Reflexões sobre a poesia migrante na Itáliamesmo porque, ao contrário do que pensam muitos políticos, o pluralismo emesmo o sincretismo e a mestiçagem são um valor. De fato, em um livro sobrea literatura italiana da migração, o crítico Raffaele Ta<strong>de</strong>o afirma que tambéma literatura italiana nasceu como literatura <strong>de</strong> viagem, <strong>de</strong> exílio e <strong>de</strong> migração eque Dante, um dos seus fundadores, é um migrante por excelência, e a sua éuma língua espúria, “contaminada”. 24Pensar em uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como algo monolítico, rígido e inalterável é negara própria história italiana, feita <strong>de</strong> amálgamas e simbioses culturais, <strong>de</strong> empréstimose apropriações enriquecedoras e <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> impulso “antropofágico”,para usarmos um conceito tão característico da cultura brasileira,que a levou a assimilar e a reelaborar <strong>de</strong> forma original o que <strong>de</strong> melhor haviaem termos filosóficos, artísticos e culturais dos outros povos com os quais entrouem contato, legando à humanida<strong>de</strong> momentos únicos da nossa História,como o Humanismo e o Renascimento.Aliás, a literatura italiana <strong>de</strong>veria se relacionar melhor não só com a literaturamigrante interna, mas também com a chamada letteratura italofona, produzidapor escritores italianos <strong>de</strong> primeira e segunda gerações que vivem fora dasfronteiras italianas, os quais também cruzam várias tradições em suas obras esofrem do mesmo tipo <strong>de</strong> marginalização que vivem os autores migrantes.Termino essas rápidas consi<strong>de</strong>rações sobre um tema tão complexo e fascinanteaugurando que se verifiquem, o quanto antes, uma intersecção e umaconfluência <strong>de</strong> intentos entre todos os escritores <strong>de</strong> língua italiana, sem distinção<strong>de</strong> origem e, sobretudo, sem hierarquias nacionalistas, já que todos buscamrespostas para questões atuais, importantes sobretudo para que a socieda<strong>de</strong>perceba suas contradições e tome consciência das manipulações i<strong>de</strong>ológicas,formuladas em função das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> exclusão e marginalização do “outro”,quer este “outro” seja o estrangeiro, o pobre, o idoso, o doente. Concluo comas palavras <strong>de</strong> Mia Lecomte, <strong>de</strong> que compartilho inteiramente:24 Cf. TADDEO, R. Letteratura Nascente. Letteratura Italiana <strong>de</strong>lla Migrazione. Autori e Poetiche. Milano: RaccoltoEdizioni, 2006.189
Vera Lúcia <strong>de</strong> OliveiraEd è diventato a questo punto necessario un confronto fattivo fra scrittori migranti eautoctoni – i viaggiatori immobili –, una collaborazione artistica trasversale all’insegna<strong>de</strong>lla contaminazione e <strong>de</strong>ll’eterogeneità. Indispensabile agli uni, da un lato, per liberarela lingua <strong>de</strong>lla poesia italiana sfinita, autoreferenziale, da barocchismi, ermetismi esperimentazioni di una certa avanguardia ormai in retroguardia, e riascoltarla davveroattraverso la voce altrui fatta propria; e agli altri per essere accompagnati nella messa apunto <strong>de</strong>llo strumento sonoro senza rischiare un appiattimento e un impoverimento <strong>de</strong>irisultati poetici, perché questo possa risuonare e fare eco in tutta la sua potenza, e acclimatarsimusicalmente all’interno <strong>de</strong>ll’universo comune di una parola sempre più bastardae condivisa. 25[Tornou-se necessário, a esse ponto, um ativo <strong>de</strong>bate entre escritores autóctones– os viajantes imóveis – e escritores migrantes, uma colaboraçãoartística transversal sob o signo da contaminação e da heterogeneida<strong>de</strong>.Indispensável para os primeiros, por um lado, para liberar a língua da poesiaitaliana, esgotada e autorreferencial, <strong>de</strong> barroquismos, hermetismos e experimentalismos<strong>de</strong> uma certa vanguarda já em retaguarda, e reouvi-la pelavoz do outro que a fez própria; e aos escritores migrantes, para acompanhá-losnesse processo <strong>de</strong> afinação <strong>de</strong> um instrumento sonoro sem arriscarum empobrecimento dos resultados poéticos, para que este possa ressoar eecoar em toda a sua potência, e aclimatar-se musicalmente <strong>de</strong>ntro do universocomum <strong>de</strong> uma palavra que será cada vez mais mestiça e compartilhadapor todos.]25 Cf. LECOMTE, M., op. cit., p. 11.190