You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
última página<br />
gruizza/iStock<br />
Entre dois<br />
mundos<br />
Claudia Penteado<br />
Costumo brincar que na próxima encarnação<br />
quero vir blogueira <strong>de</strong> maquiagem.<br />
Essa brinca<strong>de</strong>ira começou quando<br />
passei a avistar, em coletivas, moças cercadas<br />
<strong>de</strong> atenções incomuns e claramente <strong>de</strong><br />
outra estirpe que nós meros mortais jornalistas.<br />
Eram as blogueiras – ou youtubers,<br />
ou vlogueiras –, mocinhas muitas vezes<br />
comuns que um dia ligaram uma câmera<br />
e <strong>de</strong>cidiram repartir suas vidas e hábitos<br />
<strong>de</strong> consumo com quem estivesse disposto<br />
a assistir. Seja pelo <strong>de</strong>sejo mais pueril <strong>de</strong><br />
inspirar pessoas, pela busca <strong>de</strong><br />
uma voz, por vaida<strong>de</strong> ou ambição:<br />
a coisa toda foi ganhando<br />
fôlego e hoje há canais <strong>de</strong> meninas<br />
e meninos (<strong>de</strong> variadas<br />
ida<strong>de</strong>s) que se transformaram<br />
em mídia e entraram – aplicadamente<br />
– no budget <strong>de</strong> gigantes<br />
do mundo dos anunciantes.<br />
O complicado disso tudo é que<br />
já não se sabe mais quem ganha<br />
o que, para dizer o que, para fazer<br />
o quê. O que se percebe como<br />
lifestyle e inspira legiões <strong>de</strong> “seguidores”<br />
em ví<strong>de</strong>os e fotos é genuíno ou regado a<br />
polpudas verbas <strong>de</strong> marketing? Conteúdo e<br />
publicida<strong>de</strong> misturam-se num emaranhado<br />
<strong>de</strong> recomendações a respeito <strong>de</strong> produtos e<br />
marcas. Quase todo mundo ao meu redor<br />
é “influenciador” e po<strong>de</strong> “organicamente”<br />
ajudar a espalhar novida<strong>de</strong>s das mais diversas.<br />
No mundo do “boca a boca digitalizado”<br />
<strong>de</strong> vlogueiras, blogueiros e influenciadores<br />
não há fronteiras e não sabemos mais<br />
quem é franco ou enganador. Já foi menos<br />
tênue a linha entre dois mundos: o da informação<br />
e o da publicida<strong>de</strong>.<br />
Suspeito que esses (talvez supervalorizados?)<br />
personagens do planeta digital<br />
po<strong>de</strong>m estar entrando na vala comum da<br />
“Já foi menos<br />
tênue a linha<br />
entre os<br />
mundos: o da<br />
informação<br />
e o da<br />
publicida<strong>de</strong>”<br />
“compra <strong>de</strong> espaço” – que, porém, nem<br />
sempre é assumida, como no velho e autêntico<br />
“marketing da interrupção”, que tantos<br />
dão como con<strong>de</strong>nado ou morto. No lugar<br />
<strong>de</strong> se comprar espaço em veículos, compra-<br />
-se recomendações, endossos, opiniões e<br />
i<strong>de</strong>ias. Compram-se estilos <strong>de</strong> vida, visões<br />
<strong>de</strong> mundo. O que parece novo, <strong>de</strong> repente<br />
me parece mais velho do que minha bisavó.<br />
Um amigo especialista me fala que é assim<br />
mesmo nesse admirável mundo novo:<br />
tudo se fun<strong>de</strong> no chamado “Inbound Marketing”,<br />
que consiste em ganhar a atenção<br />
organicamente, o oposto do<br />
“outbound marketing”, aquele<br />
que interrompe o fluxo das<br />
ativida<strong>de</strong>s e no qual se insere a<br />
“propaganda tradicional”. Há<br />
agências com <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong><br />
“DWOM” (Direct Word of Mouth),<br />
hoje altamente estratégicos<br />
para as marcas.<br />
No compasso <strong>de</strong>sse movimento,<br />
no afã <strong>de</strong> inserir marcas<br />
suavemente na vida das pessoas,<br />
sem que elas se sintam incomodadas,<br />
per<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> vista a premência<br />
<strong>de</strong> marcar as fronteiras entre o que é propaganda<br />
daquilo que não é. Ou os consumidores<br />
estão bem grandinhos para reconhecer<br />
a diferença? Ou isso não tem, afinal <strong>de</strong><br />
contas, nenhuma importância?<br />
Alguém me <strong>de</strong>safia: se o que alguém publica<br />
– <strong>de</strong> forma remunerada – é verda<strong>de</strong>iro,<br />
é sincero, qual é a diferença entre publicida<strong>de</strong><br />
e conteúdo? Pois é. Como saber? Algo<br />
me fala que toda essa história vale uma<br />
boa reflexão sobre para on<strong>de</strong> estamos caminhando.<br />
Gosto <strong>de</strong> uma frase atribuída<br />
a André Berthiaume que diz o seguinte:<br />
todos usamos máscaras e chega uma hora<br />
em que não po<strong>de</strong>mos tirá-las sem arrancar<br />
a própria pele.<br />
58 <strong>17</strong> <strong>de</strong> <strong>outubro</strong> <strong>de</strong> <strong>2016</strong> - jornal propmark