra divertida, quan<strong>do</strong> o próprio processo detroca assume a identidade de uma atividade de lazer. Ver Mascarenhas (2005).183


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)<strong>do</strong>-lhes igual tratamento sob o ponto de vista da condição comum decidadãos, livres das relações de <strong>do</strong>minação, opressão, exploração ouexclusão.Nesta direção, tanto a alternativa de um “outro lazer” como a alternativade uma “outra sociedade” devem ser entendidas como um sóprojeto mobiliza<strong>do</strong>r que, embora não possa ser precisa<strong>do</strong> no tempo, é umprojeto que congrega aspirações e sintetiza uma certa intencionalidadecomum, nossa própria noção de utopia. O projeto de um “outro lazer”está, de tal mo<strong>do</strong>, em sintonia com a noção de história aberta, apontan<strong>do</strong>para uma possibilidade de futuro, todavia, como possibilidade em movimento,imediatamente dialetizada às contradições, tensões e tendências<strong>do</strong> presente, sem esquecer ainda das determinações que lhe são impostascomo herança <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. Além de um projeto mobiliza<strong>do</strong>r que formulaum pensamento teórico, alimenta uma nova ética, organiza resistências epropõe medidas de ação concretas para curto e médio prazo, o projeto deum “outro lazer” deve se constituir como uma alternativa dinâmica e delonga empreitada, sobreviven<strong>do</strong> no tempo à custa da autocrítica, reatualizan<strong>do</strong>-seconstantemente.A perspectiva de longo prazo é necessária porque a meta real datransformação só pode estabelecer-se dentro de tal horizonte.Ademais, sem identificar a meta adequada, seguramente seriacomo viajar sem bússola e, portanto, as pessoas envolvidas poderiamdesviar-se facilmente de seus objetivos vitais. Por outrola<strong>do</strong>, a compreensão das determinações objetivas e subjetivas<strong>do</strong> “aqui e agora” é igualmente importante. Pois a tarefa deinstituir as mudanças necessárias se define já no presente, nosenti<strong>do</strong> de que ao menos comece a realizar-se no “exatamenteaqui e agora” ou não chegaremos à parte alguma (MÉSZÁ-ROS, 2003, p. 122).Assumir projetos e enxergar alternativas não significa, desta forma,traçar planos para a eternidade. É assim que nossa utopia, sobrea base de objetivos efetivamente possíveis, expressa o projeto de umasociedade cuja estrutura e organização são qualifica<strong>do</strong>ras da condição184


política e lazer: interfaces e perspectivasde existência <strong>do</strong>s homens. No entanto, não abrimos mão de certos princípios,a bússola encravada no “aqui e agora” que nos orienta diante dainfinidade de bifurcações apresentadas pela dinâmica <strong>do</strong> presente. Sehoje vivemos sob o império da economia de merca<strong>do</strong>, na qual pre<strong>do</strong>minaa espontaneidade, a desregulação e a escolha individual, o horizonteda transformação reclama uma economia de planificação abrangente,centrada no desenvolvimento humano. Pois se na economia de merca<strong>do</strong>a produção orienta-se para o lucro, e o consumo para o ter mais coisas,com a planificação, busca-se uma produção voltada para a necessidade,e um consumo orienta<strong>do</strong> para o ser mais humano.Assim, ao colocar em perspectiva uma “outra sociedade”, a “sociedadepara além <strong>do</strong> capital”, da qual fala Mészáros (2002), paraalém de experiências temporais subordinadas à lógica <strong>do</strong> sobretrabalho– isto é, <strong>do</strong> tempo necessário à extração de excedentes –, postulamosa potencialidade positiva <strong>do</strong> tempo das pessoas, desde já, lutan<strong>do</strong> pelaconquista de um tempo livre de trabalho para a prática da liberdade eexercício da cidadania, contrário ao tempo livre atualmente formata<strong>do</strong>,aliena<strong>do</strong> e servil ao trabalho obrigatório e às relações mercantis.Isto quer dizer que antever o porvir de uma nova economia <strong>do</strong> temposignifica enfatizar a perspectiva de longo prazo, mas sem desprezar o“aqui e agora” da estrutura e <strong>do</strong> tipo de sociabilidade que se processano tempo livre atual. Nesse senti<strong>do</strong>, um tempo livre para o exercíciode ser livre é também um resulta<strong>do</strong> imediato, uma possibilidade que sedesenha no contemporâneo das contradições atuais, a transição quese define já no presente enquanto pensamento estratégico de luta edecisão.Por conseguinte, o projeto de um “outro lazer” não deve ser vistocomo uma conquista inexorável, como o desenho de uma história progressivae linear em direção ao “reino da liberdade”. Apenas prefiguraum porvir que não tem nada a ver com a certeza de um fim absolutamenteprevisível. E aí, é importante saber que alternativas não podemsurgir senão pela intencional deslegitimação da situação existente, chaman<strong>do</strong>sempre atenção para a incapacidade da economia capitalista deassegurar as bases materiais para o bem estar de to<strong>do</strong>s os seres humanos.No tocante ao lazer, é preciso começar pela destruição da idéia de185


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)que não existem alternativas ao “mercolazer”, a iniciar pela denúncia desua natureza polariza<strong>do</strong>ra. A perspectiva de um “outro lazer” se apresenta,de tal mo<strong>do</strong>, como uma utopia absolutamente plausível, desdeque compreendida como um projeto, ao mesmo tempo tão perto e tãolonge, um projeto de grande fôlego, dialetiza<strong>do</strong> à construção de umoutro projeto societário, mas um projeto que já se constrói no “aqui eagora”, em nosso terreno específico de ação política e pedagógica, coma “lazerania” que vamos conquistan<strong>do</strong>.E o que estamos conceben<strong>do</strong> como “lazerania”, ao passo em queprocura expressar a possibilidade de apropriação <strong>do</strong> lazer como umtempo e espaço para a prática da liberdade, para o exercício da cidadania,busca traduzir a qualidade social de uma sociedade cujo direitoao lazer pode ter seu reconhecimento alicerça<strong>do</strong> sobre princípios comoplanificação, participação, autonomia, organização, justiça e democracia,deixan<strong>do</strong> de ser monopólio ou instrumento daqueles que concentrampoder econômico (MASCARENHAS, 2004). Nesse senti<strong>do</strong>, aconquista da “lazerania” pressupõe um projeto de formação. É a educaçãoinformal, alegre e lúdica que, poden<strong>do</strong> se manifestar pelas maisdiferentes práticas, nos mais diversos ambientes, como tempo e espaçode organização da cultura, faz-se instrumento político e pedagógico detransformação social. Distante da noção que restringe o lazer ao prazere gozo individual de objetos de fruição disponibiliza<strong>do</strong>s no merca<strong>do</strong>,a “lazerania” requer participação, pois objetiva o exercício <strong>do</strong> poder apartir da sociedade civil organizada , articulan<strong>do</strong>-se à capacidade <strong>do</strong>s. Não podemos esquecer <strong>do</strong> caráter lúdico e espírito de alegria que devem estar na base de qualquerproposta de lazer. O lazer, indiscutivelmente, tem de ser motivo de alegria, tal qual aconcebe Snyders (1988), não como prazer imediato – algo que é próprio <strong>do</strong> “mercolazer” –,mas como a alegria provocada e estimulada pela satisfação de acesso e apropriação da culturaelaborada. Dentro de um ambiente lúdico, as atividades de lazer constituem uma prática educativadas mais privilegiadas para fruição e exercício <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s e das emoções, deste mo<strong>do</strong>,bastante propícia à alegria da criação, <strong>do</strong> triunfo, <strong>do</strong> conhecimento, <strong>do</strong> prazer estético e daqualidade.. Advertimos aqui para a metamorfose <strong>do</strong> conceito de sociedade civil, cujo emprego, como apontaNogueira (2003), cada vez mais tem reduzi<strong>do</strong> seu significa<strong>do</strong> a um acampamento de movimentosfragmentários onde até se percebe o crescimento de organização <strong>do</strong>s interesses e demobilização democrática, mas que, mais e mais, vem sen<strong>do</strong> esvazia<strong>do</strong> de qualquer conotaçãoque represente o espaço e a possibilidade de articulação política <strong>do</strong>s interesses populares, ouseja, seu senti<strong>do</strong> rigorosamente gramsciano de terreno para a afirmação de projetos de hegemonia,o qual devemos reafirmar.186


política e lazer: interfaces e perspectivas“de baixo” – isto é, <strong>do</strong>s setores populares – de se impor e de se autodeterminar.A “lazerania” tem como objeto central de preocupação a educação,sempre buscan<strong>do</strong> proporcionar meios e condições aos sujeitosque de seu exercício tomam parte para refletirem sobre suascondições de vida e sobre a sociedade mais ampla na qual estãoinseri<strong>do</strong>s, possibilitan<strong>do</strong>-lhes não só o acesso, mas o entendimento<strong>do</strong> lazer como manifestação de uma cultura e como possível instrumentode ligação com sua realidade. Tem seus propósitos finca<strong>do</strong>ssobre a noção de sujeito social, afastan<strong>do</strong>-se da passividadeque cerca a atual condição de consumi<strong>do</strong>r comum à experiência<strong>do</strong> “mercolazer”. E mais, preconiza a noção de direitos e deveres,incentivan<strong>do</strong> a participação para a tomada de decisões que correspondemà organização de uma dada coletividade, procuran<strong>do</strong>garantir a reflexão acerca das relações de poder e <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> dasregras e valores necessários à convivência comum, desmistifican<strong>do</strong>o subjetivismo axiológico que cerca a idéia de lazer como fazer oque se quer, entenden<strong>do</strong> a liberdade, que deve ser inerente à suaprática, como consciência da necessidade.A conquista da “lazerania” não é, assim, tarefa para uma únicapessoa. É um desafio que precisa envolver os diferentes atores e forçassocialmente comprometidas que interagem direta e indiretamente com olazer. Temos então, diante de nós, a exigência de um diálogo impensávelpara aqueles que crêem na rápida tomada <strong>do</strong> poder como estratégia detransformação social. Temos pela frente um grande esforço teórico a serconstruí<strong>do</strong>, tarefa que deve reunir pensa<strong>do</strong>res e lideranças de variadastendências progressistas. No campo <strong>do</strong> lazer, a despeito das contradiçõesinternas, tal articulação deve se efetivar. Isso porque somente a um intelectual-coletivoé possível o papel de organização de uma nova funçãopara o lazer, uma funcionalidade desinteressada <strong>do</strong> ponto de vista práticomaterial,mas uma funcionalidade interessada no que se refere ao projetode emancipação humana, uma função porta<strong>do</strong>ra da qualidade social quepostula a reinvenção <strong>do</strong> lazer como um tempo e espaço no e pelo qual oshomens poderão pôr em exercício lúdico toda sua potencialidade crítica,cria<strong>do</strong>ra e, acima de tu<strong>do</strong>, sociotransforma<strong>do</strong>ra.187


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Política de lazeraniaAqui se impõe a tarefa de nos determos sobre a relação que guardamentre si a estrutura econômica e a superestrutura política e ideológica historicamentedeterminada. A organização política, não obstante as estruturasdadas, joga peso fundamental na possibilidade de reveses na lógica de desenvolvimento<strong>do</strong> capitalismo. Afastamo-nos, de tal mo<strong>do</strong>, da interpretaçãoque concebe a superestrutura como espelho da estrutura. Esse tipo de leitura,economicista, como adverte Portelli (1990), pode facilmente nos conduzirà passividade política, protegi<strong>do</strong>s pela crença de que a evolução natural daestrutura nos levará inexoravelmente à transformação da superestrutura, tratadaentão como seu puro reflexo. Não se pode negar que a estrutura, dealgum mo<strong>do</strong>, determina a superestrutura. Mas o contrário também é verdade.Estrutura e superestrutura – talvez fosse melhor dizer estrutura-superestrutura – determinam-se mutuamente, constituin<strong>do</strong> momentos distintos davida social, porém, orgânicos à mesma totalidade histórica.Em sen<strong>do</strong> assim, a organização política e cultural que se desenvolveno plano da superestrutura pode muito bem se materializar comopráxis na e pela qual os homens se conscientizem e se posicionem anteas tensões que se desenvolvem no plano da estrutura. É justamente aíque se revela a dimensão estrutural da organização política e cultural,cuja centralidade está no trabalho, protoforma <strong>do</strong> universo da práxissocial. Seria idealismo atribuir o movimento da história apenas à consciênciae à ação política, independente das bases econômicas e materiaisque se impõem à organização da vida. Por outro la<strong>do</strong>, se admitimos quea superestrutura não é simples reflexo das condições estruturais, a possibilidadeda ação política entra em cena, poden<strong>do</strong> contribuir tanto paraa naturalização das desigualdades como para a conquista da autodeterminaçãopopular, para a radicalização da democracia e para o esforçoplaneja<strong>do</strong> de transformação social, reconhecen<strong>do</strong> as condições objetivasimpostas, mas toman<strong>do</strong>-as, ao mesmo tempo, como ponto de partidahistórico para a construção de uma nova sociedade.. Há de se reconhecer o peso das condições estruturais, mas sempre numa relação de unidadede contrários, no qual os <strong>do</strong>is pólos, ao mesmo tempo em que se necessitam, tambémse contraditam, por vezes, um se sobrepon<strong>do</strong> ao outro, todavia, algo que aconteceapenas em caráter transitório, de acor<strong>do</strong> com o momento histórico específico.188


política e lazer: interfaces e perspectivasO agir revolucionário não é o imperativo de uma capacidadeadestrada para fazer a história, mas o engajamento numconflito de resulta<strong>do</strong> incerto. [...] Para cada época, o presentehistórico representa o coroamento de uma história consumadae a força inaugural de uma aventura que (re)começa. Trata-sede um presente propriamente político, estrategicamente identifica<strong>do</strong>com a noção de circunstâncias “encontradas, dadas,transmitidas” nas quais “os homens fazem sua própria história”.A política é o mo<strong>do</strong> desse fazer. [...] Politizada, a históriatorna-se inteligível a quem quer agir para mudar o mun<strong>do</strong>.“A política passa <strong>do</strong>ravante à frente da história” (BENSAID,1999, p. 109-133).Para que mudanças sociais mais significativas aconteçam, noentanto, são necessárias condições objetivas e subjetivas favoráveis,sobressain<strong>do</strong> uma ou outra, a depender da realidade contextual e <strong>do</strong>momento histórico. Nesta perspectiva, nos limites de um país cuja sociedadecivil já se encontra fortalecida ou em vias de fortalecimento– como julgamos ser o caso <strong>do</strong> Brasil a partir da redemocratização –,a “guerra de posições”, de acor<strong>do</strong> com Gramsci (1976), traduz a melhorestratégia que a organização e a luta <strong>do</strong>s setores populares pode edeve assumir, disputan<strong>do</strong> a sociedade política e reclaman<strong>do</strong> a conduçãodas políticas sociais, toman<strong>do</strong>-as como um poderoso instrumentoe força mobiliza<strong>do</strong>ra da transformação. Fazer das políticas sociais umespaço de participação significa, deste mo<strong>do</strong>, colocar em evidência adimensão das condições subjetivas, conferin<strong>do</strong> importância à ação políticade sujeitos coletivos que, mesmo dentro de uma estrutura social. Conforme destaca Amaral (2004, p. 4), na década de 1980, depois de um longo perío<strong>do</strong>ditatorial, quan<strong>do</strong> tem início o processo de redemocratização, “o cenário nacional concedeuespaço para duas conquistas em relação à participação: constituiu-se um campodemocrático no interior da sociedade civil forma<strong>do</strong>, sobretu<strong>do</strong>, pelos movimentos popularese pelos movimentos sociais pluriclassistas, que desenvolveu uma cultura políticade mobilização e de pressão direta para encaminhar suas demandas. A outra conquistafoi a abertura de canais de participação da população em assuntos que dizem respeito àadministração pública”. Também para a autora, isto teria aberto caminho para a guerrade posições em torno da possibilidade da gestão participativa das políticas públicas,incluso as políticas de lazer.189


