Chicos 66 - 18.10.2021
Chicos é uma publicação literária que circula apenas pelos meios digitais. Envie-nos seu e-mail e teremos prazer de te enviar gratuitamente nossas edições. A linha editorial é fundamentalmente voltada para a literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números, uma diversidade temática.
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Chicos
não se desliga em momento algum dos efeitos
internos que indica que um poema é um poema
desde que o mundo é mundo (nomeiam, nadadeiras,
seio, espreita, anseio). E, nesse embate
com a validação da sintaxe, em outro texto relembra
que há, às vezes, “um verbo cansado de
ar”, pois o percurso para desbravamento de terrenos
novos nem sempre ocorre com respiração
segura.
tem um lado do lago que esconde a língua
das margens que nomeiam as entranhas,
foz em que dormem os pequenos medos,
com suas nadadeiras arredias
vez ou outra atiçando um verbo
vez ou outra maldizendo um seio
à espreita-bolha de um espeto
na suspensão que é respirar escama,
em silêncio – brejo em mar,
no subterrâneo consoante
das vogais do anseio.
Quando se manipula uma lâmina, há uma
ação de estrangulamento, de sangramento, de
eliminação, de possibilidade de arranjos novos
com o despojamento ou realocação de elementos.
Dheyne de Souza usa suas Lâminas para
despojar. Resta à sintaxe indicar, mostrar que o
lugar comum está exaurido, pois está sendo executado
pelo enxame. Ela deseja correr fora do
enxame, não atravessar a mesma trilha, mas derrubar
pontes. Poderia ter dito “lago que esconde
as beiras”, o que seria o discurso óbvio. Poderia
ter construído com o enxame o verso “suspensão
que é respirar amor”. Poeisa se faz com o domínio
da linguagem, com martelamento dos materiais,
com fuga da significação explícita. Se uma
lâmina desmonta uma árvore, resta um monte de
uma árvore ou a dispersão de uma árvore. Se
uma centena de pessoas atravessa uma rua ou se
aglomera, temos uma multidão. Mas qual ordem
pode ser dada a esta multidão? A poesia tem de
reunir todas as pessoas por cores de suas roupas,
ou intercala-las? A sintaxe existe para atender os
questionamentos do poeta. Uma centena de pessoas
ordenadas deixa de ser uma multidão. As
palavras que atendem ao propósito do chamamento
de uma sintaxe pessoal se transformam
num texto de leitura factível, em que pese a
compreensão não ser factível para todos.
Entra ainda outro questionamento quando
há ocorrência da perda da ordem. O caos quebra
a possibilidade do heroísmo e de deflação da
maldade. A incompreensão gera a maldade, mas
só é possível compreender tentando entrar na
sintaxe dos discursos do tempo da maldade.
Uma multidão só é de aceitável propósito quando
é possível ler em seu chamamento alguma
razoabilidade que levou ao agrupamento. Quando
não há razoabilidade na escritura, há a perda
da individuação (ou de autoria).
Com as suas Lâminas, Dheyne de Souza
pode remontar o poema em diversas possibilidades
no momento da construção, com razoabilidade
de propósito, pois de ruptura para novas
passagens/mensagens. Com ruptura e recortes
provocados por lâminas afiadas, talvez o ar se
desloque para novos ângulos exigidos pela respiração.
Todo bom livro tem de ter versos/frases
que chegam para alimentar a consciência dos
nervos e que serão repetidos e reproduzidos séculos
após a ocorrência de sua escritura. Necessário
o verso "Quero lembrar como se faz para
ser bom de novo". Este verso merece ser descoberto
por Gonçalo M. Tavares para construção
de um de seus divertidos textos. Ser bom de novo
em que? Produção de poesia, de moral, criar
ordem política, social, econômica? O homem só
é bom quando não diverge, retoma uma ordem
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