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O Dia das - Saída de Emergência

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OPINIÃO / João BarreirosÉdifícil imaginar, neste multiversofeito <strong>de</strong> um número incomputável<strong>de</strong> escolhas possíveis, comoteria sido a minha vida, se eu tivesseposto os meus olhos sobre um certolivrinho na altura certa. Se as prateleirason<strong>de</strong> se acoitavam os “livros proibidos”da minha família não estivessemacessíveis aos <strong>de</strong>dinhos pegajososda criança que então fui. Bastava terlido em primeiro lugar um Asimov -falo aqui do profundamente entediantee <strong>de</strong>sconexo ciclo da Fundação - emvez <strong>de</strong> um compacto Ortog do KurtSteiner (1960), André Ruelan <strong>de</strong> seuverda<strong>de</strong>iro nome, para que imediatamenteme afastasse <strong>de</strong> um géneroque afinal marcou a minha existência.Assim sendo, lembro-me ainda <strong>de</strong> percorreras páginas <strong>de</strong>sse livro perdido(e tão fininho que ele era), on<strong>de</strong> Ortog,inocente pastor <strong>de</strong> megatérios -tornado enfim cavaleito-nauta - partiapelo espaço em busca do remédio capaz<strong>de</strong> curar a humanida<strong>de</strong> moribunda.Este livro épico, que foi <strong>de</strong>certoum marco na ostracizada literaturafrancesa <strong>de</strong> FC teve mais tar<strong>de</strong> umasequela nunca publicada em Portugal,Ortog et les ténèbres (1969), on<strong>de</strong> o nossoherói, tal mo<strong>de</strong>rno Orfeu, <strong>de</strong>scia aosinfernos para salvar a “consciência” <strong>das</strong>ua bem-amada. Livrinho discreto, aomesmo tempo sinistro e crepuscular,mal foi lido noite escura e com a ajuda<strong>de</strong> uma lanterna sob os lençóis, logoencheu <strong>de</strong> sombras e angst existencialos meus pesa<strong>de</strong>los <strong>de</strong> infância. Tinhaeu sete anitos quando o li pela primeiravez. Assim se corrompem as almasinocentes. Assim se viciam as criancinhascuja obrigação seria ler mais umaEnid Blyton e ficar por aí. E como seisso não bastasse, vítima da inevitávele maléfica sincronicida<strong>de</strong>, enquanto olia, corria no gira-discos a canção proibidado Zeca Afonso, o No lago do Breu- nunca mais me esqueci da imagemdo megacomputador cujos segredosseriam capazes <strong>de</strong> regenerar a senescentehumanida<strong>de</strong>, afundado numlago <strong>de</strong> alcatrão e <strong>de</strong>fendido por umexército <strong>de</strong> morcegos gigantes.E alguns anos <strong>de</strong>pois, outra pequenaepifania...Lembram-se da colecção da RobertLaffont, Ailleurs et Demain, dirigidapor Gerard Klein e cujas capasmetálicas brilhavam nas prateleiras <strong>das</strong>livrarias <strong>de</strong> Lisboa? Nesses temposépicos on<strong>de</strong> Portugal ainda lia em línguaestrangeira, encontrei outro dosgran<strong>de</strong>s marcos da FC pós new wave,o Nova (1968) do Samuel Delany. Sómais tar<strong>de</strong> vim a <strong>de</strong>scobrir que Delanytinha apenas 26 anitos quando o escreveu.Mas a i<strong>de</strong>ia base era fabulosa.Recolher um metal raríssimo geradono núcleo <strong>de</strong> uma estrela em vias <strong>de</strong>explosão. Mergulhar a nave no coração<strong>de</strong> uma supernova, com todosos riscos inerentes ao capitão/piloto.Cegar por overdose <strong>de</strong> luz. Ficar parao resto da vida com uma estrela a explodir-lheem frente dos olhos. Semesquecer o triângulo amoroso que formao núcleo do livro, também ele tão<strong>de</strong>strutivo como o mergulho no coração<strong>de</strong> uma estrela moribunda. Umpouco como o amour fou a la francaise.On<strong>de</strong> o comandante louco mata porinveja a amada com um beijo. E logo<strong>de</strong> seguida se suicida num banho <strong>de</strong>luz. Sem esquecer que o futuro <strong>de</strong>scritopor Delany, não é <strong>de</strong>certo aqueleon<strong>de</strong> habitam os flashes gordons e oscapitães cometa. É um amanhã <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte,dominado pelas famílias típicas<strong>de</strong> uma Renascença Italiana, <strong>de</strong> tripulantesneuróticos viciados em todo otipo <strong>de</strong> drogas psicotrópicas, <strong>de</strong> unhassujas e roupas enxovalha<strong>das</strong>, on<strong>de</strong> oastrogador/poeta está armado <strong>de</strong> umaespécie <strong>de</strong> cítara electrónica que po<strong>de</strong>matar à distância com a intensida<strong>de</strong> dosom. Com os romances Nova, The Fall ofThe Towers, Babel-17, The Einstein Intersection,e com contos fabulosos como We, Insome strange powers employ, Move on a rigorousline, ou o Time consi<strong>de</strong>red as an helix of semipreciousstones, marcou o nascimento <strong>de</strong>uma FC literária, escrita com rigor, capaz<strong>de</strong> colocar o género a anos-luz dospulp que lhe <strong>de</strong>ram a vida. Claro quenada disto foi publicado em Portugal,a não ser a novela, Babel-17 no Círculo<strong>de</strong> Leitores, com uma tradução abominávelda velha nemesis <strong>das</strong> ediçõesportuguesas, Eduardo Saló.Tristes tristezas.Pois nesta época mole e soturnaon<strong>de</strong> presentemente vivemos, as prateleiras<strong>das</strong> livrarias portuguesas continuama encher-se <strong>de</strong> intermináveisfantasias infanto-pueris, sem esquecero vómito do angst adolescente estimuladopelos vampiros bonzinhos epoliticamente correctos da Meyers.Aqui já não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolhaa quem queira encontrar a suaprópria epifania. Para isso, teria <strong>de</strong> lerem Inglês ou Francês. Consultar Enciclopédias.Ser um arqueólogo <strong>de</strong> umpassado que resolveu escon<strong>de</strong>r-se outornar-se invisível. BANG!João Barreiros, licenciado em fi losofi a eprofessor do ensino Secundário, é tradutor,autor e (até já foi) editor <strong>de</strong> fi cção científi ca.Os seus livros saíram com as chancelasda Caminho, Livros <strong>de</strong> Areia, Presençae Saída <strong>de</strong> Emergência. A sua próximaantologia sairá pela Gailivro. Em Espanhafoi publicado pela Bibliopolis.172

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