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O Dia das - Saída de Emergência

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sions. Such a task would – in view of the mental stress– take at least an hour – and it would be the most usefulthing I could do before dropping off into oblivion. If Idid finish ahead of time, I’d probably spend the residualminutes getting a last look at something closely associatedwith my earliest memories – a picture, a librarytable, an 1895 Farmer’s Almanack, a small music-boxI used to play with at 2 ½, or some kindred symbol– completing a psychological circle in a spirit half ofhumour and half of whimsical sentimentality. Then –nothingness, as before Aug. 20, 1890 (Lovecraft, ed.Joshi 2000b: 339).Na sua preferência por não colocar o ser humano em nenhumlugar especial face a outros seres ou outras forçasda natureza, Lovecraft partilha esta posição com um outrofilósofo que profundamente marcou Friedrich Nietzsche.Trata-se <strong>de</strong> Arthur Schopenhauer. Na sua obra The World asWill and Representation, o filósofo irá colocar o ser humano paralelamentea outros seres vivos em muitos aspectos da suaexistência, mesmo naqueles que habitualmente consi<strong>de</strong>ramoscomo diferenciadores e que nos colocam num lugar central.Christopher Janaway em Schopenhauer: A Very Short Introductionafirma acerca <strong>de</strong>ste aspecto em particular da sua filosofia:So, <strong>de</strong>spite superficial appearances, Schopenhauer doesnot simply wish to un<strong>de</strong>rstand nature in anthropomorphicterms. Although he asks us to interpret theworld using concepts applied first to ourselves, thenotion of the will to life has the effect of <strong>de</strong>motinghumanity from any special status separate from therest of nature. First, in our bodies, the same ‘blind’force operates as throughout nature: we are organizedto live and propagate life not by any consciousact of will. Secondly, there is a close continuity betweeneven the conscious, purposive willing of humanaction and the life-preserving functions and instinctsat work elsewhere. In our seeking of mates andproviding for offspring, we are driven by the sameinstincts as other animals. And Schopenhauer seesthe human capacities for perception, rationality andactions as an offshoot of the same wi<strong>de</strong>r principlewhich leads insects to build nests, feathers to grow,and cells to divi<strong>de</strong>. In this respect, the will to lifecan seem quite a forward-looking notion. Anothercrucial feature is Schopenhauer’s steadfast oppositionto anything approaching an external or divinepurpose for nature. Even though it is ‘a single will’which expresses itself throughout the multiplicity ofphenomena, this means only that all behaviour is ofthe same striving or goal-directed kind. All life-formsstrive towards life; but there is no coordinatedpurpose to nature, rather the kind of purposefulnessand conflict which are usually associated with Darwinism(Janaway 2002:46).Mais uma vez, realçamos a “<strong>de</strong>spromoção” da espéciehumana como centro <strong>de</strong> tudo e uma visão da nossaexistência como <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>das</strong> mesmas condicionantesque afectam as restantes espécies. Existe tambémem comum a noção <strong>de</strong> que o principal impulso <strong>das</strong> nossasvi<strong>das</strong> resi<strong>de</strong>, não numa intenção ou propósito divino jápré-estabelecido, mas <strong>de</strong> que este está contido nas miría<strong>de</strong>s<strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s e conflitos que compõem uma visão darwinistado mundo. O fruto do acaso, o jogo <strong>das</strong> possibilida<strong>de</strong>s,ocupa um lugar <strong>de</strong>stacado na cosmovisão <strong>de</strong> H. P.Lovecraft, aproximando-o <strong>de</strong> autores mais contemporâneoscomo Paul Auster.Extrapolando para a sua obra, sobretudo o ciclo compreen<strong>de</strong>ndoo “Cthulhu Mythos”, não será <strong>de</strong>sta forma, <strong>de</strong>estranhar que as ténues e temporárias “vitórias” dos protagonistasface aos adversários que ameaçam com a <strong>de</strong>struiçãoda Humanida<strong>de</strong> sejam, em muitos casos, fruto do acasoe não tanto dos méritos e acções dos anti-heróis utilizadospelo escritor.Numa perspectiva igualmente darwinista, o conflito <strong>de</strong>interesses entre seres como os “Old Ones” e a raça humananão será perspectivada como um conflito entre o Bem e oMal, mas sim um conflito entre duas espécies, uma incomensuravelmentemais po<strong>de</strong>rosa e adaptada do que a outra,sendo quase inevitável que a vitória reverta, mais cedo oumais tar<strong>de</strong>, para a mais po<strong>de</strong>rosa. A vitória dos “Old Ones”e a <strong>de</strong>struição da raça humana seria apenas o resultado do“survival of the fittest”.Uma vez mais, se recorrermos a Nietzsche, veremosque tal acontecimento não é, em sim mesmo, a vitória doMal. Será apenas Mal na perspectiva avaliadora <strong>de</strong> quemper<strong>de</strong>, neste caso concreto, a Humanida<strong>de</strong>. Esta perspectivarelativista e não absoluta é, pois, partilhada por Lovecrafte constitui, como temos visto, uma <strong>das</strong> suas característicasmais interessantes e originais. Pontos <strong>de</strong> contacto adicionaisentre o escritor e Schopenhauer resi<strong>de</strong>m ainda no profundomaterialismo com que ambos concebiam a percepção darealida<strong>de</strong>.Para Schopenhauer, conceitos espirituais não fazemqualquer sentido, nestas explicações. A apreensão da realida<strong>de</strong><strong>de</strong>ve-se ao orgão no interior do crâneo a que chamamoscérebro. A materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste orgão não po<strong>de</strong> ser separadado seu conceito <strong>de</strong> will to life, essa força que se sobrepõe ato<strong>das</strong> as outras.A ausência <strong>de</strong> crença na espiritualida<strong>de</strong> esten<strong>de</strong>-se, naobra do escritor norte-americano, ao carácter material <strong>das</strong>entida<strong>de</strong>s que ameaçam a Humanida<strong>de</strong>, embora, lembremo-nos,estas sejam sempre fruto da sua imaginação, peloque a materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas apenas faça sentido na lógica internada sua ficção. No seguimento <strong>de</strong>sta lógica interna, talcomo correntes filosóficas mais próximas do século XX, asquais rejeitam a espiritualida<strong>de</strong>, também a obra lovecraftianairá caracterizar-se pelo seu carácter material.Não obstante a estranheza e o carácter totalmente alienígenaque exibem, todos estes seres são compostos porátomos e são passíveis <strong>de</strong> uma explicação assente em leisfísicas, leis essas que Lovecraft reconhece, com a humilda<strong>de</strong>que faz falta à Ciência, não serem ainda totalmente ou atémesmo incipientemente conheci<strong>das</strong>. Talvez até nunca as venhamosa conhecer, pois as limitações do cérebro humanoa isso po<strong>de</strong>rão obstar.Outros pontos <strong>de</strong> aproximação entre o filósofo e o escritordizem igualmente respeito à sua atitu<strong>de</strong> menos positi-58 59va em relação à existência humana. No caso do filósofo, diversosautores consi<strong>de</strong>ram-no um pessimista, já no caso <strong>de</strong>Lovecraft, ele próprio se consi<strong>de</strong>ra um indiferentista. Sejaqual for o caso, quer na obra filosófica do primeiro, quer naobra literária do segundo, o sofrimento ocupa um lugar <strong>de</strong>primazia, embora o peso do sofrimento pareça ser maiorem Schopenhauer do que em Lovecraft. O filósofo chega aafirmar que a não-existência será preferível à existência: “Infact, nothing else can be stated as the aim of our existenceexcept the knowledge that it would be better for us not toexist” (Janaway 2002:110). Schopenhauer <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> uma totalrepressão dos <strong>de</strong>sejos, da busca do prazer, do próprioimpulso sexual, que consi<strong>de</strong>ra dominante, pois os mesmossão encarados como fontes incessantes <strong>de</strong> sofrimento e dor.Uma tal concepção, aparentemente intolerável, é <strong>de</strong>fendidapor Schopenhauer na perspectiva <strong>de</strong> que cortandotodos os laços que nos ligam ao mundo, todos menosaquele que nos liga à própria existência, será possível umaexistência sem dor nem sofrimento. Nessa restrição do sofrimento,a busca pelo conhecimento é também <strong>de</strong> evitar,pois é também, ela própria, um <strong>de</strong>sejo. Dado que Schopenhauerconsi<strong>de</strong>ra cada <strong>de</strong>sejo como um elo numa ca<strong>de</strong>iainterminável <strong>de</strong> insatisfação, a resposta a uma pergunta ouquestão científica só levará a mais perguntas, ou seja, amais <strong>de</strong>sejos. Cada resposta, cada anseio por conhecimentolevará inevitavelmente a mais sofrimento.É interessante verificar as semelhanças que esta lógicapossui em comum com os acontecimentos habituais naLiteratura Gótica, particularmente com aquilo que po<strong>de</strong>riamoschamar a “busca <strong>de</strong> conhecimento proibido”. Nãoprecisaremos <strong>de</strong> muitos exemplos para recordarmos o queacontece às personagens lovecraftianas e aquelas pertencentesao Gótico em geral, quando estas preten<strong>de</strong>m conhecimentospara além daquilo que <strong>de</strong>viam. Um exemplo quepo<strong>de</strong>remos consi<strong>de</strong>rar clássico <strong>de</strong>ntre os contos <strong>de</strong> Lovecrafté o sofrimento obtido por todos aqueles que buscamconhecimento através do Necronomicon.No que toca às formas para evitar o sofrimento, o filósofoconsi<strong>de</strong>ra que o caminho da estética, apesar <strong>de</strong> ser umaforma <strong>de</strong> serena e tranquilamente se contemplar o Belo, nãoé uma forma <strong>de</strong> chegar à anulação da vonta<strong>de</strong>. Quer Lovecraft,quer o filósofo partilhavam