Destaques da Semanawww.ihu.unisinos.brEntrevista da SemanaO caso de amor entre aprostituição internacional e ocapitalismoCoordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas Feministas da Universidade deOttawa, no Canadá, Richard Poulin discute a exploração de mulheres em escala mundialPor Ricardo Machado | Tradução de Vanise DreschIHU On-Line – Por que a globalizaçãoneoliberal é, na avaliaçãodo senhor, o fator dominante noaumento de mulheres em situaçãode prostituição e do tráfico demulheres?Richard Poulin – A submissão àsregras do mercado e às leis liberaiscontratuais de comércio leva a umaaceitação cada vez maior do ato comercial,que, em troca de uma somaPara Richard Poulin, a prostituição gerouuma indústria sexual de dimensõesmundiais, onde atualmente representauma verdadeira potência econômica. “Ela [aindústria do sexo] constitui 5% do produtointerno bruto da Holanda, 4,5% na Coreia doSul, 3% no Japão e, em 1998, a prostituiçãorepresentava de 2% a 14% do total das atividadeseconômicas da Indonésia, Malásia, Filipinase Tailândia”, sustenta o professor. Ementrevista concedida por e-mail à IHU On-Line,o pesquisador destaca que a prostituiçãoestá diretamente relacionada às estratégiasde consumo, exploração e a lógicas análogasà escravidão. “Os indivíduos estrangeirosprostituídos situam-se no nível mais baixo dahierarquia prostitucional, são social e culturalmenteisolados e exercem a prostituiçãonas piores condições possíveis, sendo ao mesmotempo submetidas a diferentes formas deviolência, tanto no cotidiano prostitucionalquanto no transporte de um país para o outro”,argumenta.Richard Poulin é sociólogo e professor titularda Universidade de Ottawa. Dedica-se atemas relacionados ao feminismo, sobretudoàs pesquisas de direitos humanos e exploraçãosexual de mulheres e crianças. É autor de11 livros e dezenas de artigos sobre o tema.Suas obras mais recentes são Les meurtresen série et de masse, dynamique sociale etpolitique (Montréal, éditions Sisyphe, 2009),Exploitation sexuelle, crime sans frontières(Paris, Les éditions du GIPF, 2009) e Poulin, R.avec la coll. de Mélanie Claude, Pornographieet hypersexualisation. Enfances dévastées(Ottawa, L’Interligne, 2008).Confira a entrevista.variável de dinheiro, dá acesso ao órgãosexual das pessoas. A prostituiçãopassou a ser atualmente, em grandenúmero de Estados da Europa ocidentale do Pacífico sul, um “trabalho” legítimoe, em alguns casos, um “direito”e uma “liberdade”. A globalizaçãoda prostituição criou um vasto mercadode trocas sexuais, em que milhõesde mulheres e meninas são transformadasem mercadoria de caráter sexual.Esta indústria é atualmente umagrande potência econômica. Ela constitui5% do produto interno bruto daHolanda, 4,5% na Coreia do Sul, 3% noJapão e, em 1998, a prostituição representavade 2% a 14% do total dasatividades econômicas da Indonésia,Malásia, Filipinas e Tailândia.A prostituição é considerada pormuitos países um meio de desenvolvimentoeconômico, o que várias orga-40SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416
nizações internacionais reforçam. Assim,o Fundo Monetário Internacional– FMI e o Banco Mundial incentivamos governos dos países capitalistas periféricosa desenvolverem sua indústriado turismo e do entretenimentocomo alta fonte de divisas para o pagamentoda dívida contraída junto aessas organizações.IHU On-Line – Quais as característicasdos países onde as mulheressão traficadas e quais característicasdos países onde tais mulheres são exploradassexualmente?Richard Poulin – Primeiro, emtodos os países as mulheres e as meninasdas minorias étnicas e nacionaissão super-representadas, portantosuperexploradas na prostituição. É ocaso, principalmente, das minoriasétnicas no norte da Tailândia e noMianmar. As populações origináriasda minoria húngara na Romênia, daminoria russa nos países bálticos edas minorias ciganas por toda a parteno Leste Europeu estão “super-representadas”entre as pessoas prostituídasno seu próprio país, bem como naEuropa ocidental. Os autóctones doCanadá e indivíduos de muitos paíseslatino-americanos também estãosuper-representados entre as pessoasprostituídas em seus países respectivos.