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O Dia das - Saída de Emergência

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sars, tal hipótese dá azo a perspectivas pouco risonhas,e, como observava o passarão do Jacques Bergier (malamadoda intelligentsia bem-pensante mas dotado <strong>de</strong> umirresistível sentido do humor), mais vale que o manuscritopermaneça in<strong>de</strong>cifrável antes que ponha ao alcance<strong>de</strong> qualquer curioso (leia-se: qualquer terrorista) umafonte <strong>de</strong> alta energia superior ao actual po<strong>de</strong>r nuclear.Suspeito em todo o caso que este receio seja infundado:felizmente, e apesar <strong>das</strong> fugas e ven<strong>das</strong> clan<strong>de</strong>stinas <strong>de</strong>material radioactivo da ex-União Soviética, ainda ninguémconseguiu — que eu saiba, se estiver enganadopor favor corrijam-me — fabricar uma bomba atómicano forno <strong>de</strong> microon<strong>das</strong> lá <strong>de</strong> casa.Por outro lado a referência a Andrómeda não <strong>de</strong>ixa<strong>de</strong> ser embaraçante: que espécie <strong>de</strong> aparelho seria otal «espelho côncavo» capaz <strong>de</strong> perscrutar os abismoscósmicos a ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir que a nebulosa <strong>de</strong> Andrómeda(hoje conhecida como galáxia <strong>de</strong> Andrómeda,ou M31, ou ainda NGC 224) tem forma <strong>de</strong> caracol(espiral) e se encontra precisamente no local indicadopelo estranho livro? Se é verda<strong>de</strong> que este corpo celestejá era conhecido dos antigos astrónomos persas que selhe referiam como uma «pequenina nuvem», somenteem 1887 é que o astrónomo Isaac Roberts <strong>de</strong>scobriua sua forma espiralada mediante fotografias <strong>de</strong> longaexposição.Folheando o livro, e através do exame <strong>das</strong> gravuras— já que pelo texto nada se fica a saber —, parecepo<strong>de</strong>r <strong>de</strong>duzir-se que o Manuscrito Voynich está divididoem secções específicas: herbolária e botânica, astronómica,cosmológica, farmacológica e uma colecção<strong>de</strong> receitas. Entre as muitas gravuras <strong>de</strong>ssas secções,po<strong>de</strong>mos ver por exemplo reproduções minuciosas epormenoriza<strong>das</strong> <strong>de</strong> plantas que não existem no nossoplaneta; mulheres nuas banhando-se em tinas ou talvezaquários, ou nadando através <strong>de</strong> estranhas tubagens assazelabora<strong>das</strong> e aparentemente orgânicas; diagramascosmográficos, alguns <strong>de</strong>senhados em cartas <strong>de</strong>sdobráveis,contendo símbolos astronómicos ora circularesora com outras formas, e esquemas com conjuntos <strong>de</strong>estrelas on<strong>de</strong> algumas constelações são reconhecíveismas outras parecem diferentes ou estranhamente distorci<strong>das</strong>.Assim sendo, vejo-me constrangido a corrigir a minhasuposição <strong>de</strong> há pouco, da proveniência extraterrestredo manuscrito: o mais certo é ter vindo, afinal,<strong>de</strong> uma outra dimensão, ou <strong>de</strong> um universo paralelo ligeiramente<strong>de</strong>sfasado em relação ao nosso. Ainda porcima, se alguém ou alguma coisa o conseguiu transportaraté cá, é <strong>de</strong> temer que o livro contenha a «receita» daconstrução da «porta» (a famosa porta Z!) que permitea passagem em ambos os sentidos… Deus nos <strong>de</strong>fenda<strong>de</strong> semelhante perigo! Já estou a transpirar.Se me dão licença sigo adiante, e como o tema dos«livros míticos» é pouco menos que inesgotável, reservareipara um próximo artigo, se ainda me restaremforças e alguma sabença, outros livros não menos esquisitose excitantes, como por exemplo os enigmáticose (talvez) inexistentes livros que são mencionadosem certas passagens da Bíblia, ou os chamados «falsosdocumentos», livros tão falsos, tão falsos, mas tão beminformados que parecem perturbadoramente verda<strong>de</strong>iros(sem dúvida associados à inevitável teoria da conspiração…)— vejam-se por exemplo os Monita Secreta[«Instruções Secretas dos Jesuítas para o Domínio doMundo»] (1614), os Protocolos dos Sábios <strong>de</strong> Sião [«InstruçõesSecretas dos Ju<strong>de</strong>us para o Domínio do Mundo»](1903), os Hitlers Tagebücher [«Diários <strong>de</strong> Hitler»] (supostamente<strong>de</strong>scobertos em 1945 e publicados em 1983),etc., etc.Mas não só. Outros há, ainda, que nos põem a imaginaçãonum fervedouro… mas <strong>de</strong>ixemo-los para o talpróximo capítulo