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)dada, podem jogar um peso importante na conquista de posições emreforço à luta hegemônica pelo estabelecimento de novos parâmetrospara a organização das relações de poder e da vida comum.As políticas sociais podem resultar num dialético empurrão dasuperestrutura sobre a estrutura, contribuin<strong>do</strong> para deslegitimaçãoideológica da segunda. Articulada à luta mais ampla por uma parametrizaçãosocialmente referenciada para o conjunto das políticas públicas,a disputa hegemônica em torno das políticas de lazer revela-se,desta forma, como a estratégia mais apropriada – e, vale dizer também,necessária – para pôr em marcha a construção de alternativas aoprocesso de mercantilização que apanha o lazer. Tal disputa deve setraduzir, portanto, por uma articulação que busque pautar as políticasde lazer pela organização de diferentes formas de sociabilidade, forjan<strong>do</strong>práticas, valores e comportamentos verdadeiramente solidários,buscan<strong>do</strong>, a partir da especificidade <strong>do</strong> trabalho e da intervenção quese operam no e pelo lazer, contribuir para o desenvolvimento de umahumanidade renovada.Mas a política social é apenas uma dimensão da política pública, cobran<strong>do</strong>,assim, uma política econômica condizente com o projeto de desenvolvimentohumano que se preconiza, impon<strong>do</strong> limites à lógica mercantilque hoje comanda a “despolitização” <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Nacionais. Política socialrequer compromisso econômico. É bom que se dê atenção a isto, pois asatuais políticas econômicas não têm nada de sociais. Ao contrário, são políticasde exclusão. Porquanto, o crescimento econômico sustenta<strong>do</strong> pauta<strong>do</strong>pela distribuição socialmente justa de nossas riquezas é instrumentoindispensável na construção de mecanismos de resgate da dívida social <strong>do</strong>país. Na mesma direção, para que as políticas de lazer sejam capazes depromover a democratização de seu acesso, que é um direito de to<strong>do</strong>s cidadãos,de mo<strong>do</strong> articula<strong>do</strong>, seria necessária uma reorientação política muitomais ampla, tanto no plano social como na esfera econômica, a começarpelo combate ao abuso <strong>do</strong> sobretrabalho, o que visa reduzir a participação<strong>do</strong> trabalho no tempo de vida <strong>do</strong>s brasileiros.Estamos, com isso, elegen<strong>do</strong> a problemática <strong>do</strong> tempo livre comouma das prioridades para a “política de lazerania”. Tal política reclama,assim, uma política econômica que tenha como meta o crescimento da190


política e lazer: interfaces e perspectivasprodução combina<strong>do</strong> com a redistribuição da renda para a promoção<strong>do</strong> menor tempo de trabalho. Isto porque o aumento <strong>do</strong> tempo livre éum pressuposto para o desenvolvimento <strong>do</strong> lazer. Neste ínterim, comoreivindica Antunes (1999, p. 177), “a luta pela redução da jornada outempo de trabalho deve estar no centro das ações no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalhohoje, em escala mundial”, pois a contenção <strong>do</strong> sobretrabalho, no planomais imediato, tem o potencial de minimizar o desemprego estrutural.Há de se advertir, no entanto, que a diminuição <strong>do</strong> tempo de trabalhonão pode resultar em rebaixamento de salário, como normalmenteacontece. À redução da jornada deve ser somada a ampliação <strong>do</strong> rendimentoda população trabalha<strong>do</strong>ra .Com salários maiores, o estímulo ao abuso <strong>do</strong> sobretrabalhodecresce [...]. A luta pelo tempo livre deve vir acompanhadada melhor distribuição de renda, por meio da elevação <strong>do</strong>srendimentos <strong>do</strong> trabalho, da modificação <strong>do</strong> sistema tributárioe de transferência de renda. Quanto mais se valorizaro rendimento <strong>do</strong> trabalho, maiores são as possibilidades de ohomem transitar da atividade laboral para a inatividade, embusca <strong>do</strong> tempo livre (POCHMANN, 2002, p. 111-112).Nesse senti<strong>do</strong>, a proposta da redução da jornada de trabalho,sem corte de salários, para que possa responder às efetivas necessidadespresentes no cotidiano da classe trabalha<strong>do</strong>ra, deve ter comobase argumentativa principal a criação de novos empregos, até porque,frente ao contexto de desemprego estrutural que assola o país, esta éuma reivindicação suficientemente capaz de mobilizar a opinião públicaa seu favor. Mas deve ainda incluir o combate ao preconceito contraa inatividade, pautan<strong>do</strong>-se também pela necessidade de universalização<strong>do</strong> direito ao tempo livre entre os trabalha<strong>do</strong>res. Como defende aCUT, a luta <strong>do</strong> trabalho para to<strong>do</strong>s passa pela idéia de se trabalhar me-. Neste ponto, as duas maiores centrais sindicais brasileiras, CUT e Força Sindical, apresentamproposições diferentes para a redução da jornada. A CUT propõe redução da jornada de trabalhode 44 para 40 horas, sem redução de salário. Já a Força Sindical defende a redução dajornada de 44 para 36 horas, mediante acor<strong>do</strong> entre trabalha<strong>do</strong>res, empresários e governo, coma redução de salários, lucro e impostos. Para saber mais, ver Mascarenhas (2002).191


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)nos para que to<strong>do</strong>s trabalhem. No entanto, é preciso dizer, ao mesmotempo, que a luta pela redução da jornada não é somente uma luta pormais empregos. Constitui, igualmente, uma luta por mais tempo livrepara que os trabalha<strong>do</strong>res possam se dedicar à família, envolverem-seem programas educativos e de lazer, ou simplesmente, entregarem-seao descanso e à contemplação .Porém, essa luta pelo direito ao trabalho em tempo reduzi<strong>do</strong>e pela ampliação <strong>do</strong> tempo fora <strong>do</strong> trabalho (o chama<strong>do</strong>“tempo livre”), sem redução de salário – o que, faça-se umparênteses, é muito diferente de flexibilizar a jornada, umavez que esta se encontra em sintonia com a lógica <strong>do</strong> capital– deve estar intimamente articulada à luta contra o sistema demetabolismo social <strong>do</strong> capital que converte o “tempo livre”em tempo de consumo para o capital, onde o indivíduo é impeli<strong>do</strong>a “capacitar-se” para melhor “competir” no merca<strong>do</strong>de trabalho, ou ainda a exaurir-se num consumo coisifica<strong>do</strong> efetichiza<strong>do</strong>, inteiramente desprovi<strong>do</strong> de senti<strong>do</strong> (ANTUNES,1999, p. 178).A disciplina <strong>do</strong> trabalho instituída pela razão instrumental e oprocesso de mercantilização da vida constituem empecilhos para que apauta <strong>do</strong> direito ao tempo livre e ao lazer seja colocada em alto e bomsom ao la<strong>do</strong> da luta pela redução da jornada. Se de um la<strong>do</strong> a inatividadecontinua sen<strong>do</strong> associada à preguiça e à vadiagem, de outro,o lazer, majoritariamente subordina<strong>do</strong> à lógica <strong>do</strong> consumo, muitasvezes acaba por ser considera<strong>do</strong> um luxo. Assumi<strong>do</strong>s subjetivamentedesta forma, tempo livre e lazer continuam, assim, fora da pauta maisimediata de reivindicações <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res. Diante disso, como formade contrapor à pressão pelo trabalho e à venalidade generalizada. Vale lembrar que a ampliação <strong>do</strong> tempo livre, para além da redução da jornada – que incidediretamente sobre o tempo livre <strong>do</strong> final <strong>do</strong> dia –, demanda também políticas trabalhistas queassegurem o descanso semanal remunera<strong>do</strong> e as férias – ou seja, o tempo livre <strong>do</strong> final de semanae o tempo livre <strong>do</strong> final de ano –, direitos que, no contexto das políticas neoliberais, vêmsen<strong>do</strong> duramente ataca<strong>do</strong>s. Isto sem falar de uma política previdenciária que assegure aposenta<strong>do</strong>riadigna ao conjunto <strong>do</strong>s brasileiros, o que possibilitaria aos i<strong>do</strong>sos o bom aproveitamento<strong>do</strong> tempo livre <strong>do</strong> final da vida.192


política e lazer: interfaces e perspectivasno terreno da fruição e <strong>do</strong>s divertimentos, a intervenção pública é fundamental,forjan<strong>do</strong> parte das condições necessárias para uma outramentalidade, com aumento <strong>do</strong>s programas e espaços públicos volta<strong>do</strong>spara o lazer.As praças públicas, os centros de recreação e de cultura popular,entre tantas outras atividades [possíveis] de fortalecimento<strong>do</strong> uso emancipatório <strong>do</strong> tempo livre, constituem algunsexemplos de que a inatividade somente pode ser aprofundadase houver o que fazer fora <strong>do</strong> trabalho tradicional, principalmentefunda<strong>do</strong> na existência de mecanismos de financiamento<strong>do</strong> tempo livre. De outra forma, lamentavelmente, deverá sercada vez mais o shopping center o local privilegia<strong>do</strong> <strong>do</strong> exercício<strong>do</strong> ócio não-criativo, pratica<strong>do</strong> apenas pelos que têm dinheiro(POCHMANN, 2002, p. 112-113).O problema consiste, então, em ampliar o tempo livre e os rendimentosda população trabalha<strong>do</strong>ra sem, no entanto, contribuir parareafirmar a mercantilização da vida através <strong>do</strong> estímulo ao consumo <strong>do</strong>“mercolazer”. Mas se a contradição que se apresenta é a <strong>do</strong> público versuso priva<strong>do</strong>, nada mais desafia<strong>do</strong>r <strong>do</strong> que sustentar uma política quetenha a compreensão <strong>do</strong> lazer como um direito social básico de to<strong>do</strong>s, oque requer a ampliação <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> público no senti<strong>do</strong> da “repolitização”<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no tocante à sua responsabilidade social quanto ao custeiodesta mesma política. No entanto, isso esbarra na recuperação da capacidadeestatal para conduzir políticas sociais alternativas. Por enquanto,os investimentos <strong>do</strong> setor priva<strong>do</strong> são de longe maiores que aquelesrealiza<strong>do</strong>s pelo setor público, caben<strong>do</strong>, ao segun<strong>do</strong>, o financiamento <strong>do</strong>primeiro.Há, assim, a necessidade de se pôr freios ao crescimento desordena<strong>do</strong>da grande indústria <strong>do</strong> lazer, com medidas que envolvem desdea possibilidade de taxação sobre os lucros <strong>do</strong> setor, a fim de imporlimites à concentração <strong>do</strong> “capital diverti<strong>do</strong>”, até o retorno gradual<strong>do</strong>s impostos sobre a transferência de lucros e importação de máquinase equipamentos de lazer, hoje, algo desonera<strong>do</strong>, o que constituiriaum duro golpe na dinâmica monopolista <strong>do</strong> “mercolazer”. Mas seria193


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)preciso, ainda, redirecionar o financiamento público destina<strong>do</strong> aos negócios<strong>do</strong> lazer. Em vez de patrocinar o desenvolvimento concêntrico<strong>do</strong> “mercolazer” – como, por exemplo, na concessão de empréstimospelo BNDES para a construção de shoppings, parques temáticos oumega-empreendimentos turísticos –, o fun<strong>do</strong> estatal deveria investirna ampliação <strong>do</strong> acesso ao microcrédito para cooperativas e políticade subsídios para as pequenas empresas de lazer com atividades efetivamenteorientadas para a promoção da cultura lúdica, <strong>do</strong> bem-estarhumano, da dignidade das pessoas e <strong>do</strong> respeito à natureza.Uma “política de lazerania” deve estar articulada ainda a umapolítica de cidades. Isso porque é cada vez mais evidente a reconfiguraçãoimposta à geografia de nossas urbes pela dinâmica expansiva <strong>do</strong>“mercolazer”. Como as formas de apropriação da cidade expressamo mo<strong>do</strong> das relações de produção, desenvolvimento desigual, concentração,exclusão etc., tu<strong>do</strong> isso está presente também no mo<strong>do</strong> devida urbano. Nesse senti<strong>do</strong>, é o poder <strong>do</strong> dinheiro e da especulaçãoque traça o desenho das cidades. E aí, o “capital diverti<strong>do</strong>” se fazemblemático. Com seus shoppings, parques, restaurantes, paisagensmercantilizadas, clubes-con<strong>do</strong>mínio etc., alarga fronteiras, cria e combinafluxos, estabelece migrações, privatiza espaços públicos, delimitazonas de exclusão e flexibiliza territórios. Por isso a necessidade depolíticas de planejamento urbano voltadas à questão da distribuição<strong>do</strong>s espaços e equipamentos de lazer, procuran<strong>do</strong>, de um la<strong>do</strong>, acabarcom o movimento especulativo em torno <strong>do</strong>s novos empreendimentosde “mercolazer” e, de outro, ampliar as possibilidades de lazer acessíveispara o conjunto da população.Para tanto, deve-se interromper o sucateamento e a privatização<strong>do</strong>s equipamentos públicos de lazer – parques, estádios, ginásios,teatros, centros culturais etc. –, o que pode muito bem se viabilizaràs custas de um fun<strong>do</strong> cria<strong>do</strong> a partir da tributação <strong>do</strong>s serviços de“mercolazer”, com o financiamento público garantin<strong>do</strong> o seu uso em. Sabemos que a política de fun<strong>do</strong>s restringe responsabilidades <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, muitas vezes substituin<strong>do</strong>a alocação de percentuais efetivos de recursos constitucionais para a garantia de direitos.Pode ainda levar a uma gestão de pouca transparência, com instrumentos e mecanismos decontrole público insuficientes, um desafio a ser enfrenta<strong>do</strong> pelos setores sociais organiza<strong>do</strong>s.Entretanto, diferentemente da educação, para citar um exemplo, cujo financiamento é assegu-194


política e lazer: interfaces e perspectivascaráter aberto, gratuito e polivalente, organiza<strong>do</strong> por uma “política delazerania” atenta às riquezas <strong>do</strong> universo cultural e lúdico das diferentesregiões e locais, com gestão compartilhada com a sociedade civilorganizada e engajamento pedagógico de educa<strong>do</strong>res coletivos multiprofissionaisem programas de lazer-educação. De outro la<strong>do</strong>, no tocanteainda à necessidade de ampliação quantitativa <strong>do</strong>s equipamentosde lazer disponíveis à população, deve também ser considerada a possibilidadede parcerias com setores não-mercantis liga<strong>do</strong>s ao “lazer associativo”– clubes, entidades recreativas, agremiações culturais etc.O papel <strong>do</strong> associativismo na difusão <strong>do</strong> lazer, sobretu<strong>do</strong> <strong>do</strong>esporte, na história de nosso país, como se sabe, foi decisivo. Oexemplo <strong>do</strong>s clubes é emblemático. Alargan<strong>do</strong> a esfera de sociabilidade,amplian<strong>do</strong> as redes de convivência e definin<strong>do</strong> critérios depertencimento, além de forjar novos mo<strong>do</strong>s de vida entre a população,eles constituíam uma forma de realizar a diferenciação dequem era quem entre os membros das classes e distintos grupamentosque compunham nossa sociedade 10 . Alguns se popularizaramatravés <strong>do</strong> futebol e passaram a reunir legiões de torce<strong>do</strong>res.A paixão pelos times de futebol no Brasil acabou por se tornar umelemento constitutivo da identidade nacional, em maior ou menorescala, fazen<strong>do</strong> com que determina<strong>do</strong>s clubes fossem incorpora<strong>do</strong>sao patrimônio cultural <strong>do</strong> país. Essa história nos deixou não só umaherança repleta de simbologia e tradição em torno <strong>do</strong>s clubes, mastambém uma vasta estrutura física de equipamentos cuja capilaridadee potencial aglutina<strong>do</strong>r não devem ser menospreza<strong>do</strong>s.Afora os clubes, vale ainda falar das entidades recreativas de classeque, sob o ideário da política econômica <strong>do</strong> regime militar, com opropósito de amenizar os conflitos entre capital e trabalho, minar a rera<strong>do</strong>através de vinculação orçamentária, os gastos com lazer encontram-se pulveriza<strong>do</strong>s pelosmais diferentes setores e esferas de governo, o que, soman<strong>do</strong>-se à falta de tradição em nossopaís de aportes governamentais diretos em ações nesta área, normalmente estimuladas atravésde subvenções – como é o caso <strong>do</strong> SESI e <strong>do</strong> SESC – e de políticas de renúncia fiscal – como éo caso <strong>do</strong>s clubes e entidades recreativas de classe –, justificaria, como medida de curto prazo,a criação de um fun<strong>do</strong> específico a fim de ampliar o acesso da população ao lazer.10. Para saber mais sobre a invenção, utilização e propagação <strong>do</strong> esporte e <strong>do</strong> lazer como critérios,ao mesmo tempo, de identificação e diferenciação social, ver Hobsbawm (1992).195


