O povo é uma entida<strong>de</strong> amorfa, irracional, manipulável, <strong>de</strong>sinteressante, instável, contraditória e essencial. “Mesa Posta” (1897), Rafael Bordalo Pinheiro “Sem mim não há povo”, painel <strong>de</strong> fotografias dos visitantes à saída da exposição pública, no Estado Novo, <strong>de</strong>pois do 25 <strong>de</strong> Abril, mas também o povo na televisão ou na revista à portuguesa, e ainda “A Política dos Muitos — Povo, Classes e Multidão”, que reúne textos <strong>de</strong> pensadores contemporâneos sobre o tema e que remetem para os clássicos, Foucault, Kant ou Bourdieu, também sob coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> José Neves e <strong>de</strong> Bruno Peixe Dias, e “O que é o Povo”. Neste último, várias personalida<strong>de</strong>s respon<strong>de</strong>m p à pergunta: “Quand “Quando diz Povo, o que eestá a dizer?”. O interesse, int diz José Manuel M dos Santos, é confrontar pessoas que usam essa palavra, muitas vezes, sem talvez pensarem no seu significado: n artistas, tas escritores, professores, prof historiadores, riadore empresários, representantes representan dos media, mas sobretudo lí<strong>de</strong>res partidários e o actual e ex-presi<strong>de</strong>ntes da República, que muitas vezes referem “povo” <strong>nos</strong> seus discursos. As respostas mostram que este não é um tema consensual. Se ao longo da História, o “povo” <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser uma parte para ser o todo, passando <strong>de</strong> objecto a sujeito, <strong>de</strong> súbdito a soberano, com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que “a soberania resi<strong>de</strong> no povo” e <strong>de</strong> que “o povo somos todos nós”, a <strong>ver</strong>da<strong>de</strong> é que mesmo agora “não é um todo para toda a gente”, nota José Manuel dos Santos. No mesmo livro, umas pessoas questionam, outras negam essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “povo” como representando “todos nós”, outras ainda vêem-na como um i<strong>de</strong>al. “Está na hora, agora, <strong>nos</strong> cem a<strong>nos</strong> 30 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon Vasco Graça Moura Escritor e tradutor da República, <strong>de</strong> resgatar a palavra povo em Portugal. Está na hora <strong>de</strong>, ao dizer ‘o povo’, não querer dizer ‘os outros’, mas ‘nós’, todos. Nós todos. Cidadãos. Como outros dizem ‘we, the people’, nós dizermos ‘nós, o povo’”, escreve o ficcionista Nuno Artur Silva. Essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “povo” como “todos nós” não existe para o secretáriogeral do PCP, Jerónimo <strong>de</strong> Sousa, para quem povo é apenas quem se confronta “com o po<strong>de</strong>r das classes dominantes”, como também está ausente na visão do estratega da Revolução do 25 <strong>de</strong> Abril, o coronel Otelo Saraiva <strong>de</strong> Carvalho, para quem “povo é a gran<strong>de</strong> massa, a parte mais numerosa mas a me<strong>nos</strong> rica e a me<strong>nos</strong> privilegiada da população <strong>de</strong> um Estado”. No oposto, o cientista político João Carlos Espada escreve: “‘Povo’ é uma expressão que raramente utilizo”, porque consi<strong>de</strong>ra que “não há um colectivo chamado ‘Povo’”. E acrescenta, citando a Declaração da In<strong>de</strong>pendência americana <strong>de</strong> 1776: “Há indivíduos e pessoas, cujos direitos são prévios aos go<strong>ver</strong><strong>nos</strong>, sendo o O que é para mim o Povo? O Povo é o meu Mestre. Maria <strong>de</strong> Lur<strong>de</strong>s Mo<strong>de</strong>sto Autora e especialista em culinária. principal <strong>de</strong><strong>ver</strong> <strong>de</strong>stes últimos respeitar e garantir aqueles direitos”. O povo é, para o ex-Presi<strong>de</strong>nte Jorge Sampaio, “indissociável <strong>de</strong> Portugal, do 25 <strong>de</strong> Abril, e da Constituição da República Portuguesa <strong>de</strong> 1976”. Para Mário Soares, “o povo é global” e “os cidadãos portugueses são cidadãos europeus”, enquanto Ramalho Eanes escreve que <strong>nos</strong> discursos que proferiu enquanto responsável político usou, com o mesmo fim, as palavras “nação”, “povo”, “país” e “população portuguesa”. Inclusão e exclusão A noção <strong>de</strong> “povo”, embora tenha evoluído ao longo da História, para se transformar na