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edição de 24 de outubro de 2016

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mundo digital<br />

Espetáculo <strong>de</strong><br />

prestidigitação<br />

Palto/iStock<br />

“Pesquisas”, enquetes e<br />

estudos claramente inflam<br />

os resultados observados<br />

Rafael Sampaio<br />

Cada vez que é divulgada uma “pesquisa”<br />

sobre o digital e seu espetacular crescimento,<br />

que estaria con<strong>de</strong>nando os <strong>de</strong>mais<br />

meios e se tornarem irrelevantes em pouco<br />

tempo, é enorme a sensação <strong>de</strong> que se está<br />

diante <strong>de</strong> um espetáculo <strong>de</strong> prestidigitação,<br />

sem relação robusta com a realida<strong>de</strong><br />

factual. De forma talvez intencional, essas<br />

“pesquisas”, enquetes e estudos claramente<br />

inflam os resultados observados, transformam<br />

o que é parcial nos hábitos da socieda<strong>de</strong><br />

para todo seu conjunto, misturam<br />

a utilização instrumental e <strong>de</strong> serviços do<br />

digital com seu consumo por informação<br />

editorial, <strong>de</strong> entretenimento e publicitária.<br />

De um modo geral, essas “pesquisas”<br />

misturam consumo em algum momento e<br />

para alguma finalida<strong>de</strong>, que é claramente<br />

crescente, com o volume e abrangência <strong>de</strong><br />

utilização. Ou as “pesquisas” não me<strong>de</strong>m<br />

toda a extensão do fenômeno, pois não foram<br />

<strong>de</strong>senhadas para isso, ou, o que seria<br />

ainda pior e mais <strong>de</strong>sonesto, eli<strong>de</strong>m as informações<br />

capazes <strong>de</strong> fazer uma comparação<br />

mais precisa sobre os <strong>de</strong>mais meios.<br />

Refém <strong>de</strong> sua estratégia <strong>de</strong> oferecer os<br />

seus serviços <strong>de</strong> forma gratuita, parcialmente<br />

gratuita ou barata e <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong> cobrança por “resultados” da publicida<strong>de</strong><br />

veiculada, o digital precisa <strong>de</strong>sesperadamente<br />

inflar seus números, o que é feito<br />

por esse gênero <strong>de</strong> “pesquisa” que mais se<br />

assemelha a um espetáculo <strong>de</strong> prestidigitação,<br />

a partir <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong> suspeitos<br />

e não acordados com o conjunto da<br />

indústria, às práticas <strong>de</strong> sourced traffic, à<br />

caixa-preta da mídia programática e à frau<strong>de</strong>.<br />

A mais recente <strong>de</strong>ssas “pesquisas” divulgadas<br />

teve origem na terceira edição do<br />

Vi<strong>de</strong>o Viewers, realizada pela Provokers,<br />

que afirma que a cada <strong>de</strong>z horas que os<br />

brasileiros <strong>de</strong>dicam a ver ví<strong>de</strong>os, mais <strong>de</strong><br />

quatro são online, que 42% do população<br />

tem o hábito <strong>de</strong> ver ví<strong>de</strong>os na internet, percentual<br />

que já superaria a audiência da TV<br />

por assinatura e “ainda” ficaria atrás da TV<br />

aberta. Bem atrás, o “estudo” esqueceu <strong>de</strong><br />

pontuar, pois o hábito <strong>de</strong> audiência <strong>de</strong>sta<br />

mídia está na faixa <strong>de</strong> 93%, segundo fontes<br />

bem mais robustas (que indicam que a<br />

audiência da TV por assinatura, aliás, é <strong>de</strong><br />

47,9%).<br />

A primeira dúvida é sobre a própria fonte<br />

da pesquisa, a Provokers, que é uma empresa<br />

<strong>de</strong> assessoria <strong>de</strong> branding, insights e<br />

afins (aparentemente fundada em Buenos<br />

Aires e com operações em sete países da<br />

América Latina). Não há registro <strong>de</strong>la como<br />

associada à Abep ou à Esomar, por exemplo,<br />

que são as entida<strong>de</strong>s que representam<br />

as organizações especializadas em pesquisa,<br />

que adotam os padrões mais robustos<br />

<strong>de</strong> atuação nessa área. A segunda é sobre<br />

a abrangência e a amostra da pesquisa, que<br />

não fica muito clara e traz informações divergentes.<br />

O release informa que foram ouvidos<br />

1.500 brasileiros, entre 14 e 55 anos,<br />

das classes A, B e C, em cinco capitais (SP,<br />

Rio, Porto Alegre, Salvador e Recife), amostra<br />

que representaria 61% da população.<br />

Nada disso bate. A população <strong>de</strong>ssas cida<strong>de</strong>s<br />

é cerca <strong>de</strong> 12% da população (seria<br />

22,5%, se fossem as regiões metropolitanas<br />

<strong>de</strong>ssas cida<strong>de</strong>s...).<br />

Todas as <strong>de</strong>mais afirmações da “pesquisa”<br />

ficam, portanto, comprometidas, inclusive<br />

a “gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong>” <strong>de</strong> a internet superar<br />

em hábito <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o a TV<br />

por assinatura, que a “maioria dos brasileiros<br />

conectados”, 59%, acredita que o You-<br />

Tube po<strong>de</strong>ria substituir a TV aberta, que<br />

59% dos internautas prefere ver anúncio no<br />

YouTube e 34% experimentaria um produto<br />

comentado por um youtuber, contra 27%<br />

quando recomendado por uma celebrida<strong>de</strong><br />

da TV. A verda<strong>de</strong> é que falta credibilida<strong>de</strong> a<br />

essa e à gran<strong>de</strong> maioria dos estudos sobre<br />

o consumo <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os no meio digital que,<br />

ainda por cima, pouco falam sobre a real<br />

extensão do consumo específico <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>,<br />

que com o adblock e a opção <strong>de</strong> pular<br />

o ví<strong>de</strong>o em poucos segundos está muito<br />

longe <strong>de</strong> superar a força publicitária da TV,<br />

como todos nós sabemos. Não sem razão,<br />

a TV aberta continua superando os 72% <strong>de</strong><br />

share no mercado da publicida<strong>de</strong>.<br />

Rafael Sampaio é consultor em propaganda<br />

rafael.sampaio@uol.com.br<br />

26 <strong>24</strong> <strong>de</strong> <strong>outubro</strong> <strong>de</strong> <strong>2016</strong> - jornal propmark

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