Vamos ver o Irão olhos nos olhos - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Discos<br />
Decidiu estudar arquitectura,<br />
ingressando na faculda<strong>de</strong> em<br />
Grenoble, <strong>nos</strong> inícios dos a<strong>nos</strong> 80.<br />
Entretanto <strong>de</strong>scobriu gravações<br />
antigas <strong>de</strong> música árabe e mudou <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ias. Tinha a voz e a paixão, mas<br />
faltava-lhe o conhecimento da<br />
música e inclusive do árabe antigo,<br />
que acabou por dominar ganhando<br />
bolsas para estudar no Egipto e na<br />
Tunísia. Pelo meio conheceu o<br />
musicólogo Habib Yammine, com<br />
quem formou o ensemble Ad-Adwar,<br />
dando início a uma carreira até hoje<br />
<strong>de</strong>dicada à reabilitação <strong>de</strong> uma<br />
tradição musical moribunda <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
os a<strong>nos</strong> 30 do século XX.<br />
O renascimento da cultura árabe,<br />
chamado Nahda, <strong>de</strong>u-se em finais do<br />
século XIX, ganhando especial<br />
incidência na área musical, graças a<br />
uma colheita excepcional <strong>de</strong><br />
compositores e intérpretes <strong>de</strong><br />
“maqâm”, a arte das variações<br />
modais. Com a chegada das gran<strong>de</strong>s<br />
orquestras e outras manobras <strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>rnização, <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> 30, essa<br />
tradição per<strong>de</strong>u a pureza, mas<br />
também a relevância, acabando<br />
praticamente por extinguir-se.<br />
Ficaram, contudo, as gravações da<br />
geração prece<strong>de</strong>nte, as colecções <strong>de</strong><br />
78 rotações <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s músicos e<br />
vozes dos inícios do século XX,<br />
editadas pelas empresas<br />
discográficas oci<strong>de</strong>ntais, então<br />
recém-instaladas no Cairo.<br />
Esta é a herança recriada por Aïcha<br />
Redouane et L’ensemble Al-Adwar<br />
neste “Egypte”, que propõe três<br />
sequências <strong>de</strong> “waslât”, o equivalente<br />
das suites oci<strong>de</strong>ntais, organizadas à<br />
maneira <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> concerto<br />
à antiga. Começa com longas<br />
aberturas instrumentais, seguidas <strong>de</strong><br />
canções estruturadas, que <strong>de</strong>pois vêm<br />
a alternar com improvisos cantados<br />
ou instrumentais. O ensemble<br />
formado por cítara, alaú<strong>de</strong>, violino e<br />
tamborim é <strong>de</strong> um virtuosismo<br />
magnânimo, mas discreto, <strong>de</strong>ixando<br />
brilhar a voz <strong>de</strong>purada e<br />
incan<strong>de</strong>scente <strong>de</strong> Aïcha — uma<br />
fantástica máquina <strong>de</strong> iludir o tempo,<br />
ou <strong>de</strong> fazer acreditar que a arte da<br />
“maqâm” nunca morreu.<br />
Jazz<br />
Po<strong>de</strong>roso!<br />
Emoção e expressivida<strong>de</strong><br />
num dos registos freejazz<br />
mais fortes <strong>de</strong> 2009.<br />
Rodrigo Amado<br />
Steve Swell’s Slammin’ the<br />
Infinite<br />
5000 Poems<br />
Not Two<br />
mmmmn<br />
Steve Swell é, há muito, uma das<br />
estrelas mais brilhantes no<br />
50 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />
firmamento “free”<br />
do jazz. A<br />
exuberância do seu<br />
estilo e a absoluta<br />
mestria com que<br />
toca trombone<br />
marcaram inúmeras sessões <strong>de</strong><br />
referência, em nome próprio ou em<br />
colaborações com outros músicos.<br />
Com uma discografia <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />
cem títulos, Swell está presente em<br />
registos tão importantes como<br />
“Tongue in Groove” ( Joey Baron),<br />
“Caos Totale<br />
Pace Yourself” (Tim Berne), “The<br />
Mystery of Compassion” (Tom<br />
Varner), “Music for Long Attention<br />
