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Vamos ver o Irão olhos nos olhos - Fonoteca Municipal de Lisboa

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ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7386 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

Sexta-feira<br />

25 Junho 2010<br />

www.ipsilon.pt<br />

<strong>Vamos</strong> <strong>ver</strong> o <strong>Irão</strong> <strong>olhos</strong> <strong>nos</strong> <strong>olhos</strong><br />

Abbas Kiarostami fi lma 114 mulheres em “Shirin”


Flash<br />

Sumário<br />

Abbas Kiarostami 6<br />

Entrevista com o realizador<br />

<strong>de</strong> “Shirin”<br />

Sleigh Bells 12<br />

Esta explosão <strong>de</strong> ruído é<br />

contagiante<br />

Ariel Pink 16<br />

Quer manter o rock vivo por<br />

mais cinco a<strong>nos</strong><br />

Jazz 22<br />

Clean Feed e Jazz Ao Centro<br />

põem Portugal no mapa<br />

Exposição 28<br />

De que falamos quando<br />

falamos <strong>de</strong> “povo”?<br />

Hans Küng 32<br />

O teólogo católico explica<strong>nos</strong><br />

o islão<br />

Nicolai Lilin 34<br />

A educação criminal <strong>de</strong> um<br />

siberiano<br />

Ficha Técnica<br />

Directora Bárbara Reis<br />

Editor Vasco Câmara, Inês Nadais<br />

(adjunta)<br />

Conselho editorial Isabel<br />

Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />

Design Mark Porter, Simon<br />

Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho, Carla<br />

Noronha, Mariana Soares<br />

Editor <strong>de</strong> fotografi a Miguel<br />

Ma<strong>de</strong>ira<br />

E-mail: ipsilon@publico.pt<br />

Prémio<br />

Hollywood tenta<br />

filmar Salinger (mais<br />

uma vez)<br />

J.D. Salinger sempre insistiu que a<br />

sua obra-prima, “The Catcher in the<br />

Rye” (“Uma Agulha no Palheiro” ou<br />

“À Espera no Centeio”, segundo as<br />

duas traduções disponíveis em<br />

português) era infilmável e impediu<br />

qualquer adaptação ao cinema.<br />

Sam Goldwyn, Jerry Lewis e Billy<br />

Wil<strong>de</strong>r estão entre os realizadores<br />

que tentaram filmar o romance,<br />

mas viram as suas intenções serem<br />

boicotadas pelo autor.<br />

Mas a morte do escritor norteamericano<br />

em Janeiro está a<br />

alimentar os produtores <strong>de</strong><br />

Hollywood <strong>de</strong> esperanças quanto à<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adquirir os direitos<br />

<strong>de</strong> adaptação do livro, segundo o<br />

britânico “Daily Telegraph”. Uma<br />

das motivações para isso é uma<br />

carta escrita por Salinger em 1957,<br />

indicando que os direitos <strong>de</strong><br />

“Catcher in the Rye” po<strong>de</strong>riam ser<br />

vendidos após a sua morte. “É<br />

possível que um dia os direitos<br />

sejam vendidos”, escreveu Salinger.<br />

“Há a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eu não<br />

morrer rico. Jogo muito seriamente<br />

com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar os direitos à<br />

minha mulher e filha como uma<br />

espécie <strong>de</strong> seguro.”<br />

Durante a sua vida, Salinger levou a<br />

cabo uma irredutível campanha<br />

para impedir “Catcher in the Rye”,<br />

escrito em 1951, <strong>de</strong> ser filmado,<br />

<strong>de</strong>screvendo a i<strong>de</strong>ia como “odiosa”.<br />

Ao longo das décadas, actores como<br />

Marlon Brando, Jack Nicholson,<br />

Leonardo DiCaprio e Tobey Maguire<br />

voluntariaram-se para o papel do<br />

adolescente Hol<strong>de</strong>n Caulfield, mas<br />

Salinger sempre reafirmou que o<br />

papel era “irrepresentável”.<br />

Alegadamente, a recusa do escritor<br />

<strong>de</strong>ve-se ao seu <strong>de</strong>sapontamento<br />

com a adaptação <strong>de</strong> um dos seus<br />

contos, “Uncle Wiggily in<br />

Connecticut”, que foi transformado<br />

em 1949 no filme “My Foolish<br />

Heart”. Foi um fracasso ao nível da<br />

crítica e da bilheteira e Salinger terá<br />

prometido nunca mais <strong>de</strong>ixar<br />

Hollywood aproximar-se das suas<br />

obras.<br />

Nuno Saraiva venceu nceu<br />

esta semana o Prémio émio<br />

Stuart <strong>de</strong> Desenho o da<br />

Imprensa, no valor or<br />

<strong>de</strong> 10 mil euros,<br />

com a ilustração<br />

publicada na capa a<br />

do Ípsilon <strong>de</strong> 12<br />

<strong>de</strong> Fe<strong>ver</strong>eiro<br />

sobre o tema “A<br />

Wraygunn preparam novo álbum,<br />

Furtado veste o avental<br />

Já passaram três a<strong>nos</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que os Wraygunn <strong>nos</strong><br />

mostraram o seu “Shangri-<br />

La” e, inevitavelmente, o<br />

povo tem sauda<strong>de</strong>s do<br />

rock’n’roll da banda <strong>de</strong><br />

“Drunk or stoned”. Pois<br />

não terá <strong>de</strong> esperar muito<br />

mais. Os Wraygunn estão<br />

neste momento em ensaios<br />

e é certo que em 2011<br />

editarão o quarto álbum da<br />

sua discografia. Depois <strong>de</strong><br />

“Soul Jam” (2001),<br />

“Eclesiastes s 1.11 1.11” (2004) e<br />

“Shangri-La” a” (2007), esse<br />

será necessariamente ariamente um<br />

álbum diferente. rente.<br />

“Chegámos a um ponto em<br />

que a Raquel el [Ralha] é a<br />

compositora a maioritária”,<br />

<strong>de</strong>clara Paulo ulo Furtado ao<br />

Ípsilon, acrescentado escentado que,<br />

com as canções ções e letras da<br />

vocalista, as s quatro<br />

compostas por ele próprio<br />

– “consegui finalmente<br />

compor um m tango!”,<br />

exclama – e as <strong>de</strong> Pedro<br />

Vidal, homem em com história<br />

feita <strong>nos</strong> Blind ind Zero e que se<br />

tem ocupado do da guitarra<br />

“pedal steel” l” <strong>nos</strong> Wray<br />

Gunn (ouvimo-lo mo-lo em<br />

“Shangri-La”), a”), “este era o<br />

momento certo erto para voltar<br />

aos ensaios, , <strong>de</strong>pois do<br />

tempo passado ado a trocar<br />

emails com<br />

i<strong>de</strong>ias.”<br />

Primeira<br />

avaliação ao o<br />

novo material: ial: “Todas as<br />

primeiras músicas são<br />

mais calmas”. s”.<br />

Consi<strong>de</strong>ração ão <strong>de</strong> quem<br />

conhece a sua ua própria<br />

banda: “Mas s acho que<br />

chegará um m momento<br />

em que começamos meçamos a<br />

ficar nervosos sos e<br />

viramos todos dos para<br />

coisas mais<br />

‘uptempo’”. .<br />

Paralelamente, nte,<br />

Furtado anda da<br />

ocupado como mo Legendary<br />

Tigerman, o que não<br />

surpreen<strong>de</strong>. Depois da<br />

distribuição <strong>de</strong> “Femina”, o<br />

seu último álbum, em<br />

Espanha, este será também<br />

lançado em França pela<br />

Sony, o que implica um<br />

intenso trabalho<br />

promocional que culminará<br />

numa digressão marcada<br />

para Setembro.<br />

Mais surpreen<strong>de</strong>nte será o<br />

“hobby” <strong>de</strong> Furtado que<br />

saltará brevemente para a<br />

esfera pública. A partir da<br />

próxima semana,<br />

assistiremos ao nascimento<br />

<strong>de</strong> um blogue culinário.<br />

Paulo Furtado não revela<br />

ainda o título, mas adianta<br />

que que “a i<strong>de</strong>ia é mostrar<br />

coisas muito simples,<br />

ilustradas com fotografias e<br />

a própria receita”. “Mas<br />

porquê?”, perguntam<br />

aqueles que nunca<br />

conseguiram imaginar o<br />

frenético rock’n’roller<br />

<strong>de</strong> avental entre<br />

tachos e panelas.<br />

Precisamente<br />

porque o vocalista<br />

dos Wraygunn é<br />

homem que<br />

gosta <strong>de</strong> se<br />

preparar preparar<br />

iguarias iguarias<br />

li literatura portuguesa<br />

é<br />

má na cama?”. A<br />

es escolha foi feita por um<br />

júr júri formado por Alex<br />

Go Gozblau, vencedor da<br />

edi edição <strong>de</strong> 2009, Susana<br />

San Santos, João Paulo Cotrim<br />

e Jaime Ja Almeida, da Casa<br />

da<br />

Imprensa.<br />

Paulo Furtado, isto é, Legendary Tigerman, isto é,<br />

Wraygunn<br />

na cozinha, com ou sem<br />

avental. “É algo que sempre<br />

gostei <strong>de</strong> fazer e comecei a<br />

sentir que po<strong>de</strong>ria ter<br />

alguma piada partilhar<br />

isso.” Sim, porque a<br />

primeira receita po<strong>de</strong> ser<br />

um simples folhado <strong>de</strong><br />

carne e espinafres, mas<br />

Furtado tem cartas na<br />

manga, Ou não apontassem<br />

as suas preferências<br />

gastronómicas para a<br />

cozinha francesa e para a<br />

“soul soul food food” do sul dos<br />

Estados<br />

Unidos.<br />

“Alligator,<br />

anyone?”<br />

Mário Lopes


Flash<br />

Guggenheim prepara exposição<br />

sobre o YouTube em Outono... e a<br />

polémica já começou<br />

Como é que o YouTube entra<br />

no museu?<br />

Resta saber se Salinger<br />

continuará a frustrar os produtores<br />

<strong>de</strong> Hollywood mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

morto. Um porta-voz dos seus<br />

representantes afirmou ao “Daily<br />

Telegraph” que não planeiam<br />

ven<strong>de</strong>r os direitos <strong>de</strong> adaptação.<br />

The Walkmen<br />

gravam “Lisbon”<br />

Chama-se “Lisbon” o novo álbum<br />

dos nova-iorqui<strong>nos</strong> The Walkmen, a<br />

editar em Setembro. O disco suce<strong>de</strong><br />

ao bem sucedido “You And Me” e<br />

<strong>de</strong>ve o seu título ao facto <strong>de</strong><br />

algumas canções terem nascido<br />

durante as <strong>de</strong>slocações do grupo a<br />

<strong>Lisboa</strong>, on<strong>de</strong> esti<strong>ver</strong>am duas vezes<br />

— no Super Bock em Stock (Teatro<br />

Tivoli, <strong>Lisboa</strong>, em 2008), e no Super<br />

Bock Super Rock, no Verão <strong>de</strong><br />

2009, 2009, no estádio do Restelo. É o<br />

sexto se sexto álbum do grupo e foi<br />

The Walkmen: Lisbon brothers<br />

produzido por John Congleton,<br />

habitual colaborador <strong>de</strong> nomes<br />

como St Vincent e Mountain Goats.<br />

Eminem <strong>de</strong> volta<br />

para salvar a<br />

indústria musical<br />

Em 2000, Eminem lançou o seu<br />

segundo álbum, “Marshall<br />

Mathers”, que se tornou no disco <strong>de</strong><br />

rap mais vendido da história. Na<br />

segunda-feira, o sétimo álbum do<br />

“rapper”, “Reco<strong>ver</strong>y” foi posto à<br />

venda nas lojas.<br />

A relevância <strong>de</strong>stas duas datas<br />

pren<strong>de</strong>-se, principalmente, com o<br />

facto <strong>de</strong> estas servirem como<br />

método <strong>de</strong> avaliação do estado<br />

actual das vendas, especialmente<br />

<strong>de</strong> CD, que tem vivido tempos – <strong>de</strong>z<br />

a<strong>nos</strong>, mais concretamente<br />

– muito difíceis; registando<br />

quedas assombrosas, <strong>de</strong>vido o<br />

principalmente à facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

<strong>de</strong>scarregar gratuitamente tudo o<br />

que se queira ouvir. De acordo rdo com<br />

a Nielsen Soundscan (“site” <strong>de</strong><br />

estatística que acompanha as<br />

vendas <strong>de</strong> música em várias s<br />

plataformas “online”, como o o<br />

iTunes e o Spotify), foram vendidos endidos<br />

4.98 milhões <strong>de</strong> álbuns na semana emana<br />

que terminou a 30 <strong>de</strong> Maio,<br />

possivelmente o número mais ais<br />

baixo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início dos a<strong>nos</strong> os<br />

1970. A isto, a Nielsen<br />

Soundscan acrescenta: o<br />

recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> vendas <strong>de</strong><br />

álbuns numa semana foi<br />

registado em Dezembro<br />

<strong>de</strong> 2000, com 45,4<br />

milhões <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s. É<br />

por isso que o título do<br />

novo álbum <strong>de</strong> Eminem é<br />

tão apropriado: a<br />

indústria musical está a<br />

tentar “recuperar” as<br />

vendas, seja em formato<br />

físico ou digital.<br />

Ainda segundo a Nielsen,<br />

não são só as vendas que<br />

apresentam quedas:<br />

digressões, concertos estão a<br />

dar sinais <strong>de</strong> fraqueza <strong>de</strong>vido do<br />

aos altos preços praticados e<br />

ao clima <strong>de</strong> incerteza<br />

económica que se vive, sem m<br />

esquecer as vendas digitais, que<br />

estão a crescer, mas me<strong>nos</strong> do<br />

que antes.<br />

Assim sendo, ainda que se<br />

TIMOTHY A. CLARY/ AFP<br />

O Guggenheim anunciou uma<br />

nova exposição que terá lugar<br />

em todos os museus da<br />

Fundação – Nova Iorque,<br />

Bilbau, Veneza e Berlim – em<br />

Outubro, e que está a provocar<br />

um curto-circuito <strong>nos</strong><br />

<strong>de</strong>fensores do mundo da arte. É<br />

que a nova exposição é sobre...<br />

o YouTube. O projecto,<br />

intitulado YouTubePlay, é uma<br />

parceria entre o “site” <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os<br />

e aquela prestigiada instituição<br />

museológica, e é aberto a<br />

qualquer utilizador que queira<br />

submeter os seus ví<strong>de</strong>os. Ou<br />

seja, é aberto a qualquer<br />

pessoa, mesmo que não se<br />

consi<strong>de</strong>re artista. “As pessoas<br />

que não têm acesso ao mundo<br />

da arte terão a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>ver</strong> o seu trabalho<br />

reconhecido”, explicou ao<br />

“New York Times” Nancy<br />

Spector, vice-directora e<br />

curadora principal da Fundação<br />

Guggenheim. “Estamos à<br />

procura <strong>de</strong> coisas que nunca<br />

vimos antes.”<br />

Os participantes po<strong>de</strong>rão<br />

candidatar-se com um ví<strong>de</strong>o até<br />

31 <strong>de</strong> Julho em youtube.com\<br />

play. As obras terão <strong>de</strong> ter sido<br />

criadas <strong>nos</strong> últimos dois a<strong>nos</strong> e<br />

não po<strong>de</strong>m ter mais <strong>de</strong> 10<br />

minutos, nem<br />

Eminem tem novo álbum:<br />

“Reco<strong>ver</strong>y”<br />

ter sido feitas com intenções<br />

comerciais ou extraídas <strong>de</strong><br />

ví<strong>de</strong>os mais longos. Uma equipa<br />

<strong>de</strong> curadores do Guggenheim<br />

fará uma selecção prévia <strong>de</strong> 200<br />

ví<strong>de</strong>os, que serão avaliados por<br />

um júri <strong>de</strong> nove profissionais<br />

em disciplinas como artes<br />

visuais, cinema e animação,<br />

<strong>de</strong>sign gráfico e música. Em<br />

Outubro, o top 20 do júri será<br />

mostrado simultaneamente em<br />

todos os museus Guggenheim.<br />

Spector explicou ao<br />

“Washington Post” que espera<br />

que a iniciativa venha a “subir a<br />

fasquia” do YouTube – me<strong>nos</strong><br />

conhecido pela sua <strong>ver</strong>tente<br />

artística do que pela<br />

aleatorieda<strong>de</strong> dos seus<br />

conteúdos. YouTube Play já está<br />

a gerar protestos no<br />

“establishment” do mundo da<br />

arte – talvez porque simbolize o<br />

golpe final no regime<br />

exclusivista no qual o mundo<br />

artístico se move. Robert Storr,<br />

organizador da Bienal <strong>de</strong><br />

Veneza <strong>de</strong> 2007 e ex-curador no<br />

MoMA, comentou ao “New York<br />

Times”: “É tempo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

<strong>nos</strong> enganarmos a nós próprios.<br />

O museu como porta giratória<br />

para talentos novos é o inimigo<br />

da arte e do talento, não o<br />

amigo.”<br />

continue continue a apostar nas vendas <strong>de</strong><br />

CD – que representam cerca <strong>de</strong> 70<br />

por cento das receitas –, o futuro<br />

está no investimento na música<br />

digital (“digital streaming”,<br />

“downloads”, assin assinaturas i aturas “online”).<br />

“95 por cento do mercado digital é<br />

ilegal. Se conseguirmos ampliar<br />

bastante esses 5<br />

por<br />

cento,<br />

temos<br />

futuro”, disse à<br />

Reuters um<br />

executivo <strong>de</strong> uma<br />

multinacional.<br />

E o que que tem Eminem a <strong>ver</strong> com<br />

isto tudo? É dos artistas que<br />

mais mais ven<strong>de</strong>u na década anterior<br />

e espera-se que “Reco<strong>ver</strong>y” seja<br />

igualmente rentável. O<br />

“rapper” tem dito em<br />

entrevistas que superou da<br />

<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> medicamentos<br />

e está mais sóbrio e tolerante<br />

do que era. era. Isso ven<strong>de</strong>?


AGENDA CULTURAL FNAC<br />

ESPECIAL FESTA DA MÚSICA<br />

AO VIVO<br />

THE HIDDEN COOKIE<br />

Novos Talentos Fnac 2010<br />

Vincadamente influenciados por bandas e compositores indie-folk-rock, os The Hid<strong>de</strong>n Cookie querem que<br />

as suas músicas sejam as maiores protagonistas <strong>de</strong>ste projecto.<br />

25.06. 19H00 FNAC CHIADO<br />

AO VIVO<br />

D.D. PEARTREE<br />

Novos Talentos Fnac 2010<br />

Autor luso-irlandês cuja sonorida<strong>de</strong> varia entre o folk e o pop/rock.<br />

25.06. 21H30 FNAC VASCO DA GAMA<br />

26.06. 17H00 FNAC ALMADA<br />

AO VIVO<br />

FILHO DA MÃE<br />

Novos Talentos Fnac 2010<br />

A edição do tema Sobretudo na colectânea Fnac Novos Talentos 2010 é a primeira oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colocar<br />

o Filho da Mãe cá fora.<br />

18.06. 22H00 FNAC COIMBRA<br />

19.06. 22H00 FNAC LEIRIASHOPPING<br />

AO VIVO<br />

ALTO!<br />

Novos Talentos Fnac 2010<br />

Alto! é o nome da banda barcelense li<strong>de</strong>rada pelo vocalista João Pimenta.<br />

19.06. 17H00 FNAC STA. CATARINA<br />

24.06. 22H00 FNAC MAR SHOPPING<br />

26.06. 18H00 FNAC NORTESHOPPING<br />

20.06. 18H00 FNAC VASCO DA GAMA<br />

22.06. 22H00 FNAC ALMADA<br />

AO VIVO<br />

ZELIG<br />

Joyce Alive<br />

Os Zelig oferecem-<strong>nos</strong> um repertório variado, entre a música experimental, o progressivo, dando ainda<br />

uma perninha pelo pop.<br />

29.06. 22H00 FNAC ALMADA<br />

Consulte todos os eventos da Agenda,<br />

assim como outros conteúdos culturais Fnac em<br />

Apoio:<br />

entrada livre<br />

APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO


FOTOGRAFO<br />

Abbas Kiarostami<br />

mais emocionais, c<br />

Elas choram, sorriem, <strong>de</strong>sviam o olhar... É para os rostos <strong>de</strong> uma centena <strong>de</strong> m<br />

a hora e meia <strong>de</strong> “Shirin”, que ontem estreou em <strong>Lisboa</strong> e no Porto. Como sempre n<br />

artifi cial. Numa entrevista ao Ípsilon, o cineasta iraniano diz que este é o seu fi lme<br />

Capa<br />

6 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Em “Shirin”, <strong>de</strong> Abbas Kiarostami,<br />

114 mulheres, todas iranianas<br />

excepto uma francesa ( Juliette<br />

Binoche), olham para algo que<br />

supostamente se passa num ecrã<br />

que não vemos, apenas ouvimos<br />

como uma narrativa reduzida à<br />

sua banda sonora. As mulheres<br />

assistem a uma representação <strong>de</strong><br />

um poema persa do século XII,<br />

“A História <strong>de</strong> Khosrow e Shirin”.<br />

Quanto a nós, espectadores <strong>de</strong><br />

espectadoras, nada mais temos<br />

em campo para além dos rostos<br />

— muito di<strong>ver</strong>sos e todos magníficos<br />

— <strong>de</strong>ssas mulheres. Primeiro<br />

choque <strong>de</strong> “Shirin”, por vir <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> vem: a silenciosa partilha<br />

<strong>de</strong> uma dupla intimida<strong>de</strong>, a dos<br />

<strong>olhos</strong> e a das emoções, isto é, a<br />

partilha longa <strong>de</strong> um olhar feito<br />

da acumulação <strong>de</strong> olhares. O primeiro<br />

fotograma <strong>de</strong> “Shirin” já<br />

fica para lá da primeira fronteira<br />

do interdito feminino na república<br />

islâmica do <strong>Irão</strong> (pois “é através<br />

dos <strong>olhos</strong> que o diabo dispara”,<br />

ensina a cartilha dos Guardas<br />

da Revolução).<br />

As mulheres riem, choram, re-<br />

agem, instalando uma segunda<br />

narrativa, contracampo tão invisível<br />

para nós como a tragédia <strong>de</strong><br />

Khosrow e Shirin, um contracampo<br />

afinal “realizado” pelo espectador,<br />

na medida em que é escrito<br />

em nós por 114 actrizes <strong>de</strong> um filme<br />

sem argumento. O centro <strong>de</strong><br />

“Shirin” não é a representação <strong>de</strong><br />

um poema mas a sugestão, pro-


i “As mulheres são<br />

omplexas e belas”<br />

mulheres iranianas (e uma francesa, Juliette Binoche) que vamos olhar durante<br />

no cinema <strong>de</strong> Abbas Kiarostami, o processo para chegar à <strong>ver</strong>da<strong>de</strong> é puramente<br />

“mais artifi cial, mas também o mais autêntico”. Pedro Rosa Men<strong>de</strong>s, em Paris*<br />

fundamente poética, <strong>de</strong> paixões,<br />

<strong>de</strong> recordações e <strong>de</strong> dor.<br />

Este nível <strong>de</strong> exposição é sacrílego<br />

para a ortodoxia xiita no po<strong>de</strong>r<br />

em Teerão. Kiarostami, no<br />

entanto, não abre mão <strong>de</strong> qualquer<br />

leitura política. “Garanto que<br />

não é um filme feminista em nada”,<br />

afirmou numa entrevista recente<br />

ao Ípsilon em Paris, feita <strong>nos</strong><br />

escritórios da distribuidora francesa<br />

dos seus filmes, a MK2.<br />

Estranha presença <strong>de</strong> um realizador<br />

fugidio: Kiarostami, sempre<br />

<strong>de</strong> óculos escuros, insiste em respon<strong>de</strong>r<br />

em farsi, através <strong>de</strong> uma<br />

intérprete, às perguntas feitas em<br />

francês e em inglês. A sua voz ocupa,<br />

então, o campo todo <strong>de</strong> uma<br />

entrevista on<strong>de</strong> ele não mostra<br />

nunca os <strong>olhos</strong>, como a representação<br />

“cega” <strong>de</strong> “Shirin”; e a voz<br />

<strong>de</strong>le apenas ganha sentido — argumento,<br />

emoção — na fala da intérprete.<br />

Uma voz <strong>de</strong> mulher.<br />

Qual foi o critério <strong>de</strong> escolha das<br />

actrizes <strong>de</strong> “Shirin”?<br />

Não houve critério nem selecção.<br />

Apenas disse ao meu produtor que<br />

escolhesse as actrizes que quisesse.<br />

E como apareceu Juliette<br />

Binoche, única estrangeira do<br />

filme?<br />

Exactamente da mesma maneira.<br />

Juliette não estava lá [no <strong>Irão</strong>] para<br />

filmar, estava lá apenas para me visitar.<br />

Tinha chegado na véspera e<br />

estava exausta. Quando acordou, eu<br />

disse-lhe que havia uma filmagem a<br />

<strong>de</strong>correr na cave <strong>de</strong> minha<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 7


ERIC GAILLARD/REUTERS<br />

8 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

casa e ela <strong>de</strong>sceu só para dar uma<br />

olha<strong>de</strong>la. E o que era a filmagem?<br />

Apenas três ca<strong>de</strong>iras numa divisão<br />

vazia, uma folha <strong>de</strong> papel pendurada<br />

(sob a lente da câmara) e eu a dar algumas<br />

instruções às actrizes. A Juliette<br />

ficou tão <strong>de</strong>sconcertada que disse<br />

que queria também ser filmada. E teve<br />

uma reacção incrível: sentou-se e<br />

começou a chorar, chorar, chorar.<br />

O que aconteceu foi que, quando<br />

os seus seis minutos estavam feitos e<br />

nós dissemos “corta!”, a Juliette Binoche<br />

apenas mudou <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ira e continuou<br />

a chorar. Foi esta também a<br />

reacção <strong>de</strong> muitas outras mulheres.<br />

Não paravam <strong>de</strong> chorar só porque nós<br />

dizíamos para pararem. Continuavam<br />

a chorar, o que para mim é a prova <strong>de</strong><br />

que o filme não é um filme artificial.<br />

Não são lágrimas por encomenda. Um<br />

filme artificial é o que se interrompe<br />

quando nós pedimos, que pára quando<br />

se pára a representação. Aquelas<br />

mulheres não estavam a representar.<br />

Só lhes <strong>de</strong>mos uma pista, abrimoslhes<br />

uma porta e com isso elas regressaram<br />

à sua própria <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>.<br />

É por isso que há tanta <strong>ver</strong>da<strong>de</strong> em<br />

“Shirin”. Quanto a Juliette Binoche,<br />

eu disse-lhe que estava muito conten-<br />

Nunca antes<br />

<strong>de</strong> “Shirin” tive<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

captar com a minha<br />

câmara momentos <strong>de</strong><br />

tanta <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>. Foi<br />

uma oportunida<strong>de</strong><br />

que me foi dada uma<br />

única vez na minha<br />

carreira<br />

te por ela participar no filme mas que<br />

não podia pagar-lhe, como não pago<br />

a nenhuma das actrizes, mas que não<br />

usaria o seu nome. Ela seria apenas<br />

mais uma mulher no meio das outras.<br />

É isso que acontece. Este filme mostra<br />

a uni<strong>ver</strong>salida<strong>de</strong> da feminilida<strong>de</strong>. Dei<br />

a Juliette Binoche as mesmas instruções<br />

que <strong>de</strong>i às actrizes muçulmanas<br />

e vemos que as reacções pessoais em<br />

relação ao amor são as mesmas.<br />

Porquê a presença dos homens<br />

em segundo plano, algo<br />

assustadores?<br />

Parecem-lhe assustadores? Tenho que<br />

<strong>ver</strong> outra vez o filme. A única razão<br />

pela qual os coloquei lá é para mostrar<br />

que no <strong>Irão</strong> as mulheres não têm<br />

<strong>de</strong> ir ao cinema separadas dos homens.<br />

Po<strong>de</strong>m sentar-se na mesma<br />

sala com eles. Mas todos os actores<br />

ti<strong>ver</strong>am as mesmas instruções, incluindo<br />

os homens. Se eles parecem<br />

ameaçadores, é porque se sentem<br />

ameaçados pelas suas próprias emoções.<br />

Seria interessante <strong>ver</strong>ificar isso.<br />

Geralmente, os realizadores dizem<br />

que o seu melhor filme é o que acabaram<br />

<strong>de</strong> fazer. Não é esse o meu caso.<br />

Eu fiz um filme posterior a “Shirin”<br />

e não quero julgá-lo nesses ter-<br />

mos. O que posso dizer é que nunca<br />

antes nem nunca <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Shirin”<br />

tive oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> captar com a<br />

minha câmara momentos <strong>de</strong> tanta<br />

<strong>ver</strong>da<strong>de</strong> e autenticida<strong>de</strong>. Foi uma<br />

oportunida<strong>de</strong> que me foi dada uma<br />

única vez na minha carreira e não<br />

acontecerá nunca mais.<br />

De on<strong>de</strong> surgiu a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

“Shirin”? Resultou do seu<br />

episódio <strong>de</strong> três minutos para o


“Romeu e Julieta” colectivo?<br />

A i<strong>de</strong>ia é a mesma. Tinha uma i<strong>de</strong>ia<br />

para a curta-metragem e a matéria<br />

que me foi dada era <strong>de</strong> tal maneira<br />

complexa e rica que me <strong>de</strong>i conta <strong>de</strong><br />

que não cabia lá. A reacção do público<br />

foi tão intensa que exigia, pelo me<strong>nos</strong>,<br />

uma metragem que pu<strong>de</strong>sse<br />

abarcar essa substância.<br />

O que é essa “matéria” em<br />

“Shirin”? Os actores ou o<br />

Um realizador<br />

fugidio:<br />

Kiarostami<br />

nunca tira os<br />

óculos<br />

escuros<br />

Elas são o <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iro<br />

rosto do <strong>Irão</strong><br />

Ao contrário <strong>de</strong> outros países muçulma<strong>nos</strong>, as mulheres iranianas têm um papel activo na<br />

socieda<strong>de</strong>, conduzem e votam. Mas aos <strong>olhos</strong> da lei islâmica, permanecem inferiores aos<br />

homens. O véu simboliza essa discriminação. Bamcha<strong>de</strong> Pourvali*<br />

Em 2007, para celebrar o 60º<br />

ani<strong>ver</strong>sário do Festival <strong>de</strong> Cannes,<br />

Abbas Kiarostami realizou<br />

“Where is my Romeo?”, uma<br />

curta-metragem que fi gurou no<br />

fi lme colectivo “A Cada Um o Seu<br />

Cinema”. O realizador <strong>de</strong>teve-se<br />

sobre rostos <strong>de</strong> mulheres numa<br />

sala <strong>de</strong> cinema on<strong>de</strong> se projectava<br />

“Romeu e Julieta”, e do qual só<br />

ouvimos a banda sonora. Em 2009,<br />

“Shirin” retoma e <strong>de</strong>senvolve essa<br />

i<strong>de</strong>ia original substituindo os<br />

“amantes <strong>de</strong> Verona” pela lenda<br />

<strong>de</strong> Khosrow e Shirin. Citada no<br />

“Livro do Reis” <strong>de</strong> Ferdowsi [poeta<br />

persa do século X], esta narrativa<br />

<strong>de</strong> amor cortês foi con<strong>ver</strong>tida,<br />

no século XII, num longo poema<br />

épico por Nemazi [consi<strong>de</strong>rado<br />

o maior poeta romântico da<br />

literatura persa].<br />

Para realizar o seu fi lme,<br />

Kiarostami reuniu 114 actrizes à<br />

frente <strong>de</strong> um ecrã branco. O jogo<br />

sobre o <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iro e o falso que<br />

