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mundo digital<br />
Espetáculo <strong>de</strong><br />
prestidigitação<br />
Palto/iStock<br />
“Pesquisas”, enquetes e<br />
estudos claramente inflam<br />
os resultados observados<br />
Rafael Sampaio<br />
Cada vez que é divulgada uma “pesquisa”<br />
sobre o digital e seu espetacular crescimento,<br />
que estaria con<strong>de</strong>nando os <strong>de</strong>mais<br />
meios e se tornarem irrelevantes em pouco<br />
tempo, é enorme a sensação <strong>de</strong> que se está<br />
diante <strong>de</strong> um espetáculo <strong>de</strong> prestidigitação,<br />
sem relação robusta com a realida<strong>de</strong><br />
factual. De forma talvez intencional, essas<br />
“pesquisas”, enquetes e estudos claramente<br />
inflam os resultados observados, transformam<br />
o que é parcial nos hábitos da socieda<strong>de</strong><br />
para todo seu conjunto, misturam<br />
a utilização instrumental e <strong>de</strong> serviços do<br />
digital com seu consumo por informação<br />
editorial, <strong>de</strong> entretenimento e publicitária.<br />
De um modo geral, essas “pesquisas”<br />
misturam consumo em algum momento e<br />
para alguma finalida<strong>de</strong>, que é claramente<br />
crescente, com o volume e abrangência <strong>de</strong><br />
utilização. Ou as “pesquisas” não me<strong>de</strong>m<br />
toda a extensão do fenômeno, pois não foram<br />
<strong>de</strong>senhadas para isso, ou, o que seria<br />
ainda pior e mais <strong>de</strong>sonesto, eli<strong>de</strong>m as informações<br />
capazes <strong>de</strong> fazer uma comparação<br />
mais precisa sobre os <strong>de</strong>mais meios.<br />
Refém <strong>de</strong> sua estratégia <strong>de</strong> oferecer os<br />
seus serviços <strong>de</strong> forma gratuita, parcialmente<br />
gratuita ou barata e <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> cobrança por “resultados” da publicida<strong>de</strong><br />
veiculada, o digital precisa <strong>de</strong>sesperadamente<br />
inflar seus números, o que é feito<br />
por esse gênero <strong>de</strong> “pesquisa” que mais se<br />
assemelha a um espetáculo <strong>de</strong> prestidigitação,<br />
a partir <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong> suspeitos<br />
e não acordados com o conjunto da<br />
indústria, às práticas <strong>de</strong> sourced traffic, à<br />
caixa-preta da mídia programática e à frau<strong>de</strong>.<br />
A mais recente <strong>de</strong>ssas “pesquisas” divulgadas<br />
teve origem na terceira edição do<br />
Vi<strong>de</strong>o Viewers, realizada pela Provokers,<br />
que afirma que a cada <strong>de</strong>z horas que os<br />
brasileiros <strong>de</strong>dicam a ver ví<strong>de</strong>os, mais <strong>de</strong><br />
quatro são online, que 42% do população<br />
tem o hábito <strong>de</strong> ver ví<strong>de</strong>os na internet, percentual<br />
que já superaria a audiência da TV<br />
por assinatura e “ainda” ficaria atrás da TV<br />
aberta. Bem atrás, o “estudo” esqueceu <strong>de</strong><br />
pontuar, pois o hábito <strong>de</strong> audiência <strong>de</strong>sta<br />
mídia está na faixa <strong>de</strong> 93%, segundo fontes<br />
bem mais robustas (que indicam que a<br />
audiência da TV por assinatura, aliás, é <strong>de</strong><br />
47,9%).<br />
A primeira dúvida é sobre a própria fonte<br />
da pesquisa, a Provokers, que é uma empresa<br />
<strong>de</strong> assessoria <strong>de</strong> branding, insights e<br />
afins (aparentemente fundada em Buenos<br />
Aires e com operações em sete países da<br />
América Latina). Não há registro <strong>de</strong>la como<br />
associada à Abep ou à Esomar, por exemplo,<br />
que são as entida<strong>de</strong>s que representam<br />
as organizações especializadas em pesquisa,<br />
que adotam os padrões mais robustos<br />
<strong>de</strong> atuação nessa área. A segunda é sobre<br />
a abrangência e a amostra da pesquisa, que<br />
não fica muito clara e traz informações divergentes.<br />
O release informa que foram ouvidos<br />
1.500 brasileiros, entre 14 e 55 anos,<br />
das classes A, B e C, em cinco capitais (SP,<br />
Rio, Porto Alegre, Salvador e Recife), amostra<br />
que representaria 61% da população.<br />
Nada disso bate. A população <strong>de</strong>ssas cida<strong>de</strong>s<br />
é cerca <strong>de</strong> 12% da população (seria<br />
22,5%, se fossem as regiões metropolitanas<br />
<strong>de</strong>ssas cida<strong>de</strong>s...).<br />
Todas as <strong>de</strong>mais afirmações da “pesquisa”<br />
ficam, portanto, comprometidas, inclusive<br />
a “gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong>” <strong>de</strong> a internet superar<br />
em hábito <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o a TV<br />
por assinatura, que a “maioria dos brasileiros<br />
conectados”, 59%, acredita que o You-<br />
Tube po<strong>de</strong>ria substituir a TV aberta, que<br />
59% dos internautas prefere ver anúncio no<br />
YouTube e 34% experimentaria um produto<br />
comentado por um youtuber, contra 27%<br />
quando recomendado por uma celebrida<strong>de</strong><br />
da TV. A verda<strong>de</strong> é que falta credibilida<strong>de</strong> a<br />
essa e à gran<strong>de</strong> maioria dos estudos sobre<br />
o consumo <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os no meio digital que,<br />
ainda por cima, pouco falam sobre a real<br />
extensão do consumo específico <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>,<br />
que com o adblock e a opção <strong>de</strong> pular<br />
o ví<strong>de</strong>o em poucos segundos está muito<br />
longe <strong>de</strong> superar a força publicitária da TV,<br />
como todos nós sabemos. Não sem razão,<br />
a TV aberta continua superando os 72% <strong>de</strong><br />
share no mercado da publicida<strong>de</strong>.<br />
Rafael Sampaio é consultor em propaganda<br />
rafael.sampaio@uol.com.br<br />
26 <strong>24</strong> <strong>de</strong> <strong>outubro</strong> <strong>de</strong> <strong>2016</strong> - jornal propmark