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)presentatividade e desviar a capacidade de mobilização <strong>do</strong> movimentosindical, receberam demasia<strong>do</strong> impulso por parte <strong>do</strong> governo federaldurante os anos de 1970 11 . De igual mo<strong>do</strong>, apesar da instrumentalização<strong>do</strong> lazer no senti<strong>do</strong> moralista, utilitário e compensatório, o sal<strong>do</strong> quetal ação deixou para o país no que se refere à capacidade instalada paraas práticas de lazer é inegável. Isto sem mencionar, como bem percebeSant’Anna (1994), o potencial que tais equipamentos de lazer, de outrola<strong>do</strong>, possuem para sediar programas socioeducativos como estratégiade atração e organização política <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res. Ocorre que tantoos clubes como as entidades e associações recreativas de classe, hojenão mais contan<strong>do</strong> com os incentivos e auxílio governamental, vivem àmingua frente à luta concorrencial dada pelo avanço <strong>do</strong> “mercolazer”,constituin<strong>do</strong> uma opção para o tempo livre cada vez menos prestigiadaentre a população das grandes e médias cidades brasileiras, o que setraduz pela evasão de sócios, pela perda de receita e pelo sucateamentode sua estrutura.A solução encontrada por alguns poucos clubes e associaçõesdiante de tais dificuldades tem si<strong>do</strong> a modernização conserva<strong>do</strong>ra– diga-se, solução de merca<strong>do</strong> –, hibridizan<strong>do</strong> mercantilização e associativismo,aderin<strong>do</strong>, assim, à lógica <strong>do</strong> “mercolazer”, o que, de formageral, contribui ainda mais para a sua consolidação como paradigma<strong>do</strong>s serviços de lazer disponibiliza<strong>do</strong>s à população. Uma “política delazerania” deve estar atenta a esta situação, crian<strong>do</strong>, se necessário,mecanismos de salvaguarda e, até mesmo, de fomento – o que podeincluir medidas de subsídio – para o “lazer associativo”. Em contrapartida,tais entidades devem se colocar como parceiras desta política,participan<strong>do</strong> e disponibilizan<strong>do</strong> infra-estrutura mais equipamentospara a implementação de programas e ações de governos. Ao mesmotempo, deve ser exigida a a<strong>do</strong>ção de mecanismos que visem a garantir11. O decreto n o 67.227, de 21 de setembro de 1970, exemplifica a preocupação <strong>do</strong> governo. “Oitem II deste decreto estabelece que o governo concede empréstimos financeiros às entidadessindicais para a construção, reforma, ampliação ou aquisição de sedes, escolas, colônias deférias, campos de esportes, clubes recreativos etc. Além disso, fornece incentivos à realizaçãode atividades culturais, recreativas e cívicas e à produção de concursos intersindicais quevisem a estabelecer a emulação sadia quanto às atividades culturais, esportivas e educativas”(SANT’ANNA, 1994, p. 29).196


política e lazer: interfaces e perspectivasa transparência e a democratização da gestão, com o estabelecimentode normas para a descentralização e alternância de poder e a efetivaçãode práticas participativas nas tomadas de decisão, o que pode contribuirpara o enfraquecimento <strong>do</strong> autoritarismo e <strong>do</strong> patrimonialismoque habitam tais instituições 12 .Admitin<strong>do</strong> ainda a incapacidade estrutural por parte <strong>do</strong> setorpúblico naquilo que diz respeito à <strong>do</strong>tação orçamentária, à estruturafísica e aos recursos humanos disponíveis tanto para a universalizaçãodas oportunidades de lazer como para garantir a implementaçãoe o funcionamento de programas de abrangência nacional, e, de outrola<strong>do</strong>, consideran<strong>do</strong> que boa parte de programas e projetos sociais delazer desenvolvi<strong>do</strong>s no país encontram-se pulveriza<strong>do</strong>s nas ações de“lazer filantrópico” – em sua maioria, ancoradas em ofertas empobrecidasde “mercolazer”, levadas a cabo pelo terceiro setor e entidadescom caracterização jurídica mista, como é o caso <strong>do</strong> SESI e <strong>do</strong> SESC–, vale a iniciativa de submeter tais segmentos ao controle social público,fixan<strong>do</strong> parâmetros e diretrizes para tal. Em outros termos, istosignifica instituir certas referências de qualidade para a avaliação oficialde projetos e programas sociais de lazer.Assim, a avaliação em proposição deixa de ser meramente quantitativa,como aquela conduzida pelas políticas focalistas de cunho assistencialistaque se preocupam apenas ou prioritariamente com o númerode atendimentos realiza<strong>do</strong>s pelos projetos ou programas. Não se checa,de tal mo<strong>do</strong>, nem se a intervenção tem atingi<strong>do</strong> os próprios objetivose metas aos quais se propôs atingir. Aliás, o projeto político-pedagógico,muitas vezes inexistente, é outro baliza<strong>do</strong>r para a avaliação. Istoporque as experiências socialmente referenciadas são as que reforçama participação de to<strong>do</strong>s os segmentos constitutivos da comunidade na12. Ainda que distante de uma gestão autenticamente participativa, baseada numa proposta dedemocracia consultiva de interação com os sócios, ancorada numa concepção de racionalizaçãocomunicativa, a experiência <strong>do</strong> Sistema AABB – atualmente com uma rede de 1.267 AABB’se 250.000 associa<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong> o Brasil –, enquadran<strong>do</strong>-se num processo que Riede e Bramante(2003) chamaram de ação gerencial dialógica – ou gestão social –, merece atenção como umaalternativa concreta e aparentemente bem sucedida de modernização que tem parcialmenteconsegui<strong>do</strong> escapar às soluções de merca<strong>do</strong> e estabelecer um diferente padrão administrativopara o funcionamento <strong>do</strong>s clubes sociais recreativos.197


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)elaboração, implementação e acompanhamento <strong>do</strong> seu projeto. Fazsenecessário romper com a prática estritamente formal e burocráticaque tem nortea<strong>do</strong> a avaliação das políticas de lazer. Sem descuidar daeficácia em termos distributivos, uma “política de lazerania”, para serautêntica, tem de se ocupar com o desenvolvimento de tecnologias sociaisde avaliação suficientemente capazes de detectar os limites e aspotencialidades que os mais diversos programas e projetos de lazer têmapresenta<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> de atingir uma maior qualidade social no caminhoda educação e da emancipação humana.A qualidade social almejada para os programas e projetos delazer, governamentais ou não, traduz-se, portanto, por um padrão deexcelência e adequação às reais necessidades da maioria da populaçãobrasileira, ten<strong>do</strong> como princípios e valores ético-políticos fundamentaisa solidariedade, a justiça, a autonomia, a liberdade e, por conseguinte,a inclusão social. A orientação geral colocada para o que estamos chaman<strong>do</strong>de política de “lazerania” consiste, nesse senti<strong>do</strong>, em convertera maior quantidade possível de espaços, equipamentos, projetos e programasde lazer em verdadeiras casamatas da vontade coletiva. Pressupõea organização <strong>do</strong> lazer como mais um espaço de exercício para aautodeterminação popular rumo a uma nova direção política, da reformaintelectual e moral para uma nova direção cultural, com indivíduose coletividades protagonizan<strong>do</strong> a luta popular pela emancipação frenteàs estruturas de <strong>do</strong>minação e alienação, conquistan<strong>do</strong>, dia-a-dia, umaparticipação cidadã que acumula experiências, saberes, habilidades, méto<strong>do</strong>s,enfim, instrumentos de poder que reivindicam direitos, reconhecemdeterminações e reclamam transformações.Amplian<strong>do</strong> o leque de preocupações, diante <strong>do</strong> desmedi<strong>do</strong>avanço das atividades de lazer voltadas ao ecoturismo – com ênfasenos chama<strong>do</strong>s esportes de aventura ou esportes na natureza –, umcrescimento que está intimamente liga<strong>do</strong> às necessidades expansionistase à criatividade destrutiva <strong>do</strong> capital, advertimos para o fato de queuma “política de lazerania” deve estar atenta também para a questão<strong>do</strong> lazer ambiental ou práticas de lazer na natureza. Uma vez que o“mercolazer” – de maneira especial, aquela modalidade representadapelos esportes de aventura e esportes na natureza –, transformou-se na198


política e lazer: interfaces e perspectivasgrande vedete <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> <strong>do</strong> turismo, agregan<strong>do</strong> diversão e consumoao patrimônio natural de várias cidades, torna-se urgente a criação deuma rígida legislação, com instrumentos de fiscalização condizentes,para a proteção <strong>do</strong> meio ambiente, impon<strong>do</strong> novas regras e limites aoprocesso de mercantilização das paisagens naturais em curso, inclusoaí para instalação de equipamentos.É necessário ainda tornar obrigatória por parte das empresasque operam no setor – sem descuidar <strong>do</strong>s empreendimentos realiza<strong>do</strong>spor municípios, fundações, ONG’s, cooperativas etc. – a realizaçãode investimentos em educação ambiental, isto sem falar da igualnecessidade de criação de mecanismos democráticos e participativosde controle social para o acompanhamento deste tipo de atividade. Porseu turno, frente à subordinação de diversas localidades às exigênciasimpostas pela indústria cultural globalizada – o que ocorre não sópelos hábitos, valores, costumes e comportamentos difundi<strong>do</strong>s pelosconsumi<strong>do</strong>res e turistas que chegam e que passam 13 , mas, também,pela estrutura de hospedagem, comércio e diversão que, além de provocara privatização <strong>do</strong> espaço público, transfiguram por completo aeconomia local – medidas para a proteção da organização comunitária,das tradições e das produções culturais constituem outro cuida<strong>do</strong>imprescindível.Outro problema que merece consideração diz respeito à precariedadedas relações de trabalho em atividades de lazer. Ao la<strong>do</strong>da dificuldade de se definir quem é o trabalha<strong>do</strong>r <strong>do</strong> lazer, o queconstitui enorme empecilho tanto para o reconhecimento social destetrabalha<strong>do</strong>r como para que ele próprio se perceba como tal, aenorme heterogeneidade inerente à base flexível <strong>do</strong>s serviços de lazercoloca grandes obstáculos para a organização destes trabalha<strong>do</strong>resem torno da luta por direitos e por proteção legal para sua atividade.Dispersos nos mais varia<strong>do</strong>s segmentos <strong>do</strong>s serviços de lazer – muitostradicionais, alguns bastante peculiares e outros até marginaliza-13. Conforme denuncia Sant’Anna (2001, p. 62), “o turista não carrega apenas suas roupas e equipamentosde diversão dentro da mala. Ele porta seus valores, suas expectativas e intolerâncias.Por vezes, ele leva consigo a vontade ou o hábito de ser trata<strong>do</strong> como um rei, o que implicaconsiderar que as populações locais estão onde estão para servi-lo. Afinal, é usual o argumentode que em férias não há dever, só direitos”.199


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)<strong>do</strong>s –, na luta entre capital e trabalho, sindicalmente desorganiza<strong>do</strong>s,tais trabalha<strong>do</strong>res ficam à mercê das condições de oferta abundante deforça de trabalho que pesa a favor <strong>do</strong>s empresários. A fim de se revertero quadro de reduzi<strong>do</strong> nível salarial, de péssimas condições de trabalho ede baixo padrão de vida que apanha a maior parte destes trabalha<strong>do</strong>res,o combate à informalidade deve ser prioridade, o que pode se efetivarcom políticas de trabalho específicas, que não devem ser confundidascom as <strong>do</strong> segmento organiza<strong>do</strong> de trabalho. Isto não significa fazera opção pela flexibilização trabalhista, no oposto, visa criar condiçõese fixar metas para a progressiva extensão da regulamentação social <strong>do</strong>trabalho ao conjunto <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res de lazer.Agora, uma dúvida que ainda fica em aberto refere-se à já conhecidadificuldade para se delimitar o campo de abrangência <strong>do</strong> lazer,o que pode causar certa indefinição na divisão e atribuição de responsabilidadespara a elaboração, implementação e acompanhamento daspolíticas e das ações sugeridas 14 . É bom que se diga que na base destaindefinição está a própria transversalidade das políticas de lazer. Aliás,de setoriais, tais políticas têm muito pouco. Justamente por serem transversais,além de um conjunto de regulamentações econômicas, ecológicas,sociais, políticas e culturais, cobram uma articulação intersetorial,pois perpassam os diferentes setores da administração pública e níveisde governo. Exigem ações gerais no campo da educação, <strong>do</strong> esporte, dacultura, da saúde, <strong>do</strong> meio ambiente, <strong>do</strong> turismo etc., sempre orientadaspara o desenvolvimento econômico combina<strong>do</strong> ao desenvolvimentosocial e humano.Todavia, se não estabelecemos algum tipo de centralidade, podeficar parecen<strong>do</strong> que o lazer está em to<strong>do</strong>s os lugares e, ao mesmotempo, não está em lugar nenhum. Isto quer dizer que no quadro maisamplia<strong>do</strong> das atribuições <strong>do</strong>s diferentes setores de governo, o lazerdeve ser pensa<strong>do</strong> a partir de algum ponto de partida. Indiscutivelmente,as políticas de lazer devem ser objeto da área social, embora,14. Tal indefinição se evidencia, conforme aponta Marcellino (1987), pela própria confusão sugeridapela denominação <strong>do</strong>s órgãos públicos responsáveis pela condução das políticas de lazer,varian<strong>do</strong> de esta<strong>do</strong> para esta<strong>do</strong> e de município para município, através das secretarias ou divisõesde “<strong>Esporte</strong> e Lazer”, “Recreação e Lazer”, “Turismo e Lazer”, “Turismo, Lazer e MeioAmbiente”, “Lazer, Parques e Jardins”, “Cultura e Lazer”, “Educação, Cultura e Lazer” etc.200


política e lazer: interfaces e perspectivascomo já menciona<strong>do</strong>, também mereçam atenção da área econômica.Dentro da área social, por compreendemos o lazer como uma práticaessencialmente educativa, poderíamos muito bem eleger o setor daeducação como locus privilegia<strong>do</strong> e centro irradia<strong>do</strong>r de uma “políticade lazerania”. Mas vale lembrar que, em nosso país, a atribuição destesetor está, tradicional e prioritariamente, circunscrita a ações no âmbitoda educação formal, inclusive <strong>do</strong> ponto de vista legal. Em sen<strong>do</strong>assim, uma vez que na experiência política brasileira é recorrente aassociação <strong>do</strong> lazer à recreação e ao esporte, o que se soma à forterepresentação que ainda se tem deste fenômeno como uma atividade,comumente relaciona<strong>do</strong> às práticas corporais, avaliamos que aspolíticas de lazer podem ser pensadas e potencializadas a partir <strong>do</strong>fenômeno esportivo.É óbvio que tal estratégia não deve ser gerida pela via da “esportivização”<strong>do</strong> lazer, mas de ter no setor <strong>do</strong> esporte – talvez fossemelhor falar em setor de esporte e lazer – o centro de organização daspolíticas de lazer. Como componente da identidade cultural brasileirae uma das práticas sociais mais significativas da contemporaneidade,quan<strong>do</strong> trata<strong>do</strong> sob a perspectiva da educação 15 , conforme salientaCasttellani Filho (1998), o esporte possui um potencial enorme paramobilizar interesses, ativar a participação, possibilitar acertos, valorizaravanços, desafiar o pensamento, melhorar a auto-estima, instalaro entusiasmo e despertar a confiança. A prática esportiva pode, detal mo<strong>do</strong>, viabilizar-se como um importante tempo e espaço de sociabilidadee de construção de uma consciência individual e coletivarepresentativa de uma nova relação entre corpo, conhecimento e sensibilidade,expressão de um projeto de educação multilateral.Nesse senti<strong>do</strong>, sobram predica<strong>do</strong>s e legitimidade ao setor <strong>do</strong> es-15. Tal advertência se faz necessária, pois é corrente nas várias esferas de governo, tradicionalmentepartidário de uma visão que liga esportes à educação, a crítica ao modelo desportivobrasileiro, e a todas as suas contradições, . Avaliam: “Segun<strong>do</strong> esta visão, o esporte é um subconjuntoda formação educacional <strong>do</strong>s indivíduos e não uma atividade humana com potencialempresarial enorme. (...) Contu<strong>do</strong>, esta situação vem-se alteran<strong>do</strong> e observa-se uma verdadeirarevolução no esporte brasileiro, onde velhas práticas começam a ser aban<strong>do</strong>nadas e novas formasde atuação são consagradas” (KASZNAR & GRAÇA FILHO, 2002, p. V). Diga-se, depassagem, que as velhas práticas acima mencionadas correspondem, exatamente, à participação<strong>do</strong> esporte na formação educacional.201