que acima vos prometi. BANG!ANTÓNIO DE MACEDO é escritor, cineasta e prof. universitário, nasceu em Lisboaem 1931. Frequentou a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong> Clássica e aEscola Superior <strong>de</strong> BA <strong>de</strong> Lisboa, on<strong>de</strong> se formou em Arquitectura em 1958.Exerceu durante alguns anos a profi ssão <strong>de</strong> arquitecto que abandonou em1964 para se <strong>de</strong>dicar à activida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escritor, cineasta e professor. Inclui na suaextensa fi lmografi a <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> documentários, programas televisivos e fi lmes<strong>de</strong> intervenção, bem como onze longas-metragens <strong>de</strong> fi cção. Paralelamente,especializou-se na investigação e estudo <strong>das</strong> religiões compara<strong>das</strong>, <strong>de</strong> esoterologia,<strong>de</strong> história da fi losofi a e da estética audio-visual, e <strong>das</strong> formas literárias e fílmicas<strong>de</strong> «fi cção especulativa». Dirigiu a colecção Bibliotheca Phantastica, da editoraHugin, e foi um dos promotores dos Encontros Internacionais <strong>de</strong> Ficção Científi ca& Fantástico <strong>de</strong> Cascais, que se iniciaram em 1996. Tem leccionado em diversasinstituições <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1971, como o IADE, a Universida<strong>de</strong> Lusófona, a EscolaOfi cinactores, Universida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna e o ISER.Foi homenageado pelo 30.º Festival Internacional <strong>de</strong> Cinema da Figueira da Foz,em Setembro <strong>de</strong> 2001, pela relevância da sua carreira e pelo contributo prestado àcultura cinematográfi ca portuguesa.6869De A a BDOPINIÃOWATCHMEN - POR DETRÁS DA MÁSCARAAlan Moore <strong>de</strong>fine Watchmen comosendo, em muitos aspectos, uma meditaçãosobre o po<strong>de</strong>r nas suas várias vertentes.Gran<strong>de</strong> parte da sua narrativa exibeum tom <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança em relação aoexercício do po<strong>de</strong>r em si e da responsabilizaçãoque cada um atribui a si própriono uso do mesmo, o que torna a sérienum verda<strong>de</strong>iro produto da sua época.Essa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrença, alimentadapor déca<strong>das</strong> <strong>de</strong> tensão social e <strong>de</strong>silusõespolíticas (aborda<strong>das</strong> nada inocentementepor Moore sob a forma do assassinato<strong>de</strong> Kennedy, a Guerra do Vietnam,o uso <strong>de</strong> Nixon como ainda Presi<strong>de</strong>ntedos EUA), <strong>de</strong>morou a entrar no géneroliterário do super-herói americano, nessaaltura ainda preso à sua génese douradados anos 30 e 40. Nesses idos anos 80,o Sonho Americano sofria <strong>de</strong> uma espécie<strong>de</strong> morte lenta, mas nas páginas <strong>de</strong>um qualquer comicbook, lidava-se comcatástrofes espaciais e crime organizadoem tom <strong>de</strong> telenovela perpétua.Mesmo apesar <strong>de</strong> to<strong>das</strong> as tragédiase dilemas vividos, os escaparatesestavam repletos <strong>de</strong> cores primárias esorrisos amarelos embalados pela censurapromovida pelo Comics Co<strong>de</strong> Authority<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1954. A este propósito écurioso como no álbum Watchmen queaqui analisamos, Moore faça referência àpré-censura dos clássicos da EC Comicscom a história secundária, Tales of theBlack Freighter.O escritor britânico admite quequando entrou no mundo dos super-heróisse sentiu imediatamente atraído pelanatureza mitológica e moralmente ambíguado género, mas ficou também intrigadocom a ausência <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>steem questionar-se a si próprio acerca doseu real papel no mundo ao longo dotempo.Não que fosse inédita a incursão <strong>de</strong>super-heróis em temas actuais (veja-se otrabalho Dennis O’neill e Neal Adamsna dupla Green Arrow/Green Lanternnos anos 70), mas a maioria dos títulosda altura parecia viver numa realida<strong>de</strong>paralela, <strong>de</strong>sfasada do tempo real, imuneà influência dos avanços e recuos da socieda<strong>de</strong>que supostamente retratava. Aspersonagens não envelheciam, tinhamciclos <strong>de</strong> encontros com arqui-inimigos,e os seus problemas pessoais pareciamestar parados no tempo, não importavamas peripécias imagina<strong>das</strong> pelas equipaseditoriais envolvi<strong>das</strong>.