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O Dia das - Saída de Emergência

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THE COLOUR OUT OFSPACE E O MARAVILHOSOCIENTÍFICOcrescimento não parece passível <strong>de</strong> vir a ser controladopelo conhecimento e pela vonta<strong>de</strong> humana, pelo que, emmuitos casos, a mensagem vai no sentido <strong>de</strong> um alertapara não explorarmos as fronteiras do conhecimento em<strong>de</strong>masia. Não parece contudo evi<strong>de</strong>nte, neste e noutroscontos, tais como “The Call of Cthulhu”, ou na novela Atthe Mountains of Madness, por exemplo, que o conhecimentoseja intrinsecamente mau. De forma geral, as personagenscria<strong>das</strong> por Lovecraft não procuram o saber comobjectivos sinistros, como acontece por exemplo com VictorFrankenstein, ou outros protagonistas acometidos <strong>de</strong>uma hubris <strong>de</strong>smedida. Com efeito, o orgulho <strong>de</strong>smesuradonão parece representar um tema tão forte na ficçãolovecraftiana como noutros autores.O que alguns dos contos do mestre <strong>de</strong> Provi<strong>de</strong>nce nosparecem querer dizer é que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do nossoconhecimento, e dos nossos maiores esforços, os terríveisacontecimentos <strong>de</strong> dimensão cósmica irão continuara acontecer, com a diferença agravante <strong>de</strong> que agora omundo parecerá bem mais ameaçador aos olhos humanos,<strong>de</strong>stroçada que está para sempre a ”placid island of ignorancein the midst of black seas of infinity” (Lovecraft1994: 61), que Lovecraft refere no início <strong>de</strong> “The Call ofCthulhu”.Uma vez que este conto particular respeita a condição<strong>de</strong> transversalida<strong>de</strong> do tema analisado no ponto anterior,será pertinente falar aqui sobre “a indiferença doUniverso e a realida<strong>de</strong> para além da aparência”. Para alémdisso, é particularmente ilustrativo da questão enunciada notópico anterior, levando aos limites o nosso entendimentoacerca do que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado natural e sobrenaturalna ficção do autor. Com efeito, da<strong>das</strong> as características totalmentein<strong>de</strong>fini<strong>das</strong> e alienígenas da “entida<strong>de</strong>” que, comoveremos, causa a <strong>de</strong>struição gradual <strong>de</strong> toda uma família e a<strong>de</strong>cadência <strong>de</strong> uma vasta área rural, torna-se difícil enten<strong>de</strong>r,concretamente, do que se trata e se a mesma po<strong>de</strong>rá seralgum dia explicável pela Ciência.Tal como a narrativa no-la apresenta, essa explicação ée será durante muito tempo inatingível. Narrado na primeirapessoa por um agrimensor <strong>de</strong>stacado para os trabalhosiniciais da construção <strong>de</strong> um reservatório <strong>de</strong> água, “The ColourOut of Space” dá conta dos acontecimentos terríveis,que se seguiram à queda <strong>de</strong> um estranho meteorito. O objectocaído do espaço <strong>de</strong>ixa uma enorme clareira on<strong>de</strong> nenhumavegetação voltou a crescer, referida no conto como“blasted heath” mas, ao mesmo tempo, potencia um crescimentoanormalmente exuberante da vegetação circundante,para além <strong>de</strong> notórias, se bem que in<strong>de</strong>fini<strong>das</strong>, alteraçõesmorfológicas nos animais. O conto é ainda o relato em analepseda <strong>de</strong>cadência física e mental <strong>de</strong> uma família expostaàs estranhas radiações, culminando na sua <strong>de</strong>gradação e<strong>de</strong>struição total. É inevitável recordarmos o que aconteceuà família Curie, exposta à radiação durante um longo período<strong>de</strong> tempo, na sua busca pelo conhecimento, embora sejapossível que Lovecraft não tenha associado conscientementeesse facto à sua história. A construção do reservatório <strong>de</strong>água serviria para encobrir os efeitos visíveis do fenómeno,embora o futuro consumo daquela água fosse esten<strong>de</strong>r acontaminação exponencialmente. Um dos aspectos mais relevantesdo conto para este trabalho diz respeito à análise dometeorito, levada a cabo por uma equipa <strong>de</strong> cientistas. Estaanálise não obtém qualquer explicação satisfatória, pois omaterial analisado possui características claramente alienígenas,fora do presente alcance da Ciência humana:Stubbornly refusing to grow cool, it soon had the collegein a state of real excitement; and when upon heatingbefore the spectroscope it displayed shining bands unlikeany known colours of the normal spectrum therewas much breathless talk of new elements, bizarre opticalproperties, and other things which puzzled men ofscience are wont to say when faced by the unknown.(…) Asi<strong>de</strong> from being almost plastic, having heat, magnetism,and slight luminosity, cooling slightly in powerfulacids, possessing an unknown spectrum, wastingaway in air, and attacking silicon compounds with mutual<strong>de</strong>struction as a result, it presented no i<strong>de</strong>ntifyingfeatures whatsoever; and at the end of the tests the collegescientists were forced to own that they could notplace it. It was nothing of this earth, but a piece of thegreat outsi<strong>de</strong>; and as such dowered with outsi<strong>de</strong> propertiesand obedient to outsi<strong>de</strong> laws (Lovecraft 1994:242-243).Embora os cientistas não consigam explicar aquele estranhoobjecto, nem sequer <strong>de</strong>terminar se se tratava <strong>de</strong>uma entida<strong>de</strong> viva ou não, Lovecraft não opta pela viahabitualmente utilizada por