Chicos 66 - 18.10.2021
Chicos é uma publicação literária que circula apenas pelos meios digitais. Envie-nos seu e-mail e teremos prazer de te enviar gratuitamente nossas edições. A linha editorial é fundamentalmente voltada para a literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números, uma diversidade temática.
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Chicos
Quando xingava a gente era de
filhos da puta
seus miseráveis
corja de canalhas.
e brinquinhos de flor — resto de solda.
Furou minhas orelhas arredias
e tauxiou de lágrimas douradas
a sua cinderela por um dia.
Quando ficava alegre assoviava
valsas de antigamente
cantava em falsete
tocava flauta.
Uma vez me pôs sentada
na sua cadeira de dentista.
Disse filhota, olha o que eu fiz
e me confiou seu tesouro:
uma caneta-tinteiro
toda folheada
de mil cachinhos de uva
(papai era um artista!)
em filigranas de ouro.
Fiquei fora de mim
olhando aquilo. Papai
de costas
improvisava um anel de correinha
Então me ergueu ao colo e me chamou de Mimo.
Nesse momento herdei o seu destino
mais secreto
tantos anos depois:
um dicionário de rimas
alguns sonetos dispersos
e tudo o que podia não ter sido
e sempre foi.
Quando morreu eu estava na Inglaterra.
Soube por carta alcoviteira
tarde demais.
O ódio de suas fêmeas carpideiras
ainda hoje assoma açula assola
com sua matilha de cães
o amor que me impedia e sinto agora
que chora por meu pai
neste Dia das Mães.
Publicado originalmente em Escamandro - 19.04.2021
* Guilherme Gontijo Flores
Nasceu em Brasília DF, é poeta, tradutor e crítico Graduado em Letras pela
UFES, mestre em estudos literários pela UFMG, professor de Língua e Literatura
Latina na UFPR. Publicou traduções de As janelas, seguidas de Poemas em
Prosa Franceses, de Rainer Maria Rilke (em parceria com Bruno D'Abruzzo), e
de A Anatomia da Melancolia, de Robert Burton, em 4 volumes (Prêmio Jabuti
de tradução). Participa do blog coletivo escamandro, sobre poesia, tradução e
crítica. Seu livro de estreia, é brasa enganosa (São Paulo: Editora Patuá).
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