Untitled - Visão Judaica
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sta frase reflete a emoção<br />
dos judeus exilados<br />
na Mesopotâmia (atual<br />
Iraque) durante o Cativeiro (Exílio)<br />
da Babilônia. Isso foi há 2500 anos<br />
atrás, entre os anos de 586 e 536<br />
antes da Era Comum (a. E. C.). Qual<br />
seria a razão de tal emotividade e<br />
paixão dos judeus por Jerusalém? Se<br />
trata de um tema emocional, quase<br />
transcendental na alma judaica. Por<br />
isso será difícil explicá-lo em poucas<br />
linhas, mas tentaremos fazê-lo.<br />
Jerusalém não foi uma cidade<br />
fundada pelos hebreus. Os hebreus<br />
eram nômades e pastores, não tendo<br />
interesse pelas cidades e pelo comércio,<br />
nas suas origens. A primeira<br />
menção dela no texto bíblico se refere<br />
ao quase sacrifício de Isaac por<br />
seu pai Abraão. Gesto simbólico e<br />
revestido de uma aura de importância,<br />
pois significa a total dedicação<br />
dos Patriarcas ao D-us único, ao Pacto<br />
e a Lei (que só seria entregue mais<br />
tarde a Moisés). Este trecho da Torá<br />
(Pentateuco = cinco primeiros livros<br />
da Bíblia) designa o local do evento,<br />
como tendo sido Moriah. A tradição<br />
determina que este é o local<br />
aonde séculos mais tarde se construirá<br />
o Primeiro e o Segundo Templo.<br />
Assim antes de ser cidade, Jerusalém<br />
simbolizava o pacto e a fé<br />
inabalável de Abraão em D-us.<br />
A cidade foi fundada pelos jebuseus,<br />
um povo associado ao grupo<br />
de povos denominado cananeus.<br />
Erigida na encosta de uma<br />
colina, tendo vales profundos ao<br />
sul, a leste e oeste. Seu ponto fraco<br />
seria a face norte da muralha.<br />
Se diz: “Do norte virá o mal”. Este<br />
trecho tem varias simbologias, mas<br />
uma delas é a fraqueza da defesa<br />
na parte norte das muralhas, nos<br />
períodos dos dois templos.<br />
Tomada por David, o segundo rei<br />
de todas as tribos e o primeiro de<br />
uma dinastia que conseguiu adquirir<br />
legitimidade, sob a justificativa de<br />
ter sido agraciada por um pacto eterno,<br />
entre D-us e a casa de David.<br />
David seria o ungido e seus descendentes<br />
seriam eleitos por D-us,<br />
como protegidos e sacros. Isso protegeria<br />
a sucessão e permitiria a dinastia<br />
se manter sem os abalos de<br />
concorrentes e golpes de Estado.<br />
Sérgio Feldman * Cabanas). Isso criou uma relação<br />
Mas para se firmar ainda mais, David<br />
e seus sucessores trataram de<br />
criar uma unidade administrativa,<br />
política e religiosa. A cidade de Jerusalém<br />
cumpria com os requisitos<br />
desejáveis para uma capital: centralidade<br />
geográfica, boa localização<br />
para ser defendida em caso de ataques<br />
externos, neutra (não era parte<br />
de nenhuma tribo ao ser tomada)<br />
e localizada em um local aprazível<br />
entre o litoral e o vale do Jordão.<br />
Ideal para ser uma capital. Mas<br />
faltava um detalhe: sacralizar a capital.<br />
A Bíblia nos conta que David<br />
trouxe a Arca Sagrada, que continha<br />
as Tábuas da Lei, para o recinto interno<br />
da cidade (Samuel II, cap. 6<br />
e seguintes). Sua intenção era mandar<br />
construir o Templo para abrigar<br />
a Arca. Seria um lar, uma casa para<br />
seu D-us. Mas esta missão foi reservada<br />
para seu sucessor Salomão.<br />
Motivo: David fizera muitas guerras<br />
e tinha “as mãos manchadas de sangue”<br />
e D-us almejava um santuário<br />
que simbolizasse a paz. Salomão tem<br />
seu nome derivado de Shalom (paz)<br />
e pode assim construir o templo, já<br />
que seu reino foi pacífico.<br />
Trata-se de uma idealização, pois<br />
Salomão, além de pacífico, sábio,<br />
habilidoso escritor (a tradição lhe<br />
atribui três livros), é descrito pela<br />
Bíblia como tendo sido um déspota<br />
severo e explorador de seu povo. Os<br />
altos impostos e trabalhos forçados<br />
geraram muitas insatisfações e o sucessor<br />
de Salomão, denominado Roboão,<br />
perdeu o controle de cerca<br />
de 9 ou 10 tribos que se insurgiram<br />
e ocorreu a divisão do Império de<br />
David e Salomão em dois reinos: Israel<br />
(nova dinastia) e Judá (sob os<br />
herdeiros de David e com a capital<br />
em Jerusalém).<br />
A capital serviu a dinastia de<br />
David até a conquista babilônica.<br />
Neste período criaram-se muitos<br />
costumes que ajudaram a sacralizar<br />
a cidade. Três vezes por ano, os camponeses<br />
judeus (hebreus) peregrinavam<br />
ao Templo para agradecer<br />
pelas suas colheitas e fazer seus<br />
pedidos a D-us. Uma na primavera<br />
(Pêssach ou Páscoa <strong>Judaica</strong>), outra<br />
no verão, passadas sete semanas de<br />
Pêssach, para entregar as primícias<br />
(Shavuot ou Bikurim); e a terceira<br />