autores mais tradicionais. Bem<strong>de</strong> acordo com o modo fantástico, a dúvida sobre aquelamisteriosa entida<strong>de</strong> permanece, embora no seio da sua ficçãoo escritor <strong>de</strong>ixe a porta entreaberta para uma futura explicaçãoatravés da Ciência. Ainda que o “meteorito” nãose pareça comportar <strong>de</strong> acordo com as leis conheci<strong>das</strong> pelaCiência, comportar-se-á <strong>de</strong> acordo com outras que, por enquanto,ainda <strong>de</strong>sconhecemos, constituindo um exemplo <strong>de</strong>que o sobrenatural po<strong>de</strong> ser visto como uma parte do real,por enquanto ainda <strong>de</strong>sconhecido. Esta é uma perspectivaque a poetisa Emily Dickinson já havia intuído e afirmadonuma <strong>das</strong> suas cartas: ”I was thinking today, as I noticed,that the ‘Supernatural’, was only the natural disclosed” 1 .Das múltiplas leituras pertinentes para o tema em análisee que são permiti<strong>das</strong> pelo conto, <strong>de</strong>stacaríamos, uma vezmais, a intromissão do “exterior” na vida do Homem. Ometeorito constitui um elemento tão alienígena, tão exteriorao Homem e ao ambiente que pensamos dominar,que nem a natureza da ameaça po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>terminar. Torna-sedifícil enten<strong>de</strong>r se a ameaça e as suas consequênciasnefastas para os seres humanos são <strong>de</strong>libera<strong>das</strong> ou não,numa evi<strong>de</strong>nte alusão à indiferença do Universo perantea Humanida<strong>de</strong>.A relação da Ciência com a realida<strong>de</strong> posta a <strong>de</strong>scobertoé também interessante, pois coloca em evidência aincapacida<strong>de</strong> em lidar com possíveis <strong>de</strong>scobertas que acuriosida<strong>de</strong> humana possa vir a realizar. Mesmo após osacontecimentos terríveis na “blasted heath” pareceremterminados, não havendo mais vítimas humanas a registar,a ameaça subsiste na forma <strong>de</strong> uma clareira que seexpan<strong>de</strong> lenta, mas inexoravelmente, ano após ano. Esse1 In http://www.theatlantic.com/unbound/poetry/emilyd/edletter.htm, consultado a23 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2008.52 53“TERROR CÓSMICO”UMA PERSPECTIVA EXISTENCIALISTAWilliam Van O’Connor na sua obra The Grotesque: AnAmerican Genre and Other Essays afirma o seguinte:There is of course a <strong>de</strong>eply existentialist drift in mo<strong>de</strong>rnfiction, European and American. Medieval orRenaissance man could dream of the harmonies implicitin the doctrine of the microcosm-macrocosm relationship.Citizens in Pope’s world could dream of theharmonies of a mechanistically or<strong>de</strong>red universe. Shelleyand Byron could reassert that man was a Prometheus.Herbert Spencer and others testified to havingobserved that evolution is biological, social and moral.Common to all of these doctrines is the belief that manmay rely on spiritual and rational forces in the universe.There was an or<strong>de</strong>r of things upon which he could <strong>de</strong>pendfor succor, a sense of purpose, and the assurancethat he was rational. The mo<strong>de</strong>rn writer seems certainonly of uncertainty (O’Connor 1962: 17).Uma perspectiva existencialista também po<strong>de</strong>rá ajudar aexplicar a actualida<strong>de</strong> da ficção lovecraftiana, embora, numprimeiro momento, esta pareça ser difícil <strong>de</strong> conciliar comoutras posições <strong>de</strong>fendi<strong>das</strong> na sua ficção e correspondênciapessoal. À primeira vista, o autor parece, através da sua féna Ciência, essencialmente mecanicista, ou também comoviria a ser conhecido posteriormente, mais próximo <strong>de</strong> umpositivismo lógico, algo que o afastaria, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, <strong>de</strong>ssaperspectiva filosófica. No entanto, uma análise mais cuidadosapo<strong>de</strong>rá mostrar-nos algo diferente. Lovecraft não seencontra exclusivamente preso a uma perspectiva objectivado mundo. O autor percebe as limitações dos nossos sentidose as consequentes dificulda<strong>de</strong>s para a obtenção <strong>de</strong>ssa,por muitos almejada, objectivida<strong>de</strong>.É conhecida a importância que os sonhos <strong>de</strong>têm nasua obra e os mesmos eram muitas vezes vistos pelo autorcomo uma forma tão ou mais válida do que as outras convencionalmenteaceites para um conhecimento autêntico darealida<strong>de</strong>. Essa forma <strong>de</strong> ace<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong>s escondi<strong>das</strong> por“<strong>de</strong>trás <strong>de</strong> véus” não estará acessível a todos, apenas os maissensíveis o po<strong>de</strong>rão fazer, ainda que os mesmos possam vira correr o risco <strong>de</strong> serem mal-interpretados pela maioria.Vejamos o início do conto “The Tomb”:It is an unfortunate fact that the bulk of humanity istoo limited in its mental vision to weigh with patienceand intelligence those isolated phenomena, seen andfelt only by a psychologically sensitive few, which lieoutsi<strong>de</strong> its common experience. Men of broa<strong>de</strong>r intellectknow that here is no sharp distinction betwixt thereal and the unreal; that all things appear only as theydo only by virtue of the <strong>de</strong>licate individual physical andmental media through which we are ma<strong>de</strong> consciousof them; but the prosaic materialism of the majoritycon<strong>de</strong>mns as madness the flashes of supersight whichpenetrate the common veil of obvious empiricism (Lovecraft1987: 18).

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