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)porte para chamar para si o papel de agente de coordenação, articulaçãoe difusão das políticas de lazer <strong>do</strong> país, desenvolven<strong>do</strong> ações transversaisque garantam o diálogo e a integração entre os diferentes setores– educação, cultura, saúde, meio ambiente, turismo etc. – e esferas degoverno 16 . Portanto, uma “política de lazerania” estruturada a partir <strong>do</strong>fenômeno esportivo deve apontar para a organização de projetos e programascujo tom não seja nem de formação de atletas, de treinamentodesportivo, de aptidão física, ou mesmo, de recreação – tal qual jáconhecemos –, mas, contemplan<strong>do</strong> também estas dimensões, aliadasà arte, à música, à comunicação, à vida na natureza, ao bem estar e àqualidade de vida, à saúde, aos cuida<strong>do</strong>s com o corpo etc., fazerem-secomo projetos e programas para a apropriação coletiva, lúdica, crítica ecriativa das diversas manifestações que compõem o patrimônio culturalbrasileiro, incorporan<strong>do</strong> novas formas de apreender, viver, explicar eorganizar a vida social.Para a efetivação de uma política que, além de reafirmar a responsabilidade<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> quanto à universalização <strong>do</strong> direito ao lazer,apóie-se em uma compreensão intersetorial de gestão, minimizan<strong>do</strong>problemas como pulverização e sobreposição de ações, a proposiçãode um fórum nacional sintoniza<strong>do</strong> com conselhos populares instituí<strong>do</strong>sem to<strong>do</strong>s os níveis de governo – federal, estadual e municipal –,caracterizan<strong>do</strong>-se como órgãos colegia<strong>do</strong>s, de caráter consultivo, normativo,deliberativo e fiscaliza<strong>do</strong>r, representativo das comunidades esportivase de lazer, constitui-se, então, como mais uma grande tarefa.16. Há aqui de se observar que a confusão anteriormente citada, referente à responsabilidade pelaspolíticas de lazer variarem de acor<strong>do</strong> com o Esta<strong>do</strong> e Município, muitas vezes pode ser justificadapela tradição e especificidade regional e local. Num Esta<strong>do</strong>, por exemplo, como o Acre,onde o desenvolvimento <strong>do</strong> lazer está intimamente liga<strong>do</strong> à questão ambiental, uma “políticade lazerania” deve estar diretamente articulada a uma “política de florestania”, o que justificauma composição setorial que leve à criação de uma “Secretaria de Meio Ambiente e Lazer” oude uma “Secretaria de Meio Ambiente, Turismo e Lazer”, neste segun<strong>do</strong> caso, se o desenvolvimento<strong>do</strong> lazer for estimula<strong>do</strong> pelo viés <strong>do</strong> ecoturismo. Já num município como Tiradentes-MG, um outro exemplo, em que pre<strong>do</strong>mina a tradição de práticas de lazer pre<strong>do</strong>minantementeartísticas e culturais, a composição pode ser outra, demandan<strong>do</strong> talvez uma “Secretaria deCultura e Lazer”. De qualquer mo<strong>do</strong>, no quadro mais geral, no conjunto maior <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s eMunicípios brasileiros, ainda pensamos ser apropria<strong>do</strong> pôr a centralidade das políticas sociaisde lazer no esporte, tanto por tradição como pelo potencial educativo e enorme capacidade demobilização que tal fenômeno desperta.202


política e lazer: interfaces e perspectivasApontamos, deste mo<strong>do</strong>, para a possibilidade de um Sistema Nacionalde <strong>Esporte</strong> e Lazer concebi<strong>do</strong> como expressão institucional <strong>do</strong> esforçoorganiza<strong>do</strong>, autônomo e permanente da sociedade civil organizada,priman<strong>do</strong> sempre pela integração das políticas para o setor e diversidadenas ações de governo, balizan<strong>do</strong>-se por princípios como a ética,a democracia e a participação, sem descuidar de sua eficiência e da necessidadede ampliação quantitativa <strong>do</strong>s espaços e equipamentos paraa fruição social <strong>do</strong> lazer, mas voltan<strong>do</strong> atenção, principalmente, para aqualidade e conquista de uma cidadania socialmente organizada.E, por fim, não podemos esquecer que nem tu<strong>do</strong> no Brasil sãopolíticas neoliberais. Temos que prestar mais atenção nas políticas que,de algum mo<strong>do</strong>, explicitam um projeto contra-hegemônico, afirman<strong>do</strong>a cidadania e o desenvolvimento humano. Referimo-nos às experiênciasdemocrático-populares de administração pública – principalmente,aquelas desenvolvidas na esfera municipal – que já põem em exercíciopolíticas verdadeiramente transforma<strong>do</strong>ras e emancipatórias, contu<strong>do</strong>,muitas vezes sem avançar ainda no entendimento e construção de proposiçõesmais críticas ao campo específico de intervenção no âmbito <strong>do</strong>lazer. Isto sem falar da devida pesquisa e análise que merecem as práticasde lazer espontâneas verdadeiramente solidárias e, muitas vezes,até explosivas, que brotam no cenário das periferias de nossas grandese médias cidades, com toda sua tensão, tecen<strong>do</strong> vínculos entre trabalho,exclusão, inclusão e educação.Por uma pedagogia crítica <strong>do</strong> lazerUma “política de lazerania”, para que realmente possa se fazerefetiva, necessita de uma estratégia pedagógica que lhe corresponda.Dizemos isso, pois muitas vezes o lazer é compreendi<strong>do</strong> a partir deuma visão espontaneísta 17 , o que, via de regra, nutri a recusa ante uma17. A visão espontaneísta <strong>do</strong> lazer pode se traduzir por distintos enfoques, dentre os quais destacamos:o enfoque subjetivista, por conceber o lazer como vivência de um esta<strong>do</strong> subjetivo de liberdade eexpressão da personalidade; o individualista, por considerar que o lazer pertence somente à esfera <strong>do</strong>indivíduo, independente da coletividade social; e o liberal, por ver no lazer um tema priva<strong>do</strong> o quala sociedade não pode determinar seu emprego pessoal (MUNNÉ, 1980).203


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)ação sistemática e teleológica no campo. Há de se advertir, no entanto,que qualquer prática educativa, inclusive no âmbito <strong>do</strong> lazer, alémde expressar uma determinada compreensão de mun<strong>do</strong>, de homem ede sociedade, está submetida a relações hegemônico-pedagógicas queimplicam em tensões, disputas e conflitos de interesse. Nesse senti<strong>do</strong>,a fim de materializar uma intencionalidade ético-política balizadapelos princípios da planificação, da participação, da autonomia, daliberdade, da justiça, da democracia, <strong>do</strong> bem estar etc., na ponta da intervenção,onde o lazer de fato acontece, também é preciso organização.Sem o auxílio de uma pedagogia com viés crítico, transforma<strong>do</strong>re emancipatório, não há, portanto, possibilidades de que uma “políticade lazerania” possa de fato vir a vingar.Acontece que se buscarmos no campo <strong>do</strong> lazer referências para aconstrução de tal proposta pedagógica, o que há indica<strong>do</strong> como subsídiomais atual para a implementação de políticas de lazer é a estratégiada animação sociocultural. Muito difundida no Brasil a partir de instituiçõescomo o SESI e o SESC a partir da década de 1970 e, posteriormente,<strong>do</strong>s anos 1990 em diante, assimilada e incorporada às políticaspúblicas de lazer de alguns municípios, tal proposta parece ter se des<strong>do</strong>bra<strong>do</strong>em pelo menos duas tendências, uma conserva<strong>do</strong>ra e outra reformista.De um la<strong>do</strong>, a animação se caracteriza como base operacionalde funcionalização sistêmica <strong>do</strong> lazer para o desenvolvimento de setoresde vida pelo princípio da auto-ajuda, e, de outro, apresenta-se comoestratégia para garantir a difusão <strong>do</strong>s bens simbólicos historicamenteinstituí<strong>do</strong>s sob a ótica da difusão cultural 18 . Afora este par, para Melo eAlves Junior (2003), existiria ainda uma terceira perspectiva. Apoia<strong>do</strong>sem classificação construída por Bernet (1997), sugerem a existênciade uma animação dialética, esta sim, verdadeiramente preocupada comtransformações estruturais.O paradigma dialético entende a animação como construçãode uma democracia cultural. O anima<strong>do</strong>r considera a realidadecomo base no contexto em que ela se apresenta, tentan<strong>do</strong>18. Embora estas duas tendências sejam apresentadas aqui em separa<strong>do</strong>, cada qual portan<strong>do</strong> característicasque lhes são próprias, há de se dizer que elas não necessariamente se excluem. Elementosde uma e de outra podem aparecer sincretiza<strong>do</strong>s numa só proposta ou política de lazer.204


política e lazer: interfaces e perspectivasinterpretá-la de forma global, complexa, dialética e diacrônica.Identifican<strong>do</strong> a realidade como historicamente construída,está preocupa<strong>do</strong> com que o conhecimento também seja .socialmente situa<strong>do</strong>, sempre em busca de despertar novasconsciências. [...] A partir daí, espera-se gerar uma açãotransforma<strong>do</strong>ra e emancipa<strong>do</strong>ra (MELO & ALVES JÚNIOR,2003, p. 63).Ocorre que se tal formulação sinaliza uma ação crítica e transforma<strong>do</strong>ra,falta-lhe, contu<strong>do</strong>, base empírica de referência na realidadebrasileira 19 . Olhan<strong>do</strong> para as experiências que vêm servin<strong>do</strong> de parâmetropara as várias iniciativas no campo da animação socioculturalem nosso país, dentre as quais merecem destaque aquelas sistematizadaspor Requixa (1973) e Marcellino (1994, 1996) 20 , constata-se ainfluência <strong>do</strong> modelo de desenvolvimento comunitário que, conformechama atenção Brandão (1984, p. 38), com um tipo de ação politicamenteesvaziada, é incapaz de promover “mais que efeitos epidérmicosde melhorias das condições de vida no interior de estruturas inalteradasde exploração <strong>do</strong> trabalho e expropriação <strong>do</strong> poder <strong>do</strong> povo”.Quan<strong>do</strong> muito, criticam o formato de atividades previamente organizadase defendem a educação e o desenvolvimento cultural a partirda tomada de decisões consciente ante os conhecimentos, normas evalores transmiti<strong>do</strong>s pelos meios de comunicação de massa.Diante disso, temos defendi<strong>do</strong> que a ressiginificação das práticaseducativas no campo <strong>do</strong> lazer deve comportar o diálogo com outras referências.O que estamos queren<strong>do</strong> dizer é que se é mesmo possível uma19. Destaca-se que a própria apresentação <strong>do</strong> suposto paradigma dialético de animação, construídapor Melo e Alves Junior (2003), e apesar de trazer contribuições importantes para pensarmosnas possibilidades da experiência estética no âmbito <strong>do</strong> lazer, não aparece articulada a nenhumasistematização propositiva, nem mesmo a uma discussão pedagógica.20. Muito embora se perceba em N. Marcellino uma postura que o distancia das chamadas abordagensfuncionalistas de lazer, que se expressam pela ação comunitária, defenden<strong>do</strong> o lazercomo um <strong>do</strong>s campos possíveis de contra-hegemonia (MARCELLINO, 1987) e desenvolven<strong>do</strong>uma concepção educativa baseada no componente lúdico <strong>do</strong> lazer, denominan<strong>do</strong>-a pedagogiada animação (MARCELLINO, 1997), nos escritos menciona<strong>do</strong>s (MARCELLINO, 1994;1996), acaba se reaproximan<strong>do</strong> de Requixa (1973), não conseguin<strong>do</strong> traduzir para sua propostade animação sociocultural tal concepção e elementos de crítica.205


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)“animação de novo tipo”, dialética e transforma<strong>do</strong>ra, o nosso ponto departida deve se outro. Há de se partir daquilo que há de mais desenvolvi<strong>do</strong>no Brasil, como concepção pedagógica progressista no âmbito da educaçãonão-formal, para podermos avançar com uma “pedagogia crítica <strong>do</strong>lazer”. E tal concepção, em nossa análise, está colocada pelo lega<strong>do</strong> dasformulações freirianas que se vão acompanhan<strong>do</strong> de várias outras e queconvencionalmente se chamam educação popular 21 . Inspira<strong>do</strong>s, portanto,pelos pressupostos teórico-meto<strong>do</strong>lógicos sistematiza<strong>do</strong>s no campo daeducação popular, podemos operar com a idéia de um “lazer problematiza<strong>do</strong>r”,reclaman<strong>do</strong> o ambiente, a disponibilidade e as condições paraque a reflexão elaborada e gerada a partir da vivência da cultura lúdicabusque assegurar às classes populares a apropriação de um sabercorrespondente às suas experiências e reais necessidades, possibilitan<strong>do</strong>-lheso desenvolvimento de habilidades e valores necessários à suaautodeterminação como sujeito coletivo. Esta pedagogia privilegia oconhecimento que emerge da própria experiência de vida das classespopulares, e que é inventa<strong>do</strong> por elas mesmas, reforçan<strong>do</strong> seu poderde transformar a realidade. Esse conhecimento que consta de seu universolúdico deve ser trata<strong>do</strong> pedagogicamente a fim de articular macro emicro-relações, no senti<strong>do</strong> de alargar sua capacidade de decidir sobre asestratégias, lutas e formas mais apropriadas para o estabelecimento de novasregras sociais. Seguin<strong>do</strong> essa premissa, a “pedagogia crítica <strong>do</strong> lazer”materializa uma prática educativa que visa robustecer a resistência e aluta das classes populares alimentan<strong>do</strong>-se de suas próprias experiênciase tradições. Inscreve-se dentro de uma dinâmica cultural já existentecomo pedagogia que se propõe a contribuir para que elas possamdesenvolver – ou seja, expressar, valorizar, criticar, enriquecer, reformularetc. – coletivamente suas formas de aprender e explicar a vidasocial, buscan<strong>do</strong> valorizar as práticas e valores emancipatórios quebrotam de sua cotidianidade.Assumir tal perspectiva significa ver o processo de organizaçãoda cultura lúdica também como um terreno marca<strong>do</strong> por lutas simbó-21. Muito embora as bases para a concepção de educação popular de P. Freire possam ser encontradasao longo de toda sua obra, o debate meto<strong>do</strong>lógico que confere sustentação a tal concepçãotem maior visibilidade em suas publicações iniciais. Ver Freire (1980, 1983a, 1983b).206


política e lazer: interfaces e perspectivaslicas e concretas, o que coloca para os programas e projetos de lazera necessidade de uma postura orgânica às classes populares, visan<strong>do</strong>aglutinar os movimentos sintoniza<strong>do</strong>s com o projeto de qualificaçãoda condição de existência humana – e que podem ser distintos movimentosde negros, movimentos ecológicos, movimentos homossexuais,movimentos da juventude, movimentos feministas, movimentoscomunitários, movimentos religiosos etc. – em torno da luta <strong>do</strong> trabalhocontra o capital, buscan<strong>do</strong> conferir-lhes mais vitalidade e forçaliberta<strong>do</strong>ra. Nessa direção, a intervenção pedagógica <strong>do</strong> lazer deve ultrapassaros limites da ação cultural, deven<strong>do</strong> se articular à realidadesocioeconômica, visan<strong>do</strong> à superação das atuais condições materiaisde existência a que estão submetidas as classes populares.Espera-se, assim, que os sujeitos envolvi<strong>do</strong>s em tal proposta reconheçam-nacomo tempo e espaço de resistência e organização política,tanto em relação às possibilidades de ocupação e vivência <strong>do</strong>lazer, como em relação ao encaminhamento de estratégias de mudança,e no que toca à necessidade de democratização <strong>do</strong> acesso à fruição<strong>do</strong>s bens culturais como no que se refere à participação na produção,reprodução, sistematização e difusão da cultura, nas decisões políticase na condução da vida social. Para tanto, a fim de que se criem as condiçõespara a democracia participativa, é preciso romper com a baseoperacional piramidal sobre a qual tradicionalmente se estruturam aspropostas e programas de lazer, com anima<strong>do</strong>res de competência geralgerencian<strong>do</strong> pelo alto suas ações, anima<strong>do</strong>res de competência específicasupervisionan<strong>do</strong>-as mais de perto e anima<strong>do</strong>res voluntários debase fazen<strong>do</strong> a ligação na ponta <strong>do</strong> trabalho. Uma “pedagogia crítica<strong>do</strong> lazer” requer a organização coletiva <strong>do</strong> trabalho pedagógico, semabdicar da divisão de atribuições e responsabilidades, mas compreenden<strong>do</strong>que todas pessoas engajadas no trabalho com o lazer 22 , comoeduca<strong>do</strong>r coletivo, e também o grupo envolvi<strong>do</strong> na própria vivência <strong>do</strong>lazer, estão liga<strong>do</strong>s mutuamente por relações e dependências diretas.22. Vale dizer que o trabalho com o lazer, na perspectiva em questão, lida, necessariamente, com oenvolvimento de grupos, e requer, sim, o engajamento voluntário em maior ou menor escala deindivíduos e coletividades. No entanto, isto não pode justificar a dispensa da figura <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>rprofissional atuan<strong>do</strong> com diretividade e presença permanente em to<strong>do</strong> processo de trabalho,principalmente na ponta da intervenção.207


