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Prosa 3 - Academia Brasileira de Letras

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Edson Nery da Fonsecaensaísta gaúcho a pergunta não tem resposta. Mas o pessimista Carpeaux respon<strong>de</strong>u-alembrando a gravura <strong>de</strong> Goya na qual um esqueleto escreveu em sua próprialápi<strong>de</strong> a palavra NADA.Manuel Ban<strong>de</strong>ira escreveu “Profundamente” na casa n. o 53 da Rua do Curvelo,hoje Dias <strong>de</strong> Barros. “Não sei se exagero dizendo que foi na Rua do Curveloque reaprendi os caminhos da infância”, escreveu o poeta; e “Profundamente”é uma recordação <strong>de</strong> “quando tinha seis anos”.A primeira versão apareceu em carta a Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong>1927, cujo manuscrito foi divulgado por Marlene Gomes Men<strong>de</strong>s em sua contribuiçãoà obra coletiva organizada por Telê Porto Ancona Lopez, Manuel Ban<strong>de</strong>ira: Verso eReverso (São Paulo: T. A. Queiroz, s.d.). As diferenças entre o manuscrito e a versãoimpressa mostram a preocupação do poeta com as palavras, fiel à lição <strong>de</strong> Mallarméao pintor Degas: a <strong>de</strong> que o poema não se faz com i<strong>de</strong>ias e sim com palavras.Na primeira versão Manuel Ban<strong>de</strong>ira se refere às “vozes cantigas e risos”que ouvira “ao pé das fogueiras vermelhas”, verso que na versão <strong>de</strong>finitiva ficou“ao pé das fogueiras acesas”; na quinta estrofe ele escreveu: “Quando eutinha seis anos / Não vi o fim da festa <strong>de</strong> S. João / Porque dormi”, versos queficaram mais musicais na versão <strong>de</strong>finitiva: “Quando eu tinha seis anos / Nãopu<strong>de</strong> ver o fim da festa <strong>de</strong> São João / Porque adormeci”.No manuscrito da Brasiliana Itaú o que mais impressiona é a omissão dos seguintesversos, com os quais termina a segunda estrofe: “Apenas <strong>de</strong> vez emquando / O ruído <strong>de</strong> um bon<strong>de</strong> / Cortava o silêncio / Como um túnel”. Certamenteum lapso do poeta, que era muito sensível aos ruídos dos bon<strong>de</strong>s: nocaso, o bon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santa Teresa, cuja parada na estação do Curvelo ele <strong>de</strong>via ouvirda casa n. o 53. Lembre-se, a propósito, que já residindo no Beco dos Carmelitas,Manuel Ban<strong>de</strong>ira registrou, no poema “O Martelo” (da Lira dos Cinquent’anos),o ruído das rodas dos bon<strong>de</strong>s contornando o antigo tabuleiro doLargo da Lapa: “As rodas rangem na curva dos trilhos inexoravelmente”.O que fica <strong>de</strong>stas simples anotações é o que escreveu Jean Cohen: “o poeta époeta não pelo que pensou ou sentiu, mas pelo que disse: não é um criador <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ias, mas <strong>de</strong> palavras. Todo o seu gênio está na invenção verbal”.172

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