IHU em Revistawww.ihu.unisinos.brde da república inteira, de toda a sociedade.Outros falam em comunidadesculturalmente definidas. Em muitascomunidades norte-americanas e mesmodo Canadá, seus membros vêm doexterior. Durante muito tempo tais sociedadesse definiram com sociedadesde imigração, e estavam estruturadaspara isso. O segundo tipo de sociedadede imigração são aquelas que se converteramem sociedades de imigraçãosem querer sê-lo, como é o caso daEuropa Ocidental, caso da Alemanhaapós a construção do muro. Havia empregosque deveriam ser ocupados, ea taxa de natalidade estava caindo. AAlemanha Ocidental recebeu, então,um influxo de imigrantes para supriressa lacuna. O que se fez nesse país foidefinir tais trabalhadores como GastArbeiters.Fusão cultural permanenteO feminismo nas sociedades doHemisfério Norte surgiu para rompercom um modo de pensar e agir. Umadas características fundamentais dasdemocracias dessa parte do globo éa existência, ou pela primeira vez, aautoasserção das diversidades. Nessecaso temos o problema de gruposdiferentes dentro das sociedades liberaismais amplas, clamando por aceitação,igualdade e liberdade. O comunitarismopoderia designar qualquerdoutrina e dizer que devemos reconheceras diferenças e dar às pessoaso que elas merecem. Esse significadoé tão diferente do primeiro que chegaa ser contraposto a ele.E o que o reconhecimento realmenteacarreta? “É aqui gostaria defalar em multiculturalismo, termotambém confuso em sua delimitaçãode sentido e que significa várias coisasdiferentes”, completou Taylor. Criadona Austrália e logo depois utilizadono Canadá, esse conceito foi endereçadoàs pessoas demonstrando as diversidadesoriundas da globalização.Uma parte dos primeiros imigrantesdesses locais veio das ilhas britânicas,da Itália, da Alemanha, da Espanha,da Europa Oriental e do mundo todo.O senso de diversidade cultural cresceumuito, e o multiculturalismo eraum conjunto de políticas para lidarcom essa diversidade. Por um lado, omulticulturalismo foi entendido comoum incentivo à criação de guetos,mas tal interpretação correspondia àforma como as sociedades europeiasreagiam a isso. “As pessoas diferentesnão deveriam invadir a paz da sociedade,perturbando-a”, disse Taylor.No Canadá o multiculturalismoqueria integrar pessoas de todas asnacionalidades. O fato de seus ancestraisvirem de outros lugares nãoretira a igualdade dos cidadãos dediferentes nacionalidades. Isso foiacompanhado de propostas de inserçãoe reconhecimento de pessoas,reconhecimento como cidadãos, combase numa cidadania comum. “Entretanto,a palavra comunitarismo poderealmente tornar esse debate muitoconfuso. No caso da França, a palavramulticulturalismo foi assimiladaa reconhecimento de primeira espécie.A diferença é reconhecida, masas pessoas devem ficar em seu lugar.Isso porque representam uma ameaçaà república, pensam os franceses”.Entretanto, é preciso integrar as pessoasnuma cidadania comum, pontuao pensador. “A pessoa estrangeira temdireitos e deveres como todos”.Ao longo desse debate, há doisquadros do comunitarismo; um deles,de um lado, está associado ao termonegativo, apontando que o grupo deveser diferente sem se misturar. E, dooutro lado, você reconhece e oferecea possibilidade de as pessoas viveremnesse lugar. Taylor ressaltou que a fusãodas culturas é fundamental, e que estaselas em mudança permanente. “As pessoassão acostumadas com uma continuidadee uma linearidade culturais, egostam de pensar que a sociedade continuaráa ter estruturas imutáveis. Essaé uma das grandes reações emocionais.Tudo e todos que tiram essa linearidadesão mal recebidos”. O interlúdio infelizna história do Ocidente é a nossa surdezpara as outras culturas, arrematou.Democracia e reforma constanteUma democracia moderna e diversificadatem a ver com sua própriareforma. Esse sistema político temque se perguntar o que se está fazendoe tentando promover. “Temoslutas tremendas no Quebec sobre asdiferenças religiosas, sobretudo comos muçulmanos. Na Europa e Américado Norte há movimentos perigosos deislamofobia em institutos acadêmicosde direita que refletem o suposto perigodessa religião, que deve ser combatida”,lamentou Charles Taylor. “Nasdemocracias modernas devemos trabalharconstantemente sobre essetipo de exclusão”.Temos um profundo mal-estar emrelação à mudança em nossas sociedades.Trata-se de uma questão centralnas democracias de nosso tempo. Tocquevillenão precisava se preocuparcom esse fator. Ele figura como umpensador interessante porque percebeuas duas as exclusões massivas queocorriam pelos idos de 1830 nos EUA,em relação aos índios e negros. Ele descrevea exclusão dessas pessoas e discutiua democracia americana nos termosem que os americanos a concebiam.Tal teoria está baseada em ignorar essetipo de exclusão. Nas sociedades atuaisdo Hemisfério Norte isso é impossível.“Há um saudosismo de voltar ao passado,quando ‘sabíamos quem éramos’”,ironiza Taylor.56SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416