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Ao buscar a construção de um méto<strong>do</strong> que subsidie a abordagemde programas e projetos de lazer, temos de optar por uma estratégia .que pressuponha a superação de antigos modelos de intervenção pedagógicaassenta<strong>do</strong>s no espírito de desenvolvimento comunitário. Umapolítica de lazer sintonizada com interesses democrático-populares devepautar-se pela construção e valorização de propostas teórico-meto<strong>do</strong>lógicasque problematizam as contradições e condições concretas de vida<strong>do</strong> grupo com que se trabalha, ven<strong>do</strong> no lazer mais um instrumento deempoderamento das classes populares, o que constitui alternativa paraa recriação e superação das atuais propostas de lazer 23 . Para fazermos<strong>do</strong> lazer um tempo e espaço volta<strong>do</strong>s para o exercício da cidadania e daparticipação social, é fundamental que avancemos neste ponto, com aproposição e sistematização de meto<strong>do</strong>logias que tenham na dinâmicada realidade econômica, política e cultural seu critério de verdade, identifican<strong>do</strong>desafios, antecipan<strong>do</strong> possibilidades e abrin<strong>do</strong> caminho parauma conquista deveras incompleta, a “lazerania”.Referências bibliográficasAMARAL, Silva Cristina Franco. Políticas públicas de lazer: existe possibilidade de umagestão participativa? Campinas: fotocopia<strong>do</strong>, 2004.ANTUNES, Ricar<strong>do</strong>. Os senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação <strong>do</strong>trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.BENSAID, Daniel. Marx, o intempestivo: grandezas e misérias de uma aventura crítica(séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.BERNET, Jaume Trilla. Animación sociocultural: teorías, programas y ámbitos. Barcelona:Ariel, 1997.BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Da educação fundamental ao fundamental na educação”In Pensar a prática: escritos de viagem e estu<strong>do</strong>s sobre a educação. São Paulo: Loyola,1984. p. 13-62.CASTELLANI FILHO, Lino. Política educacional e educação física. Campinas: AutoresAssocia<strong>do</strong>s, 1998.23. Vale aí localizar experiências que possam nos deixar ensinamentos para tal construção. Emtrabalho anterior, a partir de uma experiência específica de intervenção, pudemos sistematizaralgumas indicações propositivas de caráter teórico-meto<strong>do</strong>lógico na direção de uma “pedagogiacrítica <strong>do</strong> lazer”. Ver Mascarenhas (2003). Já no âmbito de políticas de lazer implementadasem âmbito municipal que dialogam com a concepção freireana de educação popular, contribuiçõessignificativas podem ser localizadas em Santos, Moreira e Sousa (2002) e Silva e Silva(2004), referentes, respectivamente, à experiência democrático-popular de gestão das cidadesde Belém-PA, 1997-2004, e de Recife-PE, 2001-2004.208


política e lazer: interfaces e perspectivasFREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação. 3. ed. São Paulo:Moraes, 1980.________. Educação como prática da liberdade. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1983.________. Pedagogia <strong>do</strong> oprimi<strong>do</strong>. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Esta<strong>do</strong> moderno. 2. ed. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1976.HOBSBAWM, Eric. A era <strong>do</strong>s impérios: 1875-1914. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1992.KASZNAR, István; GRAÇA FILHO, Ary. O esporte como indústria: solução para criação deriqueza e emprego. Rio de Janeiro: CBV, 2002.MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e educação. Campinas: Papirus, 1987.________. Capacitação de anima<strong>do</strong>res sócio-culturais. Campinas: Unicamp; Brasília:Ministério da Educação e <strong>do</strong> Desporto, 1994.________. “Pressupostos de ação comunitária – estruturas e canais de participação” In________ (Org.). Políticas públicas setoriais de lazer: o papel das prefeituras. Campinas:Autores Associa<strong>do</strong>s, 1996. p. 39-42.________. Pedagogia da animação. Campinas: Papirus, 1997.MASCARENHAS, Ângela Cristina Belém. O trabalho e a identidade política da classetrabalha<strong>do</strong>ra. Goiânia: Alternativa, 2002.MASCARENHAS, Fernan<strong>do</strong>. Lazer como prática da liberdade: uma proposta educativapara a juventude. Goiânia: Ed. UFG, 2003.________. “‘Lazerania’ também é conquista: tendências e desafios na era <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>”.Movimento, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p. 73-90, mai./ago. 2004.________. Entre o ócio e o negócio: teses acerca da anatomia <strong>do</strong> lazer. Tese (Doutora<strong>do</strong>em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual deCampinas, Campinas, 2005.MELO, Victor Andrade de; ALVES JUNIOR, Edmun<strong>do</strong> de Drummond. Introdução aolazer. Barueri: Manole, 2003.MÉSZÁROS, István. Para além <strong>do</strong> capital. Rumo a uma teoria da transição. Campinas:Unicamp; São Paulo: Boitempo, 2002.________. “Economia, política e tempo disponível: para além <strong>do</strong> capital” In Margem esquerda:ensaios marxistas, São Paulo, n. 1, p. 93-124, mai. 2003.MUNNÉ, Frederic. Psicosociología del tiempo libre: un enfoque crítico. México: Trillas, 1980.NOGUEIRA, Marco Aurélio. “As três idéias de sociedade civil, o Esta<strong>do</strong> e a politização”In COUTINHO, C. N.; TEIXEIRA, A. P. (Orgs.). Ler Gramsci, entender a realidade. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 215-233.POCHMANN, Marcio. E-trabalho. São Paulo: Publisher Brasil, 2002.PORTELLI, Hugues. Gramsci e o bloco histórico. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.209


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)REQUIXA, Renato. Lazer e ação comunitária. São Paulo: SESC, 1973.RIEDE, Antonio Sérgio; BRAMANTE, Antonio Carlos. “Realinhamento <strong>do</strong>s fatores críticosde sucesso na gestão de clubes social-recreativos basea<strong>do</strong> no conhecimento <strong>do</strong>ssistemas internos e externos: o caso das AABB’s” In Licere, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, p.29-45, set. 2003.SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. O prazer justifica<strong>do</strong>: história e lazer (São Paulo,1969/1979). São Paulo: Marco Zero; Brasília: MCT-CNPq, 1994.________. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. SãoPaulo: Estação Liberdade, 2001.SANTOS, Dalva; MOREIRA, Fátima; SOUSA, Roseli. (Orgs.). <strong>Esporte</strong>, arte e lazer emBelém - sob o olhar <strong>do</strong>s que fazem. Belém: SEMEC; Graphitte Editores, 2002.SILVA, Jamerson Antonio de Almeida da; SILVA, Katharine Ninive Pinto. Círculos popularesde esporte e lazer: fundamentos da educação para o tempo livre. Recife: Bagaço,2004.SNYDERS, Georges. A alegria na escola. São Paulo: Manole, 1988.210


capítulo viiiFormação de agentes sociais:os núcleos de esporte e lazer <strong>do</strong>Distrito Federal e entornoJuarez Oliveira SampaioPedro Osmar Flores de Noronha Figueire<strong>do</strong>Leandro Casarin DalmasDori Alves JúniorDaniel Cantanhede BehmoirasHeberth da Silva MustafaJulio César Cabral da CostaIntroduçãoO presente trabalho tem como objetivo apresentar uma propostade formação, ainda em fase de desenvolvimento, que vemsen<strong>do</strong> realizada desde maio de 2005, com os Agentes Sociais <strong>do</strong>Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade, <strong>do</strong> Distrito Federal, e cidades<strong>do</strong> Entorno.211


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)A formação no Distrito Federal é coordenada pela Faculdade deEducação Física da Universidade de Brasília, por meio <strong>do</strong> NECON– Núcleo de Estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Corpo e Natureza.Antes de entrarmos na especificidade meto<strong>do</strong>lógica que caracterizaa formação <strong>do</strong>s agentes sociais <strong>do</strong> Distrito Federal é fundamentalque façamos um breve histórico a respeito de como surgiu a idéia de nostornarmos os responsáveis por esse processo de formação. O NECONfoi cria<strong>do</strong> em 2002, ten<strong>do</strong> como objetivo desenvolver e consolidar estu<strong>do</strong>s,pesquisas e intervenções volta<strong>do</strong>s para a construção da compreensãodas práticas corporais, numa perspectiva interdisciplinar entre aEducação Física e as Ciências Sociais.Dentro <strong>do</strong> Necon há projetos de pesquisa e um projeto de intervençãono contexto escolar, o Projeto Cultura Corporal e Educação Ambiental.Quan<strong>do</strong> fomos convida<strong>do</strong>s para a coordenação da formação <strong>do</strong>sagentes sociais <strong>do</strong> Distrito Federal pela Secretaria Nacional <strong>do</strong> Desenvolvimento<strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e <strong>do</strong> Lazer (SNDEL) <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, emjaneiro de 2005, estávamos, naquele momento, desenvolven<strong>do</strong> uma meto<strong>do</strong>logiade orientação aos alunos que faziam e fazem atualmente intervençãono contexto escolar. Os alunos vão para a realidade escolar com aintenção de observá-la, de registrá-la, ao mesmo tempo em que planejamcoletivamente com a finalidade de intervir sobre ela.O objetivo <strong>do</strong> projeto é a intervenção intencionalizada e reflexiva.Os alunos, ainda sem experiência, adquirem a responsabilidade deaprender fazen<strong>do</strong>, viven<strong>do</strong> as contradições peculiares <strong>do</strong> cotidiano dasaulas de educação física. A idéia é a formação em processo, ir para arealidade escolar intervir sobre ela e, entre uma intervenção e outra,refletir coletivamente numa perspectiva de constantes superações daprática pedagógica, de forma fundamentada.Essa meto<strong>do</strong>logia, que influenciou o modelo da formação <strong>do</strong>sAgentes Sociais <strong>do</strong>s Núcleos de <strong>Esporte</strong> e Lazer, baseia-se notoriamenteem uma perspectiva de formação continuada. Houve um redimensionamentodas estratégias de acompanhamento, planejamento participativo eavaliação <strong>do</strong> Projeto Cultura Corporal e Educação Ambiental para o campo<strong>do</strong> Lazer, na formação <strong>do</strong>s Agentes Sociais; ou seja, se a escola é umespaço privilegia<strong>do</strong> de apropriação da cultura de forma crítica, o espaço212


política e lazer: interfaces e perspectivas<strong>do</strong> Lazer também o é. Diante dessa lógica, é importante que se pergunte:intervenção fundamentada em que princípios?Um importante princípio característico desta proposta é a opçãode intervenção nas classes mais desfavorecidas economicamente. Esseprincípio tem a ver com a tendência pedagógica crítico-supera<strong>do</strong>ra.A tendência crítico-supera<strong>do</strong>ra foi a primeira concepção a tratar daEducação Física numa perspectiva de classes, diferencian<strong>do</strong> a classetrabalha<strong>do</strong>ra da classe <strong>do</strong>minante. Como afirma o Coletivo de Autores(1992), cada classe social tem os seus interesses, que são diferentes eantagônicos: “Os interesses imediatos da classe trabalha<strong>do</strong>ra, na qualse incluem as camadas populares, correspondem à sua necessidade desobrevivência, à luta <strong>do</strong> cotidiano pelo direito ao emprego, ao salário, àalimentação, ao transporte, à habitação, à saúde, à educação, enfim àscondições dignas de existência” (Coletivo de Autores, 1992: 24).Os interesses da classe <strong>do</strong>minante correspondem a: “Necessidadede acumular riquezas, gerar mais renda, ampliar o consumo, o patrimônio,etc... correspondem à necessidade de garantir o poder para manter aposição privilegiada que ocupa na sociedade... Sua luta é pela manutenção<strong>do</strong> status quo” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 24).Essa tendência pedagógica traz para o campo da Educação Físicaum posicionamento intencional no trato <strong>do</strong> conhecimento conecta<strong>do</strong>aos interesses da classe trabalha<strong>do</strong>ra..Mas o que isso tem a ver com os Núcleos de<strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade?O público alvo <strong>do</strong> projeto de intervenção nas escolas que a UnBvem desenvolven<strong>do</strong> tem características semelhantes à da comunidadeatendida pelo Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade, ou seja, são damesma classe social, são fruto da classe trabalha<strong>do</strong>ra de baixa renda emuitos ainda são provenientes de invasões e assentamentos, viven<strong>do</strong>abaixo da linha da pobreza .. A pobreza (trabalha<strong>do</strong>res que têm a renda mensal de até meio salário mínimo) atingiu noBrasil, em 2002, a expressiva quantidade de 49, 2 milhões da população (IPEA, 2006).213


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Dialogan<strong>do</strong> com o grupo LEPEL/FACED da Universidade Federalda Bahia, que também discute a formação de agentes sociais,porém com outra denominação, os Militantes Culturais, vemos que:(...) Pertencer ou não, estar incluí<strong>do</strong> ou não, estar excluí<strong>do</strong>ou não, na escola, nas atividades culturais, sejam quais foremelas, em uma sociedade organizada em classes sociais requersabermos a que classe social estamos nos referin<strong>do</strong>. Estamosnos referin<strong>do</strong> aos detentores <strong>do</strong>s meios de produção ou aosque vendem a sua força de trabalho para poderem sobreviver?Estamos falan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s 20% da sociedade que detém mais de70 % <strong>do</strong>s bens, ou <strong>do</strong>s demais 80 % que detém menos de 30% <strong>do</strong>s bens e dependem para sobreviver de um forte protagonismo<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> na implementação de políticas públicas?(TAFFAREL, MIMEO, s/d, p. 1).A partir da clareza da desigualdade social à luz dessas reflexõesacima é que entendemos a proximidade da Universidade de Brasíliacom os princípios <strong>do</strong> programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade que, porsua vez, faz a opção de direcionar as políticas sociais para as camadasda população excluídas de diretos sociais essenciais.Reforçan<strong>do</strong> essa lógica, o Manual de Orientação (2004) <strong>do</strong> Ministério<strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, que discorre sobre os princípios <strong>do</strong> Programa <strong>Esporte</strong>e Lazer da Cidade, enfatiza:“O Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidadenasceu com o objetivo de responder a questões amplamente detectadasno quadro social brasileiro indicativas de que parcelas significativas dapopulação brasileira não têm acesso ao lazer, compreendi<strong>do</strong> como tempode vivências lúdicas e espaço de apropriação crítica da cultura” (MINIS-TÉRIO DO ESPORTE, Manual de Orientação, p. 8).Nesta perspectiva, é que houve a aproximação entre Universidadede Brasília e Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> (ME), no que se refere à formação.Outro da<strong>do</strong> histórico importante é que em dezembro de 2005a Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília, por meio<strong>do</strong> NECON credenciou-se ao Centro de Desenvolvimento de Estu<strong>do</strong>s<strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e <strong>do</strong> Lazer (Rede CEDES), possibilitan<strong>do</strong> a viabilidade de214


política e lazer: interfaces e perspectivasuma maior produção e difusão <strong>do</strong> conhecimento científico e tecnológiconas áreas <strong>do</strong> esporte (numa perspectiva pedagógica e recreativa)e <strong>do</strong> lazer.Desta forma, o grupo de formação que antes havia se constituí<strong>do</strong>a partir <strong>do</strong> NECON transforma-se em um “braço” de formação daRede CEDES..Características <strong>do</strong> Coletivo de Articula<strong>do</strong>resde FormaçãoHá <strong>do</strong>is coordena<strong>do</strong>res liga<strong>do</strong>s à rede CEDES e mais dez forma<strong>do</strong>resque denominamos de articula<strong>do</strong>res de formação, que são alunosda especialização, especialistas e mestran<strong>do</strong>s da Faculdade de EducaçãoFísica e da Faculdade de Educação, e integrantes <strong>do</strong> Projeto CulturaCorporal e Educação Ambiental. O que é mais significativo relatar sobreesse grupo é que, além de estarem liga<strong>do</strong>s à vida acadêmica, atuamem ONGs voltadas para a promoção <strong>do</strong> desenvolvimento de políticaspúblicas no âmbito <strong>do</strong> lazer e no ambiente escolar. No quadro de articula<strong>do</strong>reshá professores com experiência na Gestão Municipal de <strong>Esporte</strong>e Lazer da Prefeitura de Recife (2003 a 2005) e também no desenvolvimentode Trabalho Técnico-Social em políticas de desenvolvimentourbano (desde 2003).Isso garante uma maior aproximação e compreensão da realidadevivida pelos agentes sociais e pela comunidade atendida pelo programa.Sob a coordenação de representantes da Rede CEDES, os dezarticula<strong>do</strong>res de formação se reúnem sistematicamente na Universidadede Brasília, priorizam coletivamente as discussões que devem serlevadas a cada Núcleo de <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade, em encontrosdescentraliza<strong>do</strong>s e centraliza<strong>do</strong>s (seminários, palestras entre outros).O trabalho <strong>do</strong>cente comunitário reflete algumas característicaspróprias, diferentes <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>cente escolar. Essas característicasirão permear uma Organização <strong>do</strong> Trabalho Pedagógico diferencia<strong>do</strong>,além de uma intervenção social de acor<strong>do</strong> com essa realidade. Com isso,a formação inicial e continuada também vai ao encontro das necessidadese demandas <strong>do</strong>s Agentes Sociais. Por isso, de forma didática, vamos215