É igualmente o caso dos afro--americanos nos Estados Unidos. Emescala mundial, os agentes de prostituiçãodo Norte exploram mulheres ecrianças do Sul e do Leste, assim comomulheres e crianças pertencentes aminorias étnicas ou nacionais.GlobalizaçãoSegundo, a globalização capitalistaacentuou o desenvolvimentodesigual entre os países, produzindouma pressão significativa a favor dasmigrações internacionais, que se feminizaram.Paralelamente ao crescimentoda prostituição local ligada àsmigrações do campo para as cidades,milhões de jovens mulheres e meninassão transportadas, cada ano, paraos centros urbanos do Japão, da Europaocidental, da América do Nortee de vários países do Terceiro Mundo,como a Tailândia, para serem prostituídas.Nos lugares onde a indústriada prostituição é muito desenvolvida,inclusive nos países dependentes,criam-se circuitos mundiais detráfico, num espantoso vaivém. Essasrealidades definem as condições e aextensão da globalização capitalistaatual para as mulheres e as criançasque são vítimas da indústria sexual.Os indivíduos estrangeiros prostituídossituam-se no nível mais baixo dahierarquia prostitucional, são sociale culturalmente isolados e exercema prostituição nas piores condiçõespossíveis, sendo ao mesmo temposubmetidas a diferentes formas deviolência, tanto no cotidiano prostitucionalquanto no transporte de umpaís para o outro.IHU On-Line – A que tipos deviolência as mulheres em situação deprostituição estão sujeitas?Richard Poulin – O dinheiro é achave da relação prostitucional: eleliga e submete a pessoa prostituídaao prostituidor, tornando a relaçãoimpessoal, reificada e desequilibrada.O sistema prostitucional é uma manifestaçãoparticularmente significativada dominação dos homens pelo sexona sociedade mercantil. A mercadorianão é apenas uma “coisa”, emboraaparente ser; ela é essencialmenteuma relação social. A transformaçãode um ser humano em mercadoriaprostitucional significa não somentesua coisificação, mas também suainserção em relações de submissãosexista e de subordinação mercantil.Alguém se torna uma pessoa prostituídaem consequência de um itineráriocaótico, que fragiliza, vulnerabiliza edestrói. As brutalidades e outras violências,principalmente as violênciassexuais, mas também as violênciaspsicológicas, têm como consequênciao fato de instituir a sujeição e de fazercom que a resignação se sobreponhaa qualquer veleidade de contestaçãoou de revolta.Em qualquer um dos casos, égrande a violência física e sexual,qualquer que seja o regime jurídicoque enquadra a prostituição, sejam asmulheres prostitutas clandestinas ounão, estejam elas na calçada ou não,em bordéis registrados ou não. É umaquimera crer que a legislação seja umfator de segurança para as pessoasprostituídas, pois ela não questionaum dos fundamentos da violência inerenteà prostituição: o desequilíbriode poder fundamental entre o prostituidore a pessoa prostituída e entreo proxeneta e sua “propriedade”. Oíndice de mortalidade de mulheres emeninas aliciadas para a prostituição,no Canadá, é 40 vezes superior ao damédia nacional.IHU On-Line – Que paralelospodemos traçar na história entre operíodo escravagista e a atual exploraçãodo tráfico humano?Richard Poulin – Em três níveis.Primeiro, na Antiguidade era estreitaa relação entre o desenvolvimento daescravidão, o da prostituição de mulherese crianças (escravos destinadosà prostituição) e o status muito inferiordas mulheres “livres”. O homemgrego pode vender como escrava amulher livre adúltera. Demóstenesexpõe, em termos breves e precisos,o que é a vida sexual ideal dos homensde Atenas: “Casamo-nos com amulher para termos filhos legítimos euma fiel guardiã da casa. Temos companheirasde cama para nos servir edispensar os cuidados cotidianos; temosas hetairas para os prazeres doamor.” Segundo, certos bordéis legaisdos estados de Nevada e Novo Méxicosão protegidos por grades, cães,agentes de segurança, como se, naverdade, não passassem de um universocarcerário em que as pessoasprostituídas se encontram em situaçãode detenção ou escravidão. EmHamburgo, os acessos a certos bairrosreservados à prostituição são fechadospor chicanas. Em Istambul, a entradados “complexos de bordéis” évigiada. Em Calcutá, as prostitutas seoferecem atrás das grades. Na Tailândia,as crianças são tiradas de gaiolaspara serem entregues aos turistas sexuais.Terceiro, é impossível combatero tráfico sem combater a causa: aprostituição. A história da luta da abo-Destaques da Semana www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201341