Spans” (Herb Robertson), ou os mais<br />
recentes “Mandarin Movie” (Rob<br />
Mazurek) e “17 Musicians in Search<br />
of a Sound: Darfur” (Bill Dixon).<br />
Neste “5000 Poems”,<br />
acompanhado por Sabir Mateen<br />
(saxofone e clarinete), John Blum<br />
(piano), Matthew Heyner<br />
(contrabaixo) e Klaus Kugel (bateria),<br />
Swell surpreen<strong>de</strong> tudo e todos com<br />
um registo vibrante, pleno <strong>de</strong><br />
inspiração e po<strong>de</strong>r, assinando o<br />
disco mais forte da sua discografia<br />
recente. A composição é brilhante e<br />
a integração do discurso solista dos<br />
músicos é notável, com Mateen e o<br />
próprio Swell a realizarem solos <strong>de</strong><br />
cortar a respiração, sem per<strong>de</strong>r<br />
nunca a ligação com a temática das<br />
canções.<br />
Mesmo <strong>nos</strong> momentos mais<br />
líricos, como nas partes <strong>de</strong> flauta em<br />
“Sketch #1”, está sempre presente<br />
uma tensão vital que atravessa todo<br />
o disco. Visivelmente inspirados,<br />
Blum, Heyner e Kugel não se limitam<br />
apenas ao papel <strong>de</strong> acompanhantes,<br />
assumindo antes um discurso activo,<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>, numa<br />
comunicação constante que<br />
fortalece a estrutura dos temas.<br />
Destaque para o fabuloso labirinto<br />
rítmico construído em “Where are<br />
the heartfelt?”. O tipo <strong>de</strong> música que<br />
<strong>nos</strong> leva a acreditar no futuro do<br />
jazz.<br />
Sobre o amor<br />
Reencontro, poético e<br />
intenso, <strong>de</strong> duas figuras<br />
maiores do jazz, Keith Jarrett<br />
e Charlie Ha<strong>de</strong>n. Sob o<br />
signo da amiza<strong>de</strong> e do amor.<br />
Rodrigo Amado<br />
Keith Jarrett<br />
Charlie Ha<strong>de</strong>n<br />
Jasmine<br />
ECM; distri. Dargil<br />
mmmmn<br />
É certo que Keith Jarrett per<strong>de</strong>u já<br />
alguma da aura mítica que ro<strong>de</strong>ava<br />
cada uma das suas novas produções.<br />
Hoje, um disco como “Jasmine” não<br />
é aguardado com a mesma<br />
Steve Swell: o tipo <strong>de</strong> música que <strong>nos</strong> leva a acreditar no futuro do jazz<br />
Keith Jarrett não per<strong>de</strong>u ponta do talento que o<br />
consagrou como um dos maiores pianistas jazz<br />
expectativa com<br />
que o foi cada novo<br />
volume da<br />
excelente série<br />
“Standards”. No<br />
entanto, é também<br />
certo que o polémico pianista,<br />
conhecido pelo seu feitio irrascível,<br />
não per<strong>de</strong>u ponta do talento que o<br />
consagrou como um dos mais<br />
importantes pianistas jazz <strong>de</strong><br />
sempre. Em “Testament”, disco<br />
triplo gravado ao vivo em Paris e<br />
Londres, editado no ano passado,<br />
Jarrett dava novamente provas da<br />
sua genialida<strong>de</strong> com um dos registos<br />
a solo mais vibrantes dos últimos<br />
a<strong>nos</strong>.<br />
Neste novo disco, encontro <strong>de</strong><br />
gigantes partilhado com o mítico<br />
contrabaixista Charlie Ha<strong>de</strong>n —<br />
curiosamente gravado um ano antes<br />
<strong>de</strong> “Testament” —, a gravação é feita<br />
em ambiente intimista, no estúdio<br />
caseiro <strong>de</strong> Jarrett, e não chega a ter a<br />
mesma força <strong>de</strong> “Testament”. Nem o<br />
preten<strong>de</strong> ter. A uma relativa<br />
previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimentos<br />
musicais, os dois músicos<br />
contrapõem um lirismo<br />
<strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iramente especial e uma<br />
poética a que só os gran<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m<br />
ace<strong>de</strong>r.<br />
É impressionante observar a<br />
colocação das notas <strong>de</strong> Ha<strong>de</strong>n, num<br />
entrelaçado perfeito com as<br />
melodias do piano — um bailado<br />