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)discorrer sobre essa conjuntura na qual estão engloba<strong>do</strong>s os AgentesSociais de <strong>Esporte</strong> e Lazer e sua respectiva prática social.Os Agentes Sociais de <strong>Esporte</strong> e Lazer: Quem são?O que fazem?O Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade conta como ator deintervenção social e pedagógico, o Agente Social de <strong>Esporte</strong> e Lazer.“É ele que faz a articulação e dá a dinâmica para as atividades culturaisnecessárias ao desenvolvimento humano da população de cadacomunidade participante” (MINISTÉRIO DO ESPORTE, 2004, p.10). Os estu<strong>do</strong>s de Silva e Silva (2004) vêm ao encontro de nossosanseios, ao utilizar o que nos parece mais apropria<strong>do</strong>, a nomenclaturade Educa<strong>do</strong>res (as) Sociais de <strong>Esporte</strong> e Lazer, atentan<strong>do</strong> ao papelde educa<strong>do</strong>r, na mediação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e <strong>do</strong> contexto social para otrabalho coletivo e a auto-organização.Em trabalho recente, Taffarel (2005) e seu grupo de pesquisada LEPEL/FACED/UFBA tratam sobre os Agentes Sociais de <strong>Esporte</strong>e Lazer na Zona Rural, delinean<strong>do</strong> saberes e competências desse atorno contexto agrário com a necessidade da:... formação de Militantes Culturais que articulem a realizaçãode atividades de Lazer de forma a possibilitar a articulação destasatividades à construção <strong>do</strong> novo homem em processo pelaluta pela terra, um primeiro passo é resgatar e valorizar a identidadecultural dessas áreas, que se caracterizam por apresentarempeculiaridades que os diferenciam da zona urbana, comotambém da zona rural convencional. Entre essas característicasdestacamos: a luta pela terra, a defesa de um outro projeto desociedade e a luta pela construção <strong>do</strong> projeto anticapitalista, ea presença de pessoas de diversas regiões, que irão influenciarna nova configuração <strong>do</strong> território ocupa<strong>do</strong> (LEPEL/FACED/UFBA, 2005).216


política e lazer: interfaces e perspectivasComo indica o Manual de Orientação <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>,entende-se que no Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade:... as manifestações socioculturais, artísticas, intelectuais,físico-desportivas acontecem ten<strong>do</strong> como princípio agestão participativa e democrática, mediada pelos AgentesSociais de <strong>Esporte</strong> e Lazer, pessoas com formaçãomultiprofissional e perfil de mobiliza<strong>do</strong>res sociais, comlegitimidade junto à comunidade para, a partir de suasinserções, exercerem o papel de aglutina<strong>do</strong>res dessascomunidades e estimula<strong>do</strong>res dessas manifestações (MINIS-TÉRIO DO ESPORTE, Manual de Orientação, 2004, p. 11)..Os Agentes Sociais de <strong>Esporte</strong> e Lazer, compostos por professorescom nível superior, estudantes e leigos compõem um interessantequadro interdisciplinar e multiprofissional, que se articulacoletivamente para a construção e intervenção de saberes popularescom saberes acadêmicos, tratan<strong>do</strong> o <strong>Esporte</strong> e Lazer como direitossociais e a formação continuada como instrumentalização paraa Educação no e para o Tempo Livre. No Distrito Federal e noEntorno, atuam cerca de quase 300 Agentes Sociais de <strong>Esporte</strong> eLazer pelo Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer na Cidade, gerencia<strong>do</strong>s porum Consórcio de ONGs convenia<strong>do</strong> pelo Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>,por meio da Secretaria Nacional de Desenvolvimento <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> eLazer (SNDEL).Neste caso, sen<strong>do</strong> a formação continuada como um <strong>do</strong>s objetivosgerais dessa política pública setorial, afirma o compromisso de: “Oferecerformação continuada a professores, estudantes e Agentes Sociais de <strong>Esporte</strong>e Lazer com base em uma concepção de gestão pública democrática,visan<strong>do</strong> o trabalho em uma perspectiva intergeracional com crianças,a<strong>do</strong>lescentes, jovens, adultos e i<strong>do</strong>sos, pessoas com deficiência e pessoas. “Termo utiliza<strong>do</strong> para designar os agentes sociais, não diploma<strong>do</strong>s em curso superior deeducação Física, que atuem na condução de alguma das atividades físicas que o ConselhoFederal de Educação Física (Confef) considera prerrogativa de seus filia<strong>do</strong>s, comocapoeira, ioga, artes marciais, diferentes modalidades esportivas, musculação, dança(etc)” (SAUTCHUK, 2005).217


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)com necessidades educacionais especiais” (MINISTÉRIO DO ESPOR-TE, Manual de Orientação, 2004, p. 6).Após a I Conferência Nacional de <strong>Esporte</strong>, o Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>reconhece e legitima os Agentes Sociais de <strong>Esporte</strong> e Lazer, sen<strong>do</strong>este, alvo de polêmicas na II Conferência Nacional de <strong>Esporte</strong>, cercea<strong>do</strong>sde concepções: de um la<strong>do</strong> o Conselho Federal de EducaçãoFísica (CONFEF), que entende, em seu estatuto interno, porém semvalidade legal, que a área de atividade física precede de sua fiscalizaçãoe da atuação <strong>do</strong> profissional de Educação Física, e trata os AgentesSociais como leigos:Compete exclusivamente ao Profissional de Educação Física,coordenar, planejar, programar, prescrever, supervisionar, dinamizar,dirigir, organizar, orientar, ensinar, conduzir, treinar,administrar, implantar, implementar, ministrar, analisar,avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bemcomo, prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria,realizar treinamentos especializa<strong>do</strong>s, participar de equipesmultidisciplinares e interdisciplinares e elaborar informes técnicos,científicos e pedagógicos, to<strong>do</strong>s nas áreas de atividadesfísicas, desportivas e similares (Art. 12 da RESOLUÇÂO DOCONFEF 090/2004).Há outros movimentos da Educação Física, que atuam no campoda Cultura, <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e <strong>do</strong> Lazer, que contestam essas idéias defendidaspelo CONFEF.O Colégio Brasileiro de Ciências <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> (CBCE), o MovimentoNacional Contra a Regulamentação <strong>do</strong> Profissional deEducação Física (MNCR), a Frente Unida em Defesa pelas TradiçõesCulturais e da Educação (FNDTCE) e o Movimento Nacional<strong>do</strong>s Estudantes de Educação Física (MEEF) compreendemo esporte e lazer enquanto manifestações culturais construídas aolongo da história pela humanidade, não caben<strong>do</strong> ao campo da EducaçãoFísica ser o proprietário dessas manifestações. Isso evidenciauma correlação de forças na área, basea<strong>do</strong> em aspectos ideológicos,políticos e pedagógicos.218


política e lazer: interfaces e perspectivasÉ nessa perspectiva que se faz necessário contextualizar a formação<strong>do</strong>s agentes sociais com esta realidade repleta de tensões e contradições,para que, desta forma, os objetivos <strong>do</strong> Programa <strong>Esporte</strong>e Lazer da Cidade sejam materializa<strong>do</strong>s. Para isso, os gestores <strong>do</strong>snúcleos de esporte e lazer, bem como a comunidade, necessitam compreendera meto<strong>do</strong>logia da formação para que lhes seja dada a devidaimportância.Natureza da formaçãoOs Núcleos de <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade são resulta<strong>do</strong> de umacor<strong>do</strong> de cooperação entre o Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e entidades que jádesenvolvem junto à comunidade programas de acesso à cultura (esporte,dança, lutas, teatro, oficinas de artesanato, música entre outras manifestações).Esses núcleos recebem recursos financeiros <strong>do</strong> ME paraserem utiliza<strong>do</strong>s durante um perío<strong>do</strong> de dez meses. Há uma determinadaquantia reservada ao desenvolvimento da formação.O Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> tem uma política de formação para osAgentes Sociais de to<strong>do</strong> o Brasil. Segun<strong>do</strong> a Secretaria Nacional <strong>do</strong>Desenvolvimento <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e <strong>do</strong> Lazer (SNDEL), em seu <strong>do</strong>cumentooficial, que discorre a respeito das características da formação (MI-NISTÉRIO DO ESPORTE, s/d, p. 1), o trabalho de formação deveráser desenvolvi<strong>do</strong> em três módulos: Módulo introdutório, Módulo deAmpliação e Módulo de Aprofundamento.É sugeri<strong>do</strong> pelo Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> que a formação já tenhainício logo que se estabeleça o convênio com a entidade. Desta forma,o Módulo Introdutório acontece geralmente no início <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> de cooperaçãoentre o Ministério e a entidade, com uma carga horária de 32horas; o Módulo de Ampliação deverá acontecer logo após o término<strong>do</strong> Módulo introdutório e se diluir durante o perío<strong>do</strong> de dez meses, é acontrapartida da entidade conveniada, ou seja, não há recursos financeiros<strong>do</strong> ME envolvi<strong>do</strong>s nessa etapa de formação, é a própria entidadeque deve conduzir esse processo. Finalmente, o Módulo de Aprofundamentodeverá conter, assim como o módulo introdutório, 32 horas,219


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)e coincide com o término <strong>do</strong> convênio; nesse módulo, se discute deforma retrospectiva o programa como um to<strong>do</strong>. É um módulo que visaao aprofundamento <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>s no Módulo I, e tem umaperspectiva mais avaliativa, acontece também com recursos financeirosprovenientes <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> de cooperação com o ME.Em sua proposta, o Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> (FORMAÇÃO, s/d,p. 1) sugere para to<strong>do</strong> o território nacional um rol de conteú<strong>do</strong>s especifican<strong>do</strong>temas e ainda explicitan<strong>do</strong> aspectos meto<strong>do</strong>lógicos a seremdesenvolvi<strong>do</strong>s em cada módulo.No Módulo I, o introdutório, quatro unidades são propostaspela Secretaria Nacional <strong>do</strong> Desenvolvimento <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e <strong>do</strong> Lazer– SNDEL, quais sejam:• “Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade I;• Conhecimentos básicos sobre <strong>Esporte</strong> e Lazer: conceitos e perspectivas<strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade - I;• O <strong>Esporte</strong> e Lazer ao longo da vida – I;• O Planejamento Participativo – I”(MINISTÉRIO DO ESPORTE, FORMAÇÃO, s/d, p. 1).No Módulo de Ampliação, sob a responsabilidade exclusiva daentidade, deve-se, segun<strong>do</strong> o Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> (MANUAL DEFORMAÇÃO, s/d, p. 1), privilegiar as vivências das possibilidadesde conteú<strong>do</strong>s e atividades <strong>do</strong> programa, as especificidades das faixasetárias atendidas, características da inclusão e direitos sociais, e darcontinuidade ao planejamento coletivo e participativo.No Módulo de Aprofundamento, deve-se retomar e aprofundarem temas que foram prioriza<strong>do</strong>s no módulo introdutório: ConhecimentosBásicos sobre <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade II, O <strong>Esporte</strong> e Lazer aoLongo da Vida II e o Planejamento Participativo II. As ementas de cadaunidade também são bem demarcadas pela SNDEL.220


política e lazer: interfaces e perspectivasA especificidade da proposta da Faculdade deEducação Física – UnBA proposta da UnB toma como base as sugestões da políticade formação <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e acrescenta uma perspectivameto<strong>do</strong>lógica de maior envolvimento entre a universidade, os agentessociais, os núcleos aonde acontecem as atividades e a comunidade local.Duas características ajudam nesta relação, quais sejam: a primeiraé que as entidades conveniadas estão localizadas numa distância deaté 40 km da Universidade de Brasília isso facilita a possibilidade defazermos visitas aos núcleos para conhecer a realidade e, ao mesmotempo, desenvolver palestras e oficinas de maneira mais descentralizada;a outra, é que temos um coletivo de forma<strong>do</strong>res, assim podemosestar em vários locais diferentes ao mesmo tempo. Isso faz com quepossamos criar um núcleo de discussão centraliza<strong>do</strong> na Universidadede Brasília e descentralizar essas discussões de forma mais aceleradaem to<strong>do</strong>s os núcleos de esporte e lazer da cidade. O mesmo poderáacontecer nos seminários centraliza<strong>do</strong>s.A proposta tem, como base de sustentação, uma concepção queentende o <strong>Esporte</strong> e o Lazer como direitos sociais e, ao mesmo tempo,compreende também que o espaço-tempo destina<strong>do</strong> ao lazer é ummomento em que a comunidade deve ter a oportunidade de se apropriarde diferentes manifestações culturais, de forma lúdica, crítica econtextualizada social, histórica e politicamente.Segun<strong>do</strong> Mascarenhas (2004), o lazer como expressão <strong>do</strong> contraditórioencontra-se no avanço da sociedade neoliberal e globalizadaem duas vertentes: de um la<strong>do</strong> a expressão <strong>do</strong> lúdico, da fruição,fantasia, <strong>do</strong> prazer estético e da experiência; <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> da mesmamoeda, a busca pela satisfação imediata, a utilidade prática, o lucro ea alienação. O lazer é um “fenômeno tipicamente moderno, resultantedas tensões entre capital e trabalho, que se materializa como umtempo e espaço de vivências lúdicas, lugar de organização da cultura,perpassa<strong>do</strong> por relações de hegemonia” (MASCARENHAS apud MI-NISTÉRIO DO ESPORTE, 2004).O lazer vivencia<strong>do</strong> em seu potencial lúdico, pedagógico e produtivopode contribuir na elevação da consciência crítica da popula-221


