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edição de 25 de março de 2019

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mArketing & negócios<br />

MysteryShot/iStock<br />

A <strong>de</strong>silusão com<br />

o mo<strong>de</strong>lo Uber<br />

Muitos <strong>de</strong>fendiam que nosso<br />

mercado adotasse o mo<strong>de</strong>lo Uber.<br />

Mas essa posição tem sido revista<br />

Rafael Sampaio<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> negócios baseado<br />

no Uber tem fascinado muitos se-<br />

A<br />

tores econômicos nos últimos anos e não<br />

faltaram tentativas, via <strong>de</strong> regra malsucedidas,<br />

<strong>de</strong> caminhar em direção a ele.<br />

No caso do mercado publicitário brasileiro,<br />

esse movimento <strong>de</strong>strutivo foi <strong>de</strong>sestimulado<br />

pela combinação <strong>de</strong> imposição<br />

legal e da autorregulação do setor, gerida<br />

pelo Cenp, e isso minimizou a gravida<strong>de</strong><br />

da crise que vivemos nos últimos anos - da<br />

qual começamos a sair. Sem as nossas salvaguardas,<br />

estaríamos em uma situação<br />

bem pior, como tem ocorrido nos mercados<br />

<strong>de</strong> médio e pequeno porte ao redor do<br />

mundo, em gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação, e até nos<br />

mercados centrais, como Estados Unidos e<br />

Reino Unido, que têm sofrido bastante.<br />

A maioria dos empresários e parte crescente<br />

dos profissionais estão se dando conta<br />

que o tempo passa e o mo<strong>de</strong>lo Uber não<br />

tem gerado riquezas para o sistema, com<br />

exceção <strong>de</strong> uma rigorosa minoria, pois o<br />

processo é como um cassino, no qual poucos<br />

vencedores levam tudo... O Uber é um<br />

exemplo acabado do mo<strong>de</strong>lo econômico digital,<br />

que, apesar do fascínio e <strong>de</strong> ter feito<br />

alguns milionários e bilionários, não distribui<br />

riquezas para o conjunto da socieda<strong>de</strong> e<br />

não se mostra sustentável.<br />

Em seu livro Throwing Rocks at the Google<br />

Bus, Douglas Rushkoff, estudioso e entusiasta<br />

do mundo tecnológico, relata sua<br />

<strong>de</strong>cepção, antevê gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s e<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> uma mudança radical no mo<strong>de</strong>lo<br />

que, ao contrário das gran<strong>de</strong>s organizações<br />

capitalistas do século 20, não cria riquezas<br />

para sua ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> fornecedores, tra<strong>de</strong> e a<br />

própria população, pelo aumento <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />

e redução dos preços <strong>de</strong> produtos e<br />

serviços e a geração <strong>de</strong> impostos.<br />

Rushkoff <strong>de</strong>fine a nova economia digital<br />

como um sistema “extrativista <strong>de</strong> valor” e<br />

uma regressão ao capitalismo em sua fase<br />

mais selvagem, no caso travestida <strong>de</strong> inovadora<br />

e alavancada justamente pela tecnologia.<br />

Voltando à análise do “mo<strong>de</strong>lo Uber”<br />

e suas gran<strong>de</strong>s contradições, vale colocar<br />

preto no branco, sem wishful thinking, e<br />

lembrar a performance falsamente vitoriosa<br />

da organização nesses nove anos e às<br />

vésperas <strong>de</strong> seu esperado IPO, que talvez<br />

venha ser uma das maiores empulhações<br />

da história empresarial.<br />

A empresa e muitos observadores que<br />

ou estão comprometidos ou totalmente<br />

míopes esperam arrecadar até US$ 120 bilhões,<br />

muito acima do valor hoje estimado<br />

para o negócio, <strong>de</strong> US$ 68 bilhões. Mas os<br />

que têm o pé no chão e um razoável senso<br />

crítico recordam que a Uber nunca teve um<br />

ano lucrativo, apesar <strong>de</strong> seu alegado imenso<br />

sucesso.<br />

Em 2018, o prejuízo foi <strong>de</strong> US$ 1,8 bilhão.<br />

Foi bem menor que os US$ 4,5 bilhões <strong>de</strong><br />

2017, mas foi obtido graças principalmente<br />

à redução dos ganhos <strong>de</strong> seus motoristas<br />

colaboradores e ao encerramento <strong>de</strong> operações<br />

em diversos países e cida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>vido a<br />

entraves legais ou feroz competição local.<br />

A cortina <strong>de</strong> fumaça que a Uber vem alimentando<br />

nos últimos anos <strong>de</strong>riva da espetacular<br />

entrada em alguns setores paralelos,<br />

como cargas (Uber Freight), <strong>de</strong>livery<br />

<strong>de</strong> comida, logística, bicicletas elétricas e<br />

até carros self-driving.<br />

Como aponta uma matéria na New<br />

York Magazine, “a Uber nunca apresentou<br />

uma evidência concreta <strong>de</strong> que será<br />

lucrativa, muito menos que vai gerar um<br />

retorno a<strong>de</strong>quado sobre o capital nela investida.<br />

Seus investidores no fundo estão<br />

<strong>de</strong>positando esperanças em um IPO<br />

bem-sucedido, o que significa encontrar<br />

idiotas em número suficiente”. Pior ainda,<br />

uma pesquisa feita pelo site Ri<strong>de</strong>ster<br />

revelou que a média dos motoristas do<br />

Uber nos Estados Unidos ganha abaixo <strong>de</strong><br />

US$ 10 por hora, menos que se trabalhassem<br />

em uma loja <strong>de</strong> fast-food, on<strong>de</strong> não<br />

têm <strong>de</strong> colocar o seu capital na roda. Como<br />

analisou Rushkoff, é o capitalismo no seu<br />

pior perfil.<br />

Rafael Sampaio é consultor em propaganda<br />

rafael.sampaio@uol.com.br<br />

56 <strong>25</strong> <strong>de</strong> março <strong>de</strong> <strong>2019</strong> - jornal propmark

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