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Vamos ver o Irão olhos nos olhos - Fonoteca Municipal de Lisboa

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do o que temos<br />

FOTOS DE TIM SACCENTI<br />

saber tocar um instrumento, entre o<br />

fim dos a<strong>nos</strong> 1980 e o início dos a<strong>nos</strong><br />

1990. É como se agora, finalmente,<br />

tivesse os meios para pôr em prática<br />

o gran<strong>de</strong> plano que já habitava a sua<br />

cabeça <strong>de</strong>s<strong>de</strong> rapaz.<br />

“Antes <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a tocar instrumentos<br />

e começar a gravar, na minha<br />

cabeça eu já tinha conseguido tudo.<br />

Pensava: ‘Os meus pais não percebem<br />

isto, mas eu percebo [risos]’”, diz,<br />

com voz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho animado e risinhos<br />

pelo meio. “Não me enquadrava<br />

no liceu, mas achava que já tinha conquistado<br />

tudo.”<br />

Era um apaixonado pelo hard rock<br />

cheio <strong>de</strong> laca dos Guns N’ Roses e<br />

Mötley Crue e por velhos êxitos da<br />

era da rádio. As canções escritas na<br />

adolescência que agora recupera “foram<br />

escritas para serem ouvidas nesses<br />

a<strong>nos</strong>”. “É estranho: sinto-me um<br />

contemporâneo <strong>de</strong>sses artistas porque<br />

escrevi-as naquela altura, mas<br />

eles nunca me consi<strong>de</strong>rariam como<br />

tal porque estou a tocá-las 20 a<strong>nos</strong><br />

<strong>de</strong>pois. E era um miúdo, ninguém me<br />

conhecia.”<br />

Apaixonado pela pop (“fui o primeiro<br />

tipo do ‘oldies but goldies’”,<br />

exagera), foram os Throbbing Gristle,<br />

Stockhausen e outros artistas me<strong>nos</strong><br />

acessíveis que mudaram a vida <strong>de</strong><br />

Pink. “O que é que os Throbbing Gristle<br />

me <strong>de</strong>ram? A confiança para me<br />

sentar, pegar num instrumento, pensar<br />

‘posso tocar’ e gravar. Throbbing<br />

Gristle, Stockhausen e os músicos<br />

‘noise’ fizeram-me achar que era um<br />

génio. Mais tar<strong>de</strong> percebi que o que<br />

fazia era terrível, mas se não tivesse<br />

tido aquela experiência teria pegado<br />

numa guitarra e pensado: ‘Não sei<br />

fazer isto’”.<br />

Quando ouvia aqueles artistas “não<br />

pensava naquilo como algo terrível<br />

e, por isso, incrível”. Pensava: “Isto<br />

é música, meu Deus!” “Depois ouvi<br />

as minhas gravações e pensei: ‘Ó meu<br />

Deus, sou tão bom!’ Continuei a fazer,<br />

mostrei aos amigos, que foram educados<br />

e <strong>de</strong>ixaram-me tocar para eles,<br />

mas eu era muito chato.”<br />

As primeiras gravações aconteceram<br />

em meados dos a<strong>nos</strong> 90. Foram<br />

os Animal Collective que <strong>de</strong>scobriram<br />

Ariel Pink e editaram “The Doldrums”,<br />

espantoso disco que é, ainda<br />

hoje, o favorito do músico, na sua<br />

Paw Tracks.<br />

A singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pink resi<strong>de</strong>, em<br />

boa medida, nesta ambiguida<strong>de</strong>: nem<br />

“Stockhausen e os<br />

músicos ‘noise’<br />

fizeram-me achar que<br />

era um génio. Mais<br />

tar<strong>de</strong> percebi que o<br />

que fazia era terrível,<br />

mas se não tivesse<br />

tido aquela<br />

experiência teria<br />

pegado numa<br />

guitarra e pensado:<br />

‘Não sei fazer isto’”<br />

Karlheinz Stockhausen<br />

BERNARD PERRINE<br />

é pop, nem inacessível, muito me<strong>nos</strong><br />

irónico ou cínico — o seu amor pela<br />

história da pop é genuíno. Está entre<br />

os dois mundos: “Não queria ser uma<br />

estrela pop. Por amor <strong>de</strong> Deus, queria<br />

ser um tipo do rock ‘un<strong>de</strong>rground’”.<br />

O passado é o novo futuro<br />

Em 2009, artistas marginais como<br />

Ducktails e James Ferraro e sucessos<br />

“indie” como Washed Out e Neon Indian<br />

fizeram da revisão do passado<br />

pop (música, filmes, imaginário) e da<br />

apologia da <strong>nos</strong>talgia (mesmo <strong>de</strong> eras<br />

não vividas pelos músicos — o YouTube<br />

é uma po<strong>de</strong>rosa máquina do tempo)<br />

uma das tendências da música<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. As gravações roufenhas,<br />

a lembrar o som <strong>de</strong> rádios em<br />

AM, e a legitimação “cool” <strong>de</strong> fontes<br />

malditas, como o soft rock, o easy listening<br />

e os a<strong>nos</strong> 80 dos Hall & Oates,<br />

também ganharam força.<br />

Muitos <strong>de</strong>stes músicos citam Ariel<br />

Pink como uma influência. Ele respon<strong>de</strong>,<br />

sem modéstias: “Sou o único<br />

a lidar com isso [a <strong>nos</strong>talgia] da forma<br />

que eu faço. Não há nenhum artista<br />

como eu, absolutamente”. Para<br />

ele, boa parte do que os blogues andam<br />

a papaguear <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2009 “é uma<br />

moda, lixo <strong>de</strong> ‘hipsters’. Dentro <strong>de</strong><br />

dois a<strong>nos</strong>, será uma paródia. Já é.”<br />

“Gosto <strong>de</strong> Pearl Harbor, gosto <strong>de</strong> ser<br />

amigo <strong>de</strong>les, gosto <strong>de</strong> John Maus e há<br />

outras bandas influenciadas por<br />

mim. Isso é fixe, mas não ouço essa<br />

música. Quero coisas que me excitem<br />

<strong>de</strong> novo sobre música. Como a música<br />

etíope. Foi tão excitante <strong>de</strong>scobri-la.”<br />

O título “Before Today” não <strong>de</strong>ixa<br />

gran<strong>de</strong>s margens para dúvidas: Pink<br />

não quer sair do passado. “Acho que<br />

tem algo a <strong>ver</strong> com o facto <strong>de</strong> a memória<br />

ser tudo o que temos. É tudo<br />

o que temos, meu. Toda a gente fala<br />

do futuro; que se foda o futuro, ele<br />

não existe. Tudo o que tens é a memória.<br />

As pessoas <strong>de</strong>vem começar a<br />

sair do presente”, diz. Porquê? “Porque<br />

é tudo uma merda, toda a gente<br />

é uma merda. E não há bons mo<strong>de</strong>los<br />

lá fora.” “Foi por isso que comecei a<br />

fazer isto. Sentia que estava numa<br />

missão, eu contra o mundo.”<br />

E conclui, carregando no estatuto<br />

<strong>de</strong> missionário: “Sinto que estou a<br />

preservar algo que se vai extinguir.<br />

Sou um tipo muito tradicionalista.<br />

Quero manter o rock’n’roll vivo por<br />

mais cinco a<strong>nos</strong>, pelo me<strong>nos</strong>. Porque<br />

ameaça morrer a qualquer altura”.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 48 e segs.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 17

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