Vamos ver o Irão olhos nos olhos - Fonoteca Municipal de Lisboa
Vamos ver o Irão olhos nos olhos - Fonoteca Municipal de Lisboa
Vamos ver o Irão olhos nos olhos - Fonoteca Municipal de Lisboa
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Cada qual<br />
lê Bacon à sua<br />
medida, mas com a bitola <strong>de</strong><br />
Deleuze bem presente, mesmo se o<br />
objectivo é questioná-la. Trazem,<br />
para além disso, algumas novida<strong>de</strong>s<br />
interpretativas e recordam a<br />
importância que a fotografia<br />
assumiu em Bacon.<br />
No primeiro volume, Marcel Finke<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que as leituras comuns <strong>de</strong><br />
Bacon “sobrevalorizam o tema da<br />
violência e da <strong>de</strong>struição, <strong>de</strong>sviando<br />
a <strong>nos</strong>sa atenção <strong>de</strong> aspectos<br />
importantes como o diálogo entre a<br />
fotografia e o corpo humano<br />
representado”. O ensaio <strong>de</strong> Finke,<br />
“Bacon’s Material Practice and the<br />
Human Body”, não rejeita que a<br />
mutilação ou a brutalida<strong>de</strong> façam<br />
parte <strong>de</strong>sta iconografia, mas propõe<br />
uma explicação prosaica. Bacon<br />
pintava a partir <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los, fosse o<br />
namorado George Dyer, fosse a<br />
amiga Henrietta Moraes, entre<br />
outros. Só que a presença <strong>de</strong>les no<br />
atelier inibia-o. Preferia olhar para<br />
fotografias dos mo<strong>de</strong>los, ainda que<br />
recusasse a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “pintura<br />
ilustrativa”. Essas fotografias faziam<br />
parte do caos e da argamassa <strong>de</strong> lixo<br />
do atelier <strong>de</strong> Bacon, pelo que, muito<br />
provavelmente, conclui Finke, as<br />
<strong>de</strong>formida<strong>de</strong>s que vemos no<br />
trabalho final jjá<br />
lá<br />
estavam — nas fotos.<br />
Outra novida<strong>de</strong><br />
está no texto<br />
“Francis “Francis Bacon<br />
and Peter<br />
Beard: The<br />
Dead Elephant<br />
Interviews and<br />
Other Stories”,<br />
<strong>de</strong> Rebecca<br />
Daniels. A<br />
Francis Bacon<br />
relação r<br />
artística entre Bacon e o<br />
fotógrafo americano Peter Beard,<br />
a partir dos a<strong>nos</strong> 60, é pública,<br />
mas, <strong>de</strong> acordo com a ensaísta,<br />
“tem sido negligenciada”,<br />
provavelmente porque todas as<br />
pinturas feitas a partir <strong>de</strong> Beard<br />
pertencem a colecções privadas e<br />
raramente são expostas. “O papel <strong>de</strong><br />
Beard na obra <strong>de</strong> Bacon é<br />
substancial enquanto sujeito,<br />
fotógrafo, amigo, musa e fonte <strong>de</strong><br />
inspiração.”<br />
Outros textos, me<strong>nos</strong> profundos,<br />
talvez, exploram a importância em<br />
Bacon <strong>de</strong> fotógrafos como John<br />
Deakin, Julia Margaret Cameron e<br />
Nadar.<br />
No segundo livro, novamente a<br />
fotografia: Richard Calvocoressi<br />
escreve “Bacon and Lerski: A<br />
Possible Dialogue”. Apesar <strong>de</strong> Bacon<br />
e o alemão Helmar Lerski nunca se<br />
terem conhecido, há entre eles uma<br />
dialéctica. “Nos trípticos mais<br />
peque<strong>nos</strong>, Bacon parece ter<br />
absorvido, <strong>de</strong> forma consciente ou<br />
não, os aspectos essenciais do<br />
trabalho <strong>de</strong> Lerski: múltiplas<br />
perspectivas do rosto, que evocam a<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como contingência e<br />
hesitação; gran<strong>de</strong>s pla<strong>nos</strong> da cabeça;<br />
e fundos brancos ou negros, que dão<br />
maior relevo ao sujeito.”<br />
O ensaio mais fascinante <strong>de</strong>ixa a<br />
fotografia <strong>de</strong> parte e mergulha na<br />
psique: “Francis Bacon, Trash and<br />
Complicity”, <strong>de</strong> Brenda Marshall, é<br />
uma leitura psicanalítica, <strong>de</strong> filiação<br />
“lacaniana”, da obra <strong>de</strong> Bacon. Uma<br />
rarida<strong>de</strong>, ao que é dito. O texto<br />
resulta da tese <strong>de</strong> doutoramento <strong>de</strong><br />
Marshall, apresentada em 1990 e<br />
inédita até agora. Em resumo: a<br />
pintura p do irlandês está obcecada<br />
com a per<strong>ver</strong>são (sexual). “As<br />
imagens imag <strong>de</strong> Bacon <strong>de</strong>smancham as<br />
<strong>nos</strong>sas <strong>nos</strong>s certezas, a <strong>nos</strong>sa<br />
sensibilida<strong>de</strong> sens cultural e as <strong>nos</strong>sas<br />
<strong>de</strong>fesas, <strong>de</strong>fe pertencem a uma dimensão<br />
que ignoramos e à qual não damos<br />
espaço: espa o repugnante, o imundo, o<br />
sujo, sujo o <strong>de</strong>slocado, o fétido.”<br />
Esse E lado <strong>de</strong> Bacon é o teste<br />
consciente con mas reprimido que faz a<br />
si mmesmo,<br />
o <strong>de</strong>safio permanente ao<br />
“pai” “pai e à “or<strong>de</strong>m”. É, em<br />
simultâneo, simu o medo da castração<br />
prolongado prol até à ida<strong>de</strong> adulta, ora<br />
ansieda<strong>de</strong>, an ora culpa. A per<strong>ver</strong>são,<br />
portanto, po do ponto <strong>de</strong> vista<br />
clínico. clín<br />
O atelier pestilento em Londres<br />
no qual trabalhava é a prova disso,<br />
escreve es Marshall. É o espaço físico<br />
da d recusa, da operacionalização<br />
do d Édipo. Tal como o é a<br />
representação constante das<br />
fendas do corpo: os <strong>olhos</strong>, a<br />
boca, o ânus, a uretra, o nariz,<br />
a vagina — lugares da excreção<br />
e do <strong>de</strong>sejo.<br />
A única lacuna evi<strong>de</strong>nte <strong>nos</strong><br />
dois livros é a inexistência <strong>de</strong><br />
referências ou notas<br />
biográficas dos autores. Faz<br />
falta a quem lê e prejudica a<br />
autorida<strong>de</strong> a dos textos.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 43