11.07.2015 Views

E MAIS - Renast Online

E MAIS - Renast Online

E MAIS - Renast Online

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

IHU em Revistawww.ihu.unisinos.brsigla em inglês (ANT – Actor-NetworkTheory) alude à palavra “formiga”, evocandoo trabalho longo, detalhista e defarejador de trilhas de quem se engajanessa tarefa.IHU On-Line – Quem é o cientistanas obras de Latour?Leticia de Luna Freire – Na leituraque faço dos seus trabalhos, ocientista seria nada mais que um atorentre outros, produto de uma associaçãohíbrida de elementos. Na análiseque Latour faz das controvérsias emtorno das “descobertas” de Louis Pasteur2 no século XIX, ele mostra comoo sucesso do cientista não foi frutode suas ações solitariamente, mas dacombinação de seu talento com forçasque incluíam desde o movimento higienistaaos interesses coloniais, passandopela disputa com outros cientistasque também estudavam a relaçãoentre doenças e micróbios. Nessaconcepção de que os homens nuncaefetuam sozinhos suas ações, Latournos faz ainda questionar se foi mesmoPasteur que produziu o ácido lácticoou se foi o ácido láctico que produziuPasteur como esse grande cientistaque hoje reconhecemos! Assim comoo objeto de sua “descoberta”, o cientistatambém seria efeito de uma associaçãode elementos heterogêneos,humanos e não humanos, produzidasob determinadas condições.IHU On-Line – Quando Latourmenciona que os estudos sobre asciências deveriam partir desde antesdas caixas-pretas terem sido fechadas,o que ele está colocando emdebate?Leticia de Luna Freire – Ele estácolocando justamente o que seria oobjetivo de sua proposta de estudo daciência, ou seja, da prática científica emvias de se fazer. Latour fala de objetos“quentes” e “frios” para se referir, respectivamente,àqueles que ainda sãoalvo de controvérsias, e àqueles cujodebate já se estabilizou (ou esfriou),com uma versão tida como vencedo-2 Louis Pasteur (1822-1895): cientistafrancês. Suas descobertas tiveram enormeimportância na história da química eda medicina. É lembrado por suas notáveisdescobertas das causas e prevençõesde doenças. Suas descobertas reduzirama mortalidade de febre puerperal, e elecriou a primeira vacina para a raiva. Seusexperimentos deram fundamento para ateoria microbiológica da doença. (Notada IHU On-Line)ra sobre as demais. Como exemplo doprimeiro tipo, podemos citar, a respeitode várias sociedades, a questão doaborto ou do casamento homossexual,alvo de intensos debates em diversasinstâncias (medicina, direito, religião,etc.). Como exemplo do segundo tipo,podemos citar os efeitos nocivos da ingestãode álcool sobre a direção de umveículo, reconhecidos pela medicina eregulados pelo direito através, dentreoutros, do que aqui chamamos de LeiSeca, ou, ainda, no âmbito mais geralda sociologia como ciência, a vitória daperspectiva de Émile Durkheim sobre ade Gabriel Tarde 3 . Em sua abordagem,Latour está mais interessado nos objetosdo primeiro tipo, dando um tratamentosimétrico tanto para os quese tornarão vencedores quanto paraos que se tornarão vencidos na históriada ciência; tanto para o enunciadoque vingará como “verdade” quantopara aquele que passará a figurar, demodo negativo, como “crendice”. Eletoma de empréstimo o termo “caixa--preta” da cibernética justamente paradesignar aquilo que, a despeito detoda a complexidade e controvérsiaque o constituiu, se estabilizou comoverdadeiro e indubitável. É isso queacontece quando nos referimos ao buracona camada de ozônio decorrenteda poluição de determinados gases ouquando nos referimos às influências dosocial sobre o comportamento de umacriança, parecendo existir um entendimentoconsensual sobre o que se diz,ainda que ninguém possa ver e apontarpropriamente o “buraco” ou o “social”.Latour, por sua vez, quer estudaro processo anterior à constituição dascaixas-pretas, isto é, quando as controvérsiasainda estão em aberto. Comoele diz, sua entrada no mundo da ciêncianão é pela entrada mais grandiosada Ciência, mas pela porta dos fundos.IHU On-Line – Tendo em vistaa perspectiva de Latour, de que maneirase articulam as questões científicase políticas no discurso dospesquisadores?Leticia de Luna Freire – Para Latour,ciência e política, assim como naturezae cultura, não estão situadas empolos opostos, mas estão em constanteinteração, sendo impossível pensá-lasde maneira dissociada. Se tomarmos3 Jean-Gabriel de Tarde (1843-1904): filósofo,sociólogo, psicólogo e criminologistafrancês.como exemplo a recente Conferênciadas Nações Unidas para o Meio Ambiente,realizada no Rio de Janeiro noano passado, veremos que o que estáem jogo nas discussões, unindo especialistase chefes de estado (cientistase políticos), não são as florestas, a atmosfera,os oceanos enquanto “puro”objeto das ciências naturais, mas oselementos da natureza também comoobjetos políticos. Fenômenos comoa contaminação das águas e o efeitoestufa redefinem ali as relações entreciência e política. Essa conferência daONU seria um bom exemplo de análisedaquilo que Latour denomina “políticada natureza”.IHU On-Line – Como Latour lidacom a questão da autonomia doautor quando ele é utilizado comoreferência?Leticia de Luna Freire – Não merecordo de ter visto Latour preocupadodiretamente com esta questão. Mas,dependendo do entendimento que sefaz da noção de autonomia, e a tomoaqui como sinônimo de independência,diria, a partir de sua perspectiva,que o autor não é, de modo algum,independente. Na verdade, ele só setorna uma “referência” sobre determinadoassunto ou objeto, tornando-semais forte que outros no campo científico,quanto mais conectado estivera outros atores, quanto mais for capazde produzir associações. Por exemplo,um cientista que produziu determinadomedicamento e visa colocá-lono mercado só terá o necessário reconhecimentoquanto mais sua experiênciafor citada em artigos científicose quanto mais alianças fizer, seja cominstituições acadêmicas, associaçõesprofissionais, indústria farmacêuticae grande mídia, reproduzindo e reforçandoa sua autoria do feito. O mesmoocorre com um texto científico, queganhará mais força quanto mais forcitado, debatido ou criticado. Curiosamente,como chamam a atenção osprofessores Iara Souza e Dário Júniorna introdução do último livro de Latourpublicado no Brasil, ele está entre osdez autores mais citados na área deciências humanas, segundo a lista divulgadapela Thompson Reuters 4 , em2009, o que mostra que, apesar de polêmico,Latour é um ótimo cientista.4 Publicação sobre ciência, tecnologiae negócios – www.thomsonreuters.com.(Nota da IHU On-Line)54SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!