“Não é possível ser solidário unilateralmente”.Charles Taylor e o debate liberais-comunitáriosNo segundo dia do Debate liberais-comunitários:Colóquio com CharlesTaylor, na quinta-feira, 25-04-2013 6 ,o filósofo canadense iniciou sua explanaçãofalando sobre os bens irredutivelmentesociais, tensionando a partirdesse conceito como pode se constituiruma teoria crítica da política liberal. Areportagem é de Márcia Junges.De acordo com Taylor, John Rawlsafirma que a principal virtude deuma sociedade é que ela seja justaem termos de bens que podem serdistribuídos, como a prosperidade,bem-estar econômico e bem-estar nacional.Os bens não distributíveis sãoa amizade e o amor, o que Taylor chamoude bens de comunhão. Os bensirredutivelmente sociais incluem:1) A confiança social – em democraciasricas e bem sucedidas não falamossobre isso porque trata-se quasede um pressuposto, disse Taylor. “Masestamos prestes a perder essa prerrogativa.Achamos que podemos confiaruns aos outros, quando reina umadesconfiança mútua ubíqua. Contudo,esse bem pode e deve ser partilhado”.2) Comunalidade – refere-se aograu em que nos sentimos parceirosem um empreendimento na sociedade.Trata-se de algo análogo, porémmais fraco, à amizade descrita porAristóteles no livro VII da Ética. Podem-seter graus de comunalidade econfiança diferentes na sociedade.3) Solidariedade – estamos dispostosa colaborar com o Outro? Nos EUAexiste uma grande solidariedade emrelação a certas coisas, como em desastresnaturais. Já em casos de problemaspessoais como perda de emprego ouproblemas de saúde, o nível de ajuda éextremamente baixo. “Mas não é possívelser solidário unilateralmente”, relembrouo filósofo canadense.6 A matéria foi publicada também no sítiodo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.Confira no link http://bit.ly/12rMcip.(Nota da IHU On-Line)EDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013A grande ousadia da modernidadeAlgo a ser desfrutado coletivamentecompreende os recursos deposses coletivas, cujo bem é passívelde distribuição, como o petróleo, nocaso do Canadá e Brasil. Por outrolado, existem recursos culturais quefazem parte da língua e cultura. O queaconteceria se perdêssemos a grandetradição musical do Ocidente? Issoocorre quando culturas menores sãoabsorvidas por maiores. É estranhocomo na disseminação da música ocidentalpelo mundo esta marginalizaaquela originária dos outros países. NaÍndia as pessoas gostam de Beethovene Mozart, mas mantêm seus gostos etradições musicais originários.A cultura e a língua continuamexistindo porque são intercambiadasconstantemente na sociedade. Mastambém é assim que as línguas desaparecem,pontuou Charles Taylor,referindo-se ao ocaso de idiomas depovos originários do Canadá. E o queisso pode significar para a teoria política?Existe uma tendência na teoriapolítica analítica anglo-saxã em termosde conceber a política em termosindividuais e bens individuais.Na obra La societé des égaux 7 (Paris:Editions du Seuil, 2013. 432 pages ),de Pierre Rosanvalon 8 é exposto o desenvolvimentoda democracia a partirda revolução americana e francesa, e osaltos e baixos da ética subjacente a elas.Esse nível de igualdade é vivido pelaspessoas envolvidas no projeto democrático.Somos parceiros iguais no empreendimentocoletivo da sociedade.A ideia da democracia moderna,na qual todas as pessoas são membrosdo empreendimento em pé de7 Confira a entrevista sobre a obra nosítio do IHU On-Line no link http://bit.ly/18ewEz4.8 Pierre Rosanvallon (1948): historiador eintelectual francês cuja obra se dedica ahistória da democracia com base no modelopolítico francês, o papel do Estado ea questão da justiça social nas sociedadescontemporâneas. (Nota da IHU On-Line)igualdade é a grande ousadia da modernidade,garantiu Taylor. A grandeaposta da democracia modernaé que todos deveriam ser incluídosem termos de igualdade. “Existeuma impressão compartilhada entrea população de que somos cidadãosiguais. Essa percepção aflora e passapara um segundo plano frente apercepções de desigualdade. Isso éessencial da própria democracia ocidental”,frisou o pensador. “Há umadificuldade entre os grupos de se vereme entenderem como parceiros.A igualdade de distribuição é importantena democracia, mas é precisoalgo ainda maior. Trata-se dos bensirredutivelmente sociais”.SupernormatividadeSomos obrigados a passar deuma noção puramente normativa eindividual para uma outra que examinaas condições da realização dasnormas. Essa teoria também colocaem primeiro plano certos bens sociaisirredutíveis. Não teremos o tipode sociedade que queremos a menosque tenhamos muita solidariedade,confiança mútua, comunalidade. Nãochegamos nem sequer perto daquelasnormas, e precisamos ter uma teoriaque dê conta disso.E o que move essa supernormatividadee concentração? É umaconcepção profunda e defeituosado raciocínio, da razão. Em RichardDawkins 9 lemos que o direito é mais9 Clinton Richard Dawkins (1941): zoólogo,etólogo, evolucionista e escritor britânico,nascido no Quênia. Catedráticoda Universidade de Oxford, é conhecidoprincipalmente pela sua visão evolucionistacentrada no gene, exposta emseu livro O gene egoísta, publicado em1976. O livro também introduz o termo“meme”, o que ajudou na criação da memética.Em 1982, realizou uma grandecontribuição à ciência da evolução coma teoria, apresentada em seu livro O fenótipoestendido. Desde então escreveuoutros livros sobre evolução e apareceuem vários programas de televisão e rádiopara falar de temas como biologiaevolutiva, criacionismo, religião. Por suaIHU em Revista www.ihu.unisinos.br57