on<strong>de</strong> não existe uma única nota a<br />
mais. E <strong>de</strong>pois há ainda o som — logo<br />
no primeiro tema, o belíssimo “For<br />
all we know”, quando Ha<strong>de</strong>n inicia<br />
as suas variações a solo, somos<br />
transportados para um mundo<br />
intenso e mágico como poucos,<br />
marcado pelo tom particularmente<br />
orgânico do seu contrabaixo. Num<br />
repertório formado por “standards”<br />
e canções <strong>de</strong> amor — baladas,<br />
essencialmente — a comunicação<br />
entre ambos é telepática e eleva as<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
melodias à condição <strong>de</strong> intemporais,<br />
transparecendo a longa<br />
cumplicida<strong>de</strong> entre os dois músicos.<br />
Destaque para a beleza radiante <strong>de</strong><br />
“Where can I go without you”, <strong>de</strong><br />
Peggy Lee e Victor Young.<br />
Clássica<br />
O melhor <strong>de</strong><br />
César Franck<br />
Um disco essencial para<br />
conhecer o melhor <strong>de</strong><br />
César Franck nas mãos <strong>de</strong><br />
um gran<strong>de</strong> intérprete. Rui<br />
Pereira<br />
César Franck<br />
Obras para piano<br />
Bertrand Chamayou, piano piano<br />
Olivier Olivier Latry, harmónio<br />
Royal Scottish Scottish National<br />
Orchestra<br />
Stéphane Denève, direcção<br />
Naïve Naïve V5208<br />
mmmmm<br />
Com este CD monográfico <strong>de</strong> César<br />
Franck (com obras para piano a solo,<br />
piano e orquestra e piano e<br />
harmónio), o jovem pianista francês<br />
Bertrand Chamayou revela toda a<br />
beleza oculta <strong>de</strong> peças que muitas<br />
vezes são erradamente associadas a<br />
uma certa austerida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma.<br />
Este é um CD magnífico pela escolha<br />
do repertório, reunindo as obras<br />
mais importantes do compositor, e<br />
pela forma como faz sobressair o<br />
lado mais lírico da sua escrita, bem<br />
como uma gran<strong>de</strong> riqueza <strong>de</strong><br />
coloridos harmónicos que<br />
Chamoyou controla com gran<strong>de</strong><br />
expressivida<strong>de</strong>.<br />
O pianista revela-se um músico<br />
muito completo, capaz <strong>de</strong> tocar <strong>nos</strong><br />
principais géneros <strong>de</strong> música com<br />
piano, <strong>de</strong>monstrando gran<strong>de</strong><br />
empatia para com os seus pares. A<br />
solo alcança uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
dinâmicas e in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong><br />
timbres que lhe dá uma gran<strong>de</strong><br />
clareza polifónica e uma paleta <strong>de</strong><br />
sonorida<strong>de</strong>s invejável. No caso das<br />
“Variações Sinfónicas para piano e<br />
orquestra”, obtém uma<br />
interpretação magistral revelando<br />
ambientes sonhadores, misteriosos<br />
e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> fantasia, por vezes<br />
cristali<strong>nos</strong>, outras vezes majestosos,<br />
contando, também, com uma<br />
orquestra ao melhor nível.<br />
Em termos <strong>de</strong> repertório, a gran<strong>de</strong><br />
surpresa revela-se no “Prelúdio,<br />
Coral e Fuga para piano e<br />
harmónio”, uma peça mais<br />
conhecida na sua <strong>ver</strong>são posterior<br />
para órgão, mas nesta forma original<br />
absolutamente genial. Tem um forte<br />
sabor popular mas é <strong>de</strong> uma<br />
inspiração natural tocante, on<strong>de</strong><br />
sobressai um carácter<br />
acentuadamente francês reforçado<br />
pela própria sonorida<strong>de</strong> do<br />
instrumento. Cabe referir que num<br />
disco com excelente técnica <strong>de</strong><br />
gravação se <strong>de</strong><strong>ver</strong>ia ter evitado o<br />
registo <strong>de</strong> um ou outro virar <strong>de</strong><br />
pá ppágina. gina.<br />
Bertrand Chamayou, um músico muito completo