<strong>de</strong>fi ne a sua obra <strong>de</strong>para-se com<br />

esta confi guração particular.<br />

“Shirin” po<strong>de</strong> ser visto como um<br />

documentário sobre o trabalho<br />

<strong>de</strong> actriz, cujas emoções são ao<br />

mesmo tempo enganadoras e<br />

reais. Apesar <strong>de</strong> estar <strong>de</strong>sprovida<br />

<strong>de</strong> imagens, a longa-metragem<br />

[a que as actrizes supostamente<br />

assistem em “Shirin”] possui uma<br />

banda sonora <strong>de</strong> extrema precisão<br />

que foi concebida “a posteriori”.<br />

Ela alterna as cenas <strong>de</strong> batalha<br />

e as juras <strong>de</strong> amor e permite<br />

seguir a história do rei sassânida<br />

[dinastia persa] e da princesa<br />

arménia.<br />

Não <strong>ver</strong> neste dispositivo mais<br />

do que um jogo seria redutor.<br />

Todos estes rostos revelam uma<br />

<strong>ver</strong>da<strong>de</strong> do <strong>Irão</strong>. Com efeito,<br />

diferentes gerações <strong>de</strong> mulheres<br />

estão presentes, todas portadoras<br />

<strong>de</strong> uma história simultaneamente<br />

pessoal e colectiva.<br />

Não é a primeira vez que<br />

Kiarostami dirige um fi lme<br />

convocando mulheres. Ele já o<br />

tinha feito com “Ten” (2002), que<br />

inaugurou um novo género no<br />

cinema iraniano – o dos fi lmes<br />

<strong>de</strong> mulheres. Seguiram-se outras<br />

obras, como “O Círculo” ou<br />

“Off si<strong>de</strong>”, “The Exam”, <strong>de</strong> Nasser<br />

Refaie, ou “Women Without Men”,<br />

<strong>de</strong> Shirin Neshat, apresentado<br />

em Veneza em Setembro <strong>de</strong> 2009.<br />

Apesar <strong>de</strong> ter sido rodado fora<br />

do <strong>Irão</strong>, este último fi lme não é<br />

me<strong>nos</strong> representativo <strong>de</strong> um forte<br />

movimento no cinema iraniano.<br />

Se a condição das mulheres no<br />

<strong>Irão</strong> suscita tais fi lmes, é porque<br />

o tema se presta a um paradoxo<br />

surpreen<strong>de</strong>nte. Ao contrário <strong>de</strong><br />

outros países muçulma<strong>nos</strong>, as<br />

mulheres iranianas têm um papel<br />

activo na socieda<strong>de</strong>, conduzem e<br />

votam. Nos últimos 10 a<strong>nos</strong>, elas<br />

tornaram-se maioritárias nas<br />

uni<strong>ver</strong>sida<strong>de</strong>s. Mas aos <strong>olhos</strong> da<br />

lei islâmica, elas permanecem<br />

inferiores aos homens. O véu<br />

simboliza essa discriminação.<br />

A primeira manifestação que se<br />

seguiu à revolução <strong>de</strong> 1979 foi <strong>de</strong><br />

mulheres contra o uso obrigatório<br />

do véu, a 8 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1979. A<br />

lei só entraria em vigor em 1982,<br />

dada a forte resistência. Em 1992<br />

surgiu o primeiro jornal feminista,<br />

“Zanan”, que viria a ser proibido<br />

em 2008. 2006 vê o lançamento<br />

da “Campanha <strong>de</strong> um milhão<br />

<strong>de</strong> assinaturas”, que reivindica<br />

a igualda<strong>de</strong> entre homens e<br />

mulheres no seio da socieda<strong>de</strong><br />

iraniana. Inúmeros intelectuais<br />

e uni<strong>ver</strong>sitários participam na<br />

campanha, incluindo Zarah<br />

Rahnavard, mulher <strong>de</strong> Mir-<br />

Hossein Moussavi, o qual viria<br />

a reclamar a vitória nas últimas<br />

eleições presi<strong>de</strong>nciais contra<br />

Mahmoud Ahmadinejad.<br />

Se Neda Agha-Soltan, morta<br />

nas ruas <strong>de</strong> Teerão a 20 <strong>de</strong> Junho<br />

<strong>de</strong> 2009, se con<strong>ver</strong>teu no símbolo<br />

<strong>de</strong> uma possível mudança no<br />

<strong>Irão</strong>, é porque ela representa<br />

tudo o que o regime rejeita: uma<br />

mulher mo<strong>de</strong>rna, instruída, e que<br />

reivindica os seus direitos.<br />

Porém, foi esse mesmo regime<br />

que contribuiu, sem o saber, para<br />

a tomada <strong>de</strong> consciência das<br />

mulheres. Tranquilizadas pelo<br />

uso obrigatório do véu, as famílias<br />

tradicionalistas do <strong>Irão</strong> aceitaram<br />

enviar as suas fi lhas para a<br />

uni<strong>ver</strong>sida<strong>de</strong>. Foi assim que as<br />

mulheres dos estratos populares<br />

Se Neda Agha-Soltan,<br />

morta nas ruas<br />

<strong>de</strong> Teerão em 2009,<br />

se con<strong>ver</strong>teu<br />

no símbolo <strong>de</strong> uma<br />

possível mudança<br />

no <strong>Irão</strong>, é porque ela<br />

representa tudo<br />

o que o regime rejeita:<br />

uma mulher<br />

mo<strong>de</strong>rna, instruída,<br />

e que reivindica<br />

os seus direitos<br />

ti<strong>ver</strong>am acesso a uma formação<br />

superior. Por outro lado, a explosão<br />

<strong>de</strong>mográfi ca levou o Estado a<br />

encorajar a contracepção. A ida<strong>de</strong><br />

média do casamento no <strong>Irão</strong> é<br />

hoje 26 a<strong>nos</strong> e o número <strong>de</strong> fi lhos<br />

por mulher passou <strong>de</strong> seis a dois<br />

em 30 a<strong>nos</strong>. O <strong>Irão</strong> tem imensas<br />

mulheres escritoras, jornalistas,<br />

realizadoras. Bem mais do que os<br />

seus dirigentes conservadores,<br />

elas são o <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iro rosto do <strong>Irão</strong>,<br />

estas “fi lhas da revolução”.<br />

Agora que a placa <strong>de</strong> chumbo<br />

voltou a abater-se sobre o <strong>Irão</strong>,<br />

as lágrimas das espectadoras <strong>de</strong><br />

“Shirin” são as lágrimas das mães<br />

e irmãs que se lembram do que<br />

o país viveu no último ano. Mas<br />

a resistência continua. No fi m do<br />

fi lme, uma espectadora sorri. Ela<br />

sabe que a situação irá mudar<br />

e que o <strong>Irão</strong> será uma república<br />

plena e inteira que não terá outro<br />

nome: iraniana.<br />

*Bamcha<strong>de</strong> Pourvali é crítico <strong>de</strong><br />

cinema.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 9


Depois <strong>de</strong><br />

“Shirin”,<br />

Binoche e<br />

Kiarostami<br />

reencontraram-se<br />

este<br />

ano em “Copie<br />

Conforme”,<br />

que passou em<br />

Cannes<br />

impacto no espectador?<br />

É a reacção dos actores. Com o filme<br />

<strong>de</strong> três minutos, senti uma gran<strong>de</strong><br />

frustração, <strong>de</strong>sejava ter pelo me<strong>nos</strong><br />

<strong>de</strong>z minutos. E quis fazer uma longametragem.<br />

De on<strong>de</strong> surgiu a história?<br />

Pensei esten<strong>de</strong>r a i<strong>de</strong>ia dos três minutos<br />

com a mesma história. Mas os<br />

direitos <strong>de</strong> adaptação <strong>de</strong> “Romeu e<br />

Julieta” eram tão caros que eu nunca<br />

po<strong>de</strong>ria comprá-los. Percebi que tinha<br />

<strong>de</strong> fazer a minha própria banda sonora<br />

— a história sem imagens contada<br />

em som que acompanha as actrizes.<br />

Então <strong>de</strong>cidi olhar para toda a literatura<br />

iraniana e para o <strong>nos</strong>so imaginário<br />

literário. E escolhi Shirin, entre<br />

outras heroínas e histórias, pela sua<br />

gran<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Remonta ao<br />

século XII mas é a primeira história<br />

<strong>de</strong> um triângulo amoroso cujo centro<br />

é uma mulher. Eu queria que a personagem<br />

<strong>de</strong> Shirin, na sua coragem e<br />

ternura, fosse contada por uma mulher.<br />

Isto é, a personagem principal e<br />

o narrador ficaram então sendo mulheres.<br />

O primeiro público do filme<br />

seria por isso feminino. Era isso que<br />

importava para mim. Notei, no início,<br />

que os espectadores masculi<strong>nos</strong> tinham<br />

reações mais simples. Apenas<br />

olhavam calmamente para o filme,<br />

não tinham esta varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reacções<br />

das mulheres, mesmo na <strong>ver</strong>são<br />

<strong>de</strong> três minutos. E ppor isso qqueria<br />

principalmente principalmen ente te atingir ati ting n ir um público<br />

feminino.<br />

10 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Este filme não é<br />

feminista em nada.<br />

A forma como as<br />

coisas são mostradas<br />

e sugeridas<br />

em “Shirin” seria<br />

impossível com<br />

qualquer “ismo”,<br />

incluindo o feminismo<br />

Pensou nas mulheres iranianas?<br />

De on<strong>de</strong> vem essa diferença<br />

<strong>de</strong> reacções entre mulheres e<br />

homens?<br />

Não tive nenhuma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

observar outras pessoas no mundo<br />

co ccomo mo espectador como tive para obse<br />

serv servar rvar a pessoas no <strong>Irão</strong>. Mas a minha<br />

impressão im impr pressão é que as mulheres são<br />

em geral, não apenas no <strong>Irão</strong>,<br />

mais ma m is emocionais, mais complexasxa<br />

xas e mais belas. São três razõeszõ<br />

zões para ter o seu olhar. Quando<br />

o assunto é emocional, relacionado<br />

com amor, <strong>de</strong>voção<br />

e afecto, as mulheres reagem<br />

mais ma m is intensamente e são mais<br />

expressivas ex e pressivas do que os homens.<br />

Que emoções procurou<br />

em em “Shirin”?<br />

Tinha uma câmara pequena,<br />

três ca<strong>de</strong>iras numa sala<br />

vazia e uma folha <strong>de</strong> papel<br />

pendurada sob a objectiva.<br />

As mulheres estavam sentadas<br />

em silêncio total, fixando<br />

um ponto imaginário no papel.<br />

Apenas pusemos alguns<br />

efeitos <strong>de</strong> luz reproduzindo o<br />

que seria o reflexo <strong>de</strong> uma projecção<br />

<strong>de</strong> um filme diante <strong>de</strong>las.<br />

E pedi-lhes que pensassem<br />

num<br />

episódio amoroso, ou <strong>de</strong> um filme ou<br />

<strong>de</strong> uma história que fosse muito especial<br />

para elas e fizesse apelo a emoções<br />

profundas. Temos tantas histórias<br />

diferentes projectadas neste filme<br />

quantas as actrizes que são filmadas,<br />

cada uma projectando o seu próprio<br />

filme e cada uma <strong>de</strong>las reagindo a<br />

uma história mental que elas são as<br />

únicas a conhecer.<br />

A narrativa não existe para lá <strong>de</strong><br />

cada uma das actrizes?<br />

Diria que este filme é o mais artificial<br />

que já fiz, mas também o mais autêntico<br />

que já fiz. É o filme que tem mais<br />

<strong>ver</strong>da<strong>de</strong>. Consegui vê-lo pelo me<strong>nos</strong><br />

150 vezes, o que não aconteceu com<br />

nenhum dos meus outros filmes. Tenho<br />

a impressão <strong>de</strong> que foi feito por<br />

outros e não por mim. A <strong>ver</strong>da<strong>de</strong> resulta<br />

<strong>de</strong> estas mulheres mostrarem<br />

reacções <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iras a emoções <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iras.<br />

Dão a sua própria <strong>ver</strong>da<strong>de</strong><br />

ao filme. Foi isso que aconteceu. Em<br />

primeiro lugar, coleccionei todas estas<br />

emoções <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> todas estas<br />

mulheres e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>cidi fazer<br />

todo o processo <strong>de</strong> uma banda sonora<br />

<strong>de</strong> filme clássico, com as gravações<br />

dos actores, uma banda sonora, os<br />

efeitos sonoros, a mistura, tudo o que<br />

é normal. Depois usámos esta banda<br />

sonora como mo<strong>de</strong>lo. As imagens que<br />

tínhamos funcionavam como peças<br />

<strong>de</strong> um puzzle. Tivemos <strong>de</strong> <strong>ver</strong> peça a<br />

peça qual é que servia para completar<br />

o puzzle. Foi através <strong>de</strong>ste processo<br />

muito artificial que pu<strong>de</strong>mos atingir<br />

um nível <strong>de</strong> <strong>ver</strong>da<strong>de</strong> que eu nunca<br />

tinha visto antes.<br />

Antes <strong>de</strong> filmar tinha um<br />

argumento para “Shirin”?<br />

Não havia argumento nenhum. Na<br />

altura em que filmei as actrizes, ainda<br />

não sabia que ia ter que fazer a minha<br />

própria banda sonora. Pensava que<br />

ia fazer a história do Romeu e Julieta.<br />

Não é isto que interessa, nem o som<br />

que veio <strong>de</strong>pois, que é a narrativa que<br />

vem <strong>de</strong>pois. O que interessa é que as<br />

emoções ç mais íntimas <strong>de</strong>stas mulhe-<br />

res são exibidas <strong>nos</strong> seus rostos. E<br />

essas emoções vêm do amor. Lembrame<br />

um poema <strong>de</strong> Hafiz que diz que<br />

não há história nenhuma para além<br />

da história única que é o amor, que,<br />

apesar <strong>de</strong> ser repetida, não é nunca<br />

a mesma. Adorava ter sido corajoso<br />

o suficiente para não pôr som nenhum<br />

em “Shirin”. Ficaria um filme<br />

sem som, apenas com as emoções dos<br />

rostos, porque isso é a <strong>ver</strong>da<strong>de</strong> da<br />

obra.<br />

A <strong>ver</strong>da<strong>de</strong> do filme é também<br />

“Shirin” ser constituído pelo seu<br />

próprio público?<br />

É apenas um ciclo. São alguns espectadores<br />

silenciosos sendo vistos por<br />

outros espectadores. E, afinal, se houvesse<br />

um sistema <strong>de</strong> filmar os espectadores<br />

vendo os primeiros espectadores<br />

e projectá-los noutro ecrã, isso<br />

continuaria sem fim. Não é nada mais<br />

do que a representação da inocência<br />

dos espectadores que estão completamente<br />

in<strong>de</strong>fesos diante da magia<br />

<strong>de</strong>sta luz e <strong>de</strong>sta imagem, e que entregam<br />

completamente as suas emoções<br />

e sentimentos nas mãos do<br />

que está a acontecer no ecrã.<br />

Acredito que esta forma <strong>de</strong><br />

arte que é o cinema é a que <strong>de</strong> uma<br />

maneira mais po<strong>de</strong>rosa mexe com os<br />

espectadores e incorpora as suas<br />

emoções. Este filme é um tributo a<br />

esse po<strong>de</strong>r do cinema.<br />

É também um tributo às<br />

mulheres? É uma <strong>de</strong>claração<br />

com mais <strong>de</strong> cem rostos<br />

femini<strong>nos</strong> saídos <strong>de</strong> um país<br />

como o <strong>Irão</strong>?<br />

Talvez. É uma homenagem. Eu próprio<br />

fiquei sensibilizado e surpreendido<br />

quando notei a força enorme da<br />

soma <strong>de</strong>stes rostos em sequência e da<br />

expressão das suas emoções amorosas.<br />

Penso que o facto <strong>de</strong> as pôr todas<br />

juntas produz o impacto da forma<br />

como as mulheres lidam com as suas<br />

dores e alegrias amorosas e as esquecem<br />

com me<strong>nos</strong> facilida<strong>de</strong> do que os<br />

homens. É uma lição e um aviso também<br />

aos homens para lembrá-los da<br />

forma como as mulheres reagem e<br />

conseguem ainda mergulhar na memória<br />

do seu sofrimento e sentimentos.<br />

Secretamente, adorava que houvesse<br />

uma indicação <strong>de</strong> prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong><br />

em subtítulo <strong>de</strong> cada uma<br />

<strong>de</strong>stas mulheres para <strong>nos</strong> dar um sinal:<br />

quão atrás elas vão na sua memória<br />

enquanto pensam na sua própria<br />

história? Qual é o prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong><br />

do amor? Durante quanto tempo se<br />

po<strong>de</strong> lembrar? O filme é um sinal para<br />

os homens, para que vejam as mulheres<br />

ou a sua história amorosa com<br />

mais <strong>de</strong>talhe e cuidado. É um filme<br />

<strong>de</strong> apoio às mulheres.<br />

Um filme feminista?<br />

De forma alguma. Posso mesmo dizer<br />

que não é feminista em nada. Se fosse<br />

feminista, não o teria feito. Não concordo<br />

com nenhum “ismo”. A forma<br />

como as coisas são mostradas e sugeridas<br />

em “Shirin” seria impossível<br />

com qualquer “ismo”, incluindo o<br />

feminismo. Isto é um alerta mas feito<br />

da forma correcta, artística e muito<br />

indirecta. Os “ismos” não funcionam<br />

assim, colocam a culpa e a responsabilida<strong>de</strong><br />

apenas p num lado. Eu nunca<br />

digo neste filme que as mulheres não<br />

são responsáveis. É um alerta ao aos<br />

s<br />

homens mas também às mulheres.<br />

É essa a minha atitu<strong>de</strong> na<br />

vida. As pessoas são responsáveis<br />

por elas próprias.<br />

Quando não se vê as coisas<br />

na sua complexida<strong>de</strong>,<br />

apenas se coloca a<br />

culpa <strong>nos</strong> outros.<br />

Essa não é a minha<br />

postura. A<br />

minha opinião é<br />

que cada um é<br />

responsável pelas<br />

suas emoções e pela<br />

sua vida.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> filmes,<br />

pág. 52 e segs.<br />

*exclusivo Ípsilon<br />

Lusa<br />

JEAN-PAUL PELISSIER/REUTERS


Se bem se recordam, <strong>de</strong> Abbas<br />

Kiarostami começou-se a falar,<br />

na Europa e Estados Unidos,<br />

por volta da viragem dos a<strong>nos</strong><br />

80 para os a<strong>nos</strong> 90. Kiarostami<br />

fi lmava há muito mais tempo<br />

— o seu primeiro fi lme data <strong>de</strong><br />

1970 —, mas foi esse o momento<br />

em que, muito por força da<br />

sua inclusão no circuito dos<br />

festivais, a sua reputação<br />

quebrou as fronteiras iranianas<br />

para se disseminar, lentamente,<br />

pelo resto do mundo. O trajecto<br />

habitual, <strong>de</strong> resto: no princípio<br />

dos a<strong>nos</strong> 90 ainda era habitual<br />

alguma <strong>de</strong>sconfi ança —<br />

“coisas <strong>de</strong> críticos” irem agora<br />

<strong>de</strong>scobrir cineastas no <strong>Irão</strong><br />

— mas 20 a<strong>nos</strong> <strong>de</strong>pois só se<br />

encontra re<strong>ver</strong>ência, Kiarostami<br />

tornou-se um cineasta <strong>de</strong><br />

panteão.<br />

Também se recordam,<br />

certamente, que o interesse<br />

por Kiarostami suscitou a<br />

curiosida<strong>de</strong> pela <strong>de</strong>scoberta<br />

do “contexto” <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ele vinha<br />

e que, graças a isso, se foi<br />

<strong>de</strong>scobrindo o cinema iraniano<br />

como um surpreen<strong>de</strong>nte viveiro<br />

<strong>de</strong> obras e cineastas, com<br />

características “endémicas”<br />

tão fortes que, para lá da visão<br />

autorista sobre uni<strong>ver</strong>sos<br />

pessoais específi cos e das<br />

diferenças geracionais entre<br />

realizadores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>s muito<br />

distintas, fazia (e faz) com que<br />

a expressão “cinema iraniano”<br />

<strong>de</strong>signe um pouco mais do que<br />

apenas uma origem geográfi ca.<br />

Sobre este panorama — sobre<br />

Kiarostami e sobre o que o<br />

liga ao “cinema iraniano” —<br />

talvez persistam, no entanto,<br />

alguns equívocos, baseados em<br />

impressões parcelares pouco<br />

aprofundadas. Por exemplo, a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que em Kiarostami e no<br />

cinema iraniano o essencial se<br />

joga numa questão <strong>de</strong> realismo<br />

— ou <strong>de</strong> “neo-realismo” —<br />

promovido como “resposta”<br />

ao artifício do cinema<br />

corrente e ao “entertainment”<br />

globalizado, e que tudo, no<br />

Um cineasta<br />

no labirinto<br />

É da “realida<strong>de</strong>” como artifício que os fi lmes <strong>de</strong> Kiarostami falam. Nada é transparente —<br />

bem pelo contrário — no seu cinema. Luís Miguel Oliveira<br />

O cinema <strong>de</strong><br />

Kiarostami expõe<br />

uma visão tortuosa<br />

da “realida<strong>de</strong>”<br />

fundo, se resumiria a uma<br />

vindicação do “cinema po<strong>ver</strong>o”<br />

sobre a opulência do cinema<br />

“comercial” e, particularmente,<br />

hollywoodiano.<br />

Em Kiarostami há certamente<br />

uma relação muito especial e<br />

muito directa (lembremo-<strong>nos</strong><br />

<strong>de</strong> “E a Vida Continua”, fi lmado<br />

no rescaldo <strong>de</strong> um tremor<br />

<strong>de</strong> terra) com a realida<strong>de</strong>, e<br />

não me<strong>nos</strong> certamente uma<br />

reformulação constante do<br />

Ten (2002)<br />

realismo como “gramática”. Mas,<br />

como em tudo, a “gramática” é<br />

importante me<strong>nos</strong> pelo que é<br />

do que pelo que com que se faz<br />

com ela. E se po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>fi nir<br />

uma característica essencial<br />

no cinema <strong>de</strong> Kiarostami<br />

encontramo-la justamente aí:<br />

a maneira como um realismo<br />

“processual”, aparentemente<br />

<strong>de</strong>scritivo, se põe ao serviço<br />

<strong>de</strong> uma visão tortuosa da<br />

“realida<strong>de</strong>” (seja ela qual<br />

for) para a <strong>de</strong>vol<strong>ver</strong> em puro<br />

artifício no mesmo passo em<br />

que a questiona na sua suposta<br />

evidência.<br />

Nada é transparente — bem<br />

pelo contrário — na “realida<strong>de</strong>”<br />

<strong>de</strong> Kiarostami, e sobretudo<br />

nada é transparente no ponto <strong>de</strong><br />

encontro entre essa “realida<strong>de</strong>”<br />

(concreta ou abstracta, como se<br />

preferir) e o aparato fílmico. Não<br />

é um acaso que tantos fi lmes<br />

<strong>de</strong> Kiarostami (do fabuloso<br />

jogo <strong>de</strong> espelhos <strong>de</strong> “Close Up”,<br />

passando por “Através das<br />

Oliveiras” até chegar agora a<br />

“Shirin”) reconstituam, como<br />

“registo” e como “ilusão”,<br />

di<strong>ver</strong>sos momentos do processo<br />

cinematográfi co, da rodagem<br />

à exibição do fi lme perante os<br />

espectadores (como acontece<br />

em “Shirin”), porque é da<br />

“realida<strong>de</strong>” como construção, da<br />

“realida<strong>de</strong>” como artifício, que<br />

os seus fi lmes falam.<br />

Vertigem absoluta, portanto:<br />

cada fi lme <strong>de</strong> Kiarostami é um<br />

labirinto, um labirinto criado<br />

sobre um labirinto. Don<strong>de</strong>, a<br />

angústia, don<strong>de</strong>, o medo — o<br />

terror absoluto estampado, por<br />

exemplo, <strong>nos</strong> rostos dos miúdos<br />

dos “Trabalhos <strong>de</strong> Casa”.<br />

“Close-Up” (1990)<br />

VIVA A SARDINHA!<br />

14 MAIO / 15 JULHO<br />

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<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 11<br />

silva!<strong>de</strong>signers / tiago albuquerque


Reparemos no título do álbum, “Treats”.<br />

Guloseima pedida por crianças<br />

americanas mascaradas em noite <strong>de</strong><br />

Halloween (já todos vimos o filme:<br />

“Trick or treat?”) Reparemos na capa<br />

do álbum (o leitor po<strong>de</strong> vê-la nela nas<br />

páginas <strong>de</strong> roteiro). Uma coreografia<br />

<strong>de</strong> “cheerlea<strong>de</strong>rs”, muito bem empilhadas<br />

umas sobre as outras, muito<br />

colegiais nas suas camisolas <strong>ver</strong><strong>de</strong>s e<br />

saias <strong>de</strong> pregas. Cenário <strong>de</strong> inocência<br />

juvenil, claro está, não se <strong>de</strong>sse o facto<br />

<strong>de</strong>, olhemos mais atentamente, as<br />

faces <strong>de</strong> todas elas terem sido digitalmente<br />

torturadas e não passarem <strong>de</strong><br />

um borrão sem expressão. Há algo <strong>de</strong><br />

terrivelmente errado na aparente harmonia<br />

daquela capa. Precisamente<br />

como na música dos Sleigh Bells.<br />

O duo que surgiu como todas as<br />

bandas surgem actualmente — um par<br />

<strong>de</strong> maquetas no MySpace e propagação<br />

viral em larga escala — não é como<br />

nenhuma banda da actualida<strong>de</strong>. Há<br />

<strong>de</strong> facto algo <strong>de</strong> terrivelmente errado<br />

na música dos Sleigh Bells. São uma<br />

explosão <strong>de</strong> ruído com o volume da<br />

produção em níveis proibitivos, com<br />

as guitarras a silvarem excessivamente,<br />

com os bombos, os baixos e os<br />

sintetizadores a arranharem <strong>de</strong> distorção.<br />

Mas tudo o que está errado é<br />

absurdamente contagiante, como a<br />

melhor pop; urgente e visceral, como<br />

o punk <strong>nos</strong> ensinou que <strong>de</strong>ve ser; inventivo,<br />

físico e ribombante como o<br />

hip-hop se apresentou antes <strong>de</strong> se<br />

tornar linguagem dominante e entrar<br />

em estagnação.<br />

Os Sleigh Bells são um duo, repetimos,<br />

e não podia ser <strong>de</strong> outra forma.<br />

Tudo na sua música consiste em reunir<br />

pólos opostos. Ruído e melodia,<br />

caos e serenida<strong>de</strong>, o electrónico e o<br />

orgânico, o masculino e o feminino.<br />

Derek Miller, guitarrista e responsável<br />

pelas produções, é o i<strong>de</strong>ólogo da banda,<br />

aquele que anda há quase uma<br />

década a tentar concretizar uma visão<br />

musical. Alison Krauss é a vocalista<br />

que lhe permitiu, finalmente, concretizar<br />

essa visão.<br />

Sasha Frere-Jones, crítico da revista<br />

“New Yorker”, viu-os <strong>nos</strong> últimos<br />

meses <strong>de</strong> 2009, quando eram apenas<br />

alvo <strong>de</strong> um passa-palavra cibernético<br />

12 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Sleigh Bells<br />

Tudo é ruído, tud<br />

Há algo <strong>de</strong> errado na música dos Sleigh Bells. São uma explosão <strong>de</strong> ruído com guitarras a silvar<br />

errado é contagiante como a melhor pop, visceral como o punk <strong>nos</strong> ensinou que <strong>de</strong>ve ser, físico<br />

<strong>de</strong> 2010. Derek Miller fala ao<br />

São um duo,<br />

e não podia ser <strong>de</strong><br />

outra forma. Tudo<br />

na sua música<br />

consiste em reunir<br />

pólos opostos. Ruído<br />

e melodia, caos<br />

e serenida<strong>de</strong><br />

Música<br />

Derek Miller aponta Diplo e<br />

M.I.A. como “<strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iros<br />

espíritos criativos”: “Estão<br />

sempre curiosos e esfomeados<br />

por novas <strong>de</strong>scobertas e é isso<br />

que é precioso na <strong>nos</strong>sa música<br />

pop favorita”<br />

TIM SOTER<br />

em franco crescendo, e, entre<br />

20 pessoas num clube <strong>de</strong><br />

Brooklyn, ren<strong>de</strong>u-se. Consi<strong>de</strong>rou-os<br />

a sua banda nova-iorquina<br />

preferida e escreveu que “quase<br />

todas as suas canções po<strong>de</strong>riam<br />

encontrar um lar on<strong>de</strong> quer que<br />

a pop viva hoje: programas<br />

televisivos, filmes,<br />

anúncios, salas <strong>de</strong> concertos,<br />

pequenas engenhocas<br />

electrónicas<br />

que piscam sincopadamente<br />

com o bater do<br />

coração”.<br />

O terrivelmente errado<br />

está terrivelmente certo:<br />

no seu excesso sonoro, no<br />

Derek Miller, o i<strong>de</strong>ólogo, e<br />

Alison Krauss, a cantora,<br />

conheceram-se num<br />

restaurante brasileiro em Nova<br />

Iorque on<strong>de</strong> ele era empregado<br />

<strong>de</strong> mesa


o faz pop!<br />

e o som a arranhar <strong>de</strong> distorção. Mas tudo o que está<br />

e ribombante como o hip-hop. “Treats” é um dos álbuns<br />

Ípsilon. Mário Lopes<br />

cruzamento inesperado <strong>de</strong> di<strong>ver</strong>sas<br />

linguagens (electro, hip-hop,<br />

rock’n’roll, punk, “noise”, girl<br />

groups), sem qualquer atenção à genealogia<br />

(interessam-lhes as canções<br />

e a estética sonora), os Sleigh Bells são<br />

a pop perfeita para um mundo on<strong>de</strong><br />

tudo é ruído: vencem-no por o encararem<br />

sem contemplações, incorpo-<br />

rando-o como parte integral, <strong>de</strong>terminante,<br />

da sua música. Como sempre<br />

acontece, há neles uma intenção<br />

clara: “Ajustar contrastes é a fundação<br />

do que fazemos. Misturar uma base<br />

muito pesada, ruidosa, com vozes e<br />

passagens muito melodiosas”. E, como<br />

acontece <strong>nos</strong> melhores casos, o<br />

acaso entrou na equação para dar o<br />

impulso <strong>de</strong>finitivo. “O ruído e a distorção<br />

das <strong>nos</strong>sas gravações tem uma<br />

explicação muito simples. O meu material,<br />

duas ‘loop-stations’, tinha um<br />

som absolutamente merdoso e a única<br />

forma <strong>de</strong> o tornar minimamente<br />

interessante era levantar o volume do<br />

‘master’ até distorcer e <strong>de</strong>ixar que<br />

fosse o ‘high-end’, fortíssimo, a atacar<br />

os sentidos.” A conclusão a que chegou<br />

é um dos segredos da música dos<br />

Sleigh Bells. “É o som, o tratamento<br />

do som, que transporta a música para<br />

outra dimensão.” Derek Miller<br />

“<strong>de</strong>scobriu” isto no seu quarto <strong>de</strong><br />

Brooklyn, quando ainda não tinha<br />

encontrado Alison Krauss.<br />

O homem do “hardcore”<br />

e a miúda do “girl group”<br />

Derek Miller era um homem com uma<br />

i<strong>de</strong>ia e andava há a<strong>nos</strong> a tentar pô-la<br />

em prática. No início da década, andava<br />

pelos Poison The Well, banda <strong>de</strong><br />

“hardcore” da Florida como milhões<br />

<strong>de</strong> bandas “hardcore” da Florida, e,<br />

nessa altura, o futuro que lhe conhecemos<br />

agora era algo muito distante.<br />

Largou a banda em 2004 e a família<br />

julgou que o filho pródigo enlouquecera.<br />

Como estava constantemente<br />

em digressão, os pais achavam que<br />

tinham fora <strong>de</strong> casa uma estrela rock.<br />

Como tinha abandonado os estudos<br />

para se <strong>de</strong>dicar a tempo inteiro à banda,<br />

não sabiam o que o miúdo iria<br />

fazer então da vida. Derek sabia. Continuou<br />

à procura.<br />

Fartou-se do “hardcore”: “É um<br />

género autofágico liricamente, visualmente<br />

e musicalmente. São rapazes<br />

jovens muito sérios a pensar em coisas<br />

muito profundas. Blergh... é realmente<br />

algo ridículo”. E fartou-se da<br />

bateria: “Andava a ouvir toneladas <strong>de</strong><br />

hip-hop e as produções são tão mais<br />

fortes que a tarola e bombo da praxe.<br />

Acertam-te em cheio no peito, ro<strong>de</strong>adas<br />

<strong>de</strong> sons cortantes, <strong>de</strong> sons únicos”.<br />

Destaca a Bomb Squad, equipa<br />

<strong>de</strong> produção dos Public Enemy como<br />

gran<strong>de</strong> referência.”<br />

Mesmo a guitarra, tão presente na<br />

música dos Sleigh Bells, surge co-<br />

MESTRADOS<br />

www.ipleiria.pt<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 13


mo um mal necessário. “Toco guitarra<br />

há 16 a<strong>nos</strong> e estou farto <strong>de</strong>la.<br />

Por isso, quando toco, tenho que fazer<br />

com que valha a pena, tem <strong>de</strong> ser<br />

memorável e excitante.” E, a propósito,<br />

fala-<strong>nos</strong> <strong>de</strong> quem não julgaríamos<br />

próximo da música da banda:<br />

“Os White Stripes são claramente<br />

uma um u a influência. Aquela merda é<br />

mesmo barulhenta, mesmo<br />

‘nasty’. Definitivamente<br />

uma inspiração”. Avancemos<br />

até 2009.<br />

Em Nova Iorque, vivia<br />

a<br />

a ex-cantora <strong>de</strong> uma<br />

banda “teen” que<br />

u<br />

não chegou a lado<br />

nenhum, as Ruby Blue<br />

(editaram um único<br />

co<br />

álbum em 2001), uma<br />

14 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Dificilmente<br />

<strong>de</strong>scobriremos<br />

referências directas<br />

nas suas canções.<br />

Esta é uma música <strong>de</strong><br />

tangentes: à pop, ao<br />

punk, à electrónica,<br />

ao hip-hop. Tudo isso<br />

e nada disso<br />

exactamente<br />

mulher habituada a enfrentar câmaras<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança, quando figurava<br />

em publicida<strong>de</strong>, e a enfrentar o público<br />

mais difícil <strong>de</strong> controlar que a<br />

humanida<strong>de</strong> jamais conheceu: cantava<br />

“standards” pop e soul em casamentos.<br />

Professora <strong>de</strong> educação bilingue<br />

no Bronx, estava com a mãe<br />

num restaurante brasileiro quando<br />

a sua vida mudou.<br />

Derek, que se mudara<br />

da Florida para<br />

Nova Iorque<br />

em busca <strong>de</strong><br />

uma vocalista<br />

— “tão simples<br />

quanto<br />

isso”, diz<strong>nos</strong><br />

—, explicou-lhe<br />

o que já explicara a tantas outras raparigas<br />

tantas vezes. Queria uma voz<br />

feminina para uma banda, era coisa<br />

séria e não paleio <strong>de</strong> engate. Pela primeira<br />

vez, o empregado <strong>de</strong> mesa teve<br />

sucesso na <strong>de</strong>manda rock’n’roll. Nasciam<br />

os Sleigh Bells: o homem do passado<br />

“hardcore”, 28 a<strong>nos</strong>, e a mulher<br />

do “girl group” adolescente, 24, que,<br />

corpo coberto <strong>de</strong> tatuagens e presença<br />

magnética, já nada tinha a <strong>ver</strong> com<br />

a miúda dos Ruby Blue.<br />

Espíritos criativos<br />

Quando o Ípsilon consegue que Derek<br />

Miller atenda o telefone — não estava<br />

a respon<strong>de</strong>r ao contacto por uma razão<br />

digníssima: um corte <strong>de</strong> cabelo<br />

—, já muito mudou na vida dos Sleigh<br />

Bells. Em meados do ano passado,<br />

disponibilizaram maquetas na sua<br />

conta <strong>de</strong> MySpace e o burburinho<br />

cresceu <strong>de</strong> forma imparável. Tanto<br />

que, final <strong>de</strong> 2009, não se limitavam<br />

a coleccionar entusiasmos no estrelato<br />

(M.I.A. ou Spike Jonze), na imprensa<br />

(“New York Times”, “New<br />

Yorker”, “Pitchfork”) e no público.<br />

Sem qualquer disco editado, figuraram<br />

em várias listas <strong>de</strong> melhores do<br />

ano. Porquê tudo isto? Porque os Sleigh<br />

Bells <strong>de</strong>slumbram pelo novo que<br />

trazem e fazem-no sem <strong>nos</strong> dar tempo<br />

para reflectir: “Treats” abana-<strong>nos</strong><br />

com vigor, esmurra-<strong>nos</strong> com carinho<br />

(só para ter a certeza que estamos<br />

<strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iramente acordados) e, com<br />

30 minutos <strong>de</strong> duração, <strong>de</strong>saparece<br />

quando ainda <strong>nos</strong> perguntamos, abananados<br />

e sorri<strong>de</strong>ntes: “Que raio acabou<br />

<strong>de</strong> acontecer?”<br />

Resgatados para a NEET, editora<br />

fundada por M.I.A., que os ouviu através<br />

<strong>de</strong> um amigo e não per<strong>de</strong>u tempo<br />

— no dia seguinte estava a apanhar<br />

um avião até Nova Iorque para os contratar<br />

e, presciente, convencer Derek<br />

Miller a produzir algum material para<br />

o seu novo álbum —, os Sleigh Bells<br />

movem-se num uni<strong>ver</strong>so sem fronteiras<br />

ou cronologia. Nas maquetas gravadas<br />

com material precário, cristalizaram<br />

aquilo que tinham <strong>de</strong> essencial<br />

e, quando se viram com um<br />

gran<strong>de</strong> estúdio à disposição, souberam<br />

conter-se. “Pensámos muito seriamente<br />

em regravar tudo, mas percebemos<br />

que as maquetas já eram a<br />

<strong>ver</strong>são <strong>de</strong>finitiva das canções. Limitámo-<strong>nos</strong><br />

a melhorar alguns pormenores.<br />

Muitas bandas tentam polir o som<br />

e acabam por <strong>de</strong>struir aquilo que era<br />

vital a início. Estávamos <strong>de</strong>ter-<br />

minados em impedir que<br />

isso acontecesse.”<br />

Com “Treats”, os<br />

Sleigh Bells assinam<br />

aquele que será um<br />

dos discos <strong>de</strong> 2010 — editado em Maio<br />

<strong>nos</strong> Estados Unidos, terá lançamento<br />

britânico no início <strong>de</strong> Agosto, não<br />

estando ainda confirmada distribuição<br />

em Portugal. Numa actualida<strong>de</strong><br />

pop em que a procura da novida<strong>de</strong><br />

se faz com mais sofreguidão que talento,<br />

em que a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> mostrar<br />

conhecimento do mundo tropeça nas<br />

“guitarras africanas” que se <strong>de</strong>scobrem<br />

a ritmo imparável sobre cada<br />

um dos tijolos <strong>de</strong> Brooklyn, a <strong>de</strong>sarmante<br />

simplicida<strong>de</strong> dos Sleigh Bells<br />

fá-los <strong>de</strong>stacarem-se.<br />

Como a maioria dos músicos da<br />

sua geração, também eles são melóma<strong>nos</strong><br />

heterodoxos. A letrista favorita<br />

<strong>de</strong> Derek Miller é Elisa Ambroglio,<br />

dos magníficos Magik Markers,<br />

heróis do “un<strong>de</strong>rground rock” americano,<br />

mas o que mais os entusiasma<br />

actualmente é a electrónica em tons<br />

negros dos Justice, a exuberância dos<br />

Major Lazer, um produtor <strong>de</strong> texturas<br />

ambientais <strong>de</strong> Brooklyn, KiNo,<br />

ou o colectivo <strong>de</strong> Los Angeles Tormenta<br />

Tropical. Claro que Derek não<br />

se fica por aqui.<br />

Aberto o poço com fundo lá longe<br />

dos seus fascínios, ouvimo-lo referir<br />

uma obsessão por Mary Weiss, uma<br />

das míticas Shangri-Las, ouvimo-lo<br />

apontar como referência o Brill Building<br />

e a Motown, não necessariamente<br />

pela música — “cada canção podia<br />

ser a última nas tabelas e, por isso, a<br />

urgência criativa era uma constante”<br />

—, e a <strong>de</strong>stacar M.I.A. e Diplo como<br />

exemplos <strong>de</strong> “<strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iros espíritos<br />

criativos”: “Estão sempre curiosos e<br />

esfomeados por novas <strong>de</strong>scobertas e<br />

é isso que é precioso na <strong>nos</strong>sa música<br />

pop favorita”.<br />

O interessante <strong>nos</strong> Sleigh Bells é<br />

que dificilmente <strong>de</strong>scobriremos referências<br />

directas a quaisquer <strong>de</strong>stes<br />

nomes nas suas canções. Esta é uma<br />

música <strong>de</strong> tangentes: à pop, ao punk,<br />

à electrónica, ao hip-hop. Tudo isso<br />

e nada disso exactamente. Talvez seja<br />

essa a razão pela qual Derek lança<br />

uma gargalhada quando colocado<br />

perante a pro<strong>ver</strong>bial questão <strong>de</strong><br />

Brooklyn e respectiva cena musical,<br />

em exportação frenética <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há<br />

praticamente uma década.<br />

“Não estamos todos sentados no<br />

canto <strong>de</strong> um quarto a conspirar para<br />

dominar o mundo. Conheço uma banda<br />

<strong>de</strong> Brooklyn, os Sun<strong>de</strong>lles. São <strong>de</strong><br />

um amigo meu e são muito bons. E é<br />

isso. Musicalmente é tudo muito <strong>de</strong>sgarrado.<br />

Há indie-rock, DJs, reggae,<br />

música pop, bandas b <strong>de</strong> metal. Mas<br />

parece que qualquer qu coisa que se fa-<br />

ça aqui acaba<br />

transformado no som<br />

<strong>de</strong> d Brooklyn.” Brooklyn E os Sleigh Bells, naturalmente,<br />

turalmente não querem ser algo<br />

tão vago<br />

como “o som <strong>de</strong><br />

Brooklyn”. Brooklyn”<br />

Estes são os Sleigh Bells e is-<br />

to não<br />

é som <strong>de</strong> bairro. É <strong>de</strong><br />

Derek De Miller e Alison<br />

Krauss. K Felizmente. Indiscutivelmente.<br />

E agora<br />

pertence-<strong>nos</strong>.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos<br />

págs. 48 e segs.<br />

Os White Stripes fazem<br />

parte das afinida<strong>de</strong>s<br />

electivas dos Sleigh<br />

Bells: “Definitivamente<br />

uma inspiração”