no outono para entregar o dízimo<br />
das colheitas (Sucot ou Festa das<br />
cotidiana do povo com o Templo, a<br />
cidade e inseriu a cidade no pacto<br />
e na religião. Outros costumes foram<br />
criados: sacrifícios diversos<br />
eram feitos no pátio do Templo todos<br />
os dias (três vezes ao dia) e<br />
nos sábados e festas eram feitos sacrifícios<br />
adicionais (Mussaf). Esse<br />
costume transcendeu a existência<br />
física do Templo: após a sua destruição,<br />
enquanto se “sonhava” com<br />
a construção do Terceiro Templo,<br />
colocou-se um símbolo dos sacrifícios<br />
na oração diária nas sinagogas.<br />
A reza da manhã (Shacharit)<br />
passava a substituir o sacrifício<br />
matinal; idem com as rezas da tarde<br />
(Minchá) e da noite (Maariv). Todas<br />
três substituem um ritual de sacrifícios,<br />
num horário determinado.<br />
Os sacrifícios adicionais (Mussaf)<br />
citados anteriormente agregam trechos<br />
de oração adicionais a reza do<br />
Shabat (Sábado) ou de Chaguim<br />
(festas judaicas).<br />
A cidade passa a ser parte integral<br />
de uma liturgia, de festas e de<br />
símbolos. Jerusalém e Judaísmo são<br />
quase inseparáveis. A cidade começa<br />
a criar uma aura de e de misticismo<br />
e seus símbolos se tornam parte<br />
de um imaginário religioso judaico.<br />
Ainda no período bíblico, se desenvolve<br />
uma aura adicional a cidade.<br />
Os profetas vêem nela a o palco<br />
da Redenção. Frases clássicas se relacionam<br />
a cidade Sagrada e dão a<br />
ela novos e profundos significados.<br />
Algumas delas: Ki miTzion tetze Torá<br />
udvar Hashem miIerushalaim (Que de<br />
Sião (sinônimo de Jerusalém) sairá<br />
a Lei (Torá) e a palavra de D-us de<br />
Jerusalém). Essa frase pode permitir<br />
uma sem fim de análises e leituras.<br />
Uma delas seria que no final dos<br />
Tempos se instalaria nela o reino de<br />
D-us. O Messias ou ungido, descendente<br />
da Casa de David e enviado<br />
por D-us para reformar o mundo,<br />
faria a transformação do Mundo em<br />
um reino de paz e justiça, a partir<br />
de Sião e Jerusalém.<br />
Assim no texto há poesia, alegoria<br />
e muito simbolismo que ilustram<br />
esta crença na vinda do Messias e<br />
no fato de que Jerusalém seria a sede<br />
de seu reinado espiritual.<br />
A cidade se elevaria (simbolicamente)<br />
e geraria uma centralidade<br />
em relação ao mundo todo. A aura<br />
VISÃO JUDAICA dezembro de 2005 Kislev/Tevet 5766<br />
Se eu me esquecer de ti,<br />
ó Jerusalém...<br />
(Uma viagem no imaginário judaico)<br />
Muro das Lamentações — O lugar mais sagrado povo judeu em Jerusalém<br />
espiritual da cidade impregna as religiões<br />
que derivaram do Judaísmo,<br />
tais como o Cristianismo e o Islamismo.<br />
Não é nossa intenção descrever<br />
e analisar esta influência, mas<br />
imagens, crenças e símbolos<br />
permeiam as duas outras grandes religiões<br />
ocidentais. Ainda assim em<br />
nenhuma delas Jerusalém obtém a<br />
centralidade e a exclusividade de ser<br />
o centro e o motivo de ser da crença<br />
e da liturgia. O Cristianismo católico<br />
ao se aliar com o Império Romano,<br />
criou cinco patriarcados: Roma,<br />
Constantinopla, Antioquia, Alexandria<br />
e Jerusalém. Esta última nunca<br />
teve o status das demais, mesmo tendo<br />
em seu espaço lugares sagrados<br />
entre os quais o Santo Sepulcro. Já<br />
o Islã tem quatro cidades sagradas:<br />
Meca, Medina, Jerusalém e Damasco.<br />
As duas primeiras são objeto de peregrinação<br />
obrigatória (Hadj). Já Jerusalém<br />
é o Lugar Remoto (Al Quds),<br />
aonde Maomé passa antes de subir<br />
aos céus. Não tem o grau de importância<br />
das primeiras aonde o profeta<br />
viveu, pregou e foi iluminado.<br />
Para os judeus há outras três cidades<br />
sagradas: Hebron, Tibérias e<br />
Safed. Nenhuma tem o grau de<br />
simbolismo e de respeito que<br />
os judeus devotam a Jerusalém.<br />
A cidade permeia<br />
todo o imaginário judaico,<br />
através de orações,<br />
rituais e símbolos. Em<br />
outro artigo, em 2006<br />
trataremos de analisar<br />
este forte e arraigado “desejo”<br />
dos judeus por sua<br />
amada e sonhada Jerusalém.<br />
* Sérgio Feldman<br />
é doutor em História pela<br />
UFPR e professor de<br />
História Antiga e Medieval<br />
na Universidade Federal<br />
do Espírito Santo. Exprofessor<br />
adjunto de<br />
História Antiga do Curso<br />
de História da<br />
Universidade Tuiuti<br />
do Paraná.<br />
3<br />
(Artigo dedicado a meu<br />
“irmão” e amigo<br />
Antonio Carlos<br />
Coelho, que fez uma<br />
série de belos e<br />
sensíveis artigos sobre<br />
este tema da cidade de<br />
Jerusalém.<br />
Compartilho com ele<br />
esta paixão e este<br />
respeito pela cidade<br />
sagrada).