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Chicos 68 - 08.04.2022

Chicos é uma publicação literária que circula apenas pelos meios digitais. Envie-nos seu e-mail e teremos prazer de te enviar gratuitamente nossas edições. A linha editorial é fundamentalmente voltada para a literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números, uma diversidade temática.

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Chicos

pria Clarice, transformada em personagem?) à

beira da viagem para o eterno: Cumpri a minha

jornada, acabou minha curta eternidade.

Ela, ainda que tardia, vem pelo ar. Entre, o

corpo é seu. Resina, bálsamo, ládano? Não.

Não paro aqui. Um ser póstero, eu. Fico ainda

comigo. No fim, o fim; só restam o nome e a

lembrança. Se restarem. O caminho nunca acaba.

A noite me assusta. Esse infinito me estremece.

Mas vou. Estou pronta para a última

tarefa. Mãe, pode me buscar.

Já em “Sonhos de Ana”, Marta Barbosa

Stephens (1975), jornalista e crítica literária

pernambucana que vive desde 2014 na Inglaterra,

autora do romance Desamores da portuguesa

(Rio de Janeiro, Ímã Editorial, 2018) e

do livro de contos Voo luminoso de alma sonhadora

(São Paulo, Intermeios, 2013), reconstitui

o viver de uma mulher, Ana que, à noite,

tem sonhos que a levam para longe daquele

destino opaco de dona de casa. Eis um excerto:

Pensou em por quanto tempo continuaria

a viver assim, mais dentro do sonho do que da

vida. Outra manhã, e ela não sabia como se

comportar. (...) O que a movia à mesa de café

da manhã era a lembrança dos sonhos. Saía da

cama, mas seguia amarrada a uma memória.

Não eram imagens nítidas, mas eram sensações

reais que a acompanhavam à cozinha, e

logo ao mercado, ao salão de beleza, à biblioteca,

à sessão de terapia. Até se dispersarem

na rotina, para de novo a tomarem pela noite.

Por aqui se constata que Marta Barbosa

Stephens não só levou ao pé da letra a sugestão

do organizador do livro como foi além:

produziu um texto que parece saído diretamente

das mãos de Clarice Lispector.

III

Outro conto que se destaca é “Delírios e

divagações da miúda”, do mineiro Ronaldo

Cagiano (1961), autor dos livros de contos

Eles não moram mais aqui (São Paulo, Editora

Patuá, 2015), Dezembro indigesto (Governo

do Distrito Federal, Secretaria de Estado de

Cultura, 2002) e Dicionário de pequenas solidões

(Rio de Janeiro, Editora Língua Geral,

2006), entre outros. Nesse texto, o autor faz

um diálogo com a obra clariciana, a partir do

conto “Devaneio e embriaguez duma rapariga”,

buscando uma escrita que seja “um flerte

e não um pastiche; uma simbiose, não um plágio;

um olhar pessoal, jamais uma releitura”,

como explicou em seu depoimento.

Vivendo desde 2016 em Estoril, freguesia

de Cascais, Cagiano optou por localizar seu

conto em Lisboa e por uma linguagem em que

não são poucas as palavras de uso corrente em

Portugal para reconstituir o dia a dia de uma

jovem, Gilda Helena, que, arrancada às pressas

do Brasil, fora viver às margens do Tejo, quando

os pais tiveram de optar pelo exílio para

fugir dos horrores da ditadura militar brasileira

(1964-1985). E ela, então, já adolescente, vive

o drama de ser cortejada pelo neto de um antigo

agente da Pide, a polícia política do regime

salazarista. E, assim, Cagiano reconstitui “a

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