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edição de 17 de outubro de 2016

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aya/iStock<br />

O caramujo, que representa o movimento Slow Food: comer <strong>de</strong>vagar é só a essência <strong>de</strong> uma causa<br />

Divulgação<br />

daí vem emitindo alertas importantes<br />

sobre a discrepância<br />

da superprodução <strong>de</strong> alimentos<br />

em nome da sacieda<strong>de</strong> da população<br />

mundial. A tradução<br />

simplista, “comer <strong>de</strong>vagar ou<br />

comida lenta” é só a essência <strong>de</strong><br />

toda uma causa que vem sendo<br />

articulada junto a foodies, entida<strong>de</strong>s,<br />

indústria e governos,<br />

que visa o alimento bom, limpo<br />

e justo. Segundo Petrini, uma<br />

espécie <strong>de</strong> Dom Quixote poético<br />

e cheio <strong>de</strong> frases <strong>de</strong> efeito, já<br />

são três décadas <strong>de</strong> militância<br />

confirmando que algo está fora<br />

da or<strong>de</strong>m. “De um lado, 800 milhões<br />

<strong>de</strong> pessoas passam fome,<br />

<strong>de</strong> outro dois bilhões sofrem<br />

dos malefícios da superalimentação.<br />

Temos produzido muita<br />

tecnologia e informação. Mas<br />

tecnologia e informação não são<br />

<strong>de</strong> comer! É preciso um retorno<br />

à valorização e ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />

da agricultura e do pastoreio”.<br />

Segundo ele, “foi no século<br />

16 que a horta foi parar na<br />

porta dos fundos, antes jardim e<br />

horta eram uma coisa só. Precisamos<br />

religar a beleza do plantio<br />

e do manejo da terra ao dia a<br />

dia, até nas gran<strong>de</strong>s metrópoles,<br />

para criar uma atmosfera nova<br />

<strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> social”.<br />

Ao contrário do que po<strong>de</strong>m<br />

pensar os mais puristas, o movimento<br />

não <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o vegetarianismo,<br />

