14.04.2013 Views

Vamos ver o Irão olhos nos olhos - Fonoteca Municipal de Lisboa

Vamos ver o Irão olhos nos olhos - Fonoteca Municipal de Lisboa

Vamos ver o Irão olhos nos olhos - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Música<br />

Saul Williams nunca esquece a data<br />

— 16 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1995 — e o local — o<br />

Brooklyn Moon Cafe, em Nova Iorque<br />

— da noite que lhe mudou a vida. A<br />

primeira experiência como artista<br />

“spoken word” abriu imediatamente<br />

as portas do meio a Williams, que<br />

conheceria, graças a essa inspirada<br />

noite, Allen Ginsberg, Amiri Baraka,<br />

Gil Scott-Heron e outros gigantes da<br />

palavra.<br />

“A maior parte dos miúdos levavam<br />

os seus diários e mostravam-se muito<br />

tímidos. Eu não vinha do quarto, vinha<br />

dos ensaios <strong>de</strong> teatro. Já era actor<br />

há 15 a<strong>nos</strong>, estava extremamente confortável<br />

no palco. Quando cheguei a<br />

um formato que celebra o conforto<br />

<strong>de</strong> um poeta no palco, <strong>de</strong>staquei-me<br />

imediatamente”, diz Williams, ao telefone<br />

a partir <strong>de</strong> Paris.<br />

O nova-iorquino foi vi<strong>ver</strong> para a capital<br />

francesa há um ano porque quis<br />

mudar o ambiente à sua volta. “Vim<br />

para aqui com um disco na cabeça em<br />

que queria trabalhar. Há um produtor<br />

<strong>de</strong> que gosto muito, o Renaud Letang,<br />

e com quem estou a trabalhar. É um<br />

sonho, sou um gran<strong>de</strong> fã, produziu<br />

gente como Manu Chao, Feist, Seu<br />

Jorge, muitas pessoas <strong>de</strong> quem gosto<br />

musicalmente.”<br />

Saul Williams interrompeu as gra-<br />

Saul Williams<br />

Senhor palavra<br />

Poeta, músico, artista “spoken word”. Saul Williams, artista total da palavra, actua hoje no<br />

lisboeta MusicBox. Pedro Rios<br />

vações para vir a Portugal participar<br />

no festival Silêncio. Hoje no Music-<br />

Box, em <strong>Lisboa</strong>, vai ler poemas antigos<br />

e inéditos. “Quando vou a um<br />

sítio pela primeira vez gosto <strong>de</strong> ir com<br />

a poesia e voltar, <strong>de</strong>pois, com música”,<br />

afirma.<br />

Shakespeare e hip-hop<br />

É poeta, artista “spoken word”, músico,<br />

actor e activista, mas para ele<br />

todas estas activida<strong>de</strong>s estão ligadas.<br />

Interessa-se ainda pela tradição poética<br />

oral e está a editar uma compilação<br />

<strong>de</strong> uma centena <strong>de</strong> poetas mo<strong>de</strong>r<strong>nos</strong>.<br />

“Aprendi a estudar poesia<br />

muito graças às aulas <strong>de</strong> teatro. A primeira<br />

coisa que fiz com oito a<strong>nos</strong> foi<br />

começar a ler Shakespeare. Antes <strong>de</strong><br />

pormos as peças em palco, passávamos<br />

seis semanas a analisar cada frase.<br />

Tentávamos perceber tudo o que<br />

Shakespeare dizia, todas as intenções<br />

por trás do texto”, conta.<br />

Ao mesmo tempo que estudava Filosofia<br />

na faculda<strong>de</strong>, em Nova Iorque,<br />

acontecia uma revolução: Public Enemy,<br />

Rakim, Jungle Brothers — o hiphop<br />

estava por todo o lado. Saul <strong>de</strong>scobria<br />

um paralelo entre “a musicalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Shakespeare e a <strong>de</strong>ste estilo<br />

