13.07.2017 Views

edição de 12 de junho de 2017

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

STORYTELLER<br />

Marcelo Born/iStock<br />

O Perú Molhado<br />

O jornal (com acento mesmo)<br />

circulou em Búzios e fazia o<br />

maior sucesso no balneário<br />

LuLa Vieira<br />

jornal O Perú Molhado (com acento<br />

O mesmo) circulou durante anos em<br />

Búzios, editado por um argentino completamente<br />

maluco e absolutamente genial<br />

chamado Marcelo Lartigue. Fazia o maior<br />

sucesso entre a galera que frequentava o<br />

balneário e tinha entre seus colaboradores<br />

figurões importantes do jornalismo e<br />

da cultura, todos imbuídos da missão <strong>de</strong><br />

fazer um jornal inteligente, divertido e irresponsável.<br />

Até mesmo O Pasquim, o Casseta Popular<br />

e o Planeta Diário, para falar dos similares<br />

brasileiros, apesar da esculhambação editorial<br />

e da irreverência <strong>de</strong> seus conteúdos,<br />

tinham alguma pretensão empresarial,<br />

procurando bem ou mal seguir as regras<br />

<strong>de</strong> administração, com arremedos <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong>,<br />

contas a pagar e outras mumunhas<br />

comerciais. O Perú Molhado jamais<br />

<strong>de</strong>sceu a tanto.<br />

Ostentando décadas <strong>de</strong> circulação ininterrupta,<br />

muito mais do que muitos congêneres,<br />

tinha como característica principal<br />

o total <strong>de</strong>sprezo por qualquer burocracia,<br />

começando pelo fato <strong>de</strong> não possuir redação,<br />

funcionários registrados, arquivos e<br />

contabilida<strong>de</strong>. Por algum tempo, quando<br />

eu dirigia o marketing da Ediouro, imprimíamos<br />

O Perú Molhado em nosso parque<br />

gráfico. Para não levar cano nos custos <strong>de</strong><br />

impressão, resolvemos o problema da forma<br />

mais eficaz <strong>de</strong> evitar inadimplência:<br />

não cobrávamos pelo serviço.<br />

Fizemos uma permuta, recebendo em<br />

espaço para anunciar nossos livros. Além<br />

das páginas <strong>de</strong> anúncios, O Perú punha<br />

na capa uma frase: “Valeu, Ediouro” cujo<br />

significado ninguém entendia. Mas como<br />

muito do que o jornal publicava também<br />

era criptografado, ficou como mais um<br />

mistério, dos muitos que saíam <strong>de</strong> vez em<br />

quando e po<strong>de</strong>ríamos chamar, sofisticadamente,<br />

<strong>de</strong> “journalisme à clef”.<br />

Agora, quem não conheceu O Perú (com<br />

acento) po<strong>de</strong> pensar que era um jornal<br />

feio, <strong>de</strong>sarrumado e mal produzido, por<br />

causa das condições em que ele era feito.<br />

Nada disso! O jornal podia ter capas <strong>de</strong> Jaguar<br />

ou Chico Caruso, fotos dos maiores<br />

profissionais da área, retratando personalida<strong>de</strong>s<br />

que cobrariam uma baba para posar<br />

em qualquer outra publicação, entrando<br />

na lista Gisele Bündchen, Luíza Brunet,<br />

Monique Evans, Luana Piovanni, Fernanda<br />

Lima, Gloria Maria e muitas outras mulheres<br />

lindíssimas, começando pela musa<br />

do jornal: Brigite Bardot.<br />

Da forma mais atabalhoada e no espírito<br />

da casa, O Perú Molhado fazia coberturas<br />

internacionais, enviando correspon<strong>de</strong>ntes<br />

para Cuba, Moscou, Nova York, Coreia<br />

e Japão, on<strong>de</strong> a brava equipe sempre conseguia<br />

observar um ângulo diferente dos<br />

gran<strong>de</strong>s eventos mundiais, como bordéis,<br />

botequins e hotéis baratos, além <strong>de</strong> dicas<br />

fundamentais <strong>de</strong> on<strong>de</strong> conseguir bocas livres<br />

e caronas. Mas também entrevistou<br />

Fi<strong>de</strong>l Castro, Madonna e Alain Delon, entre<br />

outros.<br />

O Manual <strong>de</strong> Redação e Estilo foi uma<br />

obra <strong>de</strong> minha autoria, escrita nas comemorações<br />

<strong>de</strong> 30 anos do jornal, que teve<br />

também um livro, diversos eventos, como,<br />

por exemplo, um festival gastronômico<br />

sob o tema peru e... uma procissão. É uma<br />

citação <strong>de</strong> Marcelo Lartigue que explica a<br />

“filosofia” da criação <strong>de</strong> capas <strong>de</strong> O Perú<br />

Molhado, parte do tal Manual <strong>de</strong> Redação:<br />

“em O Perú Molhado as chamadas <strong>de</strong> capa<br />

não precisam ter nenhuma ligação com o<br />

interior do jornal. Elas <strong>de</strong>vem assombrar<br />

o leitor, fazê-lo pensar e, sobretudo, comprar<br />

a porra do jornal, mesmo que a notícia<br />

interna <strong>de</strong>sminta inteiramente o título<br />

publicado na capa. Coerência é um <strong>de</strong>talhe<br />

que não <strong>de</strong>ve nos afastar da missão <strong>de</strong><br />

berrar na banca”.<br />

O gran<strong>de</strong> problema é que, ao contrário<br />

<strong>de</strong> outras famílias que dominam a imprensa,<br />

Marcelo não cuidou <strong>de</strong> sua sucessão<br />

e O Perú foi enterrado com ele. Sem<br />

nenhum trocadilho.<br />

Lula Vieira é publicitário, diretor da<br />

Mesa Consultoria <strong>de</strong> Comunicação,<br />

radialista, escritor, editor e professor<br />

lulavieira@grupomesa.com.br<br />

jornal propmark - <strong>12</strong> <strong>de</strong> <strong>junho</strong> <strong>de</strong> <strong>2017</strong> 19

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!