Imaginem que ligam para um número<br />

<strong>de</strong> telefone do outro lado do Atlântico<br />

e após uma hora <strong>de</strong> con<strong>ver</strong>sa com<br />

um tipo que tem fama <strong>de</strong> ser tão simpático<br />

quanto uma cascavel após uma<br />

semana <strong>de</strong> jejum ouvem o seguinte:<br />

“Para ser honesto contigo, acho que<br />

sou um tipo muito mais fácil do que<br />

as pessoas imaginam ao ouvir os meus<br />

discos”.<br />

Primeiro, esclareça-se que o homem<br />

do lado <strong>de</strong> lá do telefone tem<br />

voz <strong>de</strong> quem ganhou a vida a servir<br />

<strong>de</strong> cobaia em estudos experimentais<br />

sobre os malefícios do whisky nas cordas<br />

vocais. Tem um tom <strong>de</strong> voz capaz<br />

<strong>de</strong> assustar Tom Waits, arrasta as palavras<br />

como se tivessem acabado <strong>de</strong><br />

lhe injectar uma dose cavalar <strong>de</strong> morfina<br />

e o seu timbre é o <strong>de</strong> um dono <strong>de</strong><br />

quinta sulista que aos domingos enforca<br />

negros só porque sim.<br />

Quando se ouve uma frase daquelas,<br />

há um sem número <strong>de</strong> reacções<br />

possíveis, mas a <strong>nos</strong>sa foi possivelmente<br />

a pior <strong>de</strong> todas: <strong>de</strong>satar a rir.<br />

“Estou a falar a sério. Às vezes dizem-me:<br />

‘És muito me<strong>nos</strong> maluco do<br />

que eu esperava’. Não há coisa que<br />

me irrite mais do que estarem à espera<br />

que eu seja maluco.”<br />

Há motivos para as pessoas estarem<br />

à espera que Johnny Dowd se comporte<br />

como um louco. Des<strong>de</strong> Johnny<br />

Cash ninguém mais apareceu no mundo<br />

do rock’n’roll com tamanha queda<br />

para <strong>de</strong>sempenhar o tipo <strong>de</strong> papel a<br />

que os america<strong>nos</strong> chamam “hellraiser”.<br />

Quer dizer, ele próprio conta histórias<br />

<strong>de</strong> si que <strong>de</strong>ixam pouco espaço<br />

à imaginação. “Uma vez, em Londres,<br />

alguém se riu no meio <strong>de</strong> um concerto<br />

meu. Bem, eu sei que as pessoas<br />

estão num bar e bebem e con<strong>ver</strong>sam<br />

enquanto há um concerto, mas fiquei<br />

tão irritado que fui à procura do tipo<br />

que se riu, só para lhe bater.”<br />

“Só muito mais tar<strong>de</strong> é que percebi<br />

que esse comportamento era comple-<br />

tamente errado”, retoma, mais a falar<br />

consigo próprio do que con<strong>nos</strong>co.<br />

Johnny Dowd, nativo do Texas, só<br />

agora, aos 62 a<strong>nos</strong>, <strong>de</strong>scobriu aquilo<br />

a que se po<strong>de</strong>rá chamar, com alguma<br />

elasticida<strong>de</strong> semântica, felicida<strong>de</strong>.<br />

Pelo me<strong>nos</strong> “Wake Up The Snakes”,<br />

o seu mais recente disco, é o objecto<br />

me<strong>nos</strong> negro que aquela garganta pariu<br />

em muitos a<strong>nos</strong>.<br />

“Este disco é muito mais para cima”,<br />

diz, e não fosse o disco prová-lo<br />

juraríamos estar a ouvir um daqueles<br />

tipos que encontramos sozinhos num<br />

balcão <strong>de</strong> um bar, agarrado a um<br />

whisky, a afirmar que a sua vida está<br />

muito melhor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se juntou aos<br />

Alcoólicos anónimos.<br />

“Sempre quis fazer um disco <strong>de</strong><br />

puro R&B e rock’n’roll dos a<strong>nos</strong> 60.<br />

Essa foi a música com que cresci e<br />

esta é a minha <strong>ver</strong>são <strong>de</strong>ssa música.”<br />

Finalmente vem a frase que há uns<br />

a<strong>nos</strong> comprometeria a reputação <strong>de</strong><br />

Dowd: “Isto sou eu a ser feliz”. E <strong>de</strong>pois<br />

vem a frase que <strong>de</strong>monstra que<br />

a reputação está intacta: “Mas também<br />

não é assim tão diferente das<br />

outras coisas que fiz”.<br />

Na realida<strong>de</strong> até é. O primeiro disco<br />

<strong>de</strong> Dowd, “Wrong Si<strong>de</strong> Of Memphis”,<br />

<strong>de</strong> 1998, valeu-lhe um culto<br />

imediato — vindo do nada, ficou visto<br />

como uma espécie <strong>de</strong> avô bastardo<br />

da nova Americana. Bill Callahan, David<br />

Berman, Will Oldham, todos andavam<br />

há mais tempo a fazer aquilo,<br />

mas ele fazia-o como se o tivesse sofrido<br />

no pêlo.<br />

Uns a<strong>nos</strong> <strong>de</strong>pois, Dowd voltou a<br />

esse disco, escrevendo uma sequela,<br />

“Wire Flowers — More Songs From<br />

The Wrong Si<strong>de</strong> Of Den<strong>ver</strong>”, um álbum<br />

<strong>de</strong> caixa-<strong>de</strong>-ritmos com guitarra<br />

eléctrica e voz <strong>de</strong> personagem <strong>de</strong> Car<strong>ver</strong><br />

que faz os primeiros discos <strong>de</strong><br />

Jason Molina soarem quase alegres.<br />

“Esse, sim, era um disco saído <strong>de</strong><br />

um período muito negro da minha<br />

vida. Estava muito isolado, gravei tu-<br />

do sozinho e tinha um som claustrofóbico.”<br />

À palavra “isolado” faz-se um clique<br />

na cabeça do respeitável sr. Dowd. Ele<br />

dá por si a dizer que “não era um animal<br />

<strong>de</strong> festa, era um solitário”. “As<br />

maiores dores que causei foram a<br />

mim próprio”, confessa, estranha admissão<br />

em quem tinha fama <strong>de</strong> durar<br />

enquanto houvesse festa.<br />

Em parte é <strong>ver</strong>da<strong>de</strong> que o rock’n’roll<br />

estava-lhe (literalmente) nas veias:<br />

“Foi a minha banda sonora <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

12 a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>”, diz. Era novo e “tinha<br />

muita raiva”, daquela que surge<br />

“sem razão nenhuma”. Era um tipo<br />

“muito auto-centrado”, nada o interessava<br />

excepto ele próprio, o que,<br />

conclui hoje, “é uma bela receita para<br />

o <strong>de</strong>sastre”. “Estava muito preocupado<br />

em ser respeitado e nunca parei<br />

para aproveitar a vida.”<br />

Uma garrafa no fígado,<br />

uma canção nas orelhas<br />

É uma história daquelas. Dowd guiava<br />

camiões. “Sempre fui imaturo, por<br />

isso aos 40 sentia-me com como mo se tivesse<br />

só 20”. Tinha tido mil trabalhos rabbalhos<br />

e acabava<br />

cada dia com uma maa<br />

garrafa no<br />

fígado e uma canção a<br />

zumbir nas<br />

orelhas. “Nunca disse a mmim<br />

mim mesmo:<br />

‘Sou um bêbado’. Apenas enas<br />

acordava<br />

com uma ressaca. Nunca uncca<br />

tive <strong>de</strong> ir<br />

para uma clínica <strong>de</strong> <strong>de</strong>sintoxicação.<br />

esiintoxicação.<br />

A droga e a bebida não o mme<br />

me pareciam<br />

um problema na altura.” a.” ”<br />

Quando editou pela a pprimeira<br />

primeira vez<br />

tinha 49 a<strong>nos</strong>, quase a fazer<br />

50. O que,<br />

em termos america<strong>nos</strong>, s, ccorrespon<strong>de</strong><br />

correspon<strong>de</strong><br />

a ser um falhado. Mas não<br />

o <strong>nos</strong> termos<br />

<strong>de</strong> Johnny Dowd.<br />

“Toquei profissionalmente meente<br />

sem editar<br />

durante <strong>de</strong>z a<strong>nos</strong>. E ffoi<br />

foi porreiro,<br />

porque não era uma luta. ta. Portanto fui<br />

semi-sucedido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo. ceedo.<br />

Só que<br />

comecei tar<strong>de</strong>. Se tivesse essee<br />

começado<br />

aos 18 teria um disco aos<br />

s 28.”<br />

A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar ar ttudo<br />

tudo<br />

“Sabia que tinha<br />

<strong>de</strong> fazer alguma coisa<br />

antes <strong>de</strong> morrer. Em<br />

vez <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> beber<br />

e drogar-me, passei<br />

a fazer música”<br />

para fazer música atingiu-o como um<br />

raio, ou como “um latido <strong>de</strong> um cão<br />

num dia <strong>de</strong> ressaca”. “Tinha 40 a<strong>nos</strong><br />

e apercebi-me que não podia continuar<br />

a vi<strong>ver</strong> muito mais tempo como<br />

vivia: sabia que não podia andar a beber,<br />

a drogar-me e a sacar miúdas aos<br />

60 a<strong>nos</strong>. Sabia que tinha <strong>de</strong> fazer alguma<br />

coisa antes <strong>de</strong> morrer. Em vez<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> beber e drogar-me, passei<br />

a fazer música.”<br />

Com o tempo, a parte das drogas<br />

pelo me<strong>nos</strong> acalmou.<br />

“Que mais havia <strong>de</strong> fazer? A música<br />

sempre tinha sido a banda sonora das<br />

minhas avarias.” (Uma rápida passagem<br />

por este capítulo dá-<strong>nos</strong> a perceber<br />

que as histórias <strong>de</strong> Dowd <strong>de</strong>sse<br />

tempo invariavelmente envolvem<br />

acordar num num motel motel, sem<br />

se recordar <strong>de</strong> como<br />

lá foi parar, uma<br />

a<br />

prática prática que<br />

aconselhamos<br />

a toda a<br />

gente.)<br />

Se para a<br />

maior parte<br />

das pessoas<br />

mudar <strong>de</strong><br />

emprego<br />

aos 40 é assustador,para<br />

Johnny Dowd<br />

foi uma benção<br />

—até porque<br />

não teve <strong>de</strong><br />

mudar<br />

<strong>de</strong> estilo <strong>de</strong> vida (ou, pelo me<strong>nos</strong>, não<br />

teve <strong>de</strong> mudar logo).<br />

“Quando tinha 50 a<strong>nos</strong> e as outras<br />

bandas tinham 18, não tinha medo <strong>de</strong><br />

ser me<strong>nos</strong> barulhento que elas. Eu<br />

andava a vi<strong>ver</strong> o rock’n’roll <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

12 a<strong>nos</strong>. Tinha uma bagagem emocional<br />

que os putos não tinham.”<br />

Automaticamente ganhou o epíteto<br />

<strong>de</strong> “Nick Cave americano”, o que o<br />

<strong>de</strong>ixou contente, embora não pelas<br />

razões convencionais. “Agora gosto<br />

<strong>de</strong>le, mas na altura nem sabia quem<br />

ele era. Mas fiquei contente. Tinha tão<br />

pouco dinheiro que qualquer pessoa<br />

com quem me comparassem, eu ficaria<br />

contente.”<br />

O que Dowd gostava mesmo era da<br />

“vibração do rock’n’roll”, algo que,<br />

diga-se, não foi assim tão proeminente<br />

na sua obra.<br />

Aliás, havendo no novo disco “vibração<br />

do rock’n’roll”, por outro lado<br />

há tudo me<strong>nos</strong> malignida<strong>de</strong>. Até duetos<br />

semi-românticos há — se tomarmos<br />

por romantismo um tipo e uma<br />

tipa a acusarem-se mutuamente <strong>de</strong><br />

serem mentirosos. “<strong>Vamos</strong> <strong>Vamos</strong> ser ho hones-<br />

tos: não tenho a melhor voz do m<br />

mmun<br />

do. Ter uma mulher a cantar n nnum<br />

disco meu só po<strong>de</strong> melhorá-lo melhorá-lo. o Ao<br />

me<strong>nos</strong> há uma pessoa a dar as a no-<br />

tas certas.”<br />

Em certas canções chega<br />

mes-<br />

mo a ha<strong>ver</strong> alguns ritmos m mmeio<br />

bossa nova. “Sei que para parr<br />

os<br />

brasileiros é uma música<br />

a tris-<br />

te”, diz, “mas para mim aquilo aqq<br />

soa alegre”.<br />

E <strong>de</strong>pois sai-lhe uma frase f<br />

tão coloquial quanto ontoló- ont<br />

gica: “Mas também, eu nu nunca u<br />

fui bom a perceber como é que quu<br />

as<br />

coisas funcionam”.<br />

Ver critíca <strong>de</strong> discos págs.<br />

48 e<br />

segs.<br />

Johnny Dowd<br />

Primeiro a raiva,<br />

<strong>de</strong>pois a felicida<strong>de</strong><br />

Já lhe chamaram o Nick Cave americano. Depois<br />

<strong>de</strong> uma vida <strong>de</strong> bebida, drogar, e a guiar camiões,<br />

Johnny Dowd fez dos discos mais negros saídos da<br />

América e agora volta com um álbum quase feliz.<br />

João Bonifácio<br />

Música


Música<br />

Ariel Pink<br />

a memória é tud<br />

Em “Before Today”, Ariel Pink, pai<br />

involuntário da actual geração <strong>de</strong> músicos<br />

fi xados nas memórias, mostra que é único.<br />

Está hoje e amanhã em <strong>Lisboa</strong> e no Porto.<br />

Pedro Rios<br />

16 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Em 2004, Ariel Marcus Rosenberg<br />

meteu a cabeça <strong>de</strong> fora com um disco,<br />

“The Doldrums”, que parecia um<br />

compêndio do American Top 40, uma<br />

enciclopédia pop, <strong>de</strong> Bowie a Steve<br />

Harley, chapada em canções avariadas,<br />

<strong>de</strong>struídas e com uma qualida<strong>de</strong><br />

quase fantasmática, assombrada, como<br />

fotografias perfeitas gloriosamente<br />

arruinadas pela reprodução numa<br />

fotocopiadora estragada. “Gravei tudo<br />

directamente da minha ‘FX box’ para<br />

o gravador, com os níveis sempre no<br />

<strong>ver</strong>melho [no máximo] e com ‘headphones’<br />

para não incomodar os<br />

meus companheiros <strong>de</strong> casa. Depois,<br />

passei tudo para cassetes velhas em<br />

segunda mão”, explicou ao então suplemento<br />

Y. Pink construiu, na solidão<br />

<strong>de</strong> um quarto em Los Angeles,<br />

uma música que é, ao mesmo tempo,<br />

pop e o seu reflexo <strong>de</strong>turpado.<br />

“Fast forward” para 2010 e Ariel<br />

Pink está prestes — ou já é — uma estrela<br />

indie. A culpa é <strong>de</strong> “Before Today”,<br />

que a histórica 4AD acabou <strong>de</strong><br />

editar e que Pink e os seus Haunted<br />

Graffiti vêm apresentar hoje, em <strong>Lisboa</strong>,<br />

no Espaço M (antiga Casa d’Os<br />

Dias da Água), na Rua Dona Estefânia,<br />

e amanhã, no Porto, no Plano B. É um<br />

mundo novo para Pink: é o seu primeiro<br />

álbum com uma banda a sério<br />

(<strong>nos</strong> discos anteriores era ele que<br />

cumpria esse papel), o primeiro que<br />

não é uma colecção <strong>de</strong> canções gravadas<br />

ao longo dos a<strong>nos</strong> e o primeiro<br />

com uma gravação <strong>de</strong> maior fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />

(ninguém estranharia se ouvisse<br />

“Round and round”, masterizada <strong>nos</strong><br />

míticos estúdios Abbey Road, na VH1).<br />

E é um dos mais imaculados discos<br />

<strong>de</strong> canções dos últimos tempos, que<br />

vem colocar os holofotes em cima <strong>de</strong><br />

um dos músicos mais influentes da<br />

actualida<strong>de</strong>.<br />

Dir-se-ia que Ariel Pink, nascido em<br />

Los Angeles em 1978, está no topo do<br />

mundo. Meia <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>. “Estou mais<br />

inseguro do que nunca. Nada mudou.<br />

É a mesma coisa, só que pior”, diz,<br />

ao telefone. Mas conce<strong>de</strong>: “Não, acho<br />

que algo mudou. É um novo início<br />

para mim, faz-me sentir <strong>de</strong> novo excitado<br />

porque não andava a gravar<br />

tanto como costumava. É excitante<br />

voltar a fazer música <strong>de</strong> uma forma<br />

diferente. Está a ser um processo interessante<br />

fazer música com outras<br />

pessoas, outras mentes”.<br />

Pela primeira vez, as suas canções<br />

surgem sem a nuvem <strong>de</strong> ruído que as<br />

“Sinto que estou<br />

a preservar algo que<br />

se vai extinguir. Quero<br />

manter o rock vivo<br />

por mais cinco a<strong>nos</strong>,<br />

pelo me<strong>nos</strong>”<br />

escondia antes. Não se per<strong>de</strong> nada no<br />

processo? “Sim. Penso muito nisso.<br />

Mas o <strong>de</strong>safio é recriar as canções antigas<br />

todas as noites e fazê-las soar<br />

frescas como se fosse a primeira vez<br />

que são tocadas. Muitas <strong>de</strong>las nunca<br />

mais foram tocadas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> gravadas”,<br />

explica. “É preciso conhecer as<br />

canções, mas não totalmente. O truque<br />

é esse. É obvio que falhamos miseravelmente.”<br />

A baixa fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> sonora, fruto dos<br />

meios rudimentares (sem baterista, os<br />

ritmos eram executados com a boca),<br />

tornou-se uma imagem <strong>de</strong> marca <strong>de</strong><br />

Pink, mas ele garante que não procurava<br />

truques <strong>de</strong> “marketing”. “Não<br />

tinha uma banda. Fi-lo por necessida<strong>de</strong>.<br />

Não podia confiar noutras pessoas<br />

para escre<strong>ver</strong> música para mim ou para<br />

seguirem aquilo que andava a pensar.<br />

Não podia <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um produtor,<br />

logo tive que me tornar o meu<br />

produtor. Não podia contar com um<br />

artista para me fazer a capa do disco,<br />

logo tive que pegar numa polarói<strong>de</strong> e,<br />

como não podia pagar ir a um cemitério<br />

a sério, pegar num cartão e num<br />

assento <strong>de</strong> um carro para simular campas<br />

[para a capa <strong>de</strong> “The Doldrums”].<br />

Todas estas coisas são limitações. Hoje<br />

vejo tudo da mesma forma: ninguém<br />

vai fazer as coisas por mim.”<br />

A cabeça <strong>de</strong>ste rapaz<br />

“Before Today” inclui algumas canções<br />

escritas ainda antes <strong>de</strong> Ariel Pink


do o que temos<br />

FOTOS DE TIM SACCENTI<br />

saber tocar um instrumento, entre o<br />

fim dos a<strong>nos</strong> 1980 e o início dos a<strong>nos</strong><br />

1990. É como se agora, finalmente,<br />

tivesse os meios para pôr em prática<br />

o gran<strong>de</strong> plano que já habitava a sua<br />

cabeça <strong>de</strong>s<strong>de</strong> rapaz.<br />

“Antes <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a tocar instrumentos<br />

e começar a gravar, na minha<br />

cabeça eu já tinha conseguido tudo.<br />

Pensava: ‘Os meus pais não percebem<br />

isto, mas eu percebo [risos]’”, diz,<br />

com voz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho animado e risinhos<br />

pelo meio. “Não me enquadrava<br />

no liceu, mas achava que já tinha conquistado<br />

tudo.”<br />

Era um apaixonado pelo hard rock<br />

cheio <strong>de</strong> laca dos Guns N’ Roses e<br />

Mötley Crue e por velhos êxitos da<br />

era da rádio. As canções escritas na<br />

adolescência que agora recupera “foram<br />

escritas para serem ouvidas nesses<br />

a<strong>nos</strong>”. “É estranho: sinto-me um<br />

contemporâneo <strong>de</strong>sses artistas porque<br />

escrevi-as naquela altura, mas<br />

eles nunca me consi<strong>de</strong>rariam como<br />

tal porque estou a tocá-las 20 a<strong>nos</strong><br />

<strong>de</strong>pois. E era um miúdo, ninguém me<br />

conhecia.”<br />

Apaixonado pela pop (“fui o primeiro<br />

tipo do ‘oldies but goldies’”,<br />

exagera), foram os Throbbing Gristle,<br />

Stockhausen e outros artistas me<strong>nos</strong><br />

acessíveis que mudaram a vida <strong>de</strong><br />

Pink. “O que é que os Throbbing Gristle<br />

me <strong>de</strong>ram? A confiança para me<br />

sentar, pegar num instrumento, pensar<br />

‘posso tocar’ e gravar. Throbbing<br />

Gristle, Stockhausen e os músicos<br />

‘noise’ fizeram-me achar que era um<br />

génio. Mais tar<strong>de</strong> percebi que o que<br />

fazia era terrível, mas se não tivesse<br />

tido aquela experiência teria pegado<br />

numa guitarra e pensado: ‘Não sei<br />

fazer isto’”.<br />

Quando ouvia aqueles artistas “não<br />

pensava naquilo como algo terrível<br />

e, por isso, incrível”. Pensava: “Isto<br />

é música, meu Deus!” “Depois ouvi<br />

as minhas gravações e pensei: ‘Ó meu<br />

Deus, sou tão bom!’ Continuei a fazer,<br />

mostrei aos amigos, que foram educados<br />

e <strong>de</strong>ixaram-me tocar para eles,<br />

mas eu era muito chato.”<br />

As primeiras gravações aconteceram<br />

em meados dos a<strong>nos</strong> 90. Foram<br />

os Animal Collective que <strong>de</strong>scobriram<br />

Ariel Pink e editaram “The Doldrums”,<br />

espantoso disco que é, ainda<br />

hoje, o favorito do músico, na sua<br />

Paw Tracks.<br />

A singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pink resi<strong>de</strong>, em<br />

boa medida, nesta ambiguida<strong>de</strong>: nem<br />

“Stockhausen e os<br />

músicos ‘noise’<br />

fizeram-me achar que<br />

era um génio. Mais<br />

tar<strong>de</strong> percebi que o<br />

que fazia era terrível,<br />

mas se não tivesse<br />

tido aquela<br />

experiência teria<br />

pegado numa<br />

guitarra e pensado:<br />

‘Não sei fazer isto’”<br />

Karlheinz Stockhausen<br />

BERNARD PERRINE<br />

é pop, nem inacessível, muito me<strong>nos</strong><br />

irónico ou cínico — o seu amor pela<br />

história da pop é genuíno. Está entre<br />

os dois mundos: “Não queria ser uma<br />

estrela pop. Por amor <strong>de</strong> Deus, queria<br />

ser um tipo do rock ‘un<strong>de</strong>rground’”.<br />

O passado é o novo futuro<br />

Em 2009, artistas marginais como<br />

Ducktails e James Ferraro e sucessos<br />

“indie” como Washed Out e Neon Indian<br />

fizeram da revisão do passado<br />

pop (música, filmes, imaginário) e da<br />

apologia da <strong>nos</strong>talgia (mesmo <strong>de</strong> eras<br />

não vividas pelos músicos — o YouTube<br />

é uma po<strong>de</strong>rosa máquina do tempo)<br />

uma das tendências da música<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. As gravações roufenhas,<br />

a lembrar o som <strong>de</strong> rádios em<br />

AM, e a legitimação “cool” <strong>de</strong> fontes<br />

malditas, como o soft rock, o easy listening<br />

e os a<strong>nos</strong> 80 dos Hall & Oates,<br />

também ganharam força.<br />

Muitos <strong>de</strong>stes músicos citam Ariel<br />

Pink como uma influência. Ele respon<strong>de</strong>,<br />

sem modéstias: “Sou o único<br />

a lidar com isso [a <strong>nos</strong>talgia] da forma<br />

que eu faço. Não há nenhum artista<br />

como eu, absolutamente”. Para<br />

ele, boa parte do que os blogues andam<br />

a papaguear <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2009 “é uma<br />

moda, lixo <strong>de</strong> ‘hipsters’. Dentro <strong>de</strong><br />

dois a<strong>nos</strong>, será uma paródia. Já é.”<br />

“Gosto <strong>de</strong> Pearl Harbor, gosto <strong>de</strong> ser<br />

amigo <strong>de</strong>les, gosto <strong>de</strong> John Maus e há<br />

outras bandas influenciadas por<br />

mim. Isso é fixe, mas não ouço essa<br />

música. Quero coisas que me excitem<br />

<strong>de</strong> novo sobre música. Como a música<br />

etíope. Foi tão excitante <strong>de</strong>scobri-la.”<br />

O título “Before Today” não <strong>de</strong>ixa<br />

gran<strong>de</strong>s margens para dúvidas: Pink<br />

não quer sair do passado. “Acho que<br />

tem algo a <strong>ver</strong> com o facto <strong>de</strong> a memória<br />

ser tudo o que temos. É tudo<br />

o que temos, meu. Toda a gente fala<br />

do futuro; que se foda o futuro, ele<br />

não existe. Tudo o que tens é a memória.<br />

As pessoas <strong>de</strong>vem começar a<br />

sair do presente”, diz. Porquê? “Porque<br />

é tudo uma merda, toda a gente<br />

é uma merda. E não há bons mo<strong>de</strong>los<br />

lá fora.” “Foi por isso que comecei a<br />

fazer isto. Sentia que estava numa<br />

missão, eu contra o mundo.”<br />

E conclui, carregando no estatuto<br />

<strong>de</strong> missionário: “Sinto que estou a<br />

preservar algo que se vai extinguir.<br />

Sou um tipo muito tradicionalista.<br />

Quero manter o rock’n’roll vivo por<br />

mais cinco a<strong>nos</strong>, pelo me<strong>nos</strong>. Porque<br />

ameaça morrer a qualquer altura”.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 48 e segs.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 17


Música<br />

18 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

O festival Sónar <strong>de</strong> Barcelona, <strong>de</strong>dicado<br />

às di<strong>ver</strong>sas músicas electrónicas<br />

e artes multimédia, já não tem segredos.<br />

Dezassete a<strong>nos</strong> <strong>de</strong>pois da primeira<br />

edição, é uma marca uni<strong>ver</strong>sal.<br />

Este ano, mais uma vez, recebeu cerca<br />

<strong>de</strong> 90 mil pessoas durante três<br />

dias, entre 17 e 19 <strong>de</strong> Junho. Um número<br />

regular, que po<strong>de</strong>ria ser ampliado,<br />

mas a organização tem optado<br />

pela estabilização, mantendo o evento<br />

durante o dia no lotado Centro <strong>de</strong><br />

Cultura Contemporânea e no museu<br />

adjacente — à noite <strong>de</strong>corre num complexo<br />

industrial gigante —, mesmo se<br />

a oferta supera a procura.<br />

Crescer, neste caso, significava <strong>de</strong>scaracterizar.<br />

A opção tem sido propagar.<br />

Este ano não foi apenas Corunha<br />

que recebeu uma extensão do festival.<br />

Foi a própria Barcelona a ser contemplada<br />

com algo único. Na primeira noite,<br />

uma instalação aparatosa <strong>de</strong> som e<br />

luz em forma <strong>de</strong> coluna, concebida pelo<br />

compositor japonês Ryoji Ikeda a<br />

partir dos jardins e do <strong>ver</strong><strong>de</strong> natural do<br />

Teatro Grego, iluminou os céus da cida<strong>de</strong>.<br />

Foi uma autêntica chuva <strong>de</strong> estrelas<br />

artificial, uma <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />

sincronização <strong>de</strong> imagem e som que<br />

extravasou as fronteiras <strong>de</strong> um festival<br />

capaz <strong>de</strong> provocar efeitos colaterais.<br />

Sónar<br />

Sob os céus <strong>de</strong><br />

O mais icónico festival <strong>de</strong> músicas electrónicas continua a ser estimulante. Em Barcelona, houve r<br />

LCD Soundsystem, King Midas Sound, Dizzee Rascal, Joy Orbinson ou Delorean. V<br />

Há inúmeros sintomas <strong>de</strong>ssa contaminação.<br />

O mais óbvio <strong>de</strong>corre do<br />

facto da cida<strong>de</strong> acolher os agentes<br />

mais importantes do mundo das músicas<br />

electrónicas, das mais experimentais<br />

às mais lúdicas. Os que não<br />

fazem parte do cartaz do festival estão<br />

agendados para actuar nas inúmeras<br />

sessões nocturnas que acontecem <strong>nos</strong><br />

di<strong>ver</strong>sos espaços da cida<strong>de</strong> durante<br />

os três dias. É um autêntico festival<br />

exterior ao festival que este ano levou<br />

à capital da Catalunha, entre muitos<br />

outros, Tiga, Mathias Aguayo, Boys<br />

Noize, Chicks On Speed, Ellen Allien,<br />

James Hol<strong>de</strong>n ou Ko<strong>de</strong>9.<br />

Um outro indicador da relevância<br />

do evento é o efeito multiplicador para<br />

a cena local. Havia sempre um elemento<br />

que faltava: música espanhola<br />

capaz <strong>de</strong> conquistar <strong>de</strong> forma inequívoca.<br />

Agora já há. Os Delorean <strong>de</strong>ram<br />

um dos concertos mais celebrados e<br />

John Talabot foi responsável por uma<br />

das sessões DJ mais frenéticas. À sua<br />

volta existem outros projectos <strong>de</strong> Barcelona,<br />

que cresceram com o festival,<br />

garantindo que <strong>nos</strong> próximos tempos<br />

iremos ouvir falar muito mais do que<br />

o habitual <strong>de</strong> pop feita a partir <strong>de</strong> Espanha.<br />

Quando o festival nasceu, na déca-<br />

O Sónar ganhou<br />

aura porque era ali<br />

que se <strong>de</strong>cifravam<br />

linhas <strong>de</strong> futuro.<br />

Mas o vínculo com<br />

o passado também<br />

está presente<br />

da <strong>de</strong> 90, as músicas electrónicas pareciam<br />

prenunciar o futuro. As revoluções<br />

por minuto sucediam-se. Hoje<br />

existe um efeito <strong>de</strong> diluição. Quase<br />

todas as músicas são electrónicas. Um<br />

pouco como os robôs. Há 20 a<strong>nos</strong><br />

fascinavam-<strong>nos</strong>. Ou então, temíamolos,<br />

como quem receia o <strong>de</strong>sconhecido.<br />

Hoje fazem parte <strong>de</strong> nós. Existe<br />

até um excesso <strong>de</strong> confiança na tecnologia.<br />

É isso que a exposição “(Back<br />

To) The Robots” reflecte, com artistas<br />

convidados a lançar um olhar<br />

retrospectivo sobre a <strong>nos</strong>sa relação<br />

com os robôs.<br />

Em baixo, da<br />

esquerda para<br />

a direita: LCD<br />

Soundsystem,<br />

Matthew<br />

Herbert, e<br />

competições<br />

entre robôs.<br />

Em cima: a<br />

instalação do<br />

japonês Ryoji<br />

Ikeda<br />

iluminou os<br />

céus da cida<strong>de</strong>


Barcelona<br />

e robôs <strong>de</strong> olhar <strong>nos</strong>tálgico, estrelas ca<strong>de</strong>ntes artifi ciais e<br />

. Vítor Belanciano, em Barcelona<br />

A maior parte optou por obras, ou<br />

robôs, interactivos. A americana Lijin<br />

Aryananda concebeu um robô<br />

(“Mertz”) <strong>de</strong> olhar cândido e voz infantil<br />

que interage com quem o interpela,<br />

enquanto o canadiano Max Dean<br />

criou uma ca<strong>de</strong>ira (“Robotic<br />

chair”) que se <strong>de</strong>smembra e se refaz<br />

sozinha. Pelo meio há até um “Humanoid<br />

lab” que promove competições<br />

entre robôs para gáudio dos huma<strong>nos</strong><br />

que assistem, entre a incredulida<strong>de</strong><br />

e o sorriso, às disputas entre inteligências<br />

artificiais — do futebol ao sumo<br />

japonês, existem réplicas para<br />

todos os gostos. É uma exposição reveladora,<br />

pelo olhar <strong>nos</strong>tálgico, sobre<br />

qualquer coisa que, até há pouco tempo,<br />

consi<strong>de</strong>rávamos ser o futuro.<br />

Vetera<strong>nos</strong><br />

O Sónar ganhou aura porque era ali<br />

que se <strong>de</strong>cifravam linhas <strong>de</strong> futuro.<br />

Ainda é. Mas o vínculo com o passado<br />

também sempre esteve presente. E<br />

não apenas nas exposições ou <strong>nos</strong><br />

filmes exibidos — como no documentário<br />

“Warp 20”, <strong>de</strong> Lorenzo Fonda,<br />

que con<strong>de</strong>nsa a história dos 20 a<strong>nos</strong><br />

da editora <strong>de</strong> culto inglesa.<br />

Todos os a<strong>nos</strong> são apresentados<br />

alguns projectos vetera<strong>nos</strong>, forma das<br />

novas gerações criarem uma relação<br />

com aquilo que foi feito lá atrás e <strong>de</strong><br />

perceberem o presente. Na edição<br />

<strong>de</strong>ste ano, os Roxy Music eram o gran<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>staque. Mas a sua prestação na<br />

última noite veio a revelar-se um equívoco.<br />

Esteticamente, o grupo pouco<br />

tem a <strong>ver</strong> com o espírito do festival.<br />

Havia uma fatia consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong><br />

público para os <strong>ver</strong>, mas a escolha <strong>de</strong><br />

um repertório centrado em canções<br />

<strong>de</strong> combustão lenta, com longos solos<br />

<strong>de</strong> guitarra (Phil Manzanera) e <strong>de</strong><br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 19


O Sónar recebeu 90 mil pessoas<br />

<strong>nos</strong> três dias. Em cima, à direita:<br />

o canadiano Caribou. Ao lado:<br />

os King Midas Sound são aquilo<br />

que os Massive Attack já não se<br />

permitem ser<br />

saxofone (Andy Mackay), dos quais<br />

Bryan Ferry muitas vezes se ausentava,<br />

não foram capazes <strong>de</strong> criar relação<br />

com o público. Em algumas canções<br />

como “Jealous guy”, a voz <strong>de</strong> Ferry<br />

ainda sobressai, os telemóveis são<br />

substituídos pelos velhos isqueiros,<br />

mas a imagem que o grupo passa, nesta<br />

fase, é <strong>de</strong> anacronismo.<br />

Parece existir o compromisso para<br />

que cada um dos membros do grupo<br />

brilhe um pouco, sem que o resultado<br />

final consiga ser entusiasmante. Melhor<br />

esti<strong>ver</strong>am, na noite anterior, outros<br />

vetera<strong>nos</strong>, os pioneiros do hiphop<br />

Sugarhill Gang. Os america<strong>nos</strong>,<br />

extro<strong>ver</strong>tidos e comunicativos, colocaram<br />

toda a gente a dançar, principalmente<br />

quando apresentaram canções<br />

que quase toda a gente já ouviu,<br />

como “Rapper’s <strong>de</strong>light”, <strong>de</strong> 1979.<br />

Na tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> sexta, os vetera<strong>nos</strong><br />

