01.12.2023 Views

edição de 4 de dezembro de 2023

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

inspiração<br />

O robô barista<br />

Fotos: Arquivo Pessoal<br />

“Albert não servia 50 cafés por hora. Volta e meia chegava um pouquinho<br />

atrasado, tinha dias mais introspectivos e dias mais extrovertidos”<br />

Bernardo Romero,<br />

Especial para o propmark<br />

Há três meses, o primeiro robô barista <strong>de</strong> Nova York foi contratado. Com um cartaz<br />

dizendo “humanos são imprevisíveis, <strong>de</strong>ixe o robô fazer seu café”, Adam – um robô<br />

operado por inteligência artificial – começa seu turno diário no bairro <strong>de</strong> Greenpoint,<br />

no Brooklyn, pontualmente, às 10h da manhã, sem faltas ou atrasos. Ele é reiniciado<br />

todos os dias às 9h55min e serve 50 cafés por hora. Certamente um recor<strong>de</strong> absoluto<br />

em toda Nova York, que parece suprir o estereótipo (verda<strong>de</strong>iro) do nova-iorquino retratado<br />

em 7 entre 10 filmes ou séries passadas na cida<strong>de</strong>: correndo na rua com um copo<br />

<strong>de</strong> café.<br />

Quando penso em Adam, não consigo <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar em 2019. Três meses antes da<br />

pan<strong>de</strong>mia, minha mulher, meu filho e eu nos mudamos para uma casa espaçosa em Williamsburg,<br />

a poucos quilômetros <strong>de</strong> on<strong>de</strong> agora trabalha o barista andrói<strong>de</strong> mais famoso da<br />

região e “vidas”. Sem saber o que estava por vir, aos poucos fomos nos acostumando com o<br />

novo en<strong>de</strong>reço – uma parte menos turística do bairro conhecido por seus restaurantes, lojas<br />

e murais – e nos habituando à nova rotina. Quando tudo fechou e o mundo parou, só nos<br />

restou esperar, esperar, esperar... e fazer receita <strong>de</strong> pão caseiro. De tudo que fomos privados<br />

durante os meses <strong>de</strong> lockdown, não nego que uma das coisas que mais senti falta foi do<br />

cafezinho diário que eu pegava a caminho do metrô.<br />

Após meses sem sair <strong>de</strong> casa, tomei coragem e, protegido com máscara PFF2, álcool gel<br />

e face shield, caminhei em direção ao café situado a dois quarteirões da minha casa. A partir<br />

daí, todo dia, antes <strong>de</strong> começar minha jornada <strong>de</strong> reuniões ininterruptas pelo zoom, passava<br />

pelo menos 20 minutos com o Albert, um barista humano <strong>de</strong> carne e osso, nascido no Texas.<br />

Albert era o único ser humano, além <strong>de</strong> minha mulher e meu filho, com que interagi pessoalmente<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> meses em casa. Apesar <strong>de</strong> ser americano, Albert passou um tempo na<br />

Colômbia apren<strong>de</strong>ndo sobre café, e a América Latina virou nosso assunto comum. Batíamos<br />

papo sobre futebol, família, sonhos e muito sobre saú<strong>de</strong> mental. Apesar <strong>de</strong> nunca termos<br />

visto o rosto completo um do outro, nos conectamos através <strong>de</strong> nossa humanida<strong>de</strong>. Ele me<br />

contava sobre seu sonho <strong>de</strong> voltar a lecionar para crianças em Houston e eu sobre meu<br />

sonho <strong>de</strong> voltar ao Brasil para dar um abraço apertado em meus pais e amigos. Ele sabia o<br />

nome da minha mulher, do meu filho e do meu café favorito. Eu sabia da sua mãe, da sua<br />

casa no Texas, da sua vida na Colômbia e fiquei uma semana em choque quando <strong>de</strong>scobri<br />

que ele tinha apenas 27 anos. Aos poucos íamos celebrando juntos a vitória da ciência, a<br />

chegada da vacina e cada notícia positiva em meio a uma enxurrada <strong>de</strong> tristeza. De alguma<br />

forma, a gente se salvou durante aqueles longos meses.<br />

Um dia, já em 2021, eu estava caminhando na rua e passei por um cara fumando fora do<br />

café. Ele me pareceu familiar, como um amigo <strong>de</strong> infância que há muito per<strong>de</strong>u-se o contato.<br />

Mas ele reconheceu minha voz, me chamou e se apresentou. Ou melhor, se reapresentou.<br />

Depois do estranhamento inicial <strong>de</strong> finalmente <strong>de</strong>scobrir o rosto por trás da máscara, nós<br />

rimos, tiramos uma selfie e passamos alguns minutos falando sobre a importância daquele<br />

momento.<br />

Albert não servia 50 cafés por hora. Volta e meia chegava um pouquinho atrasado, tinha<br />

dias mais introspectivos e dias mais extrovertidos, e <strong>de</strong>finitivamente não morava em seu<br />

local <strong>de</strong> trabalho. Mas eu não trocaria Albert por Adam por nada nesse mundo, com ou sem<br />

pan<strong>de</strong>mia.<br />

Trabalho em uma agência <strong>de</strong> marketing <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que começou a trabalhar com tecnologia<br />

e dados há 26 anos e está comprometida a <strong>de</strong>senvolver algoritmos éticos em inteligência<br />

artificial, focando no que nos faz humano para trazer resultados reais para nossa saú<strong>de</strong> e<br />

bem-estar, e que dados são tão preciosos quanto a inteligência <strong>de</strong> quem os coletou.<br />

No fim do dia, se você quiser saber se o caminho que você ou sua empresa está indo em<br />

relação ao uso <strong>de</strong> IA está certo, basta se fazer uma pergunta bastante simples: como isso<br />

está te fazendo sentir? Um café com Adam ou com Albert?<br />

Bernardo Romero, maker da Klick Health, e presi<strong>de</strong>nte do júri <strong>de</strong> El Ojo <strong>de</strong><br />

Health & Pharma<br />

jornal propmark - 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> <strong>2023</strong> 21

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!