mas sim valoriza a<br />

convivência harmoniosa entre<br />

os reinos animal e vegetal. Porque<br />

a terra sem animais vira um<br />

<strong>de</strong>serto e do <strong>de</strong>serto nada se tira<br />

da terra. Aí está uma questão<br />

nervosa, principalmente na socieda<strong>de</strong><br />

atual: o consumo consciente<br />

da carne. O recado “slow<br />

meat” é que se compreenda a<br />

Linguiça: produção <strong>de</strong> carnes envolve sistema bilionário<br />

Divulgação<br />

essência da vida, que se <strong>de</strong>fenda<br />

a diversida<strong>de</strong> e as diferenças<br />

<strong>de</strong> costumes e toda carne seja<br />

consi<strong>de</strong>rada como algo muito<br />

nobre. O consumo <strong>de</strong>ve ser feito<br />

com respeito, em pouca quantida<strong>de</strong><br />

e com mais qualida<strong>de</strong>, para<br />

interromper o ciclo <strong>de</strong> <strong>de</strong>vastação<br />

das florestas, da perda da<br />

biodiversida<strong>de</strong>, do <strong>de</strong>sperdício<br />

<strong>de</strong> água, da mudança climática<br />

e dos superantibióticos. Na contramão,<br />

o Brasil, celeiro e se<strong>de</strong><br />

da criação extensiva <strong>de</strong> animais<br />

para todo o planeta, foi citado<br />

como um dos protagonistas<br />

das distorções do exagero e do<br />

<strong>de</strong>sperdício em toda a ca<strong>de</strong>ia,<br />

manejo, distribuição, comercialização<br />

e rebaixamento das<br />

carnes em segunda ou terceira<br />

linhas. O cenário apresentado<br />

pela organização é crítico: anualmente<br />

o Brasil produz mais <strong>de</strong><br />

80 milhões <strong>de</strong> toneladas <strong>de</strong> milho<br />

e outras 86 milhões <strong>de</strong> toneladas<br />

<strong>de</strong> soja para conseguir 26<br />

toneladas <strong>de</strong> carne. O gigantismo<br />

exigido pela plantação dos<br />

insumos que alimentam este<br />

ranking nos coroa absolutos no<br />

pódio do uso <strong>de</strong> pesticidas agrícolas:<br />

somos o “número um” no<br />

ataque às <strong>de</strong>fesas da natureza,<br />

não amamos a terra. Por aqui, a<br />

cobrança pela sustentabilida<strong>de</strong><br />

na produção da carne ainda é<br />

tacanha. Alguns pequenos movimentos<br />

dos gran<strong>de</strong>s frigoríficos<br />

são responsáveis por novos<br />

produtos, mais “saudáveis ou<br />

goumet”, infelizmente custando<br />

mais caro.<br />

Da produção acelerada e da<br />

cruelda<strong>de</strong> aplicada na criação<br />

dos animais é bom nem falar. A<br />

legislação é branda, antiga e se<br />

renova naquilo que interessa à<br />

própria ativida<strong>de</strong>. Por isso é importante<br />

ecoar a mensagem do<br />

Terra Madre e a sua recomendação<br />

“slow meat”. O grito <strong>de</strong><br />

guerra da passeata que tomou<br />

conta das ruas <strong>de</strong> Turim resume<br />

a conta: “eles são muitos, mas<br />

somos milhões”. Então é no<br />

quesito “frequência” que cada<br />

um tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> diminuir e<br />

frear esta máquina <strong>de</strong> moer recursos<br />

naturais.<br />

O churrasquinho do domingo,<br />

a picanha do boteco e o bife<br />

nosso <strong>de</strong> cada dia têm <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong> ser gula para virar <strong>de</strong>gustação,<br />

uma iguaria, <strong>de</strong> vez em<br />

quando. A carne <strong>de</strong>ve voltar a<br />

ser um mito em nossa vida. Temos<br />

<strong>de</strong> aceitar a contrarieda<strong>de</strong><br />

inerente ao consumo da carne<br />

na trajetória e cultura humanas.<br />

Afinal, no princípio, o próprio<br />

homem era a carne e o alimento<br />

<strong>de</strong> muitos animais. E então<br />

a história se inverteu. Ao longo<br />

do tempo, novos significados e<br />

i<strong>de</strong>ologias surgiram em torno<br />

do abate dos animais. Em nome<br />

dos <strong>de</strong>uses, dos po<strong>de</strong>rosos e até<br />

do sofrimento, a carne tornou-<br />

-se oferenda em rituais <strong>de</strong> sacrifício.<br />

Por outro lado, também virou<br />

uma espécie <strong>de</strong> talismã, símbolo<br />

<strong>de</strong> esperança, prosperida<strong>de</strong><br />

e boa sorte em celebrações da<br />

vida. Para alguns é tabu e para<br />

outros, prazer. Simboliza privação<br />

e ostentação, ofensa e orgulho<br />

ao mesmo tempo. Mas no<br />

fim do dia, em nome da carne,<br />

estamos cometendo muitos pecados.<br />

Carne não é ban<strong>de</strong>jinha.<br />

Não po<strong>de</strong> ser banalizada assim.<br />

É um animal que nasceu e morreu<br />

para nos alimentar. Tem <strong>de</strong><br />

ser apreciada com muita parcimônia<br />

e dignida<strong>de</strong>. Guarnecida<br />

<strong>de</strong> valores assim, a carne é sana!<br />

*Marisa Furtado é VP <strong>de</strong> inovação<br />

da Fábrica. Também atua como especialista<br />

em gastronomia, história<br />

e cultura do Madame Aubergine<br />

Cozinha & Cultura.<br />

jornal propmark - <strong>17</strong> <strong>de</strong> <strong>outubro</strong> <strong>de</strong> <strong>2016</strong> 35

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