Cluster, lendas vivas do “krautrock”<br />

alemão dos a<strong>nos</strong> 70 e sumida<strong>de</strong>s no<br />

campo das electrónicas cósmicas não<br />

fizeram esquecer outras formações<br />

mais emblemáticas da mesma geração,<br />

como os Neu! ou os Can, apos-<br />

20 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

tando em soluções sonoras repetitivas<br />

e ambientes expansivos que resultaram<br />

fastidiosas na maior parte do<br />

tempo.<br />

Consagrados<br />

No campo das formações consagradas,<br />

o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque foi para o<br />

concerto dos LCD Soundsystem, que<br />

acabaram <strong>de</strong> lançar o terceiro álbum<br />

“This Is Happening“. Por vezes, James<br />

Murphy enuncia que está cansado da<br />

vida mundana da pop, das viagens,<br />

das entrevistas, <strong>de</strong> ter <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>r<br />

a algumas expectativas.<br />

Mas <strong>de</strong>pois existe o palco, a catarse,<br />

canções em crescendo que se diluem<br />

num mundo <strong>de</strong> emoções indizíveis<br />

que apenas a música parece<br />

apreen<strong>de</strong>r. Ao que parece, na Galiza,<br />

não foi gran<strong>de</strong> coisa por causa do<br />

som. Em Barcelona não. Viu-se uma<br />

massa humana em <strong>de</strong>scontrolo, rendida<br />

a uma máquina <strong>de</strong> <strong>de</strong>bitar música<br />

<strong>ver</strong>tigi<strong>nos</strong>a e a um cantor que<br />

podia ser qualquer um <strong>de</strong> nós, capaz<br />

<strong>de</strong> fazer da exposição das fragilida<strong>de</strong>s<br />

a sua maior força.<br />

Tocaram canções do novo álbum<br />

(<strong>de</strong> “I can change” a “Pow wow”) e<br />

mostraram roupagens novas para canções<br />

do passado recente (com <strong>de</strong>staque<br />

para a visão ainda mais “funky”<br />

<strong>de</strong> “Daft Punk is playing at my house”),<br />

mas o momento maior aconteceu<br />

com “All my friends”, sucessão<br />

imparável <strong>de</strong> ritmos, guitarras trepidantes<br />

e o piano repetitivo da nova<br />

aquisição do colectivo (Gavin Russom),<br />

todos guiados pela voz <strong>de</strong> James<br />

Murphy, numa progressão imparável<br />

que levou ao <strong>de</strong>lírio a mole humana.<br />

No extremo oposto situaram-se os<br />

franceses Air, com um concerto <strong>de</strong>masiado<br />

morno e sem gran<strong>de</strong>s novida<strong>de</strong>s<br />

para quem os viu <strong>nos</strong> últimos<br />

tempos. O mesmo aplica-se ao islandês<br />

Jónsi, vocalista dos Sigur Rós, que<br />

apresentou o seu projecto a solo, e<br />

aos ingleses Hot Chip, apesar <strong>de</strong> terem<br />

obtido boa resposta do público,<br />

con<strong>ver</strong>tendo um dos palcos noctur<strong>nos</strong><br />

numa pista <strong>de</strong> dança <strong>de</strong> pop electrónica<br />

di<strong>ver</strong>tida e saltitona.<br />

Outra formação inglesa, os Chemical<br />

Brothers, não <strong>de</strong>siludiram. A fórmula,<br />

som electrónico po<strong>de</strong>roso e<br />

jogo cénico <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> impacto, continua<br />

a funcionar. Nem um álbum<br />

me<strong>nos</strong> imediato que os anteriores — o<br />

sétimo, “Further”, acabado <strong>de</strong> lançar<br />

— contraria estas características. A<br />

primeira meta<strong>de</strong> foi <strong>de</strong>dicada ao novo<br />

disco, com sons ambientais a darem<br />

lugar a <strong>de</strong>scargas <strong>de</strong> energia electrónica.<br />

Depois ouviram-se os êxitos<br />

<strong>de</strong> sempre com a eficácia do costume.<br />

Dentro da facção música-<strong>de</strong>-dançapara-estádio,<br />

apenas os franceses Daft<br />

Punk lhes fazem frente.<br />

Antes, na noite <strong>de</strong> sábado, Matthew<br />

Herbert tinha apresentado o seu novo<br />

espectáculo, “One”, baseado no disco<br />

que criou sozinho com o mesmo nome.<br />

Sem músicos ou cantores a acompanhá-lo,<br />

o inglês lançou-se para uma<br />

“performance” solitária, assumindo<br />

erros, improvisando em tempo real,<br />

mas sem gran<strong>de</strong>s resultados. Foi pouco<br />

inteligível. Numa entrevista recente,<br />

dizia-<strong>nos</strong> que era um projecto<br />

muito difícil <strong>de</strong> transpor para palco.<br />

confirmou-se.<br />

Também sem gran<strong>de</strong>s recursos em<br />

palco (um DJ e um cantor <strong>de</strong> apoio),<br />

o inglês Dizzee Rascal foi simplesmente<br />

electrizante. Nem todas as canções<br />

são imaculadas, algumas são mesmo<br />

<strong>de</strong> gosto duvidoso, mas o dinamismo,<br />

o fraseado vocal <strong>ver</strong>tigi<strong>nos</strong>o e as bases<br />

electrónicas selvagens — cada vez me<strong>nos</strong><br />

inspiradas no “grime” e mais num<br />

“house” pulsante e gorduroso — provocaram<br />

a festa. Entre o sentido artístico<br />

<strong>de</strong> Herbert e a linguagem e o<br />

<strong>de</strong>scaramento <strong>de</strong> rua <strong>de</strong> Dizzie Rascal,<br />

levou a melhor o segundo.<br />

Confi rmações<br />

O Sónar não é um acontecimento para<br />

espectadores passivos. Pe<strong>de</strong>-se-lhes<br />

criativida<strong>de</strong> e que não tenham receio<br />

<strong>de</strong> se per<strong>de</strong>r no enleio <strong>de</strong> escolhas<br />

simultâneas. É inevitável que existam<br />

perdas. Foi isso que aconteceu com<br />

Steve Ellison, ou seja Flying Lotus —<br />

que actuou ao mesmo tempo que os<br />

LCD Soundsystem —, <strong>de</strong> quem não<br />

vimos muito. Do que presenciámos<br />

ficou a i<strong>de</strong>ia que a sua capacida<strong>de</strong> para<br />

organizar o caos <strong>de</strong> estilos, sons e<br />

texturas <strong>de</strong> que é feita a sua música<br />

não se resume aos discos, como no<br />

recente “Cosmogramma”. Em palco<br />

fá-lo também e com intensida<strong>de</strong>.<br />

Não muito distante <strong>de</strong>sta filosofia,<br />

encontra-se o americano Nosaj Thing,<br />

capaz <strong>de</strong> misturar com gran<strong>de</strong> flui<strong>de</strong>z<br />

a activida<strong>de</strong> electrónica com ecos<br />

acústicos e estruturas próximas do<br />

hip-hop. Fá-lo sozinho em palco, recorrendo<br />

apenas a artefactos electrónicos,<br />

mas é tal a organicida<strong>de</strong> da sua<br />

função que mais parece um colectivo<br />

<strong>de</strong> músicos reunidos em sessão <strong>de</strong><br />

improviso.<br />

Quando o festival<br />

nasceu <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> 90,<br />

a música electrónica<br />

parecia prenunciar<br />

o futuro. Hoje existe<br />

um efeito <strong>de</strong> diluição.<br />

Quase todas<br />

as músicas são<br />

electrónicas<br />

Também sozinho se apresenta o<br />

canadiano Richie Hawtin — <strong>de</strong>sta vez,<br />

regressou com o pseudónimo Plastikman<br />

—, mas o som electrónico minimalista<br />

sombrio que difun<strong>de</strong> obtém<br />

sempre uma resposta electrificante<br />

da multidão.<br />

Acompanhado por um quarteto <strong>de</strong><br />

músicos apresentou-se Caribou, ou<br />

seja o canadiano Dan Snaith, capaz<br />

<strong>de</strong> criar momentos <strong>de</strong> electricida<strong>de</strong><br />

quase rock, mas on<strong>de</strong> o predomínio<br />

das guitarras é substituído pela bateria<br />

e pelos teclados, transformando<br />

o som em qualquer coisa líquida e<br />

psicadélica.<br />

O canadiano actuou no espaço programado<br />

pela Redbull Music Aca<strong>de</strong>my,<br />

o mesmo que recebeu a dupla<br />

Photonz, mais conhecidos internacionalmente<br />

do que em Portugal, que<br />

proporcionaram uma boa sessão dançante<br />

ao final do dia <strong>de</strong> sexta, mostrando<br />

que a sua electrónica está cada<br />

vez mais refinada.<br />

Surpresas<br />

Ao longo dos três dias não se vislumbraram<br />

propriamente surpresas estéticas.<br />

Mas sim tendências, estados<br />

<strong>de</strong> alma, linhas <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>. Percebeu-se,<br />

por exemplo, que alguns<br />

nomes da geração inglesa que cresceu<br />

a ouvir linguagens urbanas como o<br />

“grime” ou o “dubstep” vai dar que<br />

falar. Entre eles está Peter O’ Grady,<br />

ou seja Joy Orbinson, capaz <strong>de</strong> criar<br />

temas hipnóticos (o mais conhecido<br />

é “Hyph mngo” do ano passado), mas<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sugestão física, inspirandose<br />

em matéria respigada ao “dubstep”<br />

ou ao “house” mais profundo, com<br />

fortes linhas <strong>de</strong> baixo, melodias acetinadas<br />

e motivos acústicos.<br />

Outro produtor que parte do “dubstep”,<br />

mas que é capaz <strong>de</strong> ir mais além,<br />

é o inglês Zomby e os King Midas<br />

Sound, o projecto do inglês Kevin<br />

Martin (The Bug). O primeiro transformou<br />

a sujida<strong>de</strong> sombria do “dubstep”<br />

em abstracção electrónica numa<br />

sessão tardia, mas foram os segundos<br />

que conquistaram <strong>de</strong>finitivamente o<br />

dia, com Kevin Martin coadjuvado<br />

pelos cantores Roger Robinson e Hitomi.<br />

São aquilo que os Massive Attack já<br />

não se po<strong>de</strong>m permitir ser, partindo<br />

do “dub”, mas insuflando-lhe uma<br />

energia distorcida à beira do ruído.<br />

Em álbum (o magnífico “Waiting For<br />

You”, do final do ano passado) até<br />

po<strong>de</strong>m soar entorpecidos, mas em<br />

palco são vitais, canções vindas das<br />

entranhas da terra, uma massa disforme<br />

em forma <strong>de</strong> terramoto possuído<br />

por muita soul.<br />

Outra tendência que não pára <strong>de</strong><br />

fornecer motivos <strong>de</strong> interesse é o das<br />

músicas urbanas <strong>de</strong>squalificadas, provindas<br />

<strong>de</strong> todos os recantos do mundo.<br />

Os colombia<strong>nos</strong> Bomba Estéreo<br />

dão a volta às sonorida<strong>de</strong>s da “cumbia”<br />

— como os Buraka Som Sistema<br />

fizeram com o “kuduro”, por exemplo<br />

— e transformam-na em massa<br />

efusiva. Não é nada <strong>de</strong> muito original,<br />

mas ao lado do previsível “electrorock”<br />

dos ingleses New Young Pony<br />

Club, até parece que é.<br />

Mas a festa maior, durante o dia,<br />

aconteceu com os Delorean, praticantes<br />

<strong>de</strong> pop electrónica eufórica, com<br />

movimentações rítmicas em crescendo<br />

e construções harmónicas <strong>de</strong> efeito<br />

imediato. Acabaram em palco com<br />

outro conterrâneo, John Talabot, na<br />

interpretação alucinada <strong>de</strong> “Sunshine”,<br />

longa viagem dançante <strong>de</strong> mais<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>z minutos, que <strong>de</strong>ixou orgulhosos<br />

os naturais <strong>de</strong> Barcelona e rendidos<br />

os muitos estrangeiros — cerca <strong>de</strong><br />

60 por cento do público — presentes.<br />

A capital da Catalunha já tinha o festival<br />

<strong>de</strong> música electrónica mais icónico.<br />

Agora começa a ter também<br />

música. Nada acontece por acaso.


Música<br />

Saul Williams nunca esquece a data<br />

— 16 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1995 — e o local — o<br />

Brooklyn Moon Cafe, em Nova Iorque<br />

— da noite que lhe mudou a vida. A<br />

primeira experiência como artista<br />

“spoken word” abriu imediatamente<br />

as portas do meio a Williams, que<br />

conheceria, graças a essa inspirada<br />

noite, Allen Ginsberg, Amiri Baraka,<br />

Gil Scott-Heron e outros gigantes da<br />

palavra.<br />

“A maior parte dos miúdos levavam<br />

os seus diários e mostravam-se muito<br />

tímidos. Eu não vinha do quarto, vinha<br />

dos ensaios <strong>de</strong> teatro. Já era actor<br />

há 15 a<strong>nos</strong>, estava extremamente confortável<br />

no palco. Quando cheguei a<br />

um formato que celebra o conforto<br />

<strong>de</strong> um poeta no palco, <strong>de</strong>staquei-me<br />

imediatamente”, diz Williams, ao telefone<br />

a partir <strong>de</strong> Paris.<br />

O nova-iorquino foi vi<strong>ver</strong> para a capital<br />

francesa há um ano porque quis<br />

mudar o ambiente à sua volta. “Vim<br />

para aqui com um disco na cabeça em<br />

que queria trabalhar. Há um produtor<br />

<strong>de</strong> que gosto muito, o Renaud Letang,<br />

e com quem estou a trabalhar. É um<br />

sonho, sou um gran<strong>de</strong> fã, produziu<br />

gente como Manu Chao, Feist, Seu<br />

Jorge, muitas pessoas <strong>de</strong> quem gosto<br />

musicalmente.”<br />

Saul Williams interrompeu as gra-<br />

Saul Williams<br />

Senhor palavra<br />

Poeta, músico, artista “spoken word”. Saul Williams, artista total da palavra, actua hoje no<br />

lisboeta MusicBox. Pedro Rios<br />

vações para vir a Portugal participar<br />

no festival Silêncio. Hoje no Music-<br />

Box, em <strong>Lisboa</strong>, vai ler poemas antigos<br />

e inéditos. “Quando vou a um<br />

sítio pela primeira vez gosto <strong>de</strong> ir com<br />

a poesia e voltar, <strong>de</strong>pois, com música”,<br />

afirma.<br />

Shakespeare e hip-hop<br />

É poeta, artista “spoken word”, músico,<br />

actor e activista, mas para ele<br />

todas estas activida<strong>de</strong>s estão ligadas.<br />

Interessa-se ainda pela tradição poética<br />

oral e está a editar uma compilação<br />

<strong>de</strong> uma centena <strong>de</strong> poetas mo<strong>de</strong>r<strong>nos</strong>.<br />

“Aprendi a estudar poesia<br />

muito graças às aulas <strong>de</strong> teatro. A primeira<br />

coisa que fiz com oito a<strong>nos</strong> foi<br />

começar a ler Shakespeare. Antes <strong>de</strong><br />

pormos as peças em palco, passávamos<br />

seis semanas a analisar cada frase.<br />

Tentávamos perceber tudo o que<br />

Shakespeare dizia, todas as intenções<br />

por trás do texto”, conta.<br />

Ao mesmo tempo que estudava Filosofia<br />

na faculda<strong>de</strong>, em Nova Iorque,<br />

acontecia uma revolução: Public Enemy,<br />

Rakim, Jungle Brothers — o hiphop<br />

estava por todo o lado. Saul <strong>de</strong>scobria<br />

um paralelo entre “a musicalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Shakespeare e a <strong>de</strong>ste estilo<br />

<strong>de</strong> música <strong>de</strong> que todos falavam”.<br />

Também <strong>nos</strong> discursos do pai, um<br />

pastor religioso, encontrou essa “musicalida<strong>de</strong><br />

da linguagem”.<br />

Em 2001, edita o primeiro álbum,<br />

“Amethyst Rock Star”, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> colaborações<br />

com KRS-One, DJ Krust,<br />

entre outros. Não é bem um “rapper”,<br />

antes um “diseur” que <strong>de</strong>bita palavras<br />

em cima <strong>de</strong> instrumentais minimais<br />

ou influenciados pelo rock, como em<br />

“The Inevitable Rise and Liberation<br />

of Niggy Tardust” (2007), que gravou<br />

com Trent Reznor.<br />

Fazer música foi uma forma <strong>de</strong> contribuir<br />

para <strong>de</strong>spertar consciências.<br />

Em miúdo, Williams orgulhava-se <strong>de</strong><br />

dominar a história da comunida<strong>de</strong><br />

afro-americana, mas foi na faculda<strong>de</strong><br />

que encontrou a sua “voz política”.<br />

“Comecei a interessar-me mais por<br />

política porque os meus professores<br />

encorajaram-me a pensar para além<br />

do que eu era — da minha educação<br />

religiosa e <strong>de</strong> toda a música que andava<br />

a ouvir. Ainda não me tinha apercebido<br />

do po<strong>de</strong>r da arte. Na altura, a<br />

cena hip-hop parecia estar a <strong>de</strong>saproveitar<br />

o po<strong>de</strong>r da arte. Preocupavame<br />

com os efeitos que teria na geração<br />

<strong>de</strong> putos que ouvia estes ‘rappers’<br />

como se fossem filósofos. Hoje, na<br />

América, não há filósofos famosos, só<br />

‘entertainers’ famosos.”<br />

Apesar <strong>de</strong> tudo, é um optimista. “A<br />

“As únicas coisas<br />

que transformam<br />

a socieda<strong>de</strong><br />

são a coragem e a voz<br />

da juventu<strong>de</strong> que se<br />

recusa a continuar<br />

as tradições”,<br />

diz Williams<br />

coisa boa do MySpace e do Facebook<br />

é que nivelaram tudo. De repente, tens<br />

putos que nasceram no gueto que ouvem<br />

indie rock e hip-hop. Quando<br />

cresci, era tudo muito mais segregado.”<br />

Elogia a nova cultura participativa<br />

— mesmo que seja para votar em<br />

programas <strong>de</strong> televisão. “Estamos a<br />

di<strong>ver</strong>tir-<strong>nos</strong> com essas <strong>de</strong>cisões colectivas”,<br />

diz. Este é o lado inócuo, mas<br />

há outro mais sério: “Quando isso<br />

acontece, <strong>de</strong> repente, Israel tem <strong>de</strong><br />

anunciar que vai suavizar o bloqueio.<br />

É o po<strong>de</strong>r das pessoas”.<br />

“A política lida com coisas práticas,<br />

mas as únicas coisas que transformam<br />

a socieda<strong>de</strong> são a coragem e a voz da<br />

juventu<strong>de</strong> que se recusa a continuar<br />

as tradições”, refere. Nem Barack<br />

Obama, que apoiou na campanha<br />

presi<strong>de</strong>ncial, po<strong>de</strong> fazer muito. “É um<br />

gran<strong>de</strong> presi<strong>de</strong>nte, mas a minha falta<br />

<strong>de</strong> fé no go<strong>ver</strong>no, qualquer um, é o<br />

que me faz falar. Acho que a política<br />

só po<strong>de</strong> ir até um certo ponto.”<br />

É o tal “po<strong>de</strong>r das pessoas” que po<strong>de</strong><br />

fazer algo. “Acredito no amor, na<br />

humanida<strong>de</strong>, para lá das nacionalida<strong>de</strong>s,<br />

da raça, da ineficiência da linguagem.<br />

Temos que ter uma maneira <strong>de</strong><br />

transcen<strong>de</strong>r isso e acredito no po<strong>de</strong>r<br />

da música para tal”, nota. “[A música]<br />

po<strong>de</strong> gerar excitação. Depois do 11 <strong>de</strong><br />

Setembro, uma ca<strong>de</strong>ia que controla<br />

três mil rádios mandou uma mensagem<br />

a todas elas a indicar as canções<br />

o que podiam passar. Não podiam<br />

passar Rage Against the Machine e<br />

System of a Down. Eles conhecem o<br />

po<strong>de</strong>r da música criar um movimento,<br />

uma harmonia entre as pessoas,<br />

A música sempre esteve <strong>nos</strong> bastidores<br />

dos movimentos, mas esteve sempre<br />

lá. Os soldados precisam <strong>de</strong> ritmo<br />

para marchar.”<br />

Ver agenda <strong>de</strong> concertos pág. 47<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 21


Música<br />

22 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Não são músicos, mas estão na linha<br />

da frente <strong>de</strong> um novo movimento jazz<br />

e a maior fatia <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

tem necessariamente <strong>de</strong> lhes ser imputada:<br />

Pedro Costa, o rosto da editora<br />

Clean Feed e da distribuidora<br />

Trem Azul, se<strong>de</strong> da única loja <strong>de</strong> jazz<br />

em Portugal; Pedro Rocha Santos,<br />

presi<strong>de</strong>nte do JACC ( Jazz Ao Centro<br />

Clube), associação que tem dinamizado<br />

a cena jazz a nível nacional, promotora<br />

dos festivais Jazz ao Centro e<br />

Jazz.pt. São ambos responsáveis por<br />

uma série estonteante <strong>de</strong> iniciativas<br />

que revitalizaram por completo o jazz<br />

em Portugal, proporcionando-lhe<br />

uma surpreen<strong>de</strong>nte visibilida<strong>de</strong> internacional.<br />

À medida que a Clean Feed se aproxima<br />

da marca dos 200 discos editados,<br />

os elogios não param <strong>de</strong> cho<strong>ver</strong>.<br />

Sedimentada no mercado internacional,<br />

a editora é consi<strong>de</strong>rada por mui-<br />

tos como uma das mais relevantes na<br />

edição jazz a nível mundial: o “site”<br />

AllAboutJazz elegeu-a como uma das<br />

cinco mais importantes editoras no<br />

mundo em 2005, 2007, 2008 e 2009;<br />

a Jazz Journalists Association escolheu-a<br />

mesmo como a melhor do<br />

mundo em 2008.<br />

Recentemente, Peter Margasak,<br />

jornalista e crítico da prestigiada revista<br />

“Downbeat”, escrevia no jornal<br />

“Chicago Rea<strong>de</strong>r”: “A Clean Feed tornou-se<br />

uma das mais prolíficas, criativas<br />

e consistentes editoras <strong>de</strong> jazz<br />

do mundo.”<br />

Apesar da maior parte do catálogo<br />

ser composta por músicos estrangeiros,<br />

a editora não esquece o talento<br />

nacional, como se comprova na mais<br />

recente fornada <strong>de</strong> discos: há os regressos<br />

<strong>de</strong> Bernardo Sassetti, Carlos<br />

Barretto e do trio TGB, as novas contratações<br />

Carlos Bica e Sei Miguel e a<br />

aposta num grupo revelação, os RED<br />

Trio.<br />

Fundada em 2001, editou nesse ano<br />

três discos. Em 2003 o nome <strong>de</strong> Gerry<br />

Hemingway aparece numa capa e<br />

em 2004 já faziam parte do catálogo<br />

nomes gran<strong>de</strong>s como Ken Van<strong>de</strong>rmark<br />

ou Dennis González. Com o objectivo<br />

<strong>de</strong> documentar o jazz que se faz<br />

no <strong>nos</strong>so tempo, a editora não tem<br />

parado. O crescimento não foi planeado,<br />

conta Pedro Costa. “Nunca sonhámos<br />

ter uma coisa <strong>de</strong>sta dimensão,<br />

com tantos discos editados. A<br />

i<strong>de</strong>ia era editar dois ou três discos por<br />

ano, não imaginávamos isto que aconteceu.”<br />

Sobre “Nocturno”, disco <strong>de</strong><br />

Bernardo Sassetti editado em 2002<br />

que se tornou um marco na evolução<br />

do jazz português, Costa refere: “Foi<br />

o disco da <strong>nos</strong>sa editora que mais ven<strong>de</strong>u<br />

até hoje. Foi uma aposta do Bernardo<br />

Sassetti que na altura andava<br />

numa in<strong>de</strong>cisão para on<strong>de</strong> gravar —<br />

tinha outras propostas —, mas optou<br />

por gravar por nós e isso <strong>de</strong>u-<strong>nos</strong> um<br />

impulso importante”.<br />

Ao crescimento do catálogo seguiuse<br />

com naturalida<strong>de</strong> o reconhecimento<br />

internacional. Foi algo que suce<strong>de</strong>u<br />

<strong>de</strong> forma progressiva, diz Costa. “Começámos<br />

a receber toneladas <strong>de</strong> discos,<br />

fomos estabelecendo contacto<br />

com muitos músicos e, <strong>de</strong> repente,<br />

tornou-se difícil dizer que não a certos<br />

discos... Fizemos cinco, <strong>de</strong>z, <strong>de</strong>pois<br />

15 e este ano vamos editar 45 discos!<br />

Não é nenhuma visão estratégica <strong>de</strong><br />

mercado fazer 45 discos num ano, por<br />

acaso estará mais próximo da estupi<strong>de</strong>z<br />

do que outra coisa. Mas é uma<br />

paixão, é difícil resistir a tantos discos<br />

bons que <strong>nos</strong> mandam.” E, como se<br />

sabe, a paixão é algo incontrolável.<br />

Há <strong>de</strong>z a<strong>nos</strong> seria impossível imaginar<br />

que uma editora especializada<br />

Foi um jazz que lhes<br />

Há <strong>de</strong>z a<strong>nos</strong> ninguém suspeitaria que uma editora <strong>de</strong> jazz <strong>de</strong> um país periférico conseguisse<br />

mundial. Hoje, a Clean Feed organiza festivais em Nova Iorque e Chicago. Um clube <strong>de</strong> Coimbra<br />

<strong>de</strong> jazz que se tornou referência nacional e não pára <strong>de</strong> organizar concertos por todo o país.<br />

jazz em Portugal está a mudar. Nuno Catarino<br />

FOTOGRAFIAS DE NUNO OLIVEIRA


Portugal tornou-se<br />

um país a consi<strong>de</strong>rar,<br />

seja no planeamento<br />

<strong>de</strong> uma digressão<br />

europeia, na escolha<br />

<strong>de</strong> uma editora<br />

ou na procura <strong>de</strong> uma<br />

cena jazz vibrante<br />

e criativa<br />

A Trem Azul, em <strong>Lisboa</strong>, é a<br />

única loja portuguesa<br />

especializada em jazz e uma<br />

das melhores da Europa<br />

<strong>de</strong>u<br />

alcançar sucesso<br />

lançou uma revista<br />

Defi nitivamente, o<br />

em jazz contemporâneo, se<strong>de</strong>ada<br />

num país periférico, numa altura em<br />

que o mercado da música está em<br />

queda, conseguisse alcançar sucesso<br />

a nível mundial. Mas foi o que aconteceu.<br />

Pedro Costa fornece a explicação<br />

possível: “Há uma crise mundial,<br />

há me<strong>nos</strong> editoras a apostar <strong>nos</strong> músicos<br />

e em discos que documentem<br />

esta época. As editoras clássicas do<br />

jazz limitam-se praticamente a fazer<br />

reedições e, às tantas, existem poucas<br />

a fazer um trabalho <strong>de</strong> edição tão<br />

acutilante.”<br />

Para além <strong>de</strong> um alargado reconhecimento<br />

internacional, a Clean Feed<br />

tem sido frequentemente consi<strong>de</strong>rada<br />

uma das melhores editoras <strong>de</strong> jazz<br />

do mundo, factos que constituem para<br />

os responsáveis “um enorme motivo<br />

<strong>de</strong> orgulho” e ampliam a presença<br />

do seu trabalho um pouco por todo<br />

o lado. “Esta loucura <strong>de</strong> editar tantos<br />

apresenta<br />

PQ.MARECHAL<br />

CARMONA<br />

CHRIS ISAAK<br />

5JUL<br />

ANTÓNIO PINHO VARGAS LAURENT FILIPE<br />

PQ.MARECHAL<br />

CARMONA<br />

NOITE DE JAZZ<br />

EM PORTUGUÊS<br />

17JUL<br />

discos, com uma participação tão<br />

gran<strong>de</strong> no mundo do actual jazz ou<br />

da música improvisada, é algo que se<br />

vai tornando difícil <strong>de</strong> ignorar.”<br />

Do Cais do Sodré<br />

a Nova Iorque<br />

Para a editora, a comunicação é essencial<br />

e, além das plataformas mais<br />

comuns, tem apostado também na<br />

organização <strong>de</strong> concertos e festivais.<br />

Tendo <strong>de</strong>senvolvido ligações a di<strong>ver</strong>sos<br />

festivais e ciclos <strong>de</strong> concertos nacionais,<br />

a Clean Feed investe com<br />

especial atenção na promoção externa:<br />

organiza anualmente um festival<br />

em Nova Iorque (este ano na sua 5ª<br />

edição), tendo ainda dias <strong>de</strong>dicados<br />

à editora <strong>nos</strong> festivais <strong>de</strong> Utrecht e<br />

Ljubliana, ou nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Barcelona<br />

e Madrid.<br />

Este ano, a editora <strong>de</strong>cidiu elevar ain-<br />

GROOVE4TET<br />

CASCAIS PQ.PALMELA 1JUL REGINA SPEKTOR<br />

HIPÓDROMO 13JUL NORAH JONES 25JUL DIANA KRALL<br />

PQ.MARECHAL CARMONA 24JUL CORINNE BAILEY RAE<br />

27JUL CLUB DES BELUGAS Orchestra 28JUL ELVIS COSTELLO<br />

& THE SUGARCANES 29JUL SOLOMON BURKE Special Guest<br />

JOSS STONE MAFRA JARDIM DO CERCO 23JUL ORQUESTRA<br />

BUENA VISTA SOCIAL CLUB® Feat. OMARA PORTUONDO<br />

Bilhetes à venda na Ticketline (www.ticketline.pt) e locais habituais<br />

NAMING SPONSOR PRESENTING SPONSOR MEDIA PARTNERS PARTNERS<br />

OFFICIAL SPONSOR OFFICIAL CAR INSTITUTIONAL SPONSOR<br />

da mais a fasquia e, além <strong>de</strong> Nova Iorque,<br />

apresentou a primeira edição do<br />

seu festival em Chicago, um dos gran<strong>de</strong>s<br />

viveiros do jazz contemporâneo.<br />

Em simultâneo com o bem sucedido<br />

trabalho editorial, a mesma equipa<br />

<strong>de</strong>dica-se à distribuição <strong>de</strong> discos através<br />

da Trem Azul, uma loja <strong>de</strong> jazz<br />

sita na Rua do Alecrim (ao Cais do Sodré,<br />

em <strong>Lisboa</strong>), a única especializada<br />

em jazz em Portugal e uma das melhores<br />

da Europa. Além das edições<br />

Clean Feed, encontram-se por lá quase<br />

todos os clássicos, mo<strong>de</strong>r<strong>nos</strong> e contemporâneos,<br />

do jazz à improvisação<br />

livre, muitos CDs mas também discos<br />

em vinil, alguns DVDs e “merchandising”.<br />

Inaugurada em Outubro <strong>de</strong><br />

2004, beneficiou da experiência <strong>de</strong><br />

Pedro Costa e Hernâni Faustino. “Trabalhámos<br />

durante muitos a<strong>nos</strong> em<br />

lojas <strong>de</strong> discos e sabemos que o jazz,<br />

JARDIM CERCO MAFRA<br />

DEOLINDA<br />

20JUL<br />

apesar <strong>de</strong> ser um mercado específico,<br />

sempre representou algumas vendas.”<br />

O projecto nasceu <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia simples:<br />

“Como não havia nenhuma loja<br />

específica <strong>de</strong> jazz em Portugal, achámos<br />

que havia espaço para uma loja<br />

<strong>de</strong>ste género”, conta Costa.<br />

Estabelecida em <strong>Lisboa</strong> há já meia<br />

dúzia <strong>de</strong> a<strong>nos</strong>, a loja tem na especialização<br />

uma das chaves para o sucesso:<br />

“Ao mesmo tempo que houve um<br />

gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sinvestimento nesta área<br />

por parte das outras lojas, um dos<br />

<strong>nos</strong>sos trunfos foi ter gente conhecedora<br />

e com experiência, para po<strong>de</strong>r<br />

aconselhar os clientes”.<br />

Uma das mais recentes peças que<br />

está à venda na loja é uma T-shirt,<br />

<strong>de</strong>senhada pelo ilustrador Pedro<br />

Lourenço, com uma mensagem provocatória:<br />

“jazz is boring”. O jazz é<br />

chato? Pedro Costa explica: “O que<br />

estamos a tentar dizer é que a pa-<br />

HIPÓDROMO<br />

MARIA BETHÂNIA<br />

CELSO FONSECA<br />

22JUL<br />

www.cooljazzfest.com<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 23


A T-shirt<br />

<strong>de</strong>senhada<br />

por Pedro<br />

Lourenço, com<br />

a provocação<br />

“jazz is<br />

boring”, está à<br />

venda na<br />

Trem Azul<br />

lavra ‘jazz’,<br />

infelizmente, é associada<br />

a coisas que nós<br />

queremos contrariar. Se o jazz é apenas<br />

‘swing’, se é perpetuar um estilo<br />

que vem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os a<strong>nos</strong> 20 e tentar<br />

cristalizar l isso ffazendo d d<strong>de</strong><br />

conta que<br />

o que veio <strong>de</strong>pois (a ausência <strong>de</strong><br />

‘swing’, a improvisação completa)<br />

não é jazz, então é mesmo chato”.<br />

Contrariando essas noções requentadas<br />

<strong>de</strong> jazz, o patrão da Clean Feed<br />

quer afastar-se dos “clichés”: “Não<br />

temos nenhuma <strong>ver</strong>gonha do nome<br />

“jazz”, mas o trabalho que fazemos<br />

<strong>de</strong>staca-se <strong>de</strong>ssa imagem comum do<br />

jazz a preto e branco, dos clubes<br />

cheios <strong>de</strong> fumo. Quando for dada liberda<strong>de</strong><br />

ao jazz, porque o jazz é uma<br />

música livre, é uma música improvisada,<br />

então teremos T-shirts a dizer<br />

‘jazz is great’ ou qualquer coisa assim.<br />

Para já, queremos contrariar esses<br />

fundamentos <strong>de</strong> que o jazz <strong>de</strong><strong>ver</strong>á ser<br />

<strong>de</strong>sta ou daquela maneira.” Documentando<br />

o jazz mais imprevisível,<br />

criativo e urgente da <strong>nos</strong>sa época, a<br />

Clean Feed diz-<strong>nos</strong> que o jazz é tudo<br />

isso e mais além.<br />

24 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

De Coimbra para todo o lado<br />

No ano <strong>de</strong> 2003, no âmbito da Coim-<br />

“O trabalho que<br />

fazemos <strong>de</strong>staca-se<br />

<strong>de</strong>ssa imagem comum<br />

do jazz a preto<br />

e branco, dos clubes<br />

cheios <strong>de</strong> fumo.”<br />

Pedro Costa<br />

bra — Capital Nacional Naciona da Cultura,<br />

surgiu um novo festival festival: Jazz Ao Cen-<br />

tro — Encontros Inter Internacionais <strong>de</strong><br />

Jazz <strong>de</strong> Coimbra. Pro Promovido pelo<br />

Centro Norton <strong>de</strong> Mato Matos, uma asso-<br />

ciação <strong>de</strong> Coimbra pre presidida por Pe-<br />

dro Rocha Santos, essa<br />

primeira edi-<br />

ção do festival foi com composta por 15<br />

concertos. Desse primeiro prim festival<br />

nasceu o Jazz Ao Centro<br />

Clube (JACC),<br />

conta Pedro Rocha Santos, San que pas-<br />

sou a li<strong>de</strong>rar o novo pr projecto. “Esse<br />

festival criou uma dinâ dinâmica que fez<br />

com que se juntasse<br />

um conjunto<br />

<strong>de</strong> pessoas com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> criar<br />

um clube in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. in<strong>de</strong>p Em<br />

Abril <strong>de</strong> 2003, o JACC foi for-<br />

malmente cons constituído.”<br />

Des<strong>de</strong> então, então o clube tem<br />

sido o respo responsável pelas<br />

sucessivas eedições<br />

do fes-<br />

tival Jazz Ao<br />

Centro, este<br />

ano na oitava o edição,<br />

<strong>de</strong>senvo <strong>de</strong>senvolvendo uma<br />

activida<strong>de</strong> activida que come-<br />

çou a<br />

extravasar a<br />

cida cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coim-<br />

bra.<br />

Em E 2005 o<br />

JACC JA aposta na<br />

criação cr <strong>de</strong> uma<br />

nova nov revista <strong>de</strong><br />

ja- j a - zz, a Jazz.pt, numa<br />

parceria com a<br />

Clean Feed:<br />

“A certa altura, a revist revista ‘AllJazz’ co-<br />

meçou a ter problema problemas e nós tentá-<br />

mos evitar que ela term terminasse. O pro-<br />

prietário acabou mesmo mesm com o pro-<br />

jecto, mas nós já estávamos es tão<br />

envolvidos com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma revis-<br />

ta <strong>de</strong> jazz feita em Port Portugal que aca-<br />

bámos por lançar uma<br />

nova revista,<br />

a Jazz.pt, agora no 30º nnúmero”.<br />

Uma<br />

ligação que acabou por se revelar fun-<br />

damental para um maio maior envolvimen-<br />

to do JACC na cena jazz<br />

portuguesa”,<br />

diz Rocha Santos.<br />

Mas Pedro Rocha San Santos não é ho-<br />

mem para estar parado muito tempo.<br />

Pouco <strong>de</strong>pois, surge um<br />

novo projec-<br />

to, o Portugal Jazz, um festival itine-<br />

rante. “Apresentámos eeste<br />

projecto a<br />

270 e tal municípios, o qque<br />

correspon-<br />

<strong>de</strong> a cerca <strong>de</strong> 90 por cento ce dos muni-<br />

cípios do continente. Foi Fo um projecto<br />

muito trabalhoso, mas que q implantou<br />

<strong>de</strong>finitivamente a marc marca JACC a nível<br />

nacional.” nacional.” Com concertos concer <strong>de</strong> projec-<br />

tos nacionais e uma ac acção didáctica<br />

<strong>de</strong>stinada aos mais novos, novo cada edição<br />

do Portugal Jazz termin termina com a distri-<br />

buição gratuita da rev revista Jazz.pt a<br />

todos os espectadores,<br />

“com o objec-<br />

tivo <strong>de</strong> que as pessoas levem l para ca-<br />

sa algo que as motive a<br />

acompanhar<br />

o fenómeno jazz em Po Portugal”.<br />

Desdobrando-se em iniciativas, o<br />

clube l b <strong>de</strong> d Coimbra b ddá<br />

ainda início ao<br />

festival da revista Jazz.pt. “Nasceu<br />

num momento em que a revista estava<br />

a fazer três a<strong>nos</strong>, tendo já ultrapassado<br />

os recor<strong>de</strong>s <strong>de</strong> longevida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> outras publicações nacionais sobre<br />

jazz. Começámos a pensar que<br />

tínhamos <strong>de</strong> fazer uma festa. Como<br />

a revista tem a vocação <strong>de</strong> promo<strong>ver</strong><br />

o jazz em Portugal, <strong>de</strong>stacando os<br />

músicos portugueses, achámos que<br />

po<strong>de</strong>ria ser um bom momento para<br />

dar maior visibilida<strong>de</strong> ao lançamento<br />

<strong>de</strong> discos <strong>de</strong> músicos portugueses.<br />

No primeiro ano tivemos três lançamentos<br />

<strong>de</strong> discos e no ano passado<br />

tivemos nove. Fizemos uma gran<strong>de</strong><br />

festa no Hot Clube, no espaço do jardim<br />

que raramente tinha sido utilizado,<br />

e toda a gente ficou surpreendida<br />

com o trabalho apresentado”, recorda<br />

Rocha Santos.<br />

O mais recente projecto do JACC é<br />

uma nova editora, <strong>de</strong>dicada à edição<br />

<strong>de</strong> projectos nacionais. Através do<br />

contacto com os músicos, Pedro Rocha<br />

Santos percebeu que “havia necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> mais uma editora, que,<br />

neste caso, tem como missão apoiar<br />

os músicos portugueses na edição dos<br />

seus trabalhos”. Surge num momento<br />

em que coexistem duas editoras, a<br />

Clean Feed e a Tone of a Pitch, mas<br />

“não visa concorrer com qualquer<br />

uma <strong>de</strong>las”. Acabam <strong>de</strong> editar o disco<br />

“Lunar” do grupo El Fad, li<strong>de</strong>rado por<br />

José Peixoto. Para os próximos tempos<br />

estão planeados discos <strong>de</strong> Afonso<br />

Pais e Paula Sousa.<br />

Se a todos estes projectos juntarmos<br />

a iniciativa <strong>de</strong> editoras como a Tone<br />

of a Pitch <strong>de</strong> André Fernan<strong>de</strong>s e a Creative<br />

Sources <strong>de</strong> Ernesto Rodrigues, a<br />

programação <strong>de</strong> festivais como o Jazz<br />

em Agosto (espaço para o jazz <strong>de</strong> vanguarda,<br />

programado por Rui Neves),<br />

o Estoril Jazz (palco privilegiado para<br />

o jazz “mainstream”), o Guimarães<br />

Jazz (o maior festival fora da capital,<br />

da responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ivo Martins),<br />

a Festa do Jazz (<strong>de</strong> Luís Hilário e Carlos<br />

Martins) e os ciclos e activida<strong>de</strong>s promovidas<br />

pela Associação Granular<br />

(li<strong>de</strong>rada por Rui Eduardo Paes e Carlos<br />

Zíngaro), ficamos com uma i<strong>de</strong>ia<br />

da crescente di<strong>ver</strong>sida<strong>de</strong> e riqueza do<br />

uni<strong>ver</strong>so jazz em Portugal.<br />

Algo surpreen<strong>de</strong>nte para um género<br />

musical que era, até há bem pouco<br />

tempo, consi<strong>de</strong>rado marginal, vivendo<br />

<strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s e tendências importadas<br />

<strong>de</strong> outros países. Actualmente,<br />

Portugal tornou-se <strong>de</strong>finitivamente<br />

um país a consi<strong>de</strong>rar, seja no planeamento<br />

<strong>de</strong> uma digressão europeia, na<br />

escolha <strong>de</strong> uma editora ou na procura<br />

<strong>de</strong> uma cena jazz vibrante e criativa.<br />

Um estatuto que não dá <strong>de</strong>scanso<br />

— que o digam Pedro Costa e Pedro<br />

O Jazz Ao<br />

Centro Clube<br />

não pára:<br />

festivais, uma<br />

revista, uma<br />

editora...<br />

PAULO PIMENTA


silva!<strong>de</strong>signers<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

JUN~1O<br />

27 JUN<br />

DOMINGO ÀS 12H30<br />

SALA PRINCIPAL<br />

ENTRADA LIVRE<br />

CO-PRODUÇÃO SLTM ~ ESCOLA DE MÚSICA<br />

DO CONSERVATÓRIO NACIONAL<br />

M/3<br />

orquestra<br />

gera<br />

ção<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

ciclo<br />

novos<br />

X9<br />

“(...) Vejo isto como o começo <strong>de</strong> um futuro para mim. Eu a tocar em orquestras,<br />

ou sozinha. Só me vejo num palco cheio <strong>de</strong> gente à minha frente e eu ali a tocar.”<br />

Neusa Tavares, contrabaixista, in Diário <strong>de</strong> Notícias<br />

WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />

ENTRADA SUJEITA À LOTAÇÃO DA SALA.<br />

BILHETES DISPONÍVEIS A PARTIR<br />

DAS 13H00 DO DIA ANTERIOR.