gran<strong>de</strong> palavra da inclusão, continua sempre a ser <strong>de</strong> inclusão e exclusão, aponta o historiador José Neves. “Durante muito tempo, excluiu as mulheres ou os escravos. Hoje exclui os imigrantes.” E no fim, a palavra adapta-se a diferentes imaginários. Em muitos discursos do Estado novo, o povo confun<strong>de</strong>-se com a nação. Mas havia também a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “bom povo português”, e “Deus, Pátria e a Família”, um primeiro discurso muito conhecido <strong>de</strong> Salazar, relembrado numa <strong>de</strong> muitas imagens cruzadas <strong>de</strong> uma instalação <strong>de</strong> Diana Andringa, Bruno Morais Cabral e João Dias , a partir <strong>de</strong> arquivos da RTP e da Cinemateca. Nesta instalação, umas imagens convocam outras, como as <strong>de</strong>sse discurso <strong>de</strong> Salazar a que se segue a <strong>de</strong> uma mulher na rua na luta pela revogação da Concordata (assinada entre o Estado português e a Santa Sé em 1940) e pelo direito ao divórcio. Pas- Povo é o soberano que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o seu caminho Cavaco Silva Presi<strong>de</strong>nte da República sam pelo mosaico <strong>de</strong> imagens <strong>nos</strong> ecrãs o Car<strong>de</strong>al Cerejeira e a sua evocação <strong>de</strong> como “o povo está com as suas ban<strong>de</strong>iras a dizer ‘Ámen’ aos seus chefes espirituais”, mas também Marcelo Caetano e Spínola, quando questionado sobre os presos políticos antes <strong>de</strong> se <strong>ver</strong>em estes a serem soltos, ou ainda um preso político junto à janela da sua cela da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Peniche, e Álvaro Cunhal no 1º <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1974 a gritar: “O povo está com o MFA”. “O povo está umas vezes em concordância, outras nalguma crítica mesmo no pós-25 <strong>de</strong> Abril”, diz Diana Andringa, jornalista, realizadora e comissária para o audiovisual. O povo trabalhador, num dos quadros mais emblemáticos do neo-realismo, “O Gadanheiro” <strong>de</strong> Júlio Pomar, ao lado do povo em festa, <strong>de</strong> Álvaro Cunhal, numa mesma sala em que está também exposta a representação antiga do povo, com os fragmentos <strong>de</strong> dois presépios barrocos do escultor Machado <strong>de</strong> Castro, e a representação que <strong>de</strong>le era feita no Estado Novo com os bonecos regionais portugueses <strong>de</strong> Tom (Thomaz <strong>de</strong> Mello). Numa outra sala, “Casas do Povo”,“Vista Interior” da artista Joana Vasconcelos abre, com os seus estores subidos, uma janela indiscreta para o quotidiano <strong>de</strong> objectos, numa casa imaginada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma vitrina exígua. Se isto é povo, “povo somos todos nós”, parece querer dizer esta instalação da artista contemporânea, ecoando as palavras do poema <strong>de</strong> Maria Teresa Horta, em “O que é o Povo”. Ao juntar a nomes da arte contemporânea obras <strong>de</strong> Ama<strong>de</strong>o <strong>de</strong> Sousa- Cardoso, Graça Morais, Eduardo Nery, Almada Negreiros, entre outros, a exposição mostra que “o povo” se encontrou sempre ou quase representado. Esta é uma exposição que olha para trás, mas também para fora, com alguns artistas estrangeiros. E que termina com a frase “Sem mim, não há povo”, num espaço em que o visitante fotografado se expõe <strong>de</strong>pois num gran<strong>de</strong> painel <strong>de</strong> imagens. Sem o visitante <strong>de</strong> “POVOpeople” não há povo. Ver agenda <strong>de</strong> exposições pág. 44 “República” (2010), o busto reinterpretado por Rui Sanches
EXPOSIÇÃO #07 ARQUITE(X)TURAS OBRAS DA COLECÇÃO BESart /// DE 24 DE JUNHO A 9 DE SETEMBRO LEE FRIEDLANDER // PAULO NOZOLINO // JOSÉ MAÇÃS DE CARVALHO // DOUG AITKEN // ABELARDO MORELL // DANIEL BLAUFUKS // NUNO CERA // JOÃO PAULO FELICIANO // THOMAS RUFF // RICARDA ROGGAN // ANA VIEIRA // BILL HENSON // CANDIDA HÖFER // VITO ACCONCI // HIROSHI SUGIMOTO // THOMAS STRUTH // PAULO CATRICA // PEDRO TUDELA // LESLIE HEWITT // SABINE HORNIG // ROLAND FISCHER // STAN DOUGLAS // DAN GRAHAM // FRANÇOISE SCHEIN // // MORADA Praça Marquês <strong>de</strong> Pombal nº3, 1250-161 <strong>Lisboa</strong> // TELEFONE 21 359 73 58 // HORÁRIO Segunda a Sexta das 9h às 21h // EMAIL besarte.financa@bes.pt