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O Dia das - Saída de Emergência

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alguém no mundo capaz <strong>de</strong> possuir esse manuscrito e <strong>de</strong>tentar <strong>de</strong>cifrá-lo, seria sem dúvida o profundo erudito JohnDee, matemático, astrólogo, criptógrafo e mágico, que aindapor cima tem sobre os restantes candidatos a vantagem<strong>de</strong> ter mantido longas e sugestivas conversações com seressupraterrestres (anjos?) numa linguagem alegadamenteceleste, a Língua Enochiana. O conhecido autor americano<strong>de</strong> FC&F, Lin Carter (1930-1988), <strong>de</strong>clarou que John Deeseria o único capaz <strong>de</strong> traduzir o Necronomicon, caso este livrorealmente existisse, e não esteve com meias medi<strong>das</strong>:após ter «<strong>de</strong>scoberto» essa tradução <strong>de</strong> Dee — publicou-ana íntegra! (Não me surpreen<strong>de</strong>, Lin Carter era capaz <strong>de</strong>tudo, até escreveu coisas com o tortuoso pseudónimo H. P.Lowcraft…) 7Tenho alguns dos livros escritos por John Dee, três dosquais em edições fac-simila<strong>das</strong> <strong>das</strong> edições do séc. XVI, eum dia talvez escreva um artigo totalmente <strong>de</strong>dicado a esteextraordinário personagem, que bem merece. Uma <strong>das</strong> suasobras, sobretudo, promete conhecimentos supranaturais aquem souber interpretá-la; foi editada em Londres em 1564e intitula-se Monas hieroglyphica: Mathematice, Magice, Cabalistice,Anagogiceque, explicata [«A Mónada Hieroglífica: ExplicadaMatematicamente, Magicamente, Cabalisticamente e Anagogicamente»].Estu<strong>de</strong>i os seus 24 Theoremae <strong>de</strong> trás paradiante e <strong>de</strong> diante para trás e confesso que não me sentiagraciado com um sensível acréscimo <strong>de</strong> iluminação, porquenão entendi nem oito por cento. Fracasso que se <strong>de</strong>vesem dúvida à minha notória incapacida<strong>de</strong> para penetrar taisarcanos. Mas quem conseguir entendê-lo, <strong>de</strong> acordo com aadvertência <strong>de</strong> Dee no frontispício, «Qui non intelligit, auttaceat, aut discat» 8 , <strong>de</strong>certo estará em condições <strong>de</strong> realizaros mais inacreditáveis prodígios.John Dee aos 67 anos. Retrato do séc. XVI,por artista <strong>de</strong>sconhecido.7Essa tradução tem por título “The Necronomicon: The Dee Translation Annotatedby Lin Carter”, e vem incluída, na íntegra, em: Robert M. Price (org.), TheNecronomicon: Selected Stories and Essays Concerning the Blasphemous Tomeof the Mad Arab. VvAa. A Chaosium Book, 1996; pp. 130-198.8«Quem não compreen<strong>de</strong>, ou se cale, ou aprenda».Glifo hermético <strong>de</strong> John Dee, interpretado cabalisticamente noseu tratado Monas hieroglyphica (1564).A forma como o Manuscrito Voynich chegou às mãos <strong>de</strong>Dee é nebulosa, e tem sido relatada <strong>de</strong> várias e diferentesmaneiras. Darei a seguir a versão que me parece mais plausível.Arthur Dee (1579-1651), filho <strong>de</strong> John Dee e médicodo rei Carlos I <strong>de</strong> Inglaterra, acompanhou o pai nas suas viagensatravés da Alemanha, Polónia e Boémia, escreveu umacolectânea <strong>de</strong> textos <strong>de</strong> alquimia, Fasciculus chemicus (1629),e revelou que um manuscrito enigmático teria sido entregueao seu pai pelo primeiro duque <strong>de</strong> Northumberland,que saqueara um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> mosteiros e trouxerao manuscrito juntamente com uma vasta colheita <strong>de</strong> outraspreciosida<strong>de</strong>s. John Dee possuía a reputação <strong>de</strong> ser um coleccionadorentusiasta <strong>de</strong> livros estranhos e um criptógrafo<strong>de</strong> alto calibre, reputação — aliás merecidamente justificada— que