FOTOGRAFIAS DE NUNO OLIVEIRA<br />

Antonio e Miguel<br />

26 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Diz-se que nunca <strong>de</strong>vemos regressar<br />

aos sítios on<strong>de</strong> fomos felizes e, no entanto,<br />

<strong>de</strong>z a<strong>nos</strong> <strong>de</strong>pois, eis-<strong>nos</strong> <strong>de</strong><br />

volta a um território híbrido, feito a<br />

partir dos corpos e das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Miguel Pereira e Antonio Tagliarini,<br />

ambos coreógrafos e intérpretes.<br />

Corpos que, a 4 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 2000,<br />

no pequeno auditório do Centro Cultural<br />

<strong>de</strong> Belém (<strong>Lisboa</strong>) marcaram,<br />

<strong>de</strong> um modo expressivo e inequívoco<br />

uma segunda fase na história recente<br />

da dança contemporânea em Portugal,<br />

<strong>de</strong>pois da explosão ocorrida <strong>de</strong>z<br />

ou doze a<strong>nos</strong> antes. “Antonio Miguel”<br />

prestava-se a múltiplas leituras, fruto<br />

da ambiguida<strong>de</strong> temática e figurativa<br />

que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1989, distinguia a nova<br />

dança portuguesa das outras danças<br />

novas que <strong>de</strong>spontavam em diferentes<br />

países da Europa.<br />

Era, historicamente falando, um<br />

movimento que não se parecia com<br />

nada do que alguma vez se tinha pas-<br />

outra vez<br />

Antonio Tagliarini e Miguel Pereira regressam a casa, esse espaço construído a dois há <strong>de</strong>z<br />

a<strong>nos</strong> — agora mais velhos, mais distanciados <strong>de</strong> si mesmos, me<strong>nos</strong> preocupados com a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Na Culturgest, voltam a respon<strong>de</strong>r pelo nome próprio, porque há coisas que só se<br />

dizem em conjunto. Tiago Bartolomeu Costa<br />

Dança<br />

E então, apareceram estes rapazes<br />

sado na cena coreográfica nacional,<br />

que recusava uma etiquetagem simplista,<br />

cabendo na categoria dança<br />

mas saltando etapas <strong>de</strong> uma história<br />

contínua e mutante, porque não tinha<br />

havido uma <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>ira história da<br />

dança em Portugal.<br />

Eram discursos que tratavam o corpo<br />

como um elemento na cena, em<br />

vez <strong>de</strong> um elemento ao serviço do efeito<br />

cénico e, sobretudo, eram discursos<br />

que tomavam a dianteira sobre um<br />

país imaginado por outros, acusado<br />

<strong>de</strong> ser feito <strong>de</strong>, e por, corpos que ainda<br />

carregavam o peso da religião, viviam<br />

a dispersão geográfica territorial<br />

— um país que já era Europa mas que<br />

ainda esta(va) por cumprir —, e anunciavam<br />

uma nova geografia disciplinar<br />

mas ainda não sabiam pronunciar o<br />

palavrão “multiculturalismo”, mesmo<br />

que fosse implícita a sua relação com<br />

uma memória colectiva e, <strong>nos</strong> corpos,<br />

se sentisse essa herança.<br />

E então, apareceram estes rapazes,<br />

não necessariamente adolescentes,<br />

mas com uma energia rara; não necessariamente<br />

originais, mas capazes<br />

<strong>de</strong> dominar as referências; não necessariamente<br />

conscientes do que estavam<br />

a fazer, mas apostados a vi<strong>ver</strong> as<br />

consequências <strong>de</strong>sse acto fundador<br />

<strong>de</strong> uma outra forma <strong>de</strong> pensar o corpo<br />

nacional.<br />

Hoje as coisas estão diferentes e<br />

talvez seja por isso que “Antonio Miguel”<br />

<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> circular em 2006 —<br />

teve uma apresentação em Espanha<br />

no passado mês <strong>de</strong> Abril e estava programada<br />

para o festival Circular, em<br />

Setembro (entretanto suspenso por<br />

ausência <strong>de</strong> confirmação <strong>de</strong> pagamentos<br />

da parte da Direcção-geral das<br />

Artes) —, não entrou no reportório <strong>de</strong><br />

nenhuma companhia e fixou o seu<br />

tempo <strong>de</strong> existência.<br />

Diferentes, mais velhos, “com coisas<br />

para dizer”, Antonio e Miguel re-<br />

gressaram a essa memória <strong>de</strong> “um<br />

encontro muito feliz, como uma história<br />

<strong>de</strong> amor que corre bem” (Pereira),<br />

encontraram uma memória com<br />

uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria. “A memória<br />

é uma coisa incrível. O teu corpo tem<br />

uma memória, mas o que o corpo <strong>de</strong>volve<br />

é uma memória alterada. Como<br />

é que trabalhamos isso?” pergunta o<br />

Miguel<br />

Pereira (à<br />

frente), fala da<br />

peça original<br />

como “um<br />

encontro<br />

muito feliz”


coreógrafo italiano (que vimos no Festival<br />

Alkantara, em <strong>Lisboa</strong>, com “Royal<br />

Dance” e que regressa a essa peça a 1<br />

<strong>de</strong> Outubro na Guarda, no Festival Y,<br />

mostrando a 28 <strong>de</strong> Setembro, em Évora,<br />

no festival Escrita na Paisagem,<br />

“Rewind”, a sua homenagem a “Café<br />

Muller”, <strong>de</strong> Pina Bausch).<br />

“Tínhamos uma dúvida, mas nunca<br />

foi intenção imitarmo-<strong>nos</strong>”, acrescenta<br />

Miguel Pereira (recentemente<br />

visto, no Alkantara e em Coimbra, no<br />

elenco da última peça <strong>de</strong> Vera Mantero,<br />

“<strong>Vamos</strong> sentir falta <strong>de</strong> tudo aquilo<br />

<strong>de</strong> que não precisamos”). “Esta<br />

peça é mais sobre o tempo [que passou<br />

e este], as <strong>nos</strong>sas diferenças, os<br />

encontros e <strong>de</strong>sencontros [ao longo<br />

dos a<strong>nos</strong>]. Ao olharmos para nós, hoje,<br />

perguntámos o que queríamos<br />

fazer, o que tínhamos para dizer, neste<br />

contexto, juntos”, acrescenta.<br />

Se há <strong>de</strong>z a<strong>nos</strong> o foco estava no intérprete<br />

e <strong>nos</strong> mecanismos artificiais<br />

<strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma personalida<strong>de</strong>,<br />

hoje esse intérprete reflecte sobre o<br />

espaço que conquistou (e se o conquistou),<br />

sobre o corpo que cresceu<br />

e o corpo que tem <strong>de</strong> ser, em vez do<br />

que po<strong>de</strong>ria ser.<br />

Falamos <strong>de</strong> um intérprete, como<br />

se fosse apenas um, porque Miguel<br />

Pereira e Antonio Tagliarini fizeram<br />

<strong>de</strong> “Antonio Miguel” um “solo para<br />

dois” e fazem <strong>de</strong>ste “Antonio e Miguel”<br />

— com acentuação no “e” e “na<br />

distância física que vai <strong>de</strong> um ao outro<br />

nome, <strong>de</strong> uma à outra i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>”,<br />

reforça Pereira –—, dois solos que não<br />

aceitam ser vistos em separado, mas<br />

antes ao mesmo tempo, como se fossem<br />

um só. Foi uma peça, e esta é-o<br />

ainda e também, que reflectiu sobre<br />

a alterida<strong>de</strong> e “como isso <strong>nos</strong> torna<br />

mais próximos”, diz Tagliarini.<br />

Eram precisos dois<br />

De uma para a outra peça, houve elementos<br />

que ficaram, ou que resistiram<br />

ao tempo, e cuja presença agora<br />

respon<strong>de</strong>u a critérios, ao mesmo tempo,<br />

“<strong>de</strong> forma e essência”, explica<br />

Miguel Pereira. “Regressámos ao que<br />

ainda tinha um sentido hoje, não um<br />

sentido veemente mas que produzisse<br />

um outro sentido, e que estabelecesse<br />

pontos <strong>de</strong> contacto [com a peça<br />

original]”. Falam, ambos, <strong>de</strong> “uma<br />

dúvida” e <strong>de</strong> recuperar uma “semente<br />

que fica a germinar, <strong>de</strong> obsessões<br />

que continuam a reclamar atenção”<br />

(Tagliarini).<br />

Se os movimentos que se repetem<br />

(as poses em cantor pop, os corpos<br />

<strong>de</strong>itados e encaixados na anatomia<br />

do outro, as “parvoíces [<strong>de</strong>sses movimentos]<br />

sem significado”, o diálogo<br />

com o público que não espera uma<br />

resposta) <strong>nos</strong> parecem <strong>de</strong>slocados,<br />

ultrapassados, artificiais, profundamente<br />

plásticos e falsos, isso é porque,<br />

no entendimento <strong>de</strong> Miguel Pereira<br />

“olhamos para trás e aquilo tudo<br />

<strong>nos</strong> parece difuso, até animalesco”.<br />

Há, agora, uma <strong>de</strong>slocação do corpo<br />

em relação ao significado imediato<br />

num exercício <strong>de</strong> distância não apenas<br />

em relação à peça anterior, mas<br />

também numa tentativa <strong>de</strong> libertação<br />

<strong>de</strong>sta nova peça <strong>de</strong> expectativas que<br />

advenham do <strong>de</strong>sejo, exterior, <strong>de</strong> prolongar<br />

leituras que foram coladas a<br />

“Antonio Miguel” e que não estavam<br />

previstos.<br />

A estética homoerótica a partir <strong>de</strong><br />

corpos que, nus, encontravam no outro,<br />

não um espelho mas um complemento,<br />

uma distância em relação ao<br />

impacto provocado pela criação <strong>de</strong><br />

Miguel Pereira<br />

diz que, em 2000,<br />

“Antonio Miguel”<br />

era sobre a procura<br />

<strong>de</strong> um espaço para<br />

o individuo e que<br />

agora esse indivíduo<br />

se dá conta <strong>de</strong><br />

que já não tem mais<br />

espaço<br />

significados a partir <strong>de</strong> imagens banais,<br />

uma rarefacção do movimento<br />

face à consciência do seu po<strong>de</strong>r simbólico<br />

e, por isso, opressivo, são elementos<br />

que fizeram <strong>de</strong> “Antonio Miguel”<br />

um marco no percurso <strong>de</strong> ambos<br />

os criadores. Agora, naquilo que<br />

uma era metafórica, esta é uma peça<br />

anti-simbólica. “Nós, hoje, não fazemos<br />

parte <strong>de</strong> nada, não marcamos o<br />

que <strong>nos</strong> ro<strong>de</strong>ia, mas somos marcados<br />

pelo que <strong>nos</strong> acontece.”<br />

“Quisemos ser completamente<br />

<strong>de</strong>spojados, sem máscaras ou armas,<br />

para falarmos <strong>de</strong> como nós mudámos<br />

e como o mundo mudou”, diz Miguel<br />

Pereira. Fala-se <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>sapareceu,<br />

das guerras, dos prémios, das<br />

surpresas, do que correu bem e do<br />

que foi só uma promessa. É, também,<br />

uma peça-balanço <strong>de</strong> uma fase da vida,<br />

on<strong>de</strong> “a <strong>nos</strong>sa vida já não somos<br />

só nós”, feita por pessoas “mais velhas,<br />

mais <strong>de</strong>spojadas”, diz Tagliarini.<br />

“Sem a preocupação <strong>de</strong> dizer qualquer<br />

coisa <strong>de</strong> <strong>de</strong>finitivo”, acrescenta<br />

Pereira.<br />

Nesse sentido, a ponte que existe<br />

entre os movimentos feitos hoje e a<br />

sua origem <strong>de</strong> há <strong>de</strong>z a<strong>nos</strong>, não tem<br />

como objectivo a sua re-inscrição<br />

num território mais abstracto, me<strong>nos</strong><br />

seguro, mas “<strong>ver</strong> as coisas <strong>de</strong> uma<br />

outra perspectiva, não apenas política,<br />

mas social, no que isso tem <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificação pessoal”. Essa ponte,<br />

esse caminho <strong>de</strong> um movimento ao<br />

outro — e <strong>de</strong> um tempo ao outro — é,<br />

para Miguel Pereira, “um canal <strong>de</strong><br />

comunicação” que, sublinha Antonio<br />

Tagliarini, “chega agora mais limpo,<br />

me<strong>nos</strong> ambicioso”.”O que antes era<br />

existencial e individual, agora é visto<br />

<strong>de</strong> fora, nós já não somos importantes,<br />

ou isto já não é sobre nós”, continua.<br />

Miguel acrescenta que “Antonio<br />

Miguel” era sobre a procura <strong>de</strong> um<br />

espaço para o individuo e que agora<br />

esse indivíduo se dá conta <strong>de</strong> que já<br />

não tem mais espaço, “e se não tem,<br />

quem é e o que faz aqui, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem,<br />

o que quer?”, pergunta-se. O discurso<br />

hoje recupera <strong>de</strong>terminados movimentos<br />

e reintegra-os numa leitura<br />

mais abrangente, ten<strong>de</strong>ncialmente<br />

mais pessimista sobre o real po<strong>de</strong>r do<br />

indivíduo face ao que o ro<strong>de</strong>ia. Eram<br />

precisos dois para isso, porque, e citando<br />

o título <strong>de</strong> uma peça <strong>de</strong> João<br />

Fia<strong>de</strong>iro, também ela <strong>de</strong> 2000 e fundamental<br />

para essa mesma segunda<br />

vaga <strong>de</strong> reflexão sobre o lugar da dança<br />

nacional, “o que eu sou não fui<br />

sozinho”.<br />

Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos pág. 51<br />

SEG 12 JUL<br />

21:00 PRAÇA | € 10<br />

1ª PARTE<br />

TERRAKOTA<br />

2ª PARTE<br />

TIKEN JAH FAKOLY<br />

Referência maior da música<br />

mestiça portuguesa, os Terrakota<br />

apresentam o novo disco, resultado<br />

<strong>de</strong> um crescente caldo <strong>de</strong> culturas<br />

que fervilha em <strong>Lisboa</strong> a que<br />

acrescentam a influência dos griots<br />

do Burkina Faso e as sonorida<strong>de</strong>s da<br />

Jamaica, Brasil, Índia e Arábias.<br />

Pela primeira vez um palco do<br />

norte do país, é precisamente<br />

<strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> griots que vem<br />

Tiken Jah Fakoly, da Costa do<br />

Marfim. Des<strong>de</strong> cedo influenciado pelo<br />

reggae, é um artista atento às<br />

injustiças sociais e aos problemas<br />

políticos, lutando pelo <strong>de</strong>spertar<br />

<strong>de</strong> consciências.<br />

JANTAR+CONCERTO € 25<br />

APOIO<br />

APOIO<br />

PATROCINADOR<br />

VERÃO NA CASA<br />

PATROCINADOR<br />

VERÃO NA CASA<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

TER 29 JUN<br />

21:00 SALA SUGGIA | € 15<br />

1ª PARTE<br />

CÉU<br />

2ª PARTE<br />

ROBERTA SÁ<br />

Apontada por Caetano Veloso como<br />

o futuro da MPB, Céu é consi<strong>de</strong>rada<br />

uma importante revelação da música<br />

brasileira. Melodias simples e<br />

belas, várias referências musicais e<br />

sofisticação são aspectos que marcam as<br />

suas canções.<br />

Roberta Sá <strong>de</strong>staca-se pelas soberbas<br />

interpretações <strong>de</strong> canções históricas<br />

da MPB, tendo colaborado com gran<strong>de</strong>s<br />

figuras como Ney Matogrosso ou Chico<br />

Buarque, mas consagra também as canções<br />

dos novos autores. Em palco, conta com<br />

a participação <strong>de</strong> António Zambujo.<br />

JANTAR+CONCERTO € 30<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 27


Se for uma viagem, e po<strong>de</strong> ser, a exposição<br />

“POVOPeople” começa com<br />

uma galeria <strong>de</strong> retratos. São pessoas<br />

<strong>de</strong> várias ida<strong>de</strong>s, regiões ou países, e<br />

nesses olhares mil histórias se imaginam.<br />

Nesta primeira paragem, na<br />

exposição que está no Museu da Electricida<strong>de</strong>,<br />

em <strong>Lisboa</strong>, até 19 <strong>de</strong> Setembro,<br />

as fotografias ou pinturas reflectem<br />

a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> povo, na sua origem.<br />

Olha-se para a raiz <strong>de</strong> uma palavra<br />

que levou a outras como “povoamento”<br />

ou “população” — e <strong>de</strong>pois ganhou<br />

dimensão social, económica,<br />

cultural e política com o conceito <strong>de</strong><br />

cidadania, nas revoluções francesa e<br />

americana e com os movimentos <strong>de</strong><br />

libertação fora do espaço oci<strong>de</strong>ntal.<br />

Na mesma galeria <strong>de</strong> retratos, ao<br />

“Série Confi <strong>de</strong>ncial/<br />

Desclassifi cado: Madrinha<br />

<strong>de</strong> Guerra” (2010), Manuel<br />

Botelho<br />

28 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

centro, um busto da República do<br />

escultor Rui Sanches, foi criado e<br />

encomendado para lembrar a razão<br />

<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sta exposição: o centenário<br />

da República que, este ano, se comemora.<br />

Na pare<strong>de</strong>, uma cronologia percorre<br />

uma tela, completada por peque<strong>nos</strong><br />

monitores que mostram filmes<br />

<strong>de</strong> arquivo da RTP e da Cinemateca,<br />

dos gran<strong>de</strong>s acontecimentos<br />

ligados à noção <strong>de</strong> povo: o regicídio,<br />

a proclamação da República, o 28 <strong>de</strong><br />

Maio, as crises estudantis, a primeira<br />

partida dos militares para a guerra<br />

nas ex-colónias, e outras, acabando<br />

com o movimento <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong><br />

para com o povo <strong>de</strong><br />

Timor-Leste em 1999.<br />

Começa aqui esta viagem pelas<br />

múltiplas representações do “povo”<br />

na arte e, como se <strong>ver</strong>á, na política,<br />

no sentido em que esta também influenciou<br />

a forma como esse “povo”<br />

se representou na arte. São momentos<br />

e imagens que po<strong>de</strong>m ou não fazer<br />

uma ponte com outras obras expostas<br />

nesta ou noutras salas, organizadas<br />

por “slogans”, frases escolhidas para<br />

reflectir a pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> olhares, explica<br />

José Manuel dos Santos, director<br />

cultural da Fundação EDP e comissário-coor<strong>de</strong>nador<br />

da exposição.<br />

No imaginário português, o “povo”<br />

ficou associado ao 25 <strong>de</strong> Abril que é<br />

uma festa do povo e dos povos, refere<br />

o historiador José Neves, professor<br />

e investigador do Instituto <strong>de</strong> História<br />

Quem<br />

nomeia<br />

o Povo,<br />

se tudo é<br />

Povo? Só<br />

po<strong>de</strong> ser o<br />

não povo.<br />

Eduardo Lourenço<br />

Ensaísta e professor uni<strong>ver</strong>sitário<br />

Contemporânea da Uni<strong>ver</strong>sida<strong>de</strong> Nova<br />

<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, e comissário da parte<br />

científica da exposição. E é a frase “O<br />

Povo é quem mais or<strong>de</strong>na”, da canção<br />

<strong>de</strong> Zeca Afonso que se tornou num<br />

hino do 25 <strong>de</strong> Abril, a escolhida para<br />

a sala que expõe a dimensão política<br />

da palavra “povo”.<br />

Para a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> povo trabalhador,<br />

foi escolhida uma citação bíblica, “Ganharás<br />

o pão com o suor do teu rosto”<br />

e, entre outras, há “Se isto não é o<br />

povo, on<strong>de</strong> está o povo?”, que reúne<br />

os vários rostos da exclusão, on<strong>de</strong> estão<br />

três gravuras da série “Aborto” <strong>de</strong><br />

Paula Rego, pintados <strong>de</strong>pois do referendo<br />

não conclusivo <strong>de</strong> 1998, sobre<br />

a <strong>de</strong>scriminalização do aborto em<br />

Portugal, ou <strong>de</strong>senhos do poeta An-<br />

POVO essa palavra<br />

Para as comemorações do centenário da República, o Museu da Electricida<strong>de</strong> resgatou “o povo” d<br />

Ana Dias Cor<strong>de</strong>iro (texto) e R


tónio Gancho que chegou a expor no<br />

Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna, e viveu gran<strong>de</strong><br />

parte da vida e morreu (em 2006)<br />

na instituição psiquiátrica do Telhal.<br />

O povo era representado <strong>de</strong> uma<br />

maneira pelos neo-realistas, <strong>de</strong> outra<br />

pelos surrealistas, <strong>de</strong> uma forma <strong>nos</strong><br />

discursos do Estado Novo e <strong>de</strong> outra<br />

nas intervenções do pós-25 <strong>de</strong> Abril.<br />

Durante a monarquia, diz José Neves,<br />

“a passagem a cidadãos surge com o<br />

liberalismo no século XIX”.<br />

O povo do Presi<strong>de</strong>nte<br />

O que preten<strong>de</strong> mostrar “POVOpeople”<br />

é esse cruzamento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias,<br />

possível com “gran<strong>de</strong>s palavras” que<br />

transportam “uma história e uma<br />

gran<strong>de</strong> iconografia atrás <strong>de</strong>las”, con-<br />

Exposições<br />

tinua José Manuel dos Santos. A exposição<br />

propõe “um olhar contemporâneo,<br />

<strong>de</strong> como olhamos o povo<br />

hoje, mas também as representações<br />

que ele foi tendo ao longo do tempo”.<br />

A palavra contém nela uma dimensão<br />

social, política e cultural, mas<br />

também erótica, realça o comissário,<br />

que nota o poema “Povo” <strong>de</strong> Pedro<br />

Homem <strong>de</strong> Mello, em que este aristocrata<br />

diz: “Dormi com eles na cama.../<br />

Tive a mesma condição”. “Há também<br />

essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> erotismo e tudo<br />

está aqui presente” nesse olhar cruzado,<br />

conclui.<br />

“Começámos pelo princípio: o fundamento<br />

da República e da <strong>de</strong>mocracia<br />

é a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> povo. E fomos perguntar:<br />

O que significa esta palavra? Qual<br />

é a história <strong>de</strong>la? Que memória transporta,<br />

quando falamos <strong>de</strong>la? E como<br />

foi ela representada artisticamente?”,<br />

salienta José Manuel Santos. É a primeira<br />

explicação para a escolha do<br />

tema da exposição. A outra: “É como<br />

uma palavra que <strong>nos</strong> persegue ou que<br />

nós perseguimos. No discurso político,<br />

é uma palavra que continua e está<br />

sempre a aparecer. É daqueles visíveis<br />

que se tornam invisíveis.”<br />

Não será preciso ir longe. Quem<br />

ainda este mês disse “Quanto mais se<br />

exigir do povo, mais o povo exigirá<br />

dos que o go<strong>ver</strong>nam” foi Cavaco Silva,<br />

no discurso do 10 <strong>de</strong> Junho, refere o<br />

comissário, como sinal <strong>de</strong> que esta<br />

palavra continua a ser muito utilizada<br />

<strong>nos</strong> discursos políticos, mesmo se<br />

num sentido mais lato do que aquela<br />

que era a sua dimensão social, ligada<br />

aos i<strong>de</strong>ais comunistas.<br />

José Neves concorda que, quando<br />

surge, a palavra “povo” é sobretudo<br />

na sua dimensão social, <strong>nos</strong> discursos<br />

<strong>de</strong> dirigentes comunistas, por exemplo,<br />

ou na sua dimensão cultural e<br />

política, para expressar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

“nação” ou país” noutros discursos.<br />

Porém, consi<strong>de</strong>ra que “a palavra ‘povo’<br />

caiu em <strong>de</strong>suso”, mesmo se os<br />

seus <strong>de</strong>rivados, como “popular”,<br />

“populismo” ou “cultura pop” são <strong>de</strong><br />

uso corrente.<br />

E se o Presi<strong>de</strong>nte da República evocou<br />

a palavra, foi numa dimensão,<br />

ainda presente, <strong>de</strong> “discurso populista<br />

em que se opõe o povo aos seus<br />

representantes que serão os políticos”,<br />

consi<strong>de</strong>ra José Neves.<br />

Antes e <strong>de</strong>pois do romantismo<br />

Se há uma i<strong>de</strong>ia fundadora, há também<br />

uma obra fundadora. “Ao longo<br />

do período que esta exposição cobre,<br />

Está na<br />

hora <strong>de</strong>,<br />

ao dizer “o<br />

povo”, não<br />

querer<br />

dizer “os<br />

outros”,<br />

mas<br />

“nós”,<br />

todos. Nós<br />

todos.<br />

Nuno Artur Silva<br />

Ficcionista e fundador das Produções<br />

Fictícias<br />

a palavra ‘povo’ ganhou novos significados”,<br />

diz João Pinharanda, comissário<br />

para a parte artística da exposição.<br />

O ponto <strong>de</strong> partida da representação<br />

visual do conceito ‘povo’ é,<br />

para o crítico <strong>de</strong> arte, a pintura <strong>de</strong><br />

Cristino da Silva, “Cinco Artistas em<br />

Sintra” (1855), que instituiu o romantismo<br />

em Portugal, no sentido em que<br />

pela primeira vez os artistas se representam<br />

na paisagem com o povo.<br />

“Aquela obra é a primeira” e “o<br />

ponto <strong>de</strong> partida para tudo o resto”<br />

nesta exposição, continua. No olhar<br />

para trás e para a frente, o comissário<br />

foi <strong>de</strong>pois à procura <strong>de</strong> “povo” na<br />

arte. “Esta visão do ‘antes’ coinci<strong>de</strong><br />

com a História uni<strong>ver</strong>sal ou oci<strong>de</strong>ntal. ci<strong>de</strong>ntal.<br />

A revolução americana e a <strong>de</strong>claração claração<br />

da in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> 1776 coinci<strong>de</strong>m inci<strong>de</strong>m<br />

com o rococó em França, e o neoclassicismo<br />

com a Revolução Francesa ancesa<br />

<strong>de</strong> 1789.”<br />

Para marcar a política, es-<br />

colheu “Regicídio” <strong>de</strong> Paula a<br />

Rego, que não tinha sido mosstrado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua exposição na<br />

Fundação Gulbenkian <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> <strong>nos</strong><br />

1980, e “Delacroix no 25 <strong>de</strong><br />

Abril em Atenas” (1975) <strong>de</strong> Nikias<br />

Skapinakis, em que a imamagem da liberda<strong>de</strong> aparece dianiante do povo.<br />

Na mesma sala, cruzando dife<br />

Des<strong>de</strong> a Revolução dos<br />

Cravos, feita ao som <strong>de</strong><br />

“Grândola Vila Morena”,<br />

cantada por Zeca Afonso,<br />

“o Povo é quem mais<br />

or<strong>de</strong>na”. Será?<br />

Mário Soares<br />

Antigo Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

rentes visões, a instalação <strong>de</strong> imagens<br />

recolhidas pela artista portuguesa<br />

Ana Hatherly, que em 1975 filmou os<br />

cartazes e as imagens evocativas da<br />

revolução do 25 <strong>de</strong> Abril. No mesmo<br />

espaço, o cartaz do 25 <strong>de</strong> Abril, pintado<br />

por Vieira da Silva, com o poema<br />

<strong>de</strong> Sophia <strong>de</strong> Mello Breyner, “A poesia<br />

está na rua” e a intervenção <strong>de</strong> Cesariny<br />

“sempre esteve”, reflecte esta<br />

i<strong>de</strong>ia do poeta <strong>de</strong> que a poesia só podia<br />

emanar do povo, e que exprimiu<br />

a i<strong>de</strong>ia surrealista <strong>de</strong> que não era preciso<br />

estar a i<strong>de</strong>alizar o povo — como<br />

faziam os naturalistas ou os neo-realistas<br />

— e lamentava que tenha <strong>de</strong>ixado<br />

<strong>de</strong> ha<strong>ver</strong> “voz do povo na literatura”.<br />

Mas também os “cartoons” <strong>de</strong><br />

João Abel Manta e <strong>de</strong> Rafael Bordalo<br />

Pinheiro com o “Zé Povinho”.<br />

Está na hora <strong>de</strong> resgatar<br />

a palavra “povo”<br />

“POVOPeople” coloca as várias visões<br />

<strong>de</strong> “povo” em diálogo entre si, numa<br />

mesma sala ou num mesmo livro. A<br />

exposição parte <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> investigação<br />

que levou à publicação <strong>de</strong> três<br />

livros (Tinta da China): “Como se faz<br />

um povo”, ensaios em História Con-<br />

temporânea <strong>de</strong> Portugal sob coor<strong>de</strong>nação<br />

do historiador José Neves,<br />

sobre como era o<br />

povo na Re- Re-<br />

“Povo e<br />

política”,<br />

instalaçãoví<strong>de</strong>o<br />

<strong>de</strong><br />

Diana<br />

Andringa,<br />

Bruno Morais<br />

Cabral e João<br />

Dias (2010)<br />

“Vista Interior”<br />

(2000), Joana<br />

Vasconcelos<br />

que <strong>nos</strong> persegue<br />

” do esquecimento e mostra como ele foi representado, ao longo da História, na arte e na política.<br />

e Rui Gaudêncio (fotos)<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 29


O povo é uma entida<strong>de</strong><br />

amorfa, irracional, manipulável,<br />

<strong>de</strong>sinteressante,<br />

instável, contraditória e<br />

essencial.<br />

“Mesa Posta”<br />

(1897), Rafael<br />

Bordalo<br />

Pinheiro<br />

“Sem mim não<br />

há povo”,<br />

painel <strong>de</strong><br />

fotografias<br />

dos visitantes<br />

à saída da<br />

exposição<br />

pública, no Estado Novo, <strong>de</strong>pois<br />

do 25 <strong>de</strong> Abril, mas também o povo<br />

na televisão ou na revista à portuguesa,<br />

e ainda “A Política dos Muitos —<br />

Povo, Classes e Multidão”, que reúne<br />

textos <strong>de</strong> pensadores contemporâneos<br />

sobre o tema e que remetem para<br />

os clássicos, Foucault, Kant ou Bourdieu,<br />

também sob coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong><br />

José Neves e <strong>de</strong> Bruno Peixe Dias, e<br />

“O que é o Povo”.<br />

Neste último, várias personalida<strong>de</strong>s<br />

respon<strong>de</strong>m p à pergunta:<br />

“Quand “Quando diz Povo, o<br />

que eestá<br />

a dizer?”. O<br />

interesse, int diz José<br />

Manuel M dos Santos,<br />

é confrontar<br />

pessoas<br />

que usam essa<br />

palavra, muitas<br />

vezes, sem<br />

talvez pensarem<br />

no seu significado:<br />

n artistas,<br />

tas escritores,<br />

professores, prof historiadores,<br />

riadore empresários,<br />

representantes representan dos media,<br />

mas sobretudo lí<strong>de</strong>res partidários e<br />

o actual e ex-presi<strong>de</strong>ntes da República,<br />

que muitas vezes referem “povo”<br />

<strong>nos</strong> seus discursos.<br />

As respostas mostram que este não<br />

é um tema consensual. Se ao longo<br />

da História, o “povo” <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />

uma parte para ser o todo, passando<br />

<strong>de</strong> objecto a sujeito, <strong>de</strong> súbdito a soberano,<br />

com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que “a soberania<br />

resi<strong>de</strong> no povo” e <strong>de</strong> que “o<br />

povo somos todos nós”, a <strong>ver</strong>da<strong>de</strong> é<br />

que mesmo agora “não é um todo para<br />

toda a gente”, nota José Manuel dos<br />

Santos. No mesmo livro, umas pessoas<br />

questionam, outras negam essa<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “povo” como representando<br />