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)ção, quan<strong>do</strong> considera o sujeito protagonista histórico da sociedadeem que vive. É consciente, ainda, de viver na sociedade capitalista, quese apropria <strong>do</strong> trabalho produtivo, fazen<strong>do</strong>-o vender a força de trabalhoe buscar a sobrevivência através <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> de livre concorrência,cujo objetivo principal é a obtenção da mais valia, ou seja, <strong>do</strong> lucro <strong>do</strong>patrão em detrimento da pobreza e miséria <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r (a).Uma das mais importantes manifestações <strong>do</strong> lazer na sociedadecontemporânea é o esporte – que, segun<strong>do</strong> Bracht (1996), quan<strong>do</strong> trata<strong>do</strong>como cultura de massa reproduz valores competitivos da sociedadeem que vivemos, manifestan<strong>do</strong>-se como reprodução e consumo de umproduto no tempo livre, enquanto que na cultura popular manifesta-sena qualidade de uma prática reflexiva que cria e recria seus valores esuas regras a partir da realidade vivida pelos sujeitos praticantes, em queo valor é expresso como valor de uso e não como valor de troca, construin<strong>do</strong>assim o trabalho socialmente útil no processo de libertação paraa emancipação humana, garantin<strong>do</strong> o acesso de to<strong>do</strong>s, independente daclasse social, gênero, raça, etnia etc.Desta forma, faz-se necessário que os agentes sociais envolvi<strong>do</strong>sno processo de formação tenham clareza <strong>do</strong>s objetivos e das possibilidadesde sua prática pedagógica, bem como <strong>do</strong> conhecimento deespecificidades da comunidade – anseios, aspirações e necessidades– para fundamentar e qualificar as suas ações no âmbito <strong>do</strong> Lazer..Objetivos da PropostaGeral• Desenvolver um programa de formação continuada para oseduca<strong>do</strong>res populares de esporte e lazer com base em uma concepçãocrítica de educação no e para o tempo livre.Específicos• Possibilitar a construção de uma visão crítica acerca <strong>do</strong> esportee <strong>do</strong> lazer e identificar as possibilidades de trabalho ten<strong>do</strong> o222


política e lazer: interfaces e perspectivaslazer como campo de intervenção e conhecimento;• Discutir os fenômenos esporte e lazer de forma crítica e contextualizadacom a realidade pedagógica <strong>do</strong>s educa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> programa<strong>Esporte</strong> e Lazer das Cidades <strong>do</strong> Entorno <strong>do</strong> Distrito Federale das comunidades onde o programa está inseri<strong>do</strong>;• Constatar necessidades e buscar possibilidades de superação deeventuais dificuldades de intervenção no campo <strong>do</strong> Lazer (estruturais,meto<strong>do</strong>lógicas, conceituais entre outras) encontradas nosnúcleos <strong>do</strong> projeto;• Democratizar o acesso a conhecimentos e a mecanismos de intervençãopedagógica no campo <strong>do</strong> lazer e educação popular;• Discutir mecanismos de intervenção e democratização de diferentesmanifestações culturais no campo <strong>do</strong> lazer, sua dimensãoe possibilidades de organização e mobilização popular deforma crítica e contextualizada;• Possibilitar o entendimento <strong>do</strong> lazer como espaço de educaçãopopular, seu monitoramento, avaliação, construção e consolidaçãode metas a serem trabalhadas no programa;• Possibilitar um espaço de trocas de experiências entre alunos deEducação Física da UnB que trabalham no projeto Cultura Corporale Educação Ambiental e os coordena<strong>do</strong>res, agentes sociais,monitores e alunos <strong>do</strong> Projeto <strong>Esporte</strong> e Lazer da cidade.Concepção meto<strong>do</strong>lógica de intervenção noprocesso de formação <strong>do</strong>s agentes sociaisNo que se refere a conteú<strong>do</strong>s a serem discuti<strong>do</strong>s, não fugimos àssugestões <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>. A diferença se dá no trato meto<strong>do</strong>lógico,ou seja, no que concerne ao módulo introdutório, as 32 horas daformação são diluídas em etapas, quais sejam:1º Etapa – Encontros descentraliza<strong>do</strong>s, acontecem no própriolocal de trabalho <strong>do</strong>s agentes sociais, em cada núcleo (4 HORAS).2º Etapa – Encontro centraliza<strong>do</strong> – Seminário (24 HORAS).3º Etapa – Encontros descentraliza<strong>do</strong>s (4 HORAS)A seguir, a descrição de cada etapa <strong>do</strong> Módulo Introdutório:223


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)1º Etapa – Encontros descentraliza<strong>do</strong>s: os objetivos dessa primeiravisita aos núcleos são: Reunir-se com os coordena<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s núcleos,conhecer a realidade geopolítica e econômica na qual o núcleoestá inseri<strong>do</strong>, identificar os espaços de lazer nos quais as atividadessão desenvolvidas, ter acesso a características da comunidade atendidaspelo núcleo, verificar quais oficinas são oferecidas e como sãoministradas – nesse caso, o articula<strong>do</strong>r de formação entra nas atividadesnuma perspectiva de observa<strong>do</strong>r participante, convive de perto nasrelações que se processam entre o agente social, os alunos as atividadesdesenvolvidas (sistemáticas ou assistemáticas). Os articula<strong>do</strong>resaproveitam esse momento para iniciar a discussão a respeito de algunsprincípios <strong>do</strong> programa, além de mobilizar o grupo de agentes sociaispara o encontro centraliza<strong>do</strong> que se aproxima – o seminário.Observação importante: depois da visita aos núcleos, de formadescentralizada, e antes <strong>do</strong> encontro centraliza<strong>do</strong>, os articula<strong>do</strong>res sereúnem para socializar as experiências obtidas na visita e, a partir <strong>do</strong>sda<strong>do</strong>s colhi<strong>do</strong>s, organizam o seminário.2ª Etapa – O encontro centraliza<strong>do</strong> – I Seminário de <strong>Esporte</strong> eLazer da Cidade.Este é um momento em que todas as entidades / núcleos estãoreuni<strong>do</strong>s em um único local, é um espaço de socialização <strong>do</strong>s agentessociais; aqui eles discutem a respeito de suas dificuldades locais, trocamexperiências, têm acesso a conteú<strong>do</strong>s relevantes <strong>do</strong> módulo introdutório,no que se refere aos princípios <strong>do</strong> Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade,aos conceitos de esporte, lazer e cultura, às diferentes característicasdas cidades (urbanas/rural) <strong>do</strong> Distrito Federal e Entorno, ao planejamentoparticipativo. Há também oficinas tematizan<strong>do</strong> a relação entreas diversas manifestações da cultura no âmbito <strong>do</strong> lazer e a sociedadecapitalista; questões de gênero, violência, discriminações e degradaçãoambiental são enfatiza<strong>do</strong>s.3ª Etapa – Encontros descentraliza<strong>do</strong>s – nesse momento, osarticula<strong>do</strong>res de formação, mais uma vez, dirigem-se aos locais detrabalho <strong>do</strong>s agentes, só que desta vez os agentes já terão ti<strong>do</strong> acesso224


política e lazer: interfaces e perspectivasàs duas etapas da formação <strong>do</strong> primeiro módulo, já terão retoma<strong>do</strong> umcontato com a comunidade, depois de terem passa<strong>do</strong> por um processode formação. Desta forma, os articula<strong>do</strong>res de formação têm comoobjetivo: conduzir os agentes sociais a uma contextualização entreos temas debati<strong>do</strong>s anteriormente nas duas etapas da formação, ea prática pedagógica nas suas novas intervenções. O tema principaldesse encontro é a organização <strong>do</strong> trabalho pedagógico (planejamentocoletivo, elaboração de objetivos, seleção de conteú<strong>do</strong>s,avaliação e meto<strong>do</strong>logias de observação da realidade e construçãode relatórios).Quanto ao Módulo de AmpliaçãoComo foi explicita<strong>do</strong> anterior-mente, segun<strong>do</strong> o <strong>do</strong>cumento daSNDEL, que sugere a formatação da formação, esse é o momento dacontrapartida da entidade, não há participação financeira e nem de consultores<strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>.O que fazemos neste Módulo?Neste módulo há um redimensionamento, foi criada uma áreade interseção entre o Módulo Introdutório e o Módulo de Ampliação,e entre o Módulo de Ampliação e o Módulo de Aprofundamento.O Módulo Introdutório que a UnB realiza adentra-se no espaçotemporal (8 a 10 meses) destina<strong>do</strong> ao Módulo de Ampliação,pois procuramos marcar as últimas quatro horas <strong>do</strong> módulo introdutóriono próprio local de trabalho <strong>do</strong>s agentes em uma dataque se distancie um pouco <strong>do</strong> seminário introdutório, da mesmaforma que algumas horas <strong>do</strong> Módulo de Aprofundamento, previstopara um perío<strong>do</strong> próximo ao término <strong>do</strong> convênio, são destinadasa encontros descentraliza<strong>do</strong>s que ocorrem antes <strong>do</strong> término <strong>do</strong>convênio. Com isso, a formação assume um caráter continua<strong>do</strong>,regionaliza<strong>do</strong>; ou seja, entre o módulo introdutório e o módulo deaprofundamento, os articula<strong>do</strong>res de formação visitam os núcleosde forma descentralizada, contribuin<strong>do</strong> para o desenvolvimento deuma formação em serviço.225


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)São encontros descentraliza<strong>do</strong>s de acompanhamento, avaliaçãoe contextualização entre o conhecimento científico e o conhecimentoconstruí<strong>do</strong> ao longo das intervenções <strong>do</strong>s agentes sociais. Nesses encontros,os agentes sociais, juntamente com os articula<strong>do</strong>res da formação,têm a oportunidade de, coletivamente, interpretar especificidadesde sua realidade, e, com base em pressupostos conceituais, com aajuda <strong>do</strong> articula<strong>do</strong>r, ressignificar mo<strong>do</strong>s de intervenção nesta mesmarealidade. A intenção é que durante esse processo o agente comunitárioseja sujeito de suas interpretações e análises, que ele mesmo venhaa constatar, negar e conseqüentemente superar a sua relação políticopedagógicacom a comunidade, a partir das diferentes manifestações<strong>do</strong> esporte e <strong>do</strong> lazer.Os articula<strong>do</strong>res de formação têm a função de fomentar o debateem cada núcleo, e a partir daí ter acesso às principais necessidadesno campo <strong>do</strong> conhecimento e da intervenção apresentadas pelos agentes,fazen<strong>do</strong> com que a coordenação da formação possa estar buscan<strong>do</strong>formas de superações destas carências.Quanto ao Módulo de AprofundamentoPor determinação da política de formação <strong>do</strong> Ministério, sãodestinadas 32 horas para o desenvolvimento desse último módulo.Acontece próximo à data <strong>do</strong> término <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> de cooperação entreo Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e a entidade conveniada. Por vezes, observa-sea preocupação <strong>do</strong>s gestores das entidades com a renovação <strong>do</strong>convênio, ao mesmo tempo que também os agentes sociais passampela instabilidade e insegurança em relação à continuidade ou nãode estar receben<strong>do</strong> as bolsas provenientes <strong>do</strong>s recursos <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> decooperação com o ME.Como a UnB trabalha com estas 32 horas?Das 32 horas destinadas a esse último evento, 12 são descentralizadas;estas 12 horas são desenvolvidas em cada núcleo (formação emserviço, como foi explica<strong>do</strong> anteriormente, no módulo de ampliação).226


política e lazer: interfaces e perspectivasE quanto às 20 horas finais?Essas horas são destinadas a um encontro final centraliza<strong>do</strong>, envolven<strong>do</strong>to<strong>do</strong>s os agentes sociais das várias entidades / núcleos partícipes<strong>do</strong> processo. Esse encontro é denomina<strong>do</strong> de II Seminário <strong>Esporte</strong>e Lazer: Realidade e Necessidades/Possibilidades de Superação. Esseevento tem como base a discussão das necessidades constatadas nos núcleose as possibilidades de superação no campo <strong>do</strong> Conhecimento e daIntervenção. Parte-se <strong>do</strong> pressuposto de que os temas específicos desseevento são construí<strong>do</strong>s a partir da participação coletiva <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s noprocesso de formação, durante os encontros descentraliza<strong>do</strong>s ocorri<strong>do</strong>sno transcorrer <strong>do</strong> desenvolvimento <strong>do</strong> módulo de ampliação.Quanto aos instrumentos de avaliação:Os articula<strong>do</strong>res de formação, nos encontros descentraliza<strong>do</strong>s,discutem, com os agentes sociais, sugestões de <strong>do</strong>cumentos relaciona<strong>do</strong>sao registro de observações e de experiências (relatórios) e osplanos de intervenção na realidade.Relatórios semanais: por meio de sugestões <strong>do</strong>s articula<strong>do</strong>res,após cada intervenção, seja ela sistemática ou assistemática, o agentecomunitário estará reservan<strong>do</strong> um tempo/espaço para escrever a respeitode suas experiências pedagógicas (descrição de fatos ocorri<strong>do</strong>sdurante a sua intervenção, detecção de condicionantes sociais refleti<strong>do</strong>snos comportamentos <strong>do</strong>s participantes diante da práxis, motivação<strong>do</strong>s alunos, da comunidade, dificuldades encontradas, superaçõesestabelecidas entre outras dimensões).Planos de intervenção na realidade: com base no planejamentocoletivo, o agente comunitário tem que levar em consideração a elaboraçãode objetivos, valorizan<strong>do</strong> as dimensões socioafetiva, cultural ehistórica nas quais se insere as atividades sistemáticas (oficinas dentro<strong>do</strong> núcleo) ou assistemáticas (festivais, ruas de lazer, entre outras), ameto<strong>do</strong>logia, os recursos materiais e a avaliação.Observação: A coordenação da formação tem uma proposta demodelos <strong>do</strong> relatório e <strong>do</strong> plano de intervenção na realidade.227


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)O ponto de vista <strong>do</strong>s agentes sociais durante oprocesso de formaçãoApós cada etapa de formação há espaços para avaliação. São alvosdesta etapa: os aspectos meto<strong>do</strong>lógicos e didáticos, a relação entre osconteú<strong>do</strong>s discuti<strong>do</strong>s na formação e a realidade pedagógica <strong>do</strong>s agentessociais, o desempenho <strong>do</strong>s palestrantes, articula<strong>do</strong>res e coordena<strong>do</strong>res.Também são avalia<strong>do</strong>s a gestão <strong>do</strong>s núcleos, o papel <strong>do</strong> Ministério noacor<strong>do</strong> de cooperação e o programa como um to<strong>do</strong> (a qualidade <strong>do</strong>material didático, os espaços destina<strong>do</strong>s às atividades pedagógicas, asrelações interpessoais no ambiente de trabalho, entre outros).Grande parte das problemáticas <strong>do</strong>s agentes sociais de esporte e lazerfoi identificada no processo de formação, como, por exemplo: os equipamentosde esporte e lazer nos núcleos <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e Lazer da cidade seconstituem em espaços e equipamentos públicos como quadras poliesportivase campos de várzea em condições precárias e/ou aban<strong>do</strong>nadas pelopoder público distrital ou em espaços e equipamentos priva<strong>do</strong>s, cedi<strong>do</strong>spor entidades populares, como associações, igrejas e ligas esportivas, nemsempre sen<strong>do</strong> adequadas ao desenvolvimento das atividades.Os agentes sociais têm encontra<strong>do</strong> muita dificuldade em desenvolvere/ou divulgar as oficinas <strong>do</strong>s núcleos nas escolas públicas<strong>do</strong> Distrito Federal; segun<strong>do</strong> eles, há divergências políticas entre oGDF (responsável pela gestão das escolas e que não cede esse espaçopara tal) e o Governo Federal (proponente da política pública). Naperspectiva <strong>do</strong>s Agentes Sociais, isso tem causa<strong>do</strong> dificuldades para aexecução <strong>do</strong> programa e conseqüentemente prejudica a comunidade,que poderia ter um acesso mais facilita<strong>do</strong> a essa política.No caso <strong>do</strong>s recursos materiais, as críticas são freqüentes, devi<strong>do</strong>tanto à quantidade, considerada insuficiente, quanto à qualidade,por sua pouca durabilidade. Neste ponto, vale ressaltar que osmateriais esportivos entregues pelo Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> aos núcleos<strong>do</strong> programa são oriun<strong>do</strong>s de outro programa social <strong>do</strong> Ministério<strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, o Pintan<strong>do</strong> a Liberdade, onde presidiários fabricam essematerial artesanalmente e, em contrapartida, há redução de suas respectivaspenas. Esse é um ponto positivo reconheci<strong>do</strong> pelos agentes228


política e lazer: interfaces e perspectivasCabe ressaltar que essas entidades ainda se encontram em processode amadurecimento no trato com a coisa pública e na experiência degestão, que pretende fortalecer o caráter participativo e comunitário.Ainda falta uma realização mais sistemática de reuniões de planejamentopedagógico de forma coletiva, além de avaliações periódicasdas ações. O entendimento da importância da formação continuada vemcrescen<strong>do</strong> gradualmente, tantos nos Agentes Sociais quanto nos gestores,na medida em que o processo de formação vai se realizan<strong>do</strong>.Constata-se que há ingerência <strong>do</strong> Sistema CREF/CONFEFque vem constantemente coagin<strong>do</strong> os Agentes Sociais na realizaçãode suas práticas, ora seduzin<strong>do</strong>-os para o credenciamento, ora ameaçan<strong>do</strong>-osde interromper a realização de oficinas em seus locais detrabalho. Na citação, Sadi (2002) discorre em relação ao professor deeducação física, mas o mesmo se dá em relação aos Agentes Sociaisde <strong>Esporte</strong> e Lazer:Os Conselhos Federal e Regionais nada fazem no senti<strong>do</strong> deorganizar e qualificar os professores de Educação Física. Atuamburocraticamente, reforçan<strong>do</strong> o status-quo de uma “profissão”nascida à fórceps e que possibilita uma entrada merca<strong>do</strong>lógica(setor de serviços e consumo das práticas corporais, esportivasetc) das mais vantajosas e lucrativas.Nada constroem para os usuários das praças públicas de esporte,ruas de lazer, atividades em que normalmente aqueles que não podempagar usufruem. O consenso continua giran<strong>do</strong> em torno da responsabilidadeprofissional, de uma ética imposta e de um registroilegal e ilegítimo (SADI, 2002, s/p).Os Agentes Sociais têm demonstra<strong>do</strong> constantemente o desejode se capacitarem, procuran<strong>do</strong> e exigin<strong>do</strong> meios para tal, tornan<strong>do</strong>-seconscientes da não vinculação ao Sistema CREF/CONFEF , por estenão representar os seus anseios.. Para saber mais sobre as discordâncias sobre o Sistema CREF/CONFEF acessar o site<strong>do</strong> MNCR – Movimento Nacional contra a regulamentação <strong>do</strong> profissional da EducaçãoFísica www.mncr.rg3.net229