levara o duque a procurá-lo para que <strong>de</strong>cifrasse o talescrito e <strong>de</strong>scobrisse os espantosos segredos que certamenteconteria.De que natureza seriam esses segredos não fazemosi<strong>de</strong>ia, mas a convidativa teoria da conspiração sopra-nos aoouvido que «alguém» se empenhou em travar as diligênciasque Dee empreen<strong>de</strong>u para os <strong>de</strong>scobrir. Basta pensarmosna catadupa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgraças que sobre ele se abateu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> queiniciou a tarefa <strong>de</strong> tentar <strong>de</strong>scodificar o documento, a começarpor perseguições inexplicáveis e assaltos à sua casa emMortlake, visando preferencialmente a sua enorme biblioteca(mais <strong>de</strong> 3.000 volumes impressos e 3.000 manuscritos),<strong>de</strong>vastada por roubos e vandalizações que arruinaram todoo acervo <strong>de</strong> livros e manuscritos raros incluindo as suas preciosasanotações pessoais. Tudo isso <strong>de</strong>sapareceu e somenteresta uma escassa meia-dúzia <strong>de</strong> livros que se conserva naSt. John’s College Library (University of Cambridge) 9 . Paraculminar, registe-se o pormenor assaz suspeito <strong>de</strong> lhe terapa9 O último exemplar da perdida livraria <strong>de</strong> John Dee, e por sinal da autoria<strong>de</strong>ste, foi <strong>de</strong>scoberto e doado à St. John’s College Library em Junho <strong>de</strong>2009. Tem por título: General and rare Memorials pertayning to the PerfectArte of Navigation (London, 1577).66 67aparecido um persuasivo personagem que muito impressionouDee com as suas capacida<strong>de</strong>s supranaturais…Dee teve a infeliz i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> se associar com ele para progredirnas suas pesquisas — e esclareça-se, <strong>de</strong> imediato,que se tratava <strong>de</strong> um escroque chamado Edward Talbot(1555-1597), con<strong>de</strong>nado por vários crimes e que se intitulavaclarivi<strong>de</strong>nte e capaz <strong>de</strong> realizar as mais espectacularesproezas alquímicas, além <strong>de</strong> falar com espíritossuperiores e <strong>de</strong> visionar prodígios num cristal.Como todos os gran<strong>de</strong>s génios místicos, Dee eraum crédulo e confiava piamente na sincerida<strong>de</strong> <strong>das</strong>pessoas e, nem é preciso dizê-lo, foi enrolado por essealdrabilhas que mudou o nome para Edward Kelley eexplorou John Dee até on<strong>de</strong> pô<strong>de</strong>, acabando por <strong>de</strong>ixáloquase na miséria. Dee casara em segun<strong>das</strong> núpcias,aos 51 anos, com a jovem e apetecível Jane Fromond,que tinha então 23, e o ardiloso Kelley, após uma sessãomediúmnica na Boémia 8 , disse a Dee que o anjo Urielcom quem estivera em contacto <strong>de</strong>ra or<strong>de</strong>m para que osdois homens compartilhassem as respectivas esposas, oque certamente propinou uns bons momentos a Kelleye umas gran<strong>de</strong>s angústias a Dee, que, segundo parece,não duvidou da autenticida<strong>de</strong> da prescrição angélica econsentiu que o trato fosse levado por diante. Afortunadamenteos dois homens separaram-se pouco <strong>de</strong>pois,Kelley prosseguiu a sua carreira <strong>de</strong> alquimista mas nãoconseguiu produzir ouro para o imperador Rudolfo II,que o encarcerou na torre do Castelo Hnevin. Kelleyacabou por morrer estupidamente porque ao tentar fugirescorregando por uma corda, esta era curta <strong>de</strong> maise ele precipitou-se quando ainda se encontrava a meioda <strong>de</strong>scida da altíssima torre.John Dee por sua vez não conseguiu <strong>de</strong>cifrar o misteriosodocumento — «um livro contendo um texto incompreensível»,segundo testemunho do filho, ArthurDee. (Não conseguiu ou não o <strong>de</strong>ixaram?) Para repelir oespectro da miséria John Dee ven<strong>de</strong>u os poucos livrosque lhe restavam, incluindo o Manuscrito Voynich, que foicomprado pelo imperador Rudolfo II, como se disseatrás, por 600 ducados <strong>de</strong> ouro.Mas a história não acaba aqui. Das inúmeras tentativasque se conhecem para <strong>de</strong>cifrar o manuscrito, duas háque teriam estado muito perto da solução — a <strong>de</strong> JohnDee e a <strong>de</strong> um outro erudito, o prof. William Newbold,que veremos a seguir. Em ambos os casos, ambos osautores parecem ter sido «dissuadidos» <strong>de</strong> levar a tarefaa bom termo. William Romaine Newbold (1865-1926),antiquário, especialista em criptografia e professor <strong>de</strong> filosofiana Universida<strong>de</strong> da Pennsylvania, tornara-se conhecidopelas suas pesquisas e <strong>de</strong>scobertas no campo <strong>das</strong>antiguida<strong>de</strong>s e na <strong>de</strong>cifração <strong>de</strong> línguas antigas. Newbol<strong>de</strong>ntrou em contacto com o manuscrito em 1919, quandoeste se encontrava na posse <strong>de</strong> Wilfrid Voynich, e em1921 <strong>de</strong>clarou que <strong>de</strong>scobrira a chave que <strong>de</strong>scodificavao documento. Declaração obviamente sensacional, tantomais que Newbold começou a proferir uma série <strong>de</strong>conferências, em 1921 e 1922, explicando o seu métodobaseado numa hipótese singular: o texto visível não temem si nenhum significado, mas cada letra aparente nãopassa <strong>de</strong> um minucioso constructo <strong>de</strong> pequeníssimasmarcas apenas discerníveis sob potente ampliação. Estavaconvencido que o autor do texto teria sido Roger Bacon,o famoso monge inglês do séc. XIII que tem a seucrédito numerosas <strong>de</strong>scobertas científicas, e, segundoNewbold, muitas <strong>de</strong>las inéditas e somente acessíveis aséculos vindouros. É claro que a comunida<strong>de</strong> científica,sobretudo arqueólogos e paleógrafos, rejeitou o método<strong>de</strong> Newbold tal como rejeitou a sua peculiar visão <strong>das</strong>capacida<strong>de</strong>s inventivas <strong>de</strong> Bacon, que, se por um ladoadvogou e incentivou, nos seus trabalhos, a ciência experimental,por outro lado não po<strong>de</strong>ria, nem por sombras,ter sido o autor do manuscrito.Todavia, e durante os poucos anos <strong>de</strong> vida que restarama Newbold após as suas sensacionais revelações,houve cientistas que o levaram a sério, nomeadamenteos que tinham assento com ele em socieda<strong>de</strong>s académicasrespeitáveis como o Classical Club of Phila<strong>de</strong>lphia,a American Philosophical Society, a Society of BiblicalLiterature e a American Oriental Society. Mas <strong>de</strong> súbitotodos <strong>de</strong>ram o dito por não dito e o próprio Newboldinterrompeu a continuida<strong>de</strong> <strong>das</strong> investigações, até que asua morte em 1926 encerrou silenciosamente o assunto.Subsistem, em todo o caso, algumas perplexida<strong>de</strong>s poresclarecer, como certas frases «traduzi<strong>das</strong>» do ManuscritoVoynich e que Newbold ainda conseguiu publicar, porexemplo: «Vi num espelho côncavo uma estrela em forma<strong>de</strong> caracol. Encontra-se entre o umbigo <strong>de</strong> Pégaso,o busto <strong>de</strong> Andrómeda e a cabeça <strong>de</strong> Cassiopeia…», ouainda passagens que fazem alusão ao «segredo <strong>das</strong> estrelasnovas».Mesmo aceitando a teoria dos cépticos <strong>de</strong> que omanuscrito não passa <strong>de</strong> uma fraudulência do séc. XVIelaborada talvez por John Dee ou por um herbolário daBoémia, Jacobus Sinapius, contemporâneo <strong>de</strong> Dee, senele se revela o segredo energético <strong>das</strong> novae e dos qua-

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