da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a Arte émitigadora <strong>de</strong> muito do sofrimento existencial, po<strong>de</strong>ndo atéconferir um sentido para a vida. Schopenhauer admite quea contemplação estética po<strong>de</strong> subtrair o Homem à ca<strong>de</strong>iacontínua <strong>das</strong> necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>sejos. Contudo, mesmo estavia não é absolutamente satisfatória, pois tal como uma esmolaque alivia o sofrimento <strong>de</strong> um mendigo, esta apenasadia e prolonga o seu sofrimento para o dia seguinte.Para Schopenhauer to<strong>das</strong> as artes são libertadoras, <strong>de</strong>rivandoo seu prazer da cessação da dor <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> queoferecem. Contudo, a arte, tal como o ópio, não redime oHomem da vida, fá-lo apenas por breves instantes, não sendoum caminho para a libertação da vida que o filósofo <strong>de</strong>fendia.Muito resumidamente, Schopenhauer aponta comoforma <strong>de</strong> alcançar essa negação uma vida em que os valoresda justiça e da filantropia se elevam em relação aos outros.Desta forma, os impulsos e a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser o maisimportante. Outra forma <strong>de</strong> alcançar esse estado <strong>de</strong> libertaçãoé bastante mais árdua. Essa segunda via consiste numavida permeada <strong>de</strong> constante sofrimento, que fará quebrar avonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver e os <strong>de</strong>sejos renunciados, alcançando umapaz imperturbável.Como referido atrás, Lovecraft não se afirma comoum pessimista, mas sim como um indiferentista, sendoeste um factor diferenciador nas suas concepções <strong>de</strong> existência.Não fosse Lovecraft um artista e não ocuparia aestética um lugar importante no seu pensamento e modo<strong>de</strong> se relacionar com o mundo à sua volta. O peso daestética acaba mesmo por constituir um elemento fundamentalda sua ética:About my own attitu<strong>de</strong> toward ethics – I thought Ima<strong>de</strong> it plain that I object only to (a) grotesquely disproportionateindignations and enthusiasms, (b) illogicalextremes involving a reductio ad absurdum , and (c)the nonsensical notion that “right” and “wrong” involveany principles more mystical and universal thanthose of immediate expediency (with the individual’scomfort as a criterion) on the one hand, and those ofaesthetic harmony and simmetry (with the individual’semotional-imaginative pleasure as a criterion) on theother hand. I believe I was careful to specify that I donot advocate vice and crime, but that on the other handI have a marked distaste for immoral and unlawful actswhich contravene the harmonious traditions and standardsof beautiful living <strong>de</strong>veloped by a culture duringits long history. This, however, is not ethics but aestehtics –a distinction which you are almost alone in consi<strong>de</strong>ringnegligible (Lovecraft, ed. Joshi 2000b: 226).Prosseguindo nas diferenças e semelhanças entre Schopenhauere Lovecraft, essenciais no caso do escritor para acompreensão da sua noção <strong>de</strong> terror cósmico, vejamoso que os separa no facto <strong>de</strong> o primeiro ser um pessimista eo segundo um indiferentista. Interessantemente, o facto <strong>de</strong>,para Lovecraft, o Universo ser governado essencialmentepor probabilida<strong>de</strong>s, acaso e leis físicas que se aplicam nageneralida<strong>de</strong> da realida<strong>de</strong> por nós percebida, faz com que osofrimento seja menos central no seu pensamento:The indifferentist laughs as much at irresponsible calamity-howlersand temperamental melancholiacs as hedoes at smirking i<strong>de</strong>alists and unctuous woodrowilsonians.For example – nothing makes me more amusedthan the hypersensitive people who consi<strong>de</strong>r life as essentiallyan agony instead of merely a cursed bore, punctuatedby occasional agony and still rarer pleasure. Lifeis rather <strong>de</strong>pressing because pain and ennui outweighpleasure; but the pleasure exists, none the less, and canbe enjoyed now and then while it lasts. And too – manycan build up a crustacean insensitiveness against thesubtler forms of pain, so that many lucky individualshave their pain-quota measurably reduced. Uniform melancholyis as illogical as uniform cheer (I<strong>de</strong>m: 230-231).Não seria possível terminar este breve capítulo referenteao existencialismo e à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar os seuspontos <strong>de</strong> contacto na obra lovecraftiana, sem falarmos<strong>de</strong> um dos seus expoentes, o filósofo que assumiu inteiramenteo termo “existencialismo”, marcando toda uma geraçãono século XX.Trata-se do filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre,nome que nos dispensa <strong>de</strong> referências ao seu percurso <strong>de</strong>vida. Diremos, contudo, que Lovecraft e Sartre nunca se

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