“WHAT HAPPENS IN COMICS,STAYS IN COMICS.”É argumentável que essa seja uma <strong>das</strong>pedras base do género, a sacrossantaContinuida<strong>de</strong> em que tudo muda e tudofica na mesma, mas Moore, no meio <strong>de</strong>outros poucos autores da época, queriaalgo mais. Apostado em explorar a partemais humana dos super-heróis, o argumentistacomeçou por querer actualizarum grupo <strong>de</strong> super personagens familiaresmas secundárias, transpostas paraum contexto distante da candura da suaexistência até aí. O primeiro tratamentofoi aparentemente baseado numa equipachamada The Mighty Crusa<strong>de</strong>rs, já<strong>de</strong> si uma tentativa da Archie Comicspara capitalizar o sucesso conquistadopelas linhas <strong>de</strong> super-heróis da Marvel eda DC da altura. Quando o tratamentofoi proposto à DC, o “plot” foi transferidopara um catálogo <strong>de</strong> personagensque esta tinha adquirido recentementea outra editora, a Charlton Comics, masacabou por ser recusado nesses termos,dada a intenção <strong>de</strong> Moore em dar um finalpouco simpático a quase todo o rol<strong>de</strong> personagens.Como alternativa, foi-lhe sugeridoque criasse os seus próprios peões <strong>de</strong>xadrez, o que Moore fez, recorrendo aarquétipos do género super-heróico, mascolados aos nomes da Charlton que eleinicialmente trabalhara.Desta estranha adaptação saíramveículos sobre-humanos para históriaspessoais injecta<strong>das</strong> <strong>de</strong> uma auto consciênciaaté aí nunca vista numa personagemmascarada.No mundo criado por Moore, superseresquestionam-se, reflectem, enganam-se,cometem erros, arrepen<strong>de</strong>m-se,sofrem as consequências da sua naturezae enten<strong>de</strong>m o seu papel no esquema <strong>das</strong>coisas. Todos estão ligados entre si porpassado, presente e futuro, todos são influenciadose influenciam o mundo em| Ricardo Venânciovolta, seja através <strong>de</strong> um encontrosexual fortuito, ou ganhando uma guerraantes perdida, ou mesmo ameaçando omundo inteiro com a própria existência.Esta interligação tem um enormecontributo do ilustrador Dave Gibbons,através da reinvenção da clássica grelha <strong>de</strong>9 planos, que lhe dá um ritmo não muitofácil <strong>de</strong> seguir, mas completamente indicadopara o universo proposto por Moore.Com Watchmen, ambos ajudarama introduzir evolução e introspecção nouniverso do vigilante mascarado (patentesno <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong>gradação doconceito <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>ntro da história), <strong>de</strong>s<strong>de</strong>os super-heróis que escon<strong>de</strong>m os problemasatrás <strong>de</strong> máscaras, à nova geração queexibe os seus estigmas à superfície.Este comentário esten<strong>de</strong>-se aomundo em si, à evolução da socieda<strong>de</strong>humana e à consciência (ou falta <strong>de</strong>la)<strong>das</strong> vitórias e fracassos do nosso <strong>de</strong>senvolvimentocolectivo.Apesar <strong>de</strong> à época a Guerra Fria tersido aparentemente posta <strong>de</strong> parte e <strong>de</strong>Nixon estar morto e enterrado, os dilemase perigos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ilustrados nos 12números <strong>de</strong> Watchmen estavam, e parecemestar ainda, vivos e <strong>de</strong> boa saú<strong>de</strong>.Bob Dylan, na música que embalao genérico do filme, canta “The times,they are a-changin’...”; <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Watchmen,a vida não foi mais pintada a coresprimárias; passou a ser mais cinzenta,discordante e paranóica. E hoje já nãoexistem sorrisos amarelos sem pintas <strong>de</strong>sangue. BANG!Ricardo Venâncio é um ilustrador e autor <strong>de</strong> BD lisboetaa trabalhar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1999. Des<strong>de</strong> tenra ida<strong>de</strong> que foiencorajado a absorver histórias <strong>de</strong> fantasia, mitologia efi cção <strong>de</strong> todo o tipo, em especial através <strong>das</strong> BDs queo seu pai lhe comprava todos os Verões. Essa se<strong>de</strong> <strong>de</strong>se <strong>de</strong>slumbrar com outros mundos levou-o a algunstrabalhos conhecidos como a concepção visual doálbum Sound In Light dos Blasted Mechanism (2006),do vi<strong>de</strong>oclip “É Verda<strong>de</strong>?” dos Terrakota com o colectivoDroid_id (2007), e a sua série <strong>de</strong> BD “Defi er” (2009).Ricardo faz parte do The Lisbon Studio.

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