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)O ponto de vista <strong>do</strong> coletivo de formaçãoDurante as etapas da formação já desenvolvidas, observou-se:• Participação efetiva e motivada <strong>do</strong>s agentes sociais em todasas etapas da formação;• Vontade, por parte <strong>do</strong>s agentes sociais, de continuidade dasações no campo da formação;• Foram valoriza<strong>do</strong>s os encontros descentraliza<strong>do</strong>s – formação emserviço.• Há necessidade de espaços e tempos para a construção coletivadas ações pedagógicas;• Os agentes compreendem a importância de que os objetivosrelaciona<strong>do</strong>s à intervenção educativa davem priorizar valoreshumanos e a transformação social;• Há necessidade de um maior entendimento <strong>do</strong> lazer, por parte<strong>do</strong> agente social, numa perspectiva da construção da consciênciacrítica e mobilização comunitária;• O <strong>Esporte</strong> ainda vem sen<strong>do</strong> entendi<strong>do</strong> na dimensão <strong>do</strong> treinamentoe da competição;• Há necessidade, nas ações pedagógicas, <strong>do</strong> resgate da culturapopular, da valorização <strong>do</strong>s artistas e esportistas da comunidadelocal, pois a cultura de massa está muito inserida na comunidade(nas roupas, músicas, esportes, nas danças);• Não há “receita de bolo”, cada público tem suas características,necessidades e vontades, é fundamental a adequação das ações àcomunidade;• Valorizar a criatividade como importante elemento de intervençãona comunidade;• Deveria haver uma maior organização <strong>do</strong> setorial de esporte e lazerno que diz respeito à organização de atividades comuns às entidades.Considerações finaisUma questão primordial tem que ser levantada: qual referencialteórico estaria orientan<strong>do</strong> estas práticas pedagógicas situadas nestesespaços educativos não-escolares?Os horizontes teóricos possíveis de serem explora<strong>do</strong>s na práticapedagógica <strong>do</strong>s agentes sociais condicionam, limitam ou ampliam aprática pedagógica?230


política e lazer: interfaces e perspectivasMostra-se necessário, então, aprofundarmos nas potencialidadesde um estu<strong>do</strong> avaliativo e propositivo da Formação Continuada <strong>do</strong>s Educa<strong>do</strong>rese Educa<strong>do</strong>ras de <strong>Esporte</strong> e Lazer, indican<strong>do</strong> a necessidade dese propor uma reflexão coletiva para a superação de práticas <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>ras-reprodutivasàs práticas liberta<strong>do</strong>ras-criativas, consideran<strong>do</strong> a especificidadede cada comunidade, suas diversidades e histórias no processodialético de emancipação cultural e política de cada uma delas, afirman<strong>do</strong>assim, o compromisso de cada educa<strong>do</strong>r e educa<strong>do</strong>ra na efetivação de umprojeto político-pedagógico que vise à transformação social.Temos, então, elementos que indicam uma diferenciação no sabere no saber fazer <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>cente na educação para e no tempolivre, o que nos mostra a necessidade de contribuirmos na sistematizaçãoe organização de conhecimentos que tratem de méto<strong>do</strong>s didáticose da organização <strong>do</strong> trabalho pedagógico no contexto não-formal <strong>do</strong>esporte e lazer, sistematizan<strong>do</strong> essas experiências.O Coletivo de Articula<strong>do</strong>res de Formação da Faculdade deEducação Física da UnB vem buscan<strong>do</strong> uma maior proximidade comas comunidades que necessitam de ações <strong>do</strong> poder público e, nessemomento, por meio <strong>do</strong> processo de formação, vemos a possibilidadede fazer com que essas comunidades adquiram uma possibilidade deconsciência de classe que as façam demandar pelos direitos que deveriamser garanti<strong>do</strong>s por políticas sociais e de esta<strong>do</strong> mais justas.Referências BibliográficasBRACHT, Valter. Educação Física e Aprendizagem Social. Porto Alegre: Magister, 1992.______________. Sociologia Crítica <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>: Uma introdução. Vitória: UniversidadeFederal <strong>do</strong> Espírito Santo, 1997.COLETIVO DE AUTORES. Meto<strong>do</strong>logia <strong>do</strong> ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez,1992.IPEA. O esta<strong>do</strong> de uma nação. Disponível em . Acessa<strong>do</strong> no dia30 de outubro de 2006.LEPEL/FACED/UFBA. Formação de militantes culturais e alternativas de desenvolvimentoda cultura corporal, esporte e lazer em áreas de reforma agrária. Salva<strong>do</strong>r, Bahia,2005: Disponível em < http://www.faced.ufba.br/rascunho_digital/textos/543.htm>. Acessa<strong>do</strong>no dia 24 maio de 2006.FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.MARX, Karl, ENGEL Friederich. Obras escolhidas, tomo I. Moscou, Editorial ProgressoMoscou, 1973.231


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Mascarenhas, Fernan<strong>do</strong>. Lazer como prática da liberdade. 2ª ed. Goiânia: Ed. UFG,2004.______________. “O pedaço sitia<strong>do</strong>: cidade, cultura e lazer em tempos de globalização”.Revista Brasileira de Ciências <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>. Campinas: CBCE; Autores Associa<strong>do</strong>s; Ministério<strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>. V. 24, n. 3, maio de 2003.MINAYO, M. C. de S. O Desafio <strong>do</strong> Conhecimento. Pesquisa Qualitativa em Saúde. 6ª.ed. São Paulo, Hucitec, Rio de Janeiro, Abrasco, 1999.MINISTÉRIO DO ESPORTE. I Conferência Nacional <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>: Documento Final. Brasília,17 a 20 de junho, 2004.______________. Política Nacional <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>. Brasília: Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, 2005.OLIVEIRA, Sávio Assis de. A reinvenção <strong>do</strong> esporte: possibilidades da pratica pedagógica.Campinas: Autores Associa<strong>do</strong>s, 2001.PARTIDO DOS TRABALHADORES. Uma proposta de política de esporte para o Brasil.Recife: Mimeo, 2002.______________. Contribuições ao debate da definição de parâmetros orienta<strong>do</strong>res paraplanos de governo para área de esporte e lazer a nível nacional e estadual. Mimeo,1994.PISTRAK. Fundamentos da Escola <strong>do</strong> Trabalho. São Paulo: Editora Expressão Popular,2002.SADI, Renato Sampaio. Os basti<strong>do</strong>res da regulamentação <strong>do</strong> profissional de educaçãofísica. .CEFD/UFES, Vitória, 2002. Acessa<strong>do</strong> em 02 de dezembro de 2006.SAUTCHUK, Carlos. “Leigo”. In. Gonzalez, Fernan<strong>do</strong> Jaime. Dicionário crítico de EducaçãoFísica. Ijuí, Unijuí, 2005.SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo:Cortez, 1992.SILVA, Jamerson Almeida da, SILVA, Katharine Ninive, Círculos Populares de <strong>Esporte</strong> eLazer: Fundamentos da Educação para o tempo livre. Recife-PE: ITEL, 2003.TAFFAREL, Celi Zulke. A prática pedagógica e a inclusão social: um desafia da EducaçãoFísica. Mimeo, s/d.232


Sobre os autoresAl<strong>do</strong> Antonio Azeve<strong>do</strong>Licencia<strong>do</strong> em Educação Física, pela Universidade de Brasília,e Bacharela<strong>do</strong> em Direito pelo Centro Universitário de Brasília;Mestra<strong>do</strong> em Educação pela Universidade de Brasília; Doutora<strong>do</strong>em Sociologia pela Universidade de Brasília, e Pós-Doutora<strong>do</strong> emGestão <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> pela Faculdade de Motricidade Humana (FMH)da Universidade Técnica de Lisboa (UTL). É professor adjunto daUniversidade de Brasília e é credencia<strong>do</strong> nos Programas de Pós-Graduação em Sociologia e em Educação Física da Universidadede Brasília. Publicou <strong>do</strong>is livros em co-autoria e orienta trabalhosnas áreas de Sociologia <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, Políticas Públicas, Lazer e EducaçãoFísica Escolar. É líder <strong>do</strong> grupo de pesquisa em Educação FísicaEscolar, <strong>Esporte</strong> e Sociedade, da Universidade de Brasília e <strong>do</strong>CNPq. Pesquisa<strong>do</strong>r da Rede CEDES, da Universidade de Brasília.Atualmente é o Coordena<strong>do</strong>r da Rede CEDE. Contato: al<strong>do</strong>azeve<strong>do</strong>@unb.bre al<strong>do</strong>azeve<strong>do</strong>@uol.com.br .Alfre<strong>do</strong> Feres NetoLicencia<strong>do</strong> em Educação Física pela Universidade de São Paulo.Mestra<strong>do</strong> em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas eDoutora<strong>do</strong> em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas.Atualmente é professor adjunto da Universidade de Brasília. Credencia<strong>do</strong><strong>do</strong> Programa de Pós-Graduação em Educação Física; Pesquisa<strong>do</strong>r integrante<strong>do</strong> grupo de trabalho temático “Comunicação e Mídia”, <strong>do</strong> ColégioBrasileiro de Ciências <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>; Pesquisa<strong>do</strong>r da Rede CEDES daUniversidade de Brasília. Contato: alfre<strong>do</strong>.feres@gmail.com .233


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Arthur José Medeiros de Almeida.Licencia<strong>do</strong> em Educação Física pela Universidade de Brasília.Mestran<strong>do</strong> em Educação Física pela Universidade de Brasília. Supervisorde pesquisa com bolsa <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> no perío<strong>do</strong>compreendi<strong>do</strong> entre dezembro de 2005 e julho de 2006. Bolsista deMestra<strong>do</strong> Capes, 2006.Daniel Cantanhede BehmoirasLicencia<strong>do</strong> em Educação Física pela Universidade de Brasília.Especialista em Educação Física Escolar pela Universidade de Brasília.ConsultorNacional de Formação <strong>do</strong> Programa <strong>Esporte</strong> e Lazerda Cidade pelo Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>. Pesquisa<strong>do</strong>r da Rede Cedes.Professor da Secretaria de Educação <strong>do</strong> Distrito Federal. Contato: danielcanta@yahoo.com. br.Dori Alves JúniorLicencia<strong>do</strong> em Educação Física pela Universidade de Brasília.Pesquisa<strong>do</strong>r da Rede CEDES. Mestran<strong>do</strong> em Educação Física pelaUniversidade de Brasília.Dulce SuassunaSocióloga e bacharel em Direito, com mestra<strong>do</strong> em CiênciasSociais pela Universidade Federal da Paraíba e <strong>do</strong>utora<strong>do</strong>em Sociologia pela Universidade de Brasília. É professora daFaculdade de Educação Física da Universidade de Brasília e credenciadanos Programas de Pós-Graduação em Sociologia e emEducação Física da Universidade de Brasília. Orienta trabalhosnas áreas de políticas públicas voltadas para o meio ambiente,esporte, lazer e Educação Física Escolar. Publicou diversos artigosem periódicos indexa<strong>do</strong>s e um livro. Coordena o Núcleo deEstu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Corpo e Natureza e foi coordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Núcleo daRede CEDES da Universidade de Brasília no perío<strong>do</strong> compreendi<strong>do</strong>entre 2005 e 2006. Foi presidente da Comissão Provisória234


política e lazer: interfaces e perspectivas<strong>do</strong> Colégio Brasileiro de Ciências <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> no Distrito Federalde 2004 a 2006. Bolsista de Pós-<strong>do</strong>utora<strong>do</strong> Capes, 2007. Contato:dulce@unb.brFernan<strong>do</strong> MascarenhasDoutor em Educação Física/Estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Lazer pela Unicamp.Professor da Faculdade de Educação Física da UFG. Professor Colabora<strong>do</strong>r<strong>do</strong> Programa de Mestra<strong>do</strong> em Educação Física da Universidadede Brasília. Pesquisa<strong>do</strong>r integrante <strong>do</strong> Grupo de Trabalho Temáticosobre Políticas Públicas de Educação Física, <strong>Esporte</strong> e Lazer <strong>do</strong>Colégio Brasileiro de Ciências <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> – CBCE.Heberth da Silva MustafaLicencia<strong>do</strong> em Educação Física pela Universidade de Brasília.Especialista em Educação Física Escolar pela Universidade de Brasília.Consultor Nacional de Formação <strong>do</strong> Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidadepelo Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>. Pesquisa<strong>do</strong>r da Rede Cedes. Professorda Secretaria de Educação <strong>do</strong> Distrito Federal.Juarez Oliveira SampaioLicencia<strong>do</strong> em Educação Física pela Universidade de Brasília.Especialista em Pedagogia <strong>do</strong> Movimento. Professor Colabora<strong>do</strong>rda Universidade de Brasília. Professor da Secretaria de Esta<strong>do</strong>de Educação <strong>do</strong> Distrito Federal. Coordena<strong>do</strong>r da Formação e Pesquisa<strong>do</strong>rda Rede CEDES da Universidade de Brasília. Contato:juarez@unb.brJaciara OliveiraGraduanda em Educação Física pela Universidade de Brasília.Bolsista <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, participa <strong>do</strong> Programa de IniciaçãoCientífica da Universidade de Brasília.235


Dulce Suassuna e Al<strong>do</strong> Antonio de Azeve<strong>do</strong> (organiza<strong>do</strong>res)Juliana Oliveira FreireLicenciada em Educação Física pela Universidade de Brasília.Supervisora de pesquisa, com bolsa <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> no perío<strong>do</strong>compreendi<strong>do</strong> entre agosto de 2005 e dezembro de 2006.Julio César Cabral da CostaLicencia<strong>do</strong> em Educação Física pela Universidade de Brasília.Especialista em Administração e Planejamento de Projetos Sociaispela Universidade Gama Filho. Consultor Nacional de Formação <strong>do</strong>Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade pelo Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>. Pesquisa<strong>do</strong>rda Rede CEDES. Sócio/Gerente da Ciranda Consultoriaem Projetos Sociais empresa especializada em elaboração, execução eavaliação de Projetos Sociais. Contato: julioef@gmail.comLeandro Casarin DalmasLicencia<strong>do</strong> em Educação Física pela Universidade de Brasília.Mestran<strong>do</strong> em Educação pela Universidade de Brasília. ConsultorNacional de Formação <strong>do</strong> Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade<strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>. Pesquisa<strong>do</strong>r da Rede CEDES. Diretor<strong>do</strong> Centro de Cultura e Lazer Natureza Humana.Ludimila CarvalhoGraduanda em Educação Física pela Universidade de Brasília.Bolsista <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>.Maíra de Souza Guerra F. de CastroGraduanda em Educação Física pela Universidade de Brasília.Bolsista <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>.Paulo Henrique Azevê<strong>do</strong>Gradua<strong>do</strong> em Educação Física. Mestre em Administração.Doutor em Ciências da Saúde. Professor adjunto da Faculdade de236


política e lazer: interfaces e perspectivasEducação Física da Universidade de Brasília. Atua na linha de pesquisaGestão e Marketing <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> e é líder <strong>do</strong> grupo de pesquisasobre Gestão e Marketing da Educação Física. Pesquisa<strong>do</strong>r daRede CEDES. Contato: pha@unb.br.Pedro Osmar Flores de Noronha Figueire<strong>do</strong>Licencia<strong>do</strong> em Educação Física pela Universidade de Brasília.Pesquisa<strong>do</strong>r da Rede CEDES.Pedro PortoGraduan<strong>do</strong> em Educação Física pela Universidade de Brasília.Participa <strong>do</strong> Programa de Iniciação Científica da UnB.Priscila Correia RoqueteGraduanda em Educação Física pela Universidade de Brasília.Bolsista <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>. Participa <strong>do</strong> Programa de IniciaçãoCientífica da Universidade de Brasília.Tatiana Valente GushikenGraduanda em Educação Física pela Universidade de Brasília.Bolsista <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>.237


Política e lazer: interfaces e perspectivasfoi composto em tipologiaLife, corpo 10,5 pt e impressoem papel Pólen 80g nasoficinas da thesaurus editora debrasília. Acabou-se de imprimirem junho de 2007, sexto mês <strong>do</strong>sétimo ano <strong>do</strong> Terceiro Milênio.***lavs deo


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