Nos discursos das participantes, as possíveis consequências da prática <strong>de</strong> interrupçãovoluntária da gravi<strong>de</strong>z ao nível da saú<strong>de</strong> física e mental foram também realçadas. Asparticipantes <strong>de</strong>screvem várias práticas <strong>de</strong> potencial risco para a saú<strong>de</strong> que as <strong>mulheres</strong>frequentemente adoptam quando preten<strong>de</strong>m interromper a gravi<strong>de</strong>z, como sejam orecurso à medicação e a práticas tradicionais (“receitas caseiras”).Nos grupos focais realizados com <strong>mulheres</strong> <strong>africanas</strong> foram <strong>de</strong>scritas várias situações emque os parceiros e/ou os pais as pressionam para interromper a gravi<strong>de</strong>z, sendo frequenteque, quando elas não aceitam interrompê-la, acabam por ter <strong>de</strong> assumir sozinhas asresponsabilida<strong>de</strong>s inerentes à opção <strong>de</strong> ter o filho. Assim, o contexto <strong>de</strong> «vida difícil» e asdificulda<strong>de</strong>s subjacentes a ter mais filhos surgem, por vezes, como justificação para aprática <strong>de</strong> IVG.Nos grupos <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>africanas</strong>, as relações conjugais são <strong>de</strong>scritas muitas vezes comouma forma <strong>de</strong> sobrevivência económica. As participantes referem que no seu percurso <strong>de</strong>vida vão tendo diferentes companheiros com o pressuposto <strong>de</strong> que os mesmos irão ajudá--las a criar os filhos que já têm. Segundo elas, o que frequentemente acontece é quevoltam a engravidar e os parceiros não assumem a responsabilida<strong>de</strong> parental e afastam--se. Tal acaba por perpetuar um ciclo <strong>de</strong> permanentes dificulda<strong>de</strong>s com consequências avários níveis para as <strong>mulheres</strong>.As participantes <strong>africanas</strong> <strong>de</strong>screvem ocorrer, com elevada frequência, situações <strong>de</strong> violên -cia que acarretam consequências para a saú<strong>de</strong> física e mental, reiterando estudos existen -tes que indicam que as <strong>mulheres</strong> <strong>imigrantes</strong> encontram-se, muitas vezes, em situações <strong>de</strong>maior exposição a violência psicológica e física (Ruiz-Pérez, Blanco-Prieto e Vives-Cases,2004; Blanco, Ruiz-Jarabo, Vinuesa e Martín-García, 2004; Carballo, 2007; Dias e Gon -çalves, 2007; Herrera e Campero, 2002; Cohen e Maclean, 2004). A informação sobrea ocorrência <strong>de</strong> violência nas comunida<strong>de</strong>s <strong>imigrantes</strong> em Portugal tem confirmado queeste é um fenómeno preocupante (ACIDI 11 ).Neste contexto, tem vindo a ser reconhecida a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver estratégias <strong>de</strong> prevenção da violência nas11 http://www.acidi.gov.pt/modules.php?name=News&file=article&sid=1772.Saú<strong>de</strong> Sexual e Reprodutiva <strong>de</strong> Mulheres Imigrantes Africanas e Brasileiras: um estudo qualitativo (131)
<strong>mulheres</strong>, a nível internacional e nacional. A OMS tem reforçado esta necessida<strong>de</strong>, apon -tando algumas recomendações, tais como: promoção da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> género e dos direi -tos das <strong>mulheres</strong>; <strong>de</strong>senvolvimento, execução e avaliação <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> acção mul ti dis -ciplinares <strong>de</strong> prevenção da violência; criação <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> recolha <strong>de</strong> informação quepermitam avaliar e monitorizar estas situações, assim como estudar e i<strong>de</strong>ntificar as ati tu -<strong>de</strong>s e crenças associadas à violência baseada nas questões <strong>de</strong> género; e utilização dopotencial dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>sexual</strong> e <strong>reprodutiva</strong> como ponto <strong>de</strong> partida para i<strong>de</strong>n ti -ficar, encaminhar e apoiar as <strong>mulheres</strong> que são vítimas <strong>de</strong> violência (WHO 12 ).4.2. Processo <strong>de</strong> migraçãoAo longo das discussões dos grupos focais, as experiências <strong>de</strong> chegada e <strong>de</strong> adaptação aopaís <strong>de</strong> acolhimento foram, na maioria, <strong>de</strong>scritas como difíceis e com possíveis impli ca -ções para o estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Tal como tem vindo a ser reconhecido, as condições em quea migração se processa po<strong>de</strong>m ser factores <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> em saú<strong>de</strong> das populaçõesmigrantes. Frequentemente, este processo está associado à exposição a diversos factores<strong>de</strong> risco, como sejam o confronto com um contexto completamente novo a nível estrutural,social e cultural, a ruptura das relações sociais, a ausência <strong>de</strong> suporte social, as condiçõessocioeconómicas em que muitas vezes vivem os <strong>imigrantes</strong> associadas à precarieda<strong>de</strong>laboral, a pobreza e a exclusão social (Braveman e Gruskin, 2003; Carballo, 1998; Car -ballo, 2001; Carballo, Grocutt e Hadzihasanovic, 1996; Dalgard e Thapa, 2007; Dias eGon çalves, 2007; Kandula, 2004; Lazear, Pires, Isaacs, Chaulk e Huang, 2008; Ormond,2004; Scheppers et al., 2006; Stampino, 2007).Os <strong>de</strong>terminantes sociais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que incluem entre outros, a situação <strong>de</strong> pobreza, o <strong>de</strong> -semprego, o reduzido nível educacional, os padrões culturais e questões <strong>de</strong> género, a falta<strong>de</strong> coesão social e <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio, e o reduzido acesso aos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> têm sidoapon tados como tendo impacto no estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> das comunida<strong>de</strong>s (CSDH, 2005).Assim, tem vindo a ser reconhecida a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>actuar ao nível dos vários <strong>de</strong>terminantes sociais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,como forma <strong>de</strong> reduzir os factores e condições <strong>de</strong> risco emelhorar a saú<strong>de</strong> das populações (CSDH, 2007).12 http://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/world_report/recommendations/en/.(132) Saú<strong>de</strong> Sexual e Reprodutiva <strong>de</strong> Mulheres Imigrantes Africanas e Brasileiras: um estudo qualitativo
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