“todos nós”, outras ainda vêem-na<br />

como um i<strong>de</strong>al.<br />

“Está na hora, agora, <strong>nos</strong> cem a<strong>nos</strong><br />

30 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Vasco Graça Moura<br />

Escritor e tradutor<br />

da República, <strong>de</strong> resgatar a palavra<br />

povo em Portugal. Está na hora <strong>de</strong>,<br />

ao dizer ‘o povo’, não querer dizer<br />

‘os outros’, mas ‘nós’, todos. Nós todos.<br />

Cidadãos. Como outros dizem<br />

‘we, the people’, nós dizermos ‘nós,<br />

o povo’”, escreve o ficcionista Nuno<br />

Artur Silva.<br />

Essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “povo” como “todos<br />

nós” não existe para o secretáriogeral<br />

do PCP, Jerónimo <strong>de</strong> Sousa, para<br />

quem povo é apenas quem se confronta<br />

“com o po<strong>de</strong>r das classes dominantes”,<br />

como também está<br />

ausente na visão do estratega da Revolução<br />

do 25 <strong>de</strong> Abril, o coronel<br />

Otelo Saraiva <strong>de</strong> Carvalho, para quem<br />

“povo é a gran<strong>de</strong> massa, a parte mais<br />

numerosa mas a me<strong>nos</strong> rica e a me<strong>nos</strong><br />

privilegiada da população <strong>de</strong> um<br />

Estado”.<br />

No oposto, o cientista político João<br />

Carlos Espada escreve: “‘Povo’ é uma<br />

expressão que raramente utilizo”,<br />

porque consi<strong>de</strong>ra que “não há um<br />

colectivo chamado ‘Povo’”. E acrescenta,<br />

citando a Declaração da In<strong>de</strong>pendência<br />

americana <strong>de</strong> 1776: “Há<br />

indivíduos e pessoas, cujos direitos<br />

são prévios aos go<strong>ver</strong><strong>nos</strong>, sendo o<br />

O que é<br />

para mim<br />

o Povo?<br />

O Povo<br />

é o meu<br />

Mestre.<br />

Maria <strong>de</strong> Lur<strong>de</strong>s Mo<strong>de</strong>sto<br />

Autora e especialista em culinária.<br />

principal <strong>de</strong><strong>ver</strong> <strong>de</strong>stes últimos respeitar<br />

e garantir aqueles direitos”.<br />

O povo é, para o ex-Presi<strong>de</strong>nte Jorge<br />

Sampaio, “indissociável <strong>de</strong> Portugal,<br />

do 25 <strong>de</strong> Abril, e da Constituição<br />

da República Portuguesa <strong>de</strong> 1976”.<br />

Para Mário Soares, “o povo é global”<br />

e “os cidadãos portugueses são cidadãos<br />

europeus”, enquanto Ramalho<br />

Eanes escreve que <strong>nos</strong> discursos que<br />

proferiu enquanto responsável político<br />

usou, com o mesmo fim, as palavras<br />

“nação”, “povo”, “país” e “população<br />

portuguesa”.<br />

Inclusão e exclusão<br />

A noção <strong>de</strong> “povo”, embora tenha<br />

evoluído ao longo da História, para<br />

se transformar na gran<strong>de</strong> palavra da<br />

inclusão, continua sempre a ser <strong>de</strong><br />

inclusão e exclusão, aponta o historiador<br />

José Neves. “Durante muito<br />

tempo, excluiu as mulheres ou os escravos.<br />

Hoje exclui os imigrantes.” E<br />

no fim, a palavra adapta-se a diferentes<br />

imaginários.<br />

Em muitos discursos do Estado novo,<br />

o povo confun<strong>de</strong>-se com a nação.<br />

Mas havia também a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “bom<br />

povo português”, e “Deus, Pátria e a<br />

Família”, um primeiro discurso muito<br />

conhecido <strong>de</strong> Salazar, relembrado<br />

numa <strong>de</strong> muitas imagens cruzadas <strong>de</strong><br />

uma instalação <strong>de</strong> Diana Andringa,<br />

Bruno Morais Cabral e João Dias , a<br />

partir <strong>de</strong> arquivos da RTP e da Cinemateca.<br />

Nesta instalação, umas imagens<br />

convocam outras, como as <strong>de</strong>sse discurso<br />

<strong>de</strong> Salazar a que se segue a <strong>de</strong><br />

uma mulher na rua na luta pela revogação<br />

da Concordata (assinada entre<br />

o Estado português e a Santa Sé em<br />

1940) e pelo direito ao divórcio. Pas-<br />

Povo é o<br />

soberano<br />

que<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />

o seu<br />

caminho<br />

Cavaco Silva<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

sam pelo mosaico <strong>de</strong> imagens <strong>nos</strong><br />

ecrãs o Car<strong>de</strong>al Cerejeira e a sua evocação<br />

<strong>de</strong> como “o povo está com as<br />

suas ban<strong>de</strong>iras a dizer ‘Ámen’ aos seus<br />

chefes espirituais”, mas também Marcelo<br />

Caetano e Spínola, quando questionado<br />

sobre os presos políticos antes<br />

<strong>de</strong> se <strong>ver</strong>em estes a serem soltos,<br />

ou ainda um preso político junto à<br />

janela da sua cela da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Peniche,<br />

e Álvaro Cunhal no 1º <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong><br />

1974 a gritar: “O povo está com o<br />

MFA”. “O povo está umas vezes em<br />

concordância, outras nalguma crítica<br />

mesmo no pós-25 <strong>de</strong> Abril”, diz Diana<br />

Andringa, jornalista, realizadora e<br />

comissária para o audiovisual.<br />

O povo trabalhador, num dos quadros<br />

mais emblemáticos do neo-realismo,<br />

“O Gadanheiro” <strong>de</strong> Júlio Pomar,<br />

ao lado do povo em festa, <strong>de</strong><br />

Álvaro Cunhal, numa mesma sala em<br />

que está também exposta a representação<br />

antiga do povo, com os fragmentos<br />

<strong>de</strong> dois presépios barrocos<br />

do escultor Machado <strong>de</strong> Castro, e a<br />

representação que <strong>de</strong>le era feita no<br />

Estado Novo com os bonecos regionais<br />

portugueses <strong>de</strong> Tom (Thomaz<br />

<strong>de</strong> Mello).<br />

Numa outra sala, “Casas do<br />

Povo”,“Vista Interior” da artista Joana<br />

Vasconcelos abre, com os seus<br />

estores subidos, uma janela indiscreta<br />

para o quotidiano <strong>de</strong> objectos, numa<br />

casa imaginada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />

vitrina exígua. Se isto é povo, “povo<br />

somos todos nós”, parece querer dizer<br />

esta instalação da artista contemporânea,<br />

ecoando as palavras do poema<br />

<strong>de</strong> Maria Teresa Horta, em “O<br />

que é o Povo”.<br />

Ao juntar a nomes da arte contemporânea<br />

obras <strong>de</strong> Ama<strong>de</strong>o <strong>de</strong> Sousa-<br />

Cardoso, Graça Morais, Eduardo<br />

Nery, Almada Negreiros, entre outros,<br />

a exposição mostra que “o povo” se<br />

encontrou sempre ou quase representado.<br />

Esta é uma exposição que<br />

olha para trás, mas também para fora,<br />

com alguns artistas estrangeiros. E<br />

que termina com a frase “Sem mim,<br />

não há povo”, num espaço em que o<br />

visitante fotografado se expõe <strong>de</strong>pois<br />

num gran<strong>de</strong> painel <strong>de</strong> imagens. Sem<br />

o visitante <strong>de</strong> “POVOpeople” não há<br />

povo.<br />

Ver agenda <strong>de</strong> exposições pág. 44<br />

“República”<br />

(2010), o busto<br />

reinterpretado<br />

por Rui<br />

Sanches


EXPOSIÇÃO #07<br />

ARQUITE(X)TURAS<br />

OBRAS DA COLECÇÃO BESart<br />

/// DE 24 DE JUNHO A 9 DE SETEMBRO<br />

LEE FRIEDLANDER // PAULO NOZOLINO // JOSÉ MAÇÃS DE CARVALHO //<br />

DOUG AITKEN // ABELARDO MORELL // DANIEL BLAUFUKS // NUNO CERA //<br />

JOÃO PAULO FELICIANO // THOMAS RUFF // RICARDA ROGGAN // ANA VIEIRA //<br />

BILL HENSON // CANDIDA HÖFER // VITO ACCONCI // HIROSHI SUGIMOTO //<br />

THOMAS STRUTH // PAULO CATRICA // PEDRO TUDELA // LESLIE HEWITT //<br />

SABINE HORNIG // ROLAND FISCHER // STAN DOUGLAS // DAN GRAHAM //<br />

FRANÇOISE SCHEIN //<br />

// MORADA<br />

Praça Marquês <strong>de</strong> Pombal<br />

nº3, 1250-161 <strong>Lisboa</strong><br />

// TELEFONE<br />

21 359 73 58<br />

// HORÁRIO<br />

Segunda a Sexta<br />

das 9h às 21h<br />

// EMAIL<br />

besarte.financa@bes.pt


ZHAO TSUN HSIUNG/REUTERS<br />

O católico Hans Küng explica<br />

Uma obra <strong>de</strong> síntese <strong>de</strong>dicada à fé muçulmana conclui o projecto <strong>de</strong> duas décadas acerca dos t<br />

Küng, o polémico teólogo, explica nesta entrevista porque é que o islão é muito mais p<br />

32 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Livros<br />

Teólogo polémico no int interior er do ca-<br />

tolicismo, o suíço-alemão<br />

o HHans<br />

Küng,<br />

82 a<strong>nos</strong>, mete-se, <strong>de</strong>sta<br />

vez, v com o<br />

islão. As Edições 70 acabam acabba<br />

<strong>de</strong> pu-<br />

blicar em Portugal a sua suaa<br />

penúltima p<br />

obra, “Islão — Passado,<br />

PPresente<br />

e<br />

Futuro”. É o último capít capítulo tu da trilo-<br />

gia sobre os três monoteísmos: monotte<br />

“O<br />

Cristianismo — Essência e História”<br />

foi publicado em Portug Portugal ga pelo Cír-<br />

culo <strong>de</strong> Leitores (2002), , “Judaísmo “<br />

— Entre Ontem e Hoje” só<br />

ó eestá<br />

dispo-<br />

nível em outras línguas.<br />

O teólogo católico tem<br />

m ssido<br />

muito<br />

crítico (apesar <strong>de</strong> antigo colega co c e ami-<br />

go) do Papa Bento XVI. Há<br />

30 a<strong>nos</strong>, o<br />

Vaticano interditou-o <strong>de</strong> en eensinar<br />

teo-<br />

logia em nome da Igreja Igreja, a, mas Küng<br />

continua a ser padre católico. catóóli<br />

Publicado no final <strong>de</strong> 20 22007,<br />

o livro<br />

não foge ge aos problemas ac aactuais<br />

e faz<br />

a análise crít crítica í ica a das quest questões tõ que ho-<br />

je se colocam ao islão islão: : a<br />

violência<br />

fundamentalista, fundamentallis<br />

a mu-<br />

lher, a exegese exxe<br />

histó-<br />

rica do d Alcorão, a<br />

secularização, secuula<br />

a<br />

<strong>de</strong>mocracia.<br />

<strong>de</strong>m<br />

MMas<br />

a reflecte<br />

também ta am acer-<br />

ca c da ignorância<br />

râ r que,<br />

sobre so s o islão,<br />

lã l existe<br />

no n oci<strong>de</strong>nte.<br />

te Incluindo<br />

d em questões<br />

tõ <strong>de</strong> ac-<br />

tu ttualida<strong>de</strong>,<br />

n nnas<br />

quais<br />

critica cr c quer<br />

visões vi v oci<strong>de</strong>ntais<br />

<strong>de</strong> d quer<br />

argumentos<br />

ar a<br />

<strong>de</strong> d muçulma<strong>nos</strong>,<br />

m co-<br />

mo mmo<br />

explica<br />

nesta ne es entrevista<br />

vistta<br />

ao Ípsilon,<br />

por po por r telefone: te t<br />

Essa é a razão pe-<br />

la qua qual al escrevi es-<br />

te lliv<br />

livro: iv vr que as<br />

pe pess pessoas sso oa que gos-<br />

te tem<br />

m <strong>de</strong> d<strong>de</strong><br />

ser informadas<br />

mada d s encontrem<br />

e<br />

respostas respostta<br />

às suas<br />

pe perg perguntas. rgun unta tas. s. VVerão<br />

que<br />

nem todas as coisas coissa<br />

são igual-<br />

mente important<br />

importantes tes no islão.<br />

Por Po Por r exemplo, ex exem empl plo, o, a ddou<br />

doutrina out tr muçul-<br />

mana não ã diz i que todas tood<br />

d as mes-<br />

quitas têm <strong>de</strong> ter mi minarete na mas,<br />

por outro lado, não há háá<br />

razão r para<br />

a Suíça Su Suíç íça a proibir pr proi oibi bir r minaretes, mi mina nare rete tes, s, , como c aconteceu.<br />

te tece ceu.<br />

Devemos encontrar soluções. soluçõ<br />

Porque<br />

é que os minaretes estão a<br />

perturbar<br />

tantas tant ntas a pessoas? pes essoas as? A localização loca cali liza zaç çã po<strong>de</strong> ser<br />

revista, re revi vist sta, a po<strong>de</strong> ppod<br />

o<strong>de</strong> e ch cheg chegar-se egar ar-se e a<br />

aacordo,<br />

no<br />

diálogo e compreensão mú mútua. út<br />

Não é boa i<strong>de</strong>ia ter altifalantes altiffa<br />

nas<br />

<strong>nos</strong>sas cida<strong>de</strong>s, por todo o<br />

la lado, gritan-<br />

do o o c ccre<br />

credo re redo do i iisl<br />

islâmico. sl slâm âm âmic ic ico. o. E EEm<br />

Em m M MMedina<br />

não<br />

havia altifalantes f nem se sequer eq havia<br />

minarete, no início. Há uma diferença<br />

em relação aos si<strong>nos</strong> que temos <strong>nos</strong> países<br />

europeus: os si<strong>nos</strong> não têm uma<br />

única mensagem, po<strong>de</strong>m ser usados no<br />

caso <strong>de</strong> fogo, guerra ou paz. Não são<br />

uma profissão <strong>de</strong> fé que diz: “Só há um<br />

Deus e Maomé é o seu profeta”.<br />

Os próprios si<strong>nos</strong> foram suspensos<br />

durante a madrugada. Temos <strong>de</strong> perguntar<br />

se a religião é para o ser humano<br />

ou se o ser humano para a religião.<br />

O véu não é o problema. Nos <strong>nos</strong>sos<br />

países tínhamos véus. Coisa diferente é<br />

se se é professora ou funcionária pública<br />

e está completamente velada. Contradiz<br />

a dignida<strong>de</strong> da mulher. Não temos<br />

<strong>de</strong> seguir costumes que não foram<br />

introduzidos pelo profeta Maomé, mas<br />

eram das tribos árabes.<br />

A ignorância que persiste tem outros<br />

responsáveis, com os quais Küng<br />

é muito crítico na obra: políticos e jornalistas<br />

só mostram um lado do islão,<br />

acusa. Há um problema mediático, é<br />

<strong>ver</strong>da<strong>de</strong>, em relação ao islão. Os media<br />

ten<strong>de</strong>m a <strong>de</strong>svalorizar aspectos da<br />

mesma realida<strong>de</strong>: é mais fácil repetir<br />

pela enésima vez imagens <strong>de</strong> manifestantes<br />

fanáticos do que mostrar experiências<br />

<strong>de</strong> apoio social a <strong>de</strong>sfavorecidos<br />

ou <strong>de</strong>clarações con<strong>de</strong>nando o<br />

fundamentalismo, por exemplo.<br />

Claro que, se há conflitos, apresentamse,<br />

sobretudo na televisão, as pessoas<br />

<strong>de</strong> outras religiões <strong>de</strong> modo muito negativo.<br />

As pessoas no Cairo, em Meca<br />

ou na Turquia, por exemplo, querem<br />

vi<strong>ver</strong> em paz e não lutar. Na sua maioria,<br />

não querem conflitos nem são fanáticas.<br />

Mas a televisão está mais interessada<br />

em mostrar os fanáticos.<br />

No livro, Küng não <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o islão<br />

e os muçulma<strong>nos</strong> a qualquer preço,<br />

mas não ce<strong>de</strong> à crítica fácil: contesta<br />

duramente as propostas <strong>de</strong> “O Choque<br />

das Civilizações”, <strong>de</strong> Samuel Huntington.<br />

Muitos elementos sobre o<br />

islão eram “obviamente <strong>de</strong>sconhecidos”<br />

por Huntington, assegura. Por<br />

isso, este livro preten<strong>de</strong> “<strong>de</strong>molir pedra<br />

por pedra os muros <strong>de</strong> preconceitos”,<br />

abrindo pontes <strong>de</strong> diálogo com<br />

os muçulma<strong>nos</strong>. Mesmo notando que<br />

o islão, tal como o cristianismo, sempre<br />

foi pluralista.<br />

[Além do mais, o livro é muito bem<br />

escrito e acessível; e está bem traduzido,<br />

o que dá gosto numa obra <strong>de</strong>ste<br />

fôlego, ainda mais em matéria religiosa,<br />

escrevendo com rigor técnico palavras<br />

como xeque, em vez do “sheikh”<br />

inglês, ou islão, em vez <strong>de</strong> islamismo,<br />

para <strong>de</strong>signar a religião.]<br />

Essa é a principal virtu<strong>de</strong> do livro:<br />

Küng apresenta uma síntese histórica,<br />

teológica, política e social do percurso<br />

do islão, como dos seus contextos.<br />

Não é estranha, assim, a opção <strong>de</strong>, ao<br />

longo da obra, mostrar não apenas a<br />

história das diferentes correntes do<br />

islão, mas também a sua relação com<br />

o judaísmo e o cristianismo.


ADRIANO MIRANDA<br />

Apresento o que [as três religiões] têm<br />

em comum: a fé no Deus único <strong>de</strong><br />

Abraão, entendido como criador misericordioso<br />

<strong>de</strong> todos os seres huma<strong>nos</strong>.<br />

O monoteísmo é o terreno comum <strong>de</strong>stas<br />

religiões, que têm um conceito <strong>de</strong><br />

história que não é circular, mas progressivo.<br />

Há também figuras proféticas<br />

e mandamentos éticos comuns — crer<br />

em Deus tem várias consequências.<br />

Para referir brevemente as diferenças:<br />

para os ju<strong>de</strong>us, Israel enten<strong>de</strong>-se<br />

como a terra e o povo <strong>de</strong> Deus. Para o<br />

cristianismo, Jesus Cristo é o messias e<br />

filho <strong>de</strong> Deus. Para os muçulma<strong>nos</strong>, o<br />

Alcorão é o livro e a palavra <strong>de</strong> Deus.<br />

Não acredito na unida<strong>de</strong> das três religiões,<br />

mas acredito na paz entre elas.<br />

O que quer dizer que po<strong>de</strong>mos aceitar<br />

as diferenças e respeitá-las, enfatizando<br />

que há muitas coisas em comum e<br />

que <strong>de</strong>vemos excluir a intolerância e as<br />

guerras, trabalhando em conjunto <strong>de</strong><br />

muitos modos.<br />

Estamos a passar do paradigma mo<strong>de</strong>rno,<br />

em que as religiões estavam em<br />

confronto, para um paradigma pósmo<strong>de</strong>rno,<br />

mais pacífico, <strong>de</strong> mútua compreensão,<br />

cooperação e integração<br />

social. O sincretismo não é solução.<br />

Várias das questões com que o islão<br />

hoje se confronta têm relação directa<br />

com a sua origem. Küng faz esse percurso,<br />

<strong>de</strong>screvendo como, entre tensões,<br />

se <strong>de</strong>fine a primeira comunida<strong>de</strong>;<br />

o alargamento dos direitos da<br />

mulher; a constituição do islão como<br />

“religião <strong>de</strong> ética” e o reduzidíssimo<br />

número <strong>de</strong> “<strong>ver</strong>sículos jurídicos” do<br />

Alcorão (80, em 6666) — mesmo nestes<br />

casos, não são “regulamentações<br />

<strong>de</strong>talhadas com sanções penais”, mas<br />

“exigências morais”.<br />

Küng explica também como a comunida<strong>de</strong><br />

islâmica é o “<strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iro<br />

núcleo em volta do qual se ergue o<br />

Estado” — ao contrário do cristianismo,<br />

que nasce exterior ao Estado ou<br />

mesmo opondo-se ou sendo perseguido<br />

por ele. Ou como o Alcorão passa<br />

<strong>de</strong> narrativa oral à fixação escrita,<br />

como a i<strong>de</strong>ia da relação umbilical entre<br />

islão e guerra é um “estereótipo”<br />

ou, ainda, como o profeta se vê transformado<br />

em homem <strong>de</strong> Estado.<br />

Maomé estava numa situação difícil:<br />

ele não tinha um Estado, havia uma<br />

série <strong>de</strong> problemas com as diferentes<br />

“Se formos às origens,<br />

vemos que o ju<strong>de</strong>ocristianismo<br />

é semelhante ao islão.<br />

É significativo que<br />

o Alcorão fale sempre<br />

<strong>de</strong> modo positivo<br />

sobre Jesus”<br />

tribos em Medina, em conflito com Meca.<br />

Des<strong>de</strong> o princípio, ele funcionou<br />

não só como profeta mas também como<br />

homem <strong>de</strong> Estado, esteve envolvido em<br />

questões políticas e mesmo em batalhas.<br />

Embora se tenha envolvido no<br />

conflito com Meca, não executou todos<br />

os seus inimigos, trabalhou pela paz e<br />

foi capaz <strong>de</strong> reconciliar as pessoas.<br />

Devemos tomar o islão literalmente:<br />

islão é submissão a Deus, tem a <strong>ver</strong> com<br />

“salam”, que quer dizer paz, e há muitos<br />

muçulma<strong>nos</strong> hoje que trabalham<br />

intensamente pela paz. E que estão chocados<br />

com a atitu<strong>de</strong> dos fanáticos que<br />

querem promo<strong>ver</strong> a tirania.<br />

Na obra, Hans Küng apresenta seis<br />

paradigmas para ler a história do islão:<br />

o da comunida<strong>de</strong>, o império árabe,<br />

o da religião mundial, o ulemásufi,<br />

a mo<strong>de</strong>rnização e o pós-mo<strong>de</strong>rno.<br />

Todos eles vão <strong>de</strong>ixando em<br />

herança diferentes características,<br />

que permitem enten<strong>de</strong>r o islão multifacetado.<br />

O qual se confronta com<br />

outro problema já (quase) resolvido<br />

no cristianismo: o da exegese crítica<br />

do texto. Questão que, na con<strong>ver</strong>sa<br />

com o Ípsilon, Küng consi<strong>de</strong>ra “crucial”.<br />

O Alcorão, elemento distintivo em<br />

relação a ju<strong>de</strong>us e cristãos, é entendido<br />

como palavra <strong>de</strong> Deus, mas a sua<br />

fixação é progressiva. Inicialmente,<br />

“o profeta não <strong>de</strong>u quaisquer indicações<br />

para a edição <strong>de</strong> um livro”. Pelo<br />

contrário: a fixação do texto sagrado<br />

serve, no início, uma estratégia <strong>de</strong><br />

centralização política.<br />

Ligadas umbilicalmente a esta<br />

questão, surgem a laicida<strong>de</strong> e a secularização.<br />

Questões importantes, consi<strong>de</strong>ra<br />

Küng:<br />

Sim. Mas não <strong>de</strong>vemos ignorar a religião.<br />

Mesmo na Turquia, perceberam,<br />

<strong>de</strong>pois da revolução <strong>de</strong> Kemal Atatürk,<br />

que a religião não po<strong>de</strong> ser perseguida<br />

ou ignorada. A Turquia mostra que o<br />

islão po<strong>de</strong> ser respeitado. O sistema político<br />

<strong>de</strong>ve ser uma <strong>de</strong>mocracia, mas a<br />

<strong>de</strong>mocracia admite as religiões. Mesmo<br />

em França, estão a tentar hoje ter um<br />

sistema mo<strong>de</strong>rado <strong>de</strong> cooperação.<br />

Uma leitura política e económica<br />

leva-<strong>nos</strong> a consi<strong>de</strong>rar os recursos e o<br />

po<strong>de</strong>r. Mas a religião tem um papel importante,<br />

porque tem a <strong>ver</strong> com o nível<br />

mais profundo do coração humano e<br />

as mais profundas dimensões da socieda<strong>de</strong><br />

humana.<br />

As religiões po<strong>de</strong>m influenciar conflitos<br />

políticos ou económicos. Po<strong>de</strong>m<br />

ajudar a intensificar a luta contra outras<br />

religiões e outros países mas, especialmente<br />

após a II Guerra Mundial,<br />

quando entrámos no paradigma pósmo<strong>de</strong>rno,<br />

vemos que as religiões po<strong>de</strong>m<br />

trabalhar também pela paz.<br />

Se tomar como exemplo o caso <strong>de</strong><br />

Moçambique, a influência <strong>de</strong> pessoas<br />

<strong>de</strong> diferentes igrejas ajudou a estabelecer<br />

a paz num contexto difícil. A mesma<br />

coisa [se passou] com a intervenção <strong>de</strong><br />

pessoas <strong>de</strong> diferentes igrejas na abolição<br />

do apartheid na África do Sul.<br />

Enfim, esta obra — reunida às outras<br />

duas da trilogia <strong>de</strong> Küng — serve<br />

o propósito (paradoxalmente possibilitado<br />

pela con<strong>de</strong>nação do Vaticano)<br />

a que o teólogo tem <strong>de</strong>dicado as<br />

três últimas décadas: o diálogo interreligioso<br />

e o seu contributo para a<br />

busca <strong>de</strong> uma ética mundial. Hans<br />

Küng afirma-se convicto da possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> um “triálogo” entre ju<strong>de</strong>us,<br />

cristãos e muçulma<strong>nos</strong>. Mesmo se,<br />

pessoalmente, não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser cristão<br />

e católico, como confessa.<br />

Se formos às origens, <strong>ver</strong>emos que o<br />

ju<strong>de</strong>o-cristianismo é muito semelhante<br />

ao judaísmo e também ao islão. É significativo<br />

que o Alcorão fale sempre <strong>de</strong><br />

modo positivo sobre Jesus. Há muitos<br />

textos [no Alcorão] que elogiam Jesus.<br />

A única condição é que não faz <strong>de</strong>le<br />

Deus. Há muitas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> discutir<br />

isto positivamente.<br />

Se eu tivesse nascido em Meca, provavelmente<br />

seria muçulmano. Analisei<br />

cuidadosamente as diferentes religiões<br />

nestes meus livros para <strong>ver</strong> quais são<br />

os aspectos positivos <strong>de</strong> cada religião.<br />

Tal como dizia o Concílio Vaticano II,<br />

posso hoje estar consciente <strong>de</strong> que as<br />

outras religiões são caminhos para a<br />

salvação e não para ir para o inferno.<br />

Para mim, Jesus Cristo é um caminho<br />

<strong>de</strong> vida. Segui-lo é continuar a <strong>de</strong>scobrir<br />

um sentido para a minha vida, o<br />

meu sofrimento e a minha luta. É um<br />

excelente modo <strong>de</strong> continuar, neste tempo,<br />

a encontrar a salvação.<br />

-<strong>nos</strong> o islão<br />

s três monoteísmos e da busca <strong>de</strong> uma ética mundial. Hans<br />

s plural do que se julga no Oci<strong>de</strong>nte. António Marujo<br />

ESCRITA NA PAISAGEM APRESENTA<br />

THAT SUBLIMINAL KID<br />

THE SECRET SONG<br />

1 JULHO ¬ 22H00<br />

ESTRUTURA FINANCIADA POR PARCEIRO<br />

ÉVORA<br />

COLÉGIO DO ESPÍRITO SANTO<br />

UNIVERSIDADE DE ÉVORA<br />

CONTACTOS<br />

WWW.ESCRITANAPAISAGEM.NET<br />

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Tel. elm. 919 306 951<br />

<strong>de</strong>baixo das oliveiras<br />

TEATRO NUMA<br />

NOITE DE VERÃO<br />

Um evento único em Vale dos Barris: 13 Companhias europeias <strong>de</strong><br />

teatro apresentam, em 13 palcos ao ar livre, histórias dos recreios, o<br />

que vos dará uma visão sobre a di<strong>ver</strong>sida<strong>de</strong> do trabalho realizado <strong>nos</strong><br />

diferentes países. A varieda<strong>de</strong> das culturas europeias soprará como a<br />

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da União Europeia<br />

Estrutura financiada por / iniciativa com o apoio <strong>de</strong><br />

Estrutura apoiada por / co-organização<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 33


Livros<br />

“A Educação<br />

Siberiana”<br />

baseia-se nas<br />

suas<br />

experiências<br />

pessoais, mas<br />

Nicolai Lilin<br />

recusa que se<br />

fale em<br />

autobiografia<br />

34 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

FOTOGRAFIAS DE DANIEL ROCHA


Nikolai Lilin<br />

O sobrevivente<br />

da Gomorra siberiana<br />

No primeiro romance <strong>de</strong> Nicolai Lilin, “A Educação Siberiana”, um bando <strong>de</strong> miúdos rebel<strong>de</strong>s<br />

cresce no último fôlego da União Soviética, numa comunida<strong>de</strong> siberiana, on<strong>de</strong> as tradições do<br />

crime são levadas a um extremo quase sacrifi cial. Raquel Ribeiro<br />

Nicolai Lilin tem 30 a<strong>nos</strong>, mas já gastou<br />

as suas sete vidas. Quase todas<br />

estão narradas no seu primeiro romance,<br />

“A Educação Siberiana” (ed.<br />

Alfaguara), sobre a sua infância numa<br />

comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> siberia<strong>nos</strong> na Transnistria<br />

(hoje parte da Moldávia, mas<br />

com estatuto autónomo).<br />

Lilin foi testemunha <strong>de</strong> muitas transições:<br />

da queda da União Soviética<br />

para a guerra civil com a Moldávia;<br />

do fim das tradições <strong>de</strong> sangue e honra<br />

dos seus avós para o caos do crime<br />

organizado da nova Rússia. Mas não<br />

quer que se chame ao seu livro uma<br />

autobiografia: “É um romance baseado<br />

em factos reais, nas minhas experiências<br />

pessoais e nas experiências<br />

<strong>de</strong> amigos. Também não é um livro<br />

sobre a actualida<strong>de</strong>, ou sobre a máfia.<br />

Não <strong>de</strong>nuncio nada, apenas uso as<br />

WWW.CURTAS.PT<br />

minhas memórias para contar aos<br />

meus amigos, <strong>de</strong> maneira irónica ou<br />

até mesmo muito violenta, como foi<br />

crescer nesta situação”, explica o autor,<br />

numa visita a <strong>Lisboa</strong>. Os direitos<br />

do livro já foram comprados para o<br />

cinema, e houve jornais italia<strong>nos</strong> a<br />

dizer que este era o “‘Gomorra’ à moda<br />

siberiana”.<br />

Foi, então, para (e sobre) os amigos<br />

que Lilin escreveu “A Educação Siberiana”,<br />

um bando <strong>de</strong> miúdos rebel<strong>de</strong>s<br />

a crescer no último fôlego da União<br />

Soviética, numa comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Urcas,<br />

siberia<strong>nos</strong>, on<strong>de</strong> as tradições do<br />

crime são levadas a um extremo quase<br />

sacrificial, quase mítico. Lilin <strong>de</strong>screve<br />

assim, no livro: “Na comunida<strong>de</strong><br />

siberiana apren<strong>de</strong>mos a matar<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> peque<strong>nos</strong>. A <strong>nos</strong>sa filosofia <strong>de</strong><br />

vida tem uma estreita relação com a<br />

morte, é ensinado às crianças que o<br />

perigo e a morte são coisas relacionadas<br />

com a existência, e portanto tirar<br />

a vida a alguém ou morrer é uma coisa<br />

normal, se há um motivo válido.”<br />

Pais, mães, avós, tios, velhos sobretudo,<br />

mantêm a tradição herdada dos<br />

siberia<strong>nos</strong>, antigos caçadores, que<br />

passam a sua “educação siberiana”<br />

aos mais novos. Quem são estes homens<br />

(sobretudo homens, apesar <strong>de</strong><br />

Lilin dizer que as mulheres também<br />

são importantes, no romance quase<br />

não as vemos)? Estamos no meio <strong>de</strong><br />

uma “comunida<strong>de</strong> dissi<strong>de</strong>nte”, pessoas<br />

que “pensam <strong>de</strong> uma maneira<br />

diferente do sistema e procuram combatê-lo”.<br />

O autor explica: “Os Urcas<br />

não respeitam o dinheiro nem os po<strong>de</strong>rosos,<br />

lutam apenas pela liberda<strong>de</strong>.<br />

São <strong>de</strong> uma violência extrema. A vio-<br />

Houve jornais<br />

italia<strong>nos</strong> a dizer que<br />

este era o “‘Gomorra’<br />

à moda siberiana”.<br />

Os direitos do livro já<br />

foram comprados<br />

para o cinema<br />

IN FOCUS KEN JACOBS<br />

Solar - Galeria <strong>de</strong> Arte Cinemática:<br />

3 <strong>de</strong> Julho a 12 <strong>de</strong> Setembro<br />

Exposição Action Cinema<br />

3 Julho, 18:00<br />

Inauguração da Exposição Action Cinema<br />

lência têm-na no sangue. Vinham <strong>de</strong><br />

uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> caçadores da<br />

Sibéria e, para eles, matar uma pessoa<br />

é como fumar um cigarro. Mas nunca<br />

matariam alguém sem que tivessem<br />

um <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iro motivo. Percebo-o<br />

quando falo com eles. Estes códigos<br />

morais eram muito importantes porque<br />

reflectem os seus valores: respeitam<br />

apenas as pessoas, não os po<strong>de</strong>rosos,<br />

respeitam apenas a liberda<strong>de</strong>.<br />

Nunca cometem um crime contra<br />

uma pessoa só, mas contra o Estado.<br />

E nunca dirão que cometem crimes,<br />

mas que fazem resistência política.<br />

Estas pessoas tentavam sobrevi<strong>ver</strong><br />

lutando contra o comunismo, cometendo<br />

crimes contra o sistema. Roubando<br />

bancos, por exemplo, porque<br />

na União Soviética os bancos eram<br />

proprieda<strong>de</strong> do Estado.”<br />

Teatro <strong>Municipal</strong>:<br />

5 <strong>de</strong> Julho, 23:45<br />

Performance<br />

“Into the <strong>de</strong>pths of the even greater <strong>de</strong>pression”<br />

6 <strong>de</strong> Julho, 15:00<br />

Masterclass + Filmes<br />

7 <strong>de</strong> Julho, 22:00<br />

Analog 3D, curtas metragens <strong>de</strong> Ken Jacobs<br />

8 e 10 <strong>de</strong> Julho, 15:00-18:40 / 20:30-01:00<br />

Filme “Star Spangled to Death”<br />

Competições <strong>de</strong> Curtas/ Programas Especiais <strong>de</strong><br />

Filmes/ Concertos/ Exposições/ Festas/ Workshops<br />

e Debates/ Curtinhas (filmes e activida<strong>de</strong>s para<br />

crianças) +info: www.curtas.pt/festival<br />

WWW.NOTYPE.PT ©2010<br />

Hoje:<br />

Festa <strong>de</strong><br />

Apresentação<br />

(filmes e djs!)<br />

Passos Manuel<br />

(Porto)!<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 35


Na<br />

comunida<strong>de</strong><br />

siberiana <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> Lilin<br />

cresceu, as<br />

tatuagens<br />

indicam a<br />

posição no<br />

interior <strong>de</strong><br />

uma<br />

socieda<strong>de</strong><br />

criminal<br />

O sonho americano<br />

36 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Quando nasceu, este mundo quase<br />

tinha <strong>de</strong>saparecido, explica Lilin. Os<br />

velhos já viviam à parte, isolados, e<br />

quase não tinham contacto com o<br />

mundo novo. “Não respeitam os mais<br />

novos, não respeitam as pessoas da<br />

geração do meu pai, por exemplo,<br />

que tentaram obter dinheiro <strong>de</strong> forma<br />

fácil, como um americano.” Essa é a<br />

Rússia <strong>de</strong> hoje: “Todos queremos ser<br />

america<strong>nos</strong>. O sonho americano <strong>de</strong>struiu<br />

tudo. E, no fundo, é uma mentira:<br />

não é possível construir o sonho<br />

americano na Rússia. As pessoas dizem:<br />

finalmente vem o capitalismo.<br />

Mas não é <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>, porque não vivemos<br />

num sistema <strong>de</strong>mocrático, o capitalismo<br />

precisa <strong>de</strong> uma base <strong>de</strong>mocrática<br />

para ser justo. Aqui não há<br />

capitalismo, há um novo feudalismo,<br />

como lhe quiser chamar. É um feudalismo<br />

com novas tecnologias.”<br />

Por isso, apesar do <strong>de</strong>talhe com que<br />

narra as muitas tradições dos Urcas<br />

(a bênção das armas, quem lhes po<strong>de</strong><br />

tocar, on<strong>de</strong> se colocam, como se oferecem,<br />

como se partilham na comunida<strong>de</strong>,<br />

todos esses rituais cheios <strong>de</strong><br />

inúmeras superstições), sente-se já o<br />

<strong>de</strong>salento dos velhos siberia<strong>nos</strong> em<br />

relação ao contraste com a Rússia mo-<br />

<strong>de</strong>rna. Era isso que o autor queria<br />

sublinhar com o livro: “É uma maneira<br />

<strong>de</strong> analisar os tempos <strong>de</strong> agora,<br />

porque o livro é um ponto <strong>de</strong> vista<br />

dos mais velhos.”<br />

Quando caiu o Muro <strong>de</strong> Berlim (Lilin<br />

tinha nove a<strong>nos</strong>), foi a casa do avô.<br />

“Fiquei surpreendido porque ele estava<br />

a <strong>ver</strong> a televisão russa, coisa que<br />

nunca fazia.” Estava triste, o que para<br />

Lilin era estranho: afinal, caía o<br />

comunismo, tudo por que tinha lutado<br />

na vida. “O seu maior inimigo <strong>de</strong>saparecia<br />

agora, por que estava triste?”<br />

Ele respon<strong>de</strong>u: “Sabes, Nicolai,<br />

realmente o<strong>de</strong>io os comunistas. É um<br />

sistema totalitário, mas é um sistema.<br />

As pessoas que vierem agora não têm<br />

sistema, é o caos. Tenho medo que o<br />

caos se instale, porque nesse caso<br />

morremos todos. Não temos mais i<strong>de</strong>ologia,<br />

não temos mais nada. Pessoas<br />

sem honra, sem i<strong>de</strong>ias, pessoas que<br />

só querem fazer dinheiro e ter po<strong>de</strong>r.<br />

Na tua geração, tu e todos os teus amigos,<br />

muitos morrerão, porque ninguém<br />

sobrevive ao caos.”<br />

Com a queda da URSS, estas pessoas<br />

“não conseguiram adaptar-se, e<br />

aplicar as suas i<strong>de</strong>ias ao crime mo<strong>de</strong>rno”.<br />