<strong>de</strong> música <strong>de</strong> que todos falavam”.<br />

Também <strong>nos</strong> discursos do pai, um<br />

pastor religioso, encontrou essa “musicalida<strong>de</strong><br />

da linguagem”.<br />

Em 2001, edita o primeiro álbum,<br />

“Amethyst Rock Star”, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> colaborações<br />

com KRS-One, DJ Krust,<br />

entre outros. Não é bem um “rapper”,<br />

antes um “diseur” que <strong>de</strong>bita palavras<br />

em cima <strong>de</strong> instrumentais minimais<br />

ou influenciados pelo rock, como em<br />

“The Inevitable Rise and Liberation<br />

of Niggy Tardust” (2007), que gravou<br />

com Trent Reznor.<br />

Fazer música foi uma forma <strong>de</strong> contribuir<br />

para <strong>de</strong>spertar consciências.<br />

Em miúdo, Williams orgulhava-se <strong>de</strong><br />

dominar a história da comunida<strong>de</strong><br />

afro-americana, mas foi na faculda<strong>de</strong><br />

que encontrou a sua “voz política”.<br />

“Comecei a interessar-me mais por<br />

política porque os meus professores<br />

encorajaram-me a pensar para além<br />

do que eu era — da minha educação<br />

religiosa e <strong>de</strong> toda a música que andava<br />

a ouvir. Ainda não me tinha apercebido<br />

do po<strong>de</strong>r da arte. Na altura, a<br />

cena hip-hop parecia estar a <strong>de</strong>saproveitar<br />

o po<strong>de</strong>r da arte. Preocupavame<br />

com os efeitos que teria na geração<br />

<strong>de</strong> putos que ouvia estes ‘rappers’<br />

como se fossem filósofos. Hoje, na<br />

América, não há filósofos famosos, só<br />

‘entertainers’ famosos.”<br />

Apesar <strong>de</strong> tudo, é um optimista. “A<br />

“As únicas coisas<br />

que transformam<br />

a socieda<strong>de</strong><br />

são a coragem e a voz<br />

da juventu<strong>de</strong> que se<br />

recusa a continuar<br />

as tradições”,<br />

diz Williams<br />

coisa boa do MySpace e do Facebook<br />

é que nivelaram tudo. De repente, tens<br />

putos que nasceram no gueto que ouvem<br />

indie rock e hip-hop. Quando<br />

cresci, era tudo muito mais segregado.”<br />

Elogia a nova cultura participativa<br />

— mesmo que seja para votar em<br />

programas <strong>de</strong> televisão. “Estamos a<br />

di<strong>ver</strong>tir-<strong>nos</strong> com essas <strong>de</strong>cisões colectivas”,<br />

diz. Este é o lado inócuo, mas<br />

há outro mais sério: “Quando isso<br />

acontece, <strong>de</strong> repente, Israel tem <strong>de</strong><br />

anunciar que vai suavizar o bloqueio.<br />

É o po<strong>de</strong>r das pessoas”.<br />

“A política lida com coisas práticas,<br />

mas as únicas coisas que transformam<br />

a socieda<strong>de</strong> são a coragem e a voz da<br />

juventu<strong>de</strong> que se recusa a continuar<br />

as tradições”, refere. Nem Barack<br />

Obama, que apoiou na campanha<br />

presi<strong>de</strong>ncial, po<strong>de</strong> fazer muito. “É um<br />

gran<strong>de</strong> presi<strong>de</strong>nte, mas a minha falta<br />

<strong>de</strong> fé no go<strong>ver</strong>no, qualquer um, é o<br />

que me faz falar. Acho que a política<br />

só po<strong>de</strong> ir até um certo ponto.”<br />

É o tal “po<strong>de</strong>r das pessoas” que po<strong>de</strong><br />

fazer algo. “Acredito no amor, na<br />

humanida<strong>de</strong>, para lá das nacionalida<strong>de</strong>s,<br />

da raça, da ineficiência da linguagem.<br />

Temos que ter uma maneira <strong>de</strong><br />

transcen<strong>de</strong>r isso e acredito no po<strong>de</strong>r<br />

da música para tal”, nota. “[A música]<br />

po<strong>de</strong> gerar excitação. Depois do 11 <strong>de</strong><br />

Setembro, uma ca<strong>de</strong>ia que controla<br />

três mil rádios mandou uma mensagem<br />

a todas elas a indicar as canções<br />

o que podiam passar. Não podiam<br />

passar Rage Against the Machine e<br />

System of a Down. Eles conhecem o<br />

po<strong>de</strong>r da música criar um movimento,<br />

uma harmonia entre as pessoas,<br />

A música sempre esteve <strong>nos</strong> bastidores<br />

dos movimentos, mas esteve sempre<br />

lá. Os soldados precisam <strong>de</strong> ritmo<br />

para marchar.”<br />

Ver agenda <strong>de</strong> concertos pág. 47<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 21

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!