Não era “apenas” a transição para<br />

a “<strong>de</strong>mocracia”. Também era a guer-<br />

Lilin fez parte<br />

das forças russas<br />

na guerra<br />

na Tchetchénia.<br />

“Uma parte <strong>de</strong> mim<br />

ficou lá, para sempre.<br />

Quando se faz<br />

a guerra, é-se soldado<br />

para sempre”<br />

ra civil. E, até certo ponto, Lilin teve<br />

uma infância <strong>de</strong> guerra — a guerra<br />

civil na Transnistria, entre os moldavos<br />

e o movimento in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntista.<br />

Rapidamente os russos vieram <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />

os seus interesses. Isso significou<br />

“snipers” a matar indiscriminadamente,<br />

não ha<strong>ver</strong> pão nem água. “Os<br />

<strong>nos</strong>sos pais tentaram <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a <strong>nos</strong>sa<br />

terra, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo habituei-me a<br />

procurar armas, munições, comida,<br />

<strong>nos</strong> corpos mortos na rua. Não tinha<br />

medo <strong>de</strong> pessoas mortas, habitueime.<br />

Éramos crianças, e para nós aquilo<br />

era quase um jogo.”<br />

Mas o cessar-fogo não trouxe a paz,<br />

porque quando a guerra terminou,<br />

os problemas continuaram. “Rapidamente<br />

percebi que, no meu país, a<br />

guerra era organizada para criar possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> as forças russas entrarem<br />

e controlarem o país, porque não<br />

queriam per<strong>de</strong>r o controlo do território.<br />

Os <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iros inimigos não<br />

eram os moldavos, mas os russos porque<br />

eles organizaram esta guerra e<br />

vieram controlar a terra.” Os militares,<br />

conta, vinham a casa das pessoas<br />

e matavam-nas se suspeitassem que<br />

estavam a guardar armas. Muitas pessoas<br />

morreram nesse período. Ao fim<br />

<strong>de</strong> seis a<strong>nos</strong>, muitos dos amigos <strong>de</strong><br />

Lilin (muitos estão também neste livro)<br />

estavam mortos. “Éramos uns<br />

40 enquanto crianças, hoje somos<br />

cinco ou seis, vivos.”<br />

Escre<strong>ver</strong> sobre a pele<br />

A tatuagem é mais uma das muitas<br />

tradições da comunida<strong>de</strong>. O corpo <strong>de</strong><br />

um homem lê-se consoante a sua história<br />

que está gravada na pele. “A tatuagem<br />

é uma espécie <strong>de</strong> bilhete <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que serve para comunicar<br />

a própria posição no interior <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> criminal: o género <strong>de</strong> ‘informação’<br />

criminal, vários esclarecimentos<br />

sobre a vida pessoal e sobre<br />

as experiências <strong>de</strong> encarceramento”,<br />

escreve o autor.<br />

Nicolai é hoje tatuador, e, no livro,<br />

narra a sua iniciação à tatuagem, ainda<br />

na adolescência. Conta também<br />

que o seu mestre o ensinou a <strong>de</strong>tectar<br />

tatuagens falsas, copiadas, em polícias<br />

que se queriam infiltrar no seio da comunida<strong>de</strong>.<br />

Por isso, é muito cioso das<br />

suas tatuagens, quando lhe perguntamos<br />

se quer falar sobre elas. “Elas representam<br />

a passagem do tempo, dos<br />

a<strong>nos</strong>, das experiências, são o diário<br />

da vida. No fundo, a tatuagem é a metáfora<br />

para este livro: escre<strong>ver</strong> sobre<br />

a pele como se fosse um texto.”<br />

Até agora, esta história das aventuras<br />

<strong>de</strong> Nicolai Lilin numa comunida<strong>de</strong><br />

crimi<strong>nos</strong>a da Transnistria parece<br />

uma soma <strong>de</strong> episódios romantizados<br />

sobre o crime organizado, mas não é<br />

bem assim. Lilin diz que este não é<br />

um livro sobre o crime — “nunca participei<br />

<strong>nos</strong> crimes, nem pertenci a<br />

uma socieda<strong>de</strong> criminal” — mas a <strong>ver</strong>da<strong>de</strong><br />

é que o crime está lá, contado<br />

pelos seus <strong>olhos</strong>, pago com a pele e<br />

com o corpo na prisão, e com o horror<br />

da experiência narrado a cru,<br />

num dos capítulos.<br />

“A Educação Siberiana” é a primeira<br />

parte <strong>de</strong> uma trilogia: a sua infância,<br />

a guerra, e o exílio, em Itália, on<strong>de</strong><br />

vive hoje. Aos 18 a<strong>nos</strong>, cumpriu o<br />

serviço militar “nas forças russas na<br />

segunda operação anti-terrorista na<br />

Tchetchénia”, explica. Dois a<strong>nos</strong> e<br />

três meses. “Li muito sobre a guerra,<br />

livros, romances, artigos. Mas ninguém<br />

po<strong>de</strong>rá dizer a <strong>ver</strong>da<strong>de</strong> sobre o<br />

que é a guerra passando lá um mês,<br />

protegido pelos militares ou incluído<br />

<strong>nos</strong> seus pelotões. É preciso ter feito<br />

a guerra para explicar às pessoas como<br />

é estar <strong>de</strong>ntro da guerra. Tens <strong>de</strong><br />

ter estado lá, matado pessoas, ser<br />

morto até, vi<strong>ver</strong> o perigo <strong>de</strong> arriscares-te<br />

a ser morto.” O testemunho,<br />

diz, “é a melhor maneira <strong>de</strong> contar o<br />

que realmente aconteceu”.<br />

Já passaram mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z a<strong>nos</strong>, mas<br />

a guerra mudou-o. Agora era o momento<br />

certo para escre<strong>ver</strong>, apesar <strong>de</strong><br />

saber que nunca po<strong>de</strong>rá ser um homem<br />

em paz. “Uma parte <strong>de</strong> mim ficou<br />

lá, para sempre. Quando se faz a<br />

guerra, é-se soldado para sempre.”


Lúcio Pinheiro dos Santos<br />

O estranho caso<br />

do fi lósofo sem obra<br />

Infl uenciou o fi lósofo francês Gaston Bachelard e foi consi<strong>de</strong>rado uma das mentes mais<br />

brilhantes da sua geração. Juízo hoje difícil <strong>de</strong> avaliar porque a obra <strong>de</strong> Pinheiro dos Santos,<br />

inventor da “ritmanálise”, <strong>de</strong>sapareceu sem <strong>de</strong>ixar rasto. Pedro Baptista reconstituiu o<br />

percurso do “fi lósofo fantasma” num livro hoje lançado no Porto. Luís Miguel Queirós<br />

Livros<br />

Retrato do filósofo<br />

enquanto jovem,<br />

por Eduardo Malta<br />

Em 1937, Álvaro Ribeiro sugeria, numa<br />

carta enviada a José Marinho, que<br />

Lúcio Pinheiro dos Santos “<strong>de</strong><strong>ver</strong>ia<br />

talvez ocupar hoje o lugar <strong>de</strong> primeiro<br />

filósofo português”. Um juízo significativo,<br />

se ti<strong>ver</strong>mos em conta que<br />

Ribeiro e Marinho, discípulos <strong>de</strong> Leonardo<br />

Coimbra na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Letras do Porto, começavam já então<br />

a ser vistos como as duas principais<br />

figuras do chamado movimento da<br />

filosofia portuguesa, cuja activida<strong>de</strong><br />

se intensificaria a partir dos a<strong>nos</strong> 40<br />

em torno das tertúlias que ambos<br />

iriam animar em <strong>Lisboa</strong>.<br />

A convicção <strong>de</strong> Álvaro Ribeiro foi<br />

expressa um ano após ter sido publicado,<br />

em França, o livro “Dialectique<br />

<strong>de</strong> la Durée”, <strong>de</strong> Gaston Bachelard,<br />

cujo sexto e último capítulo<br />

constitui uma extensa introdução à<br />

“Ritmanálise”, <strong>de</strong> Lúcio Pinheiro dos<br />

Santos, da qual o filósofo francês assumidamente<br />

se serve para criticar,<br />

como já fizera em “L’Intuition <strong>de</strong><br />

L’Instant” (1932), a noção substancialista<br />

e continuista do tempo em<br />

Henri Bergson.<br />

Do que Bachelard escreveu, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-se<br />

que o que Pinheiro dos Santos<br />

propunha era, na <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>, um<br />

Que a sua obra tenha<br />

<strong>de</strong>saparecido,<br />

não sendo possível<br />

encontrá-la em<br />

qualquer biblioteca,<br />

nem colecção<br />

particular,<br />

é francamente<br />

estranho<br />

novo sistema <strong>de</strong> conhecimento, que<br />

se baseava na centralida<strong>de</strong> do ritmo<br />

e da vibração, e que o autor consi<strong>de</strong>rava<br />

virtualmente aplicável a todos<br />

os saberes, da física à biologia ou da<br />

psicologia à pedagogia.<br />

Se Pinheiro dos Santos tivesse sido<br />

um filósofo grego antigo, provavelmente<br />

teria postulado que o ritmo é<br />

a medida <strong>de</strong> todas as coisas. E a <strong>ver</strong>da<strong>de</strong><br />

é que há pelo me<strong>nos</strong> uma cir-<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 37


cunstância<br />

que aproxima<br />

o pensador<br />

português <strong>de</strong><br />

vários <strong>de</strong>sses<br />

seus longínquos<br />

antecessores<br />

pré-socráticos: o<br />

que hoje conhecemos<br />

da sua<br />

obra resume-me,<br />

com poucas excepções,<br />

a comentários<br />

<strong>de</strong> terceiros.<br />

Que livros manuscritos<br />

há 2500 a<strong>nos</strong> não tenham<br />

chegado até nós, compreen<strong>de</strong>-se. Que<br />

volumes impressos em pleno século<br />

XX, por muito confi<strong>de</strong>ncial que possa<br />

ter sido a respectiva tiragem, tenham<br />

simplesmente <strong>de</strong>saparecido, não sendo<br />

possível encontrá-los em qualquer<br />

biblioteca pública — nem, tanto quanto<br />

se sabe, em colecções particulares<br />

—, já é francamente estranho.<br />

Sabemos que Bachelard compulsou<br />

uma edição em vários tomos <strong>de</strong> “Ritmanálise”,<br />

cujo título consi<strong>de</strong>rou “belo,<br />

lumi<strong>nos</strong>o e sugestivo”. Segundo a<br />

informação bibliográfica fornecida em<br />

“Dialectique da la Durée”, a obra teria<br />

sido publicada no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em<br />

1931, com a chancela da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Psicologia e Filosofia. O facto é que,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Bachelard, não há notícia<br />

<strong>de</strong> que alguém tenha tido nas mãos<br />

um exemplar <strong>de</strong>sta obra.<br />

O filósofo francês elogia ainda um<br />

outro estudo <strong>de</strong> Pinheiro dos Santos,<br />

no qual este questiona as teses <strong>de</strong><br />

Freud sobre Leonardo Da Vinci. Também<br />

este texto <strong>de</strong>sapareceu misteriosamente.<br />

Reconstituir um fantasma<br />

Em “O Filósofo Fantasma”, que a editora<br />

Zéfiro lança esta tar<strong>de</strong> no Porto,<br />

Pedro Baptista faz o balanço do pouco<br />

que sabemos <strong>de</strong> Pinheiro dos Santos,<br />

divulga documentos inéditos e<br />

dispersos, traduz as páginas que Bachelard<br />

<strong>de</strong>dicou ao pensador português<br />

e, sobretudo, investiga o seu<br />

percurso cívico, marcado por uma<br />

activa, persistente, e pouco conhecida,<br />

oposição ao salazarismo.<br />

Romancista, ensaísta, ex-<strong>de</strong>putado<br />

do PS e dirigente do recém-criado<br />

movimento Pró-Partido do Norte,<br />

Baptista doutorou-se em Filosofia<br />

com uma tese sobre Newton <strong>de</strong> Macedo,<br />

tema que o levaria inevitavelmente<br />

a confrontar-se com o enigmático<br />

Pinheiro dos Santos, dada a proximida<strong>de</strong><br />

entre este dois homens, aos<br />

quais Leonardo Coimbra confiaria a<br />

reforma do ensino uni<strong>ver</strong>sitário <strong>de</strong><br />

Filosofia em Portugal.<br />

Um sinal do esquecimento a que<br />

tem sido votado Pinheiro dos Santos<br />

é o facto <strong>de</strong> não figurar, sequer, na já<br />

bastante exaustiva <strong>ver</strong>são em língua<br />

portuguesa da Wikipédia. E quem recorrer<br />

ao Google para saber alguma<br />

coisa sobre ele, pouco encontrará. No<br />

38 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Um artigo sobre Pinheiro dos<br />

Santos na revista “Seara Nova”;<br />

à dir., o filósofo (<strong>de</strong> pé), com<br />

Camilo Pessanha (sentado à<br />

esq.) e Luís Amaro<br />

Quem recorrer<br />

ao Google para saber<br />

alguma coisa<br />

sobre Pinheiro<br />

dos Santos, pouco<br />

encontrará.<br />

No entanto,<br />

se procurar por<br />

“rhythmanalysis”,<br />

em inglês, ou por<br />

“rythmanalyse”,<br />

em francês,<br />

terá milhares<br />

<strong>de</strong> páginas para ler<br />

entanto, se procurar por “rhythmanalysis”,<br />

em inglês, ou por “rythmanalyse”,<br />

em francês, terá milhares<br />

<strong>de</strong> páginas para ler, a maior parte <strong>de</strong>las<br />

relacionadas com o sociólogo e<br />

filósofo marxista Henri Lefebvre, cuja<br />

influente obra póstuma “Eléments <strong>de</strong><br />

Rythmanalyse”, publicada em 1992,<br />

é assumidamente inspirada pelas páginas<br />

que Bachelard <strong>de</strong>dicou à tese<br />

<strong>de</strong> Pinheiro dos Santos.<br />

A Ritmanálise está hoje na moda<br />

em di<strong>ver</strong>sos domínios do saber, muito<br />

ao contrário do seu criador, que<br />

Pedro Baptista se propõe reconstruir<br />

“através dos fósseis da radiação do<br />

seu espectro” — uma provável alusão<br />

aos interesses do próprio Pinheiro<br />

dos Santos, cuja “intuição inteiramente<br />

nova”, já notava Bachelard, se<br />

fundou “sobre os princípios da física<br />

ondulatória”.<br />

Lúcio Pinheiro dos Santos, conta<strong>nos</strong><br />

Baptista, nasceu a 19 <strong>de</strong> Abril<br />

<strong>de</strong> 1889, em Braga, filho <strong>de</strong> um oficial<br />

do exército que, ao que parece,<br />

não nutria especial simpatia pela<br />

causa republicana à qual o filho iria<br />

a<strong>de</strong>rir ainda adolescente. Era, sim,<br />

um apreciador <strong>de</strong> música, o que<br />

po<strong>de</strong>rá ter influenciado a vocação<br />

da irmã <strong>de</strong> Lúcio, Conceição, que<br />

frequentou o Conservatório <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>,<br />

esteve como bolseira na Bélgica<br />

e, regressada a Portugal, “exerceu<br />

activida<strong>de</strong> como pianista”. Conceição<br />

veio a casar-se com o célebre<br />

médico Francisco Pulido Valente,<br />

já então amigo do seu irmão, com<br />

quem participara na greve académica<br />

<strong>de</strong> 1907, que abalara o go<strong>ver</strong>no<br />

<strong>de</strong> João Franco.<br />

O casal teve cinco filhos, entre os<br />

quais se contam o engenheiro Fernando<br />

Pulido Valente, o arquitecto<br />

José Pulido Valente, conhecido pela<br />

persistente luta legal que vem travando<br />

para que um centro comercial do<br />

Porto, construído irregularmente,<br />

seja <strong>de</strong>molido, e Maria Helena Pulido<br />

Valente, mãe do historiador Vasco<br />

Pulido Valente.<br />

Pinheiro dos Santos manteria sempre<br />

uma forte ligação a este seu<br />

cunhado. Nas vésperas da sua morte,<br />

gravemente doente no Brasil, é a ele<br />

que escreve a pedir aconselhamento<br />

médico e a pon<strong>de</strong>rar um regresso a<br />

Portugal, que acabaria por já não se<br />

concretizar.<br />

O encontro<br />

ccom<br />

Bachelard<br />

Mas regressemos ao jovem<br />

v estudante que vive,<br />

em <strong>Lisboa</strong>, os últimos<br />

a<strong>nos</strong> da monarquia.<br />

Uma U fotografia <strong>de</strong> 1908,<br />

que o livro <strong>de</strong> Baptista<br />

reproduz, mostra Pinheiro<br />

dos Santos entre Camilo<br />

Pessanha e Luís Amaro,<br />

o homem que fez chegar<br />

a Fernando Pessoa os poemas<br />

do futuro autor <strong>de</strong><br />

“Clepsidra”.<br />

Enquanto estudava matemática<br />

e física na Escola Politécnica<br />

<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, Pinheiro dos Santos contribuía<br />

para a propaganda republicana,<br />

e terá mesmo estado directamente<br />

envolvido no 5 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1910.<br />

Já sob o novo regime, recebe, em 1912,<br />

uma bolsa para prosseguir os seus<br />

estudos <strong>de</strong> matemática em Mons, na<br />

Bélgica, e na Sorbonne, em Paris. Mas<br />

todas as sextas-feiras está entre os<br />

alu<strong>nos</strong> que assistem, no Collège <strong>de</strong><br />

France, às aulas <strong>de</strong> Bergson, frequentadas,<br />

entre outros, pelos poetas T. S.<br />

Eliot e Antonio Machado, e também<br />

por Bachelard, que <strong>de</strong>certo conheceu<br />

Pinheiro dos Santos nesta altura.<br />

Com o início da I Guerra, regressa<br />

a <strong>Lisboa</strong> e é nomeado professor numa<br />

secção do Liceu Central Passos Manuel,<br />

que em breve se tornaria um<br />

liceu autónomo: o Gil Vicente. Leonardo<br />

Coimbra é o bibliotecário da<br />

escola, a cujo corpo docente se junta,<br />

em 1917, Newton <strong>de</strong> Macedo. Pinheiro<br />

dos Santos dirá mais tar<strong>de</strong> que<br />

Leonardo “foi o primeiro a compreen<strong>de</strong>r,<br />

por volta <strong>de</strong> 1916, a significação<br />

filosófica dos primeiros trabalhos<br />

<strong>de</strong> Ritmanálise”.<br />

Terá sido neste mesmo ano <strong>de</strong> 1916<br />

que se apaixonou por uma mulher<br />

nove a<strong>nos</strong> mais velha, Maria Correia<br />

da Costa, então casada com o portuense<br />

António Serpa Pinto e mãe <strong>de</strong><br />

duas filhas. Lúcio e Maria terão fugido<br />

para o Brasil, à boa maneira dos<br />

romances oitocentistas, em Dezembro<br />

<strong>de</strong> 1917. Mas o casal — que nunca<br />

o terá sido a título formal — regressa<br />

a Portugal em 1919, quando Leonardo<br />

Coimbra chega, pela primeira vez,<br />

a ministro da Instrução e nomeia Pinheiro<br />

dos Santos e Newton <strong>de</strong> Macedo<br />

para a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras <strong>de</strong><br />

Coimbra, atribuindo-lhes a missão<br />

<strong>de</strong> reformar os estudos filosóficos.<br />

Como nenhum <strong>de</strong>les tinha currículo<br />

académico na área, as nomeações<br />

foram violentamente contestadas.<br />

Leonardo acaba por colocar os dois<br />

amigos na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras do<br />

Porto, que acabara <strong>de</strong> criar, mas Pinheiro<br />

dos Santos, agastado com a<br />

transferência, que via como uma<br />

con<strong>de</strong>nável solução <strong>de</strong> compromisso,<br />

nunca terá chegado a exercer o<br />

cargo.<br />

Nesses a<strong>nos</strong>, <strong>de</strong>dicar-se-á activamente<br />

à política, tendo sido por du-<br />

as vezes eleito <strong>de</strong>putado nas listas do<br />

Partido Republicano Português. Em<br />

1923, vai em comissão <strong>de</strong> serviço para<br />

Goa, tendo sendo <strong>de</strong>tido, em Agosto<br />

<strong>de</strong> 1926, por se ter oposto a uma<br />

sublevação militar. Baptista admite<br />

que a dita sublevação possa ter sido<br />

“o 28 <strong>de</strong> Maio a instalar-se <strong>nos</strong> confins<br />

do Império com dois meses <strong>de</strong><br />

atraso”.<br />

O suposto eclipse<br />

Em Dezembro <strong>de</strong> 1916, regressa a<br />

Portugal e assume a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Psicologia<br />

na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras do<br />

Porto, mas logo a 27 <strong>de</strong> Janeiro do<br />

ano seguinte ausenta-se do serviço,<br />

pretextando doença. Dado estar-se<br />

nas vésperas da revolta <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> Fe<strong>ver</strong>eiro,<br />

a primeira gran<strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>rrube da recém-implantada ditadura,<br />

Baptista não exclui que Pinheiro<br />

dos Santos tenha “metido baixa<br />

para fazer a revolução”. O certo, conclui,<br />

é que, <strong>de</strong>rrotada a intentona, o<br />

pensador voltou a partir para o Brasil,<br />

e, <strong>de</strong>sta vez, para nunca mais regressar.<br />

Até à sua morte, em 1950, irá ser<br />

professor do ensino livre. Um dos<br />

méritos do livro <strong>de</strong> Pedro Baptista foi<br />

ter investigado este período, que aparentemente<br />

correspondia a um completo<br />

eclipse do pensador enquanto<br />

figura pública. A <strong>ver</strong>da<strong>de</strong> é que não<br />

foi bem assim.<br />

Os documentos que Baptista <strong>de</strong>scobriu<br />

no Brasil (e que transcreveu<br />

na íntegra, como apêndices ao seu<br />

livro), mostram que Pinheiro dos<br />

Santos prosseguiu os seus estudos <strong>de</strong><br />

Ritmanálise, escreveu e divulgou textos<br />

relevantes, foi entrevistado pelos<br />

jornais, conviveu com os gran<strong>de</strong>s intelectuais<br />

e artistas brasileiros da<br />

época, e manteve-se durante a<strong>nos</strong><br />

como figura central da oposição ao<br />

salazarismo <strong>nos</strong> círculos da emigração<br />

portuguesa. O próprio Franco<br />

Nogueira lhe confere este estatuto na<br />

sua biografia <strong>de</strong> Salazar, acusando-o<br />

<strong>de</strong> se “multiplicar em panfletos antisalazaristas”<br />

e <strong>de</strong> “dirigir apelos as<br />

partidos socialistas e círculos intelectuais<br />

da Grã-Bretanha, Estados Unidos,<br />

União Soviética, América Latina,<br />

França, Nações Unidas”.<br />

Salvo no final da vida, quando estava<br />

a morrer <strong>de</strong> um enfisema e admitiu<br />

regressar a Portugal com a mulher,<br />

Pinheiro dos Santos só terá pon<strong>de</strong>rado<br />

<strong>de</strong>ixar o Brasil no início da II<br />

Guerra. Em 1939, numa carta à irmã,<br />

escreve: “com estes 50 [a<strong>nos</strong>] que já<br />

cá cantam (e cantam ainda), oferecime<br />

ao Ministro da Instrução <strong>de</strong> França,<br />

por intermédio do filósofo francês<br />

Gaston Bachelard (…); e se a guerra<br />

durar muito, é provável que ainda vá<br />

até uma uni<strong>ver</strong>sida<strong>de</strong> francesa”.<br />

Hipótese plausível ou piedosa ilusão,<br />

não se sabe. Em todo o caso,<br />

como lembra Baptista, o projecto dificilmente<br />

se po<strong>de</strong>ria ter concretizado,<br />

já que, em Julho <strong>de</strong> 1940, os alemães<br />

entravam em Paris.


Francis Bacon Novas interpretações<br />

sobre a obra Págs. 42-43<br />

Sleigh Bells Não há nada<br />

que queiramos tanto ouvir Pág. 48<br />

Philip Roth “O Complexo<br />

<strong>de</strong> Portnoy” não é a sua primeira obra-prima,<br />

é o primeiro momento em que ele se apercebe<br />

<strong>de</strong> que a literatura, para ser gran<strong>de</strong>, tem <strong>de</strong><br />

ser terrorista. Pág. 40


Livros<br />

40 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Ficção<br />

Uma mãe<br />

é um país<br />

perigoso<br />

Mais do que um violento<br />

ataque à família judaica, “O<br />

Complexo <strong>de</strong> Portnoy” é um<br />

violento ataque à instituição<br />

familiar. João Bonifácio<br />

O Complexo <strong>de</strong> Portnoy<br />

Philip Roth<br />

Tradução Ana Luísa Faria<br />

Dom Quixote, €16<br />

mmmmn<br />

Nos idos <strong>de</strong> 1969, “O Complexo <strong>de</strong><br />

Portnoy” não foi apenas um caso<br />

literário que valeu ao autor — ao<br />

quarto livro — a sua confirmação<br />

como gran<strong>de</strong><br />

esperança das<br />

letras americanas.<br />

Também<br />

aconteceu tornarse<br />

caso <strong>de</strong><br />

escândalo. A<br />

linguagem gráfica e<br />

o hiper-sexualismo<br />

<strong>de</strong> Alexan<strong>de</strong>r Portnoy, narrador e<br />

protagonista, foram só meia razão<br />

da querela. O violento ataque que<br />

Roth supostamente fazia à cultura<br />

judaica foi a outra meta<strong>de</strong>, e talvez a<br />

mais feroz, tendo em conta que o<br />

próprio autor é ju<strong>de</strong>u e, tal como o<br />

seu protagonista, um filho da classe<br />

média trabalhadora e cumpridora <strong>de</strong><br />

Newark.<br />

Mas o tempo funcionou a favor<br />

<strong>de</strong>ste monólogo em que Alexan<strong>de</strong>r<br />

Portnoy se dirige ao seu psiquiatra, o<br />

doutor Spielvogel, explicando o<br />

porquê <strong>de</strong> precisar <strong>de</strong> ajuda numa<br />

narrativa linear — parte-se da<br />

infância e chega-se à ida<strong>de</strong> adulta<br />

(Portnoy tem 33 a<strong>nos</strong>) —, mas não<br />

isenta <strong>de</strong> episódios <strong>de</strong>rivativos ou do<br />

ocasional salto temporal.<br />

A <strong>de</strong>núncia que “O Complexo <strong>de</strong><br />

Portnoy” fazia da família judaica e<br />

dos seus preconceitos foi <strong>de</strong>masiado<br />

empolada e ninguém pareceu ter em<br />

conta que, em última instância, Roth<br />

não estava apenas a querer provocar<br />

gratuitamente a instituição judaica,<br />

mas a pôr em causa toda e qualquer<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> instituição familiar enquanto<br />

lugar <strong>de</strong> protecção e <strong>de</strong> passagem<br />

i<strong>de</strong>ntitária. Também se fez notar<br />

<strong>de</strong>masiadas vezes o fascínio que<br />

Portnoy tinha pelos católicos; e<br />

<strong>de</strong>masiadas vezes se chamou a<br />

atenção para a inigualável “voz” <strong>de</strong><br />

Portnoy, que oscila entre a<br />

recriminação, a admissão <strong>de</strong> culpa, a<br />

regressão, a agressão e a per<strong>ver</strong>são,<br />

incapaz <strong>de</strong> (se quisermos moralizar)<br />

assumir uma masculinida<strong>de</strong> adulta e<br />

saudável. Mas<br />

expectativas em relação ao final. Na<br />

prática, podia resumir-se numa linha<br />

(“A minha mãe castrou-me”) e tanto<br />

podia ter <strong>de</strong>z como mil páginas. A<br />

violenta cisão na i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Portnoy surge logo ao primeiro<br />

parágrafo, quando Roth, que nunca<br />

foi um mestre <strong>de</strong> subtileza, põe<br />

Portnoy a chamar à mãe “a figura<br />

mais inesquecível que eu já<br />

conheci”. A mãe surge como um ser<br />

hiper-vigilante, ao ponto <strong>de</strong> aos 33<br />

a<strong>nos</strong> ainda tratar o filho por “meu<br />

amante”. Omnipresente, <strong>ver</strong>ifica se<br />

a gola do filho está bem posta, tira-o<br />

da rua quando ele joga beisebol para<br />

não se constipar, alerta-o para os<br />

perigos das raparigas não-judias, e,<br />

aqui e ali, aponta-lhe uma faca<br />

quando ele não quer comer a<br />

refeição, não se coibindo <strong>de</strong> dizer às<br />

amigas ao telefone que o seu azar “é<br />

ser boa <strong>de</strong> mais” para os outros. Já o<br />

pai é um homem apagado, que<br />

chora muito e sofre <strong>de</strong> permanente<br />

obstipação. Este traço <strong>de</strong> carácter é,<br />

no seu freudianismo primário, um<br />

achado <strong>de</strong> humor: metaforicamente,<br />

isto significa que o pai não consegue<br />

atirar a sua merda cá para fora, pelo<br />

que a violência exercida sobre o<br />

filho cabe por exclusivo à mãe, daqui<br />

resultando a neurose narrada.<br />

Esta mãe é um símbolo da<br />

preservação dos valores judaicos:<br />

institui o território, faz figura <strong>de</strong><br />

estado hiper-proteccionista, é capaz<br />

<strong>de</strong> um amor excessivo pelo filho mas<br />

culpa-o <strong>de</strong> cada acto que o possa<br />

afastar do i<strong>de</strong>al. A mãe, por outras<br />

palavras, é Israel.<br />

Portnoy tenta estar à altura,<br />

obrigando-se a ser um bom menino.<br />

Vai cometendo os seus pecadilhos,<br />

coisas graves como andar <strong>de</strong> patins<br />

num lugar povoado <strong>de</strong> filhas <strong>de</strong><br />

“goyim”, as raparigas loiras que a<br />

família sempre tentou afastar do seu<br />

rapaz-prodígio rapaz prodígio e masturbar-se masturbar se para a<br />

carne “kosher” que a mãe prepara.<br />

Quando Portnoy vai, com dois<br />

colegas, a casa casa <strong>de</strong> uma rapariga rapariga<br />

conhecida por dar baldas, a<br />

punheta pu p nheta que ela lhe bate revela-se<br />

infrutífera in i frutífera e ele só consegue virse<br />

com a sua própria mão,<br />

imagem pungente da<br />

resposta re r sposta narcísica<br />

perante pe p rante o<br />

objecto<br />

foram<br />

assinaladas<br />

vezes a me<strong>nos</strong> duas<br />

qualida<strong>de</strong>s maiores do<br />

romance: romance: a sua fuga à convenção<br />

e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uni<strong>ver</strong>salizar<br />

um mundo à partida<br />

exclusivamente judaico.<br />

O romance é pouco<br />

convencional no sentido “O Complexo <strong>de</strong> Portnoy”, <strong>de</strong> Philip Roth,<br />

em que não está<br />

é um livro cheio <strong>de</strong> <strong>de</strong>feitos, mas que<br />

construído <strong>de</strong> forma a<br />

transforma uma boa parte <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>feitos<br />

que o leitor alimente<br />

em qualida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo. O jacto do esperma<br />

atinge-o no olho e ele acredita<br />

piamente que vai ficar cego e foge. A<br />

rapariga, que tinha dito que só<br />

aceitava ir com um dos rapazes, e<br />

que se zangara com Portnoy por ele<br />

ter sujado o quarto <strong>de</strong> esperma<br />

gritando-lhe “ju<strong>de</strong>u”, acaba por ser<br />

papada por um dos amigos. Portnoy<br />

fica chocado: a rapariga tinha feito<br />

um comentário racista e ainda assim<br />

o amigo <strong>de</strong>ixa-se chupar pela<br />

galdéria? E não aparenta ter medo<br />

<strong>de</strong> doenças? Como raio po<strong>de</strong> o<br />

amigo andar <strong>de</strong>scansado quando<br />

teve relações sexuais com uma<br />

mulher impura enquanto ele,<br />

Alexan<strong>de</strong>r Portnoy, está tão<br />

preocupado, tão culpado?<br />

A gran<strong>de</strong> vitória <strong>de</strong> Roth não são<br />

as suas bicadas ao judaísmo, mas a<br />

capacida<strong>de</strong> que tem <strong>de</strong> tornar a<br />

cisão particular (ju<strong>de</strong>u vs. resto-domundo)<br />

num traço uni<strong>ver</strong>sal (o eu<br />

vs. resto-do-mundo). Exemplifiquese<br />

com a frase em que mãe diz que o<br />

seu mal é ser boa <strong>de</strong> mais — todo o<br />

rapaz nascido no mundo oci<strong>de</strong>ntal<br />

ouviu uma frase assim saída da boca<br />

da sua omnipresente mãe. Isto é:<br />

mais que uma luta contra o<br />

judaísmo, o livro torna-se uma luta<br />

pela i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

Ao longo da sua vida Portnoy<br />

interessa-se sobretudo pelas moças<br />

não-judias, numa espécie <strong>de</strong><br />

tentativa <strong>de</strong> quebrar a regra<br />

materna. Entre elas está a Macaca,<br />

uma mulher que ele engata à<br />

entrada <strong>de</strong> um táxi, com quem tem<br />

bom sexo e chega mesmo a sentir<br />

uma empatia que nunca sentira<br />

antes. A Macaca é uma espécie <strong>de</strong><br />

namorada-troféu. Mas a <strong>ver</strong>tigem <strong>de</strong><br />

Portnoy por ela é sabotada pela<br />

mente do ju<strong>de</strong>u. Portnoy não toma a<br />

aceitação da Macaca em participar<br />

num “ménage-à-trois” como um<br />

símbolo <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> entre o casal.<br />

A relação <strong>de</strong> Portnoy com as<br />

mulheres é dúplice: <strong>de</strong>seja-as, mas,<br />

uma vez consumado o <strong>de</strong>sejo,<br />

qualquer movimento <strong>de</strong>las em sua<br />

direcção é tido como uma agressão,<br />

como uma confirmação das ameaças<br />

maternais. Portnoy, simplesmente,<br />

tem <strong>de</strong>masiada mãe para po<strong>de</strong>r<br />

aceitar outra mulher “<strong>de</strong>ntro” <strong>de</strong>le.<br />

Mais que tudo, estamos na<br />

presença <strong>de</strong> um livro cheio <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>feitos (é histérico, farsola, cheio<br />

<strong>de</strong> “clichés” e <strong>de</strong> psicanálise <strong>de</strong><br />

alpaca), mas que não só transforma<br />

uma boa parte <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>feitos em<br />

qualida<strong>de</strong>s como ostenta um terrível<br />

dom para <strong>nos</strong> guiar pelo sofrimento<br />

<strong>de</strong> um indivíduo cindido, fodido<br />

(não há outro termo) pela<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (a mãe, a cultura<br />

judaica). A sua resposta —<br />

masturbação e jogos sexuais — é um<br />

escape ao seu próprio hiperracionalismo,<br />

tão sufocante quanto<br />

a voz da mãe na infância, que, mais<br />

do que o ajudar, o persegue.<br />

Não é a primeira obra-prima <strong>de</strong><br />

Roth, é o primeiro momento em que<br />

ele se apercebe <strong>de</strong> que a literatura,


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

para ser gran<strong>de</strong>, tem <strong>de</strong> ser<br />

terrorista, ir ao fundo das carnes<br />

exangues da <strong>nos</strong>sa cultura.<br />

Roth viria mais tar<strong>de</strong> a escre<strong>ver</strong><br />

“Património”, “Pastoral Americana”<br />

e “O Teatro <strong>de</strong> Sabbath”. Não<br />

precisava <strong>de</strong> ter escrito mais nada.<br />

A natureza<br />

do <strong>de</strong>sejo<br />

Um romance magistral que<br />

narra a estranha e trágica<br />

história do primeiro e<br />

único amor do poeta do<br />

romantismo alemão, Novalis,<br />

o autor <strong>de</strong> “Hi<strong>nos</strong> à Noite”.<br />

José Riço Direitinho<br />

A Flor Azul<br />

Penelope Fitzgerald<br />

Tradução José Miguel Silva<br />

Relógio d’ Água, 15€<br />

mmmmm<br />

Será possível terem<br />

sido escritos bons<br />

romances no século<br />

XX como se não<br />

tivessem existido<br />

“gran<strong>de</strong>s escritores”<br />

durante as décadas<br />

prece<strong>de</strong>ntes? Como<br />

se as influências dos<br />

nomes “incontornáveis” pu<strong>de</strong>ssem<br />

ser <strong>de</strong>spiciendas em alguma da boa<br />

literatura produzida em finais do<br />

século XX? Serão essas obras uma<br />

espécie <strong>de</strong> romances anacrónicos?<br />

Talvez. (Mas isso interessa muito?)<br />

A resposta às duas primeiras<br />

questões parece ser “sim”, e a<br />

inglesa Penelope Fitzgerald (1916-<br />

2000) — quatro vezes finalista do<br />

Booker Prize e uma <strong>de</strong>las vencedora<br />

(com “Offshore”, 1979) — arriscou<br />

escre<strong>ver</strong> um que o prova, e <strong>de</strong> que<br />

maneira. “A Flor Azul” foi publicado<br />

ooriginalmente g a e teeem 1995 995— et e três êsa a<strong>nos</strong> os<br />

<strong>de</strong>pois<br />

distinguido<br />

com o<br />

American<br />

National<br />

Book<br />

Critics<br />

Award<br />

— e bem<br />

po<strong>de</strong>ria ter<br />

sido escrito<br />

no século XIX, mas não vem<br />

nenhum mal ao mundo literário ter<br />

aparecido cem a<strong>nos</strong> <strong>de</strong>pois.<br />

Em “A Flor Azul”, Penelope<br />

Fitzgerald (que escreveu o primeiro<br />

dos seus nove romances aos 60<br />

a<strong>nos</strong>) narra-<strong>nos</strong>, em jeito <strong>de</strong><br />

biografia romanceada, os a<strong>nos</strong> do<br />

começo da ida<strong>de</strong> adulta do barão<br />

Friedrich von Har<strong>de</strong>nberg (1772-<br />

1801), que ficou para a história da<br />

literatura com o pseudónimo<br />

Novalis, um dos mais importantes<br />

poetas do Romantismo Alemão do<br />

século XVIII. O romance abrange os<br />

a<strong>nos</strong> da formação intelectual do<br />

poeta e filósofo Novalis, a sua<br />

passagem pelas uni<strong>ver</strong>sida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Iena, Leipzig e <strong>de</strong> Wittenberg, e os<br />

seus encontros com os pensadores<br />

que o marcaram intelectualmente, J.<br />

Gottlieb Fichte e Friedrich von<br />

Schlegel, isto para além <strong>de</strong> Goethe,<br />

cujo espírito romântico tutela o<br />

romance apesar <strong>de</strong> ter apenas uma<br />

aparição fugidia como personagem.<br />

Mas “A Flor Azul” é sobretudo a<br />

história <strong>de</strong> um amor estranho e<br />

trágico, o <strong>de</strong> Novalis por Sophie von<br />

Kühn (a quem ele chama a “humana<br />

perfeição e graça moral” e por causa<br />

<strong>de</strong> quem escreveu a sua obra mais<br />

famosa, “Hi<strong>nos</strong> à Noite”), que à<br />

época em que ambos se conheceram<br />

tinha apenas 12 a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (e, ao<br />

que parece, uma inteligência<br />

igualmente reduzida), tendo por isso<br />

que esperar que ela festejasse os 14<br />

para que as promessas <strong>de</strong> casamento<br />

fossem oficializadas com o<br />

cumprimento dos tradicionais<br />

rituais pelas respectivas famílias (à<br />

época, Novalis tinha 23 a<strong>nos</strong>).<br />

Fitzgerald conta a história numa<br />

prosa extraordinariamente <strong>de</strong>licada<br />

e elegante, em capítulos curtos, por<br />

vezes cada um <strong>de</strong>les <strong>de</strong>dicado<br />

apenas a uma personagem (ou<br />

melhor, à maneira como ela pensa a<br />

história do seu “ponto <strong>de</strong> vista”) ou<br />

a um acontecimento. Tudo <strong>de</strong>corre<br />

entre dois ou três lugares perdidos<br />

nas terras da aristocracia da Saxónia<br />

do século XVIII, no exacto ambiente<br />

histórico stó co e espírito esp to da<br />

época, tudo<br />

cuidado cuidado pela autora aao<br />

pormenor,<br />

incluindo as subtis ref referências<br />

literárias românticas qque<br />

iluminam a<br />

história do amor <strong>de</strong> Novalis N por<br />

Sophie, como a referência referê profética<br />

feita (como se Fitzgerald Fitzgera fosse uma<br />

sibila) à personagem Mignon, M <strong>de</strong> “Os<br />

A<strong>nos</strong> <strong>de</strong> Aprendizagem<br />

<strong>de</strong> Wilhelm<br />

Meister”, <strong>de</strong> Goethe: “Ela “ é apenas<br />

uma criança, ou melh melhor, um<br />

espírito, ou uma vi<strong>de</strong>n vi<strong>de</strong>nte. Ela morre<br />

porque o mundo nã não é<br />

suficientemente suficientemente ppuro<br />

para a<br />

acolher.”<br />

É sobretudo sobretud na errância<br />

<strong>de</strong> alguns pensamentos<br />

p<br />

quase impenetráveis imp <strong>de</strong><br />

Novalis qque<br />

muitos dos<br />

capítul capítulos se centram,<br />

na espiritualida<strong>de</strong><br />

e<br />

do d poeta-<br />

Penelope Fitzgerald foi quatro vezes fi nalista do filósofo, f na sua<br />

Booker. Ganhou o prémio uma vez, em 1979<br />

eterna<br />

tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir a natureza das<br />

coisas, e na génese da “flor azul” —<br />

que se tornaria num dos símbolos<br />

mais fortes do movimento<br />

romântico, e sobre a qual Novalis<br />

escre<strong>ver</strong>ia o romance (que <strong>de</strong>ixaria<br />

incompleto) “Heinrich<br />

d’Ofterdingen” (o tradutor usa, e<br />

bem, a edição portuguesa do<br />

romance, tradução <strong>de</strong> Luiza Neto<br />

Jorge, “Tertúlia do Livro”): “estou<br />

longe <strong>de</strong> sentir a mínima cupi<strong>de</strong>z;<br />

mas quanto à Flor Azul, essa sim,<br />

anseio por <strong>de</strong>scobri-la! Não me sai<br />

da cabeça, não consigo pensar ou<br />

imaginar outra coisa além <strong>de</strong>la.<br />

Nunca nada me impressionou <strong>de</strong>sta<br />

maneira: (…) tão insólita paixão por<br />

uma flor única.”<br />

A natureza trágica <strong>de</strong>ste amor <strong>de</strong><br />

Novalis parece já anunciada na sua<br />

vida, em variadas situações, mesmo<br />

antes <strong>de</strong> ele conhecer Sophie; é<br />

nessa espécie <strong>de</strong> jogo <strong>de</strong><br />

adivinhação, <strong>de</strong> iluminar o caminho<br />

para um <strong>de</strong>stino igualmente trágico,<br />

que o talento <strong>de</strong> Penelope Fitzgerald<br />

mostra a sua exuberância<br />

transformando uma história que<br />

po<strong>de</strong>ria ser lamechas numa obraprima.<br />

A poesia<br />

da <strong>de</strong>cepção<br />

Um romance que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />

logo na primeira frase que<br />

a infelicida<strong>de</strong> é inevitável.<br />

Pedro Mexia<br />

O Desfile <strong>de</strong> Prima<strong>ver</strong>a<br />

Richard Yates<br />

Tradução Nuno Guerreiro Josué<br />

Quetzal, 14,95€<br />

mmmnn<br />

“Nenhuma das<br />

irmãs Grimes estava<br />

<strong>de</strong>stinada a ser<br />

feliz”, assim começa<br />

“O Desfile <strong>de</strong><br />

Prima<strong>ver</strong>a”, e<br />

quando terminamos<br />

a última página<br />

lembramo-<strong>nos</strong><br />

<strong>de</strong>ssa frase inicial como uma<br />

maldição cumprida. O quarto<br />

romance <strong>de</strong> Richard Yates, cujo<br />

título original é “The Easter Para<strong>de</strong>”,<br />

saiu em 1976, e foi consi<strong>de</strong>rado um<br />

regresso à boa forma, aos tempos <strong>de</strong><br />

“Revolutionary Road” (1961).<br />

Os elogios parecem exagerados,<br />

não apenas porque Yates nunca<br />

igualou a qualida<strong>de</strong> da sua estreia,<br />

mas também porque os seus sete<br />

romances são bastante parecidos<br />

uns com os outros, quase só variam<br />

na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concisão. Aqui,<br />

Yates é sucinto e rápido, e<br />

percorremos as décadas <strong>de</strong> 1940 a<br />

1960 numa sucessão <strong>de</strong> cenas com<br />

várias elipses narrativas.<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

JUN~1O<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

JUN~1O<br />

24, 25 E 26 JUN<br />

QUINTA, SEXTA<br />

E SÁBADO ÀS 22H00<br />

JARDIM DE INVERNO M/12<br />

AUTORIA<br />

NUNO COSTA SANTOS<br />

INTERPRETAÇÃO<br />

DINARTE BRANCO<br />

DIRECÇÃO ARTÍSTICA<br />

NUNO COSTA SANTOS<br />

DINARTE BRANCO<br />

REALIZAÇÃO E<br />

EDIÇÃO DE VÍDEO<br />

PAULO ABREU<br />

SONOPLASTIA<br />

SÉRGIO GREGÓRIO<br />

LUZ<br />

FELICIANO BRANCO<br />

PRODUÇÃO EXECUTIVA<br />

PRODUÇÕES FICTÍCIAS<br />

PRODUÇÃO<br />

TEATRO MICAELENSE<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />

Cláudia Galhós<br />

João Salaviza<br />

António Mega Ferreira<br />

José Sasportes<br />

Luísa Taveira<br />

Fernando Lopes<br />

3O JUN<br />

PINA<br />

BAUSCH<br />

UM ANO DEPOIS<br />

Toda a programação em<br />

www.teatrosaoluiz.pt<br />

© josé fra<strong>de</strong><br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 41<br />

silva!<strong>de</strong>signers


Livros<br />

Richard Yates foi acusado <strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong><br />

com as suas personagens<br />

“O Desfile <strong>de</strong> Prima<strong>ver</strong>a” é a<br />

história das irmãs Grimes, sobretudo<br />

da mais nova, Emily. Enquanto<br />

Sarah, a mais velha, consi<strong>de</strong>ra que o<br />

casamento é “sagrado”, e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />

vi<strong>ver</strong> uma vida convencional, Emily<br />

opta pela autonomia e<br />

in<strong>de</strong>pendência, e mete-se numa<br />

“interminável sucessão” <strong>de</strong> casos<br />

amorosos e empregos precários. As<br />

raparigas, filhas <strong>de</strong> pais divorciados,<br />

cresceram sem eira nem beira,<br />

criadas por uma mãe complexada,<br />

limitada, algo <strong>de</strong>mente. Esther<br />

Grimes é, aliás, uma daquelas figuras<br />

nada simpáticas que levaram a que<br />

Yates fosse acusado <strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong><br />

com as suas personagens. Mas não é<br />

só Esther que é trágica e grotesca, a<br />

empatia com todas estas pessoas é<br />

quase impossível, incluindo com a<br />

protagonista, que <strong>de</strong> resto é<br />

confessadamente uma projecção<br />

autoral: “Emily fucking Grimes is<br />

me”, disse Yates.<br />

O que acontece é que as<br />

personagens, embora procurem a<br />

felicida<strong>de</strong> e a in<strong>de</strong>pendência, vivem<br />

con<strong>de</strong>nadas à miséria moral e ao<br />

vício. A “libertação” progressiva dos<br />

a<strong>nos</strong> do pós-guerra não é aqui vista<br />

com nenhuma simpatia. Não que<br />

Yates seja politicamente<br />

reaccionário; ele acha simplesmente<br />

que nada <strong>de</strong> essencial mudou. Yates<br />

cai num certo <strong>de</strong>terminismo porque<br />

acredita mais no <strong>de</strong>stino do que na<br />

liberda<strong>de</strong>. As irmãs Grimes não<br />

estavam <strong>de</strong>stinadas à felicida<strong>de</strong>, e o<br />

romance explica, ano após ano,<br />

porque é que elas são infelizes.<br />

O livro não começa muito bem, os<br />

capítulos sobre a infância são<br />

triviais, e servem essencialmente<br />

para justificar o futuro das raparigas<br />

como adultas. Só quando a<br />

sexualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sperta é que o<br />

romance acelera, o texto torna-se<br />

mais vibrante, e vem a roda-viva dos<br />

amantes <strong>de</strong> Emily, fracos e fortes,<br />

interessantes e pavões, honestos ou<br />

42 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Ler<br />

Micah P. Hinson, o jovem<br />

trovador do Texas, que<br />

tem novo álbum, “Micah<br />

P. Hinson and The Pioneer<br />

Saboteurs”, vai estrearse<br />

como escritor. “You<br />

can dress me up, but you<br />

can’t take me out” será<br />

publicado este Outono, na<br />

espanhola Alpha Decay.<br />

turvos. E ficamos com a sensação <strong>de</strong><br />

que cada episódio dos amores <strong>de</strong><br />

Emily ilustra apenas o seu <strong>de</strong>stino<br />

inelutável.<br />

Yates escreve bem sobre sexo, <strong>de</strong><br />

um modo factual, imediato, sem<br />

poesia nem obscenida<strong>de</strong>, mas até<br />

em registo sexual ele se mostra<br />

interessado na crónica dos<br />

<strong>de</strong>sastres, da infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à<br />

impotência.<br />

Existe neste romance uma<br />

propensão para o melodrama, da<br />

loucura <strong>de</strong> Esther ao alcoolismo <strong>de</strong><br />

Sarah, passando pela violência<br />

doméstica e o adultério. Mas o<br />

gran<strong>de</strong> talento <strong>de</strong> Yates não resi<strong>de</strong><br />

nessas peripécias, está antes no<br />

modo como regista pormenores e<br />

muda <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>. Trata-se, sem<br />

dúvida, <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> observador,<br />

especialmente atento aos sinais <strong>de</strong><br />

humilhação social e <strong>de</strong> pretensão<br />

intelectual, capaz <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsar em<br />

poucas linhas o <strong>de</strong>sgosto do<br />

envelhecimento ou do<br />

aborrecimento, <strong>de</strong> evocar um<br />

silêncio em que apenas se ouvem os<br />

semáforos, ou a algazarra <strong>de</strong> um<br />

funeral. Uma e outra vez, Yates<br />

regressa às <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sagradáveis,<br />

a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> não re<strong>ver</strong>mos a família,<br />

os ressentimentos escondidos, os<br />

egoísmos, a horrenda solidão dos<br />

promíscuos. E não faltam aqueles<br />

apartes que caracterizam Yates<br />

como um progressista antiquado,<br />

que <strong>de</strong>testava os conservadores mas<br />

também não suportava a cultura<br />

tumultuosa dos “sixties”. Essa lenta<br />

acumulação <strong>de</strong> episódios<br />

minuciosos é <strong>de</strong>pois contrariada, em<br />

termos <strong>de</strong> estrutura narrativa, por<br />

saltos temporais bem calibrados,<br />

tecnicamente impecáveis, e<br />

geralmente muito melancólicos.<br />

Depois da publicação consecutiva<br />

<strong>de</strong> “Revolutionary Road”, “Jovens<br />

Corações em Lágrimas” (1984) e<br />

“Perto da Felicida<strong>de</strong>” (1986), os<br />

leitores portugueses já conhecem<br />

Isabel<br />

Coutinho<br />

Ciberescritas<br />

Buala signifi ca “casa, al<strong>de</strong>ia, a comunida<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> se dá o encontro”. Não podia ha<strong>ver</strong> nome<br />

mais bonito para um portal que “celebra a<br />

língua portuguesa, na di<strong>ver</strong>sida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Portugal,<br />

Brasil e Áfricas”.<br />

O Buala tem pouco mais <strong>de</strong> um mês <strong>de</strong> existência<br />

e começou muito bem, com uma pré-publicação <strong>de</strong><br />

“Milagrário Pessoal”, do escritor angolano José Eduardo<br />

Agualusa, com ilustrações <strong>de</strong> Tiago Lança.<br />

O romance, que será publicado pela Dom Quixote, é<br />

uma “apologia das varandas, dos quintais e da língua<br />

portuguesa”. Escreve Agualusa: “(...) Os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes<br />

dos angolenses, hão-<strong>de</strong> um dia falar um português<br />

próspero, redondo e musical, e quem os ouvir talvez<br />

consiga escutar no eco <strong>de</strong> certas palavras o largo rumor<br />

do Quanza passeando-se em direcção ao mar, o colorido<br />

piar <strong>de</strong> suas muitas aves, o zunir dos insectos, o cair<br />

das chuvas, o ribombar dos trovões, o silvo do vento<br />

soprando húmido por entre o capinzal”.<br />

O portal pertence à Associação Cultural Buala, é<br />

editado por Marta Lança, e tem concepção <strong>de</strong>la e <strong>de</strong><br />

Marta Mestre. Quer ser interdisciplinar e inclui artigos<br />

<strong>de</strong> refl exão, crítica e documentação das culturas<br />

africanas contemporâneas em língua portuguesa, com<br />

traduções em francês e inglês. “A geografi a do projecto<br />

respon<strong>de</strong> ao <strong>de</strong>senho da proveniência das contribuições,<br />

certamente mais nómada que estanque”, explicam. “No<br />

fundo, <strong>de</strong>sejamos criar novos olhares, <strong>de</strong>spretensiosos e<br />

<strong>de</strong>scolonizados, a partir <strong>de</strong> vários pontos <strong>de</strong> enunciação<br />

da África contemporânea.”<br />

“Vou lá visitar”, “Cara a Cara”, “Afroscreen”, “A Ler”,<br />

“Mukanda”, “Galeria” são os nomes das secções do<br />

portal on<strong>de</strong> está também alojado o blogue Dá Fala (on<strong>de</strong><br />

o que se escreve fi cará na<br />

Buala: não podia ha<strong>ver</strong><br />

nome mais bonito para<br />

um portal que “celebra<br />

a língua portuguesa”<br />

Portal <strong>de</strong> cultura<br />

contemporânea<br />

africana<br />

http://www.<br />

buala.org/<br />

Dá Fala, blogue<br />

<strong>de</strong> cultura<br />

http://www.<br />

buala.org/pt/<br />

da-fala<br />

Sararau<br />

http://www.sararau.com.br/<br />

Em entrevista sta ao<br />

“El País”, Hinson inson<br />

explica que<br />

a novela,<br />

escrita<br />

antes da sua a<br />

estreia como o<br />

músico,<br />

estava na<br />

gaveta há<br />

Dá que falar<br />

língua em que foi escrito). A<br />

professora <strong>de</strong> literatura na<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, Cláudia Fabiana, que<br />

mantém o blogue Sararau,<br />

com o objectivo <strong>de</strong> promo<strong>ver</strong><br />

<strong>de</strong>bates sobre as literaturas<br />

em língua portuguesa,<br />

é especialista em literaturas africanas e entrevistou<br />

Pepetela a propósito do romance “O Quase Fim do<br />

Mundo”. “Um amigo leu antes <strong>de</strong> ser publicado e disse<br />

que o livro era muito erótico. Mas tem que ser, ora, está<br />

a tratar da vida”, diz-lhe o escritor angolano.<br />

Também em Buala está um artigo sobre Germano<br />

<strong>de</strong> Almeida escrito por Ana Cor<strong>de</strong>iro, que dirige o<br />

Centro Cultural <strong>de</strong> Cabo Ver<strong>de</strong>. Conta-se que Germano<br />

Almeida começou a escre<strong>ver</strong> aos 16 a<strong>nos</strong> “como forma<br />

<strong>de</strong> exorcizar os seus medos”. Tudo aconteceu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

um dramático naufrágio <strong>nos</strong> mares da Boa Vista e <strong>de</strong> o<br />

escritor ter começado a ser perseguido pelos <strong>de</strong>funtos<br />

que lhe assombravam as noites. “Passava o tempo<br />

a imaginá-los morrendo no mar e um dia comecei a<br />

escre<strong>ver</strong> o que via. Escrevi uma longa estórea. Durante<br />

esse tempo convivi com eles, tu cá tu lá, acompanhandoos<br />

no alto mar lutando com a angústia da morte. Vingueime<br />

transferindo para eles o medo que vinha sentindo e<br />

terei mesmo tido a malda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar que um ou outro<br />

fosse comido por tubarões no meio <strong>de</strong> gritos <strong>de</strong> cortar<br />

o coração. O certo é que no fi m estava completamente<br />

liberto.”<br />

isabel.coutinho@publico.pt<br />

nove a<strong>nos</strong>.<br />

“Antes “Ante <strong>de</strong><br />

assinar assin com<br />

uma um u a editora<br />

discográfi disco ca,<br />

o que qu eu<br />

queria qu q e era ser<br />

escritor”, esc<br />

diz.<br />

Ciberescritas também é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />

ciberescritas<br />

Richard Yates, poeta da <strong>de</strong>cepção. E<br />

ninguém estranha que na última<br />

página <strong>de</strong>ste romance, a<br />

protagonista, chegada a meio da<br />

vida, confesse: “nunca compreendi<br />

nada”.<br />

Ensaio<br />

Francis<br />

Bacon e a<br />

revisão da<br />

matéria<br />

Novas interpretações da<br />

obra do pintor irlandês,<br />

com a teoria <strong>de</strong> Deleuze e a<br />

importância da fotografia<br />

omnipresentes. Bruno<br />

Horta<br />

Francis Bacon:<br />

A Terrible<br />

Beauty<br />

org. Barbara<br />

Dawson e Martin<br />

Harrison<br />

Steidl, 2009<br />

mmmnn<br />

Francis Bacon:<br />

New Studies<br />

org. Martin<br />

Harrison<br />

Steidl, 2010<br />

mmmmn<br />

Coube ao filósofo francês Gilles<br />

Deleuze estabelecer o cânone para ra<br />

interpretar a obra <strong>de</strong> Francis Bacon on<br />

(1909-1992), através do livro “Francis ncis<br />

Bacon: Logique <strong>de</strong> la Sensation”<br />

(1981). Bacon pinta mais o grito do o<br />

que o horror que origina o grito,<br />

dizia Deleuze. Há realismo na sua a<br />

pintura, mas o que fica é uma<br />

“sensação” <strong>de</strong> violência, não a<br />

“representação” directa da<br />

violência.<br />

A tese permanece tão válida<br />

quanto omnipresente em “Francis is<br />

Bacon: A Terrible Beauty” e “Francis ncis<br />

Bacon: New Studies”, publicados, s,<br />

respectivamente, em Outubro <strong>de</strong><br />

2009 e Março <strong>de</strong>ste ano.<br />

O primeiro é o catálogo <strong>de</strong> uma a<br />

exposição homónima,<br />

apresentada no ano passado em<br />

Dublin, na Galeria Hugh Lane<br />

(<strong>de</strong>positária do espólio do<br />

estúdio <strong>de</strong> Bacon <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1998).<br />

O segundo assinala o<br />

centenário do nascimento do<br />

pintor irlandês. Trata-se, em<br />

ambos os casos, <strong>de</strong> ensaios<br />

escritos em inglês por críticos<br />

<strong>de</strong> arte, curadores, psicanalistas,<br />

investigadores, historiadores.


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Cada qual<br />

lê Bacon à sua<br />

medida, mas com a bitola <strong>de</strong><br />

Deleuze bem presente, mesmo se o<br />

objectivo é questioná-la. Trazem,<br />

para além disso, algumas novida<strong>de</strong>s<br />

interpretativas e recordam a<br />

importância que a fotografia<br />

assumiu em Bacon.<br />

No primeiro volume, Marcel Finke<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que as leituras comuns <strong>de</strong><br />

Bacon “sobrevalorizam o tema da<br />

violência e da <strong>de</strong>struição, <strong>de</strong>sviando<br />

a <strong>nos</strong>sa atenção <strong>de</strong> aspectos<br />

importantes como o diálogo entre a<br />

fotografia e o corpo humano<br />

representado”. O ensaio <strong>de</strong> Finke,<br />

“Bacon’s Material Practice and the<br />

Human Body”, não rejeita que a<br />

mutilação ou a brutalida<strong>de</strong> façam<br />

parte <strong>de</strong>sta iconografia, mas propõe<br />

uma explicação prosaica. Bacon<br />

pintava a partir <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los, fosse o<br />

namorado George Dyer, fosse a<br />

amiga Henrietta Moraes, entre<br />

outros. Só que a presença <strong>de</strong>les no<br />

atelier inibia-o. Preferia olhar para<br />

fotografias dos mo<strong>de</strong>los, ainda que<br />

recusasse a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “pintura<br />

ilustrativa”. Essas fotografias faziam<br />

parte do caos e da argamassa <strong>de</strong> lixo<br />

do atelier <strong>de</strong> Bacon, pelo que, muito<br />

provavelmente, conclui Finke, as<br />

<strong>de</strong>formida<strong>de</strong>s que vemos no<br />

trabalho final jjá<br />

lá<br />

estavam — nas fotos.<br />

Outra novida<strong>de</strong><br />

está no texto<br />

“Francis “Francis Bacon<br />

and Peter<br />

Beard: The<br />

Dead Elephant<br />

Interviews and<br />

Other Stories”,<br />

<strong>de</strong> Rebecca<br />

Daniels. A<br />

Francis Bacon<br />

relação r<br />

artística entre Bacon e o<br />

fotógrafo americano Peter Beard,<br />

a partir dos a<strong>nos</strong> 60, é pública,<br />

mas, <strong>de</strong> acordo com a ensaísta,<br />

“tem sido negligenciada”,<br />

provavelmente porque todas as<br />

pinturas feitas a partir <strong>de</strong> Beard<br />

pertencem a colecções privadas e<br />

raramente são expostas. “O papel <strong>de</strong><br />

Beard na obra <strong>de</strong> Bacon é<br />

substancial enquanto sujeito,<br />

fotógrafo, amigo, musa e fonte <strong>de</strong><br />

inspiração.”<br />

Outros textos, me<strong>nos</strong> profundos,<br />

talvez, exploram a importância em<br />

Bacon <strong>de</strong> fotógrafos como John<br />

Deakin, Julia Margaret Cameron e<br />

Nadar.<br />

No segundo livro, novamente a<br />

fotografia: Richard Calvocoressi<br />

escreve “Bacon and Lerski: A<br />

Possible Dialogue”. Apesar <strong>de</strong> Bacon<br />

e o alemão Helmar Lerski nunca se<br />

terem conhecido, há entre eles uma<br />

dialéctica. “Nos trípticos mais<br />

peque<strong>nos</strong>, Bacon parece ter<br />

absorvido, <strong>de</strong> forma consciente ou<br />

não, os aspectos essenciais do<br />

trabalho <strong>de</strong> Lerski: múltiplas<br />

perspectivas do rosto, que evocam a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como contingência e<br />

hesitação; gran<strong>de</strong>s pla<strong>nos</strong> da cabeça;<br />

e fundos brancos ou negros, que dão<br />

maior relevo ao sujeito.”<br />

O ensaio mais fascinante <strong>de</strong>ixa a<br />

fotografia <strong>de</strong> parte e mergulha na<br />

psique: “Francis Bacon, Trash and<br />

Complicity”, <strong>de</strong> Brenda Marshall, é<br />

uma leitura psicanalítica, <strong>de</strong> filiação<br />

“lacaniana”, da obra <strong>de</strong> Bacon. Uma<br />

rarida<strong>de</strong>, ao que é dito. O texto<br />

resulta da tese <strong>de</strong> doutoramento <strong>de</strong><br />

Marshall, apresentada em 1990 e<br />

inédita até agora. Em resumo: a<br />

pintura p do irlandês está obcecada<br />

com a per<strong>ver</strong>são (sexual). “As<br />

imagens imag <strong>de</strong> Bacon <strong>de</strong>smancham as<br />

<strong>nos</strong>sas <strong>nos</strong>s certezas, a <strong>nos</strong>sa<br />

sensibilida<strong>de</strong> sens cultural e as <strong>nos</strong>sas<br />

<strong>de</strong>fesas, <strong>de</strong>fe pertencem a uma dimensão<br />

que ignoramos e à qual não damos<br />

espaço: espa o repugnante, o imundo, o<br />

sujo, sujo o <strong>de</strong>slocado, o fétido.”<br />

Esse E lado <strong>de</strong> Bacon é o teste<br />

consciente con mas reprimido que faz a<br />

si mmesmo,<br />

o <strong>de</strong>safio permanente ao<br />

“pai” “pai e à “or<strong>de</strong>m”. É, em<br />

simultâneo, simu o medo da castração<br />

prolongado prol até à ida<strong>de</strong> adulta, ora<br />

ansieda<strong>de</strong>, an ora culpa. A per<strong>ver</strong>são,<br />

portanto, po do ponto <strong>de</strong> vista<br />

clínico. clín<br />

O atelier pestilento em Londres<br />

no qual trabalhava é a prova disso,<br />

escreve es Marshall. É o espaço físico<br />

da d recusa, da operacionalização<br />

do d Édipo. Tal como o é a<br />

representação constante das<br />

fendas do corpo: os <strong>olhos</strong>, a<br />

boca, o ânus, a uretra, o nariz,<br />

a vagina — lugares da excreção<br />

e do <strong>de</strong>sejo.<br />

A única lacuna evi<strong>de</strong>nte <strong>nos</strong><br />

dois livros é a inexistência <strong>de</strong><br />

referências ou notas<br />

biográficas dos autores. Faz<br />

falta a quem lê e prejudica a<br />

autorida<strong>de</strong> a dos textos.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 43


Exposições<br />

44 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Continua<br />

Ser ou não<br />

ser, e outras<br />

questões<br />

Palavras e objectos são<br />

<strong>de</strong>sviados da sua condição<br />

natural <strong>de</strong> forma a<br />

assumirem a ilusão. Óscar<br />

Faria<br />

Palavras Essenciais<br />

De Luís Paulo Costa<br />

<strong>Lisboa</strong>. Appleton Square. R. Acácio Paiva,27 r/c. Tel:<br />

210993660. Até 03/07. 3ª a sáb., das 14h às 19h.<br />

Pintura.<br />

mmmmn<br />

“Ser ou não ser, eis a questão.” A<br />

frase é dita por Hamlet, príncipe da<br />

Dinamarca, no terceiro acto, cena I,<br />

no início do mais famoso solilóquio<br />

da peça escrita por Shakespeare por<br />

volta <strong>de</strong> 1600. Mais <strong>de</strong> três séculos<br />

<strong>de</strong>pois, Mário Cesariny dava a lume o<br />

livro “Pena Capital” (1957), on<strong>de</strong> se<br />

encontra o poema “You are Welcome<br />

to Elsinore”, correspon<strong>de</strong>ndo este<br />

topónimo ao lugar on<strong>de</strong> se<br />

encontrava o castelo habitado por<br />

Hamlet: “Ao longo da muralha que<br />

habitamos/ Há palavras <strong>de</strong> vida há<br />

palavras <strong>de</strong> morte / Há palavras<br />

imensas, que esperam por nós/ E<br />

outras frágeis, que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong><br />

esperar/ Há palavras acesas como<br />

barcos/ E há palavras homens,<br />

palavras que guardam/ O seu segredo<br />

e a sua posição”.<br />

Uma outra história tem como<br />

origem Pandora, ou Anesidora, a<br />

primeira mulher, criada por Hefaísto<br />

segundo as orientações <strong>de</strong> Zeus, que<br />

assim quis punir os homens pelo<br />

facto <strong>de</strong> Prometeu lhes ter entregado<br />

o fogo roubado aos <strong>de</strong>uses. Hefaísto<br />

<strong>de</strong>u-lhe a palavra; Atena ensinou-lhe<br />

as tarefas manuais; Afrodite tornou-a<br />

<strong>de</strong>sejável; e Hermes ofereceu-lhe o<br />

impudor e a duplicida<strong>de</strong> — daí o<br />

nome <strong>de</strong> Pandora, “a que possui<br />

todos os dons”. Epimeteu, apesar<br />

dos conselhos contrários <strong>de</strong><br />

Prometeu, tomou-a como esposa;<br />

esta acabará por abrir um jarro —<br />

“’pithos’, em grego” — que continha<br />

todos os males do mundo, tendo<br />

apenas conseguido manter a<br />

esperança no seu interior. Como<br />

escreve Homero na “Ilíada”, numa<br />

<strong>ver</strong>são que antece<strong>de</strong> este mito: “Pois<br />

dois são os jarros que foram <strong>de</strong>postos<br />

no chão <strong>de</strong> Zeus,/ jarros <strong>de</strong> dons: <strong>de</strong><br />

um <strong>de</strong>les, ele dá os males; do outro,<br />

as bênçãos.”<br />

“Palavras Essenciais”, <strong>de</strong> Luís<br />

Paulo Costa (Abrantes, 1968) é uma<br />

exposição que po<strong>de</strong> ser situada entre<br />

a questão do ser ou não ser, sendo<br />

esta agora <strong>de</strong>slocada para o domínio<br />

Nadir Afonso no<br />

Museu do Chiado<br />

dos objectos, e a da linguagem<br />

enquanto manifestação dos males e<br />

dos bens <strong>de</strong>ste mundo. A instalação<br />

situada no piso térreo da Appleton<br />

Square, homónima do título da<br />

mostra, revela uma profusão <strong>de</strong><br />

palavras, escritas em inglês, inscritas<br />

em folhas A4, que materializam a<br />

impotência <strong>de</strong> encontrar <strong>de</strong>fesas<br />

para esse vírus com o qual William<br />

Burroughs <strong>de</strong>finia a linguagem, num<br />

curioso prolongamento do mito <strong>de</strong><br />

Pandora. Porém, aqui, como na cave<br />

da galeria, o problema central<br />

colocado pelo artista relaciona-se<br />

com a pintura, com essa segunda<br />

pele que é colada aos objectos.<br />

A instalação é composta por mais<br />

<strong>de</strong> mil folhas, a maioria das quais<br />

com uma palavra, que explo<strong>de</strong> em<br />

significados quando confrontada<br />

quer com os vocábulos vizinhos,<br />

quer com as folhas monocromáticas,<br />

pintadas a <strong>ver</strong><strong>de</strong> “chroma”, que<br />

constituem intervalos, instantes <strong>nos</strong><br />

quais o espectador po<strong>de</strong> projectar os<br />

seus próprios termos. O jogo gráfico<br />

entre as palavras e, chamemos-lhes<br />

assim, os espaços para a imaginação,<br />

<strong>de</strong>termina a dinâmica <strong>de</strong> um<br />

trabalho que ainda inclui uma série<br />

<strong>de</strong> objectos usados na construção da<br />

peça, entre eles uma série <strong>de</strong> caixas<br />

<strong>de</strong> cartão, <strong>nos</strong> quais é ainda possível<br />

entre<strong>ver</strong> alguns vocábulos por usar<br />

— é uma obra em aberto, esta, na<br />

qual o processo <strong>de</strong> feitura também<br />

assume uma particular relevância: as<br />

palavras escolhidas pelo artista são<br />

impressas sobre papel, que <strong>de</strong>pois é<br />

pintado <strong>de</strong> branco, sendo<br />

posteriormente os vocábulos<br />

novamente inscritos manualmente a<br />

Collier Schorr no<br />

Museu Berardo<br />

preto, readquirindo <strong>de</strong>ssa forma o<br />

seu tom original.<br />

A técnica do “trompe-l’œil”<br />

associa-se a questões relacionadas<br />

quer com a perspectiva, quer com os<br />

princípios do “ready-ma<strong>de</strong>”, tal<br />

como formulados por Marcel<br />

Duchamp no início do século<br />

passado, para dar corpo a esta<br />

exposição. A dúvida é recorrente: um<br />

objecto po<strong>de</strong> ser ou não ser arte.<br />

Po<strong>de</strong> ser pintura, po<strong>de</strong> ser escultura,<br />

po<strong>de</strong> ser ainda uma instalação. Po<strong>de</strong><br />

ser um engano: a forma como alguns<br />

trabalhos são integrados no espaço<br />

expositivo faz com a dúvida persista,<br />

tornando necessário o recurso à<br />

planta da galeria <strong>de</strong> forma a <strong>de</strong>cifrar<br />

o visível, aquilo que é e aquilo que<br />

não é intervenção do artista. Agindo<br />

segundo o princípio do mimetismo,<br />

as pinturas sublinham, reforçam, as<br />

proprieda<strong>de</strong>s formais não só <strong>de</strong> cada<br />

coisa apropriada, mas também as<br />

suas qualida<strong>de</strong>s narrativas: são<br />

“<strong>ver</strong>da<strong>de</strong>s e mentiras”, título <strong>de</strong> uma<br />

peça formada por 12 ca<strong>de</strong>iras<br />

distribuídas em círculo e outros<br />

objectos — papéis, elásticos, etc. —,<br />

todos pintados por cima, <strong>de</strong> forma a<br />

reforçar a ilusão <strong>de</strong> um<br />

acontecimento passado ou por vir.<br />

É um mundo a <strong>de</strong>vir pintura que<br />

<strong>nos</strong> oferece Luís Paulo Costa.<br />

Palavras e objectos <strong>de</strong>sviados da sua<br />

condição natural <strong>de</strong> forma a<br />

assumirem o artifício, a ilusão, <strong>de</strong><br />

uma arte sempre à procura <strong>de</strong> um<br />

ponto <strong>de</strong> vista a partir do qual se<br />

possam <strong>de</strong>sdobrar os sentidos.<br />

“Entre nós e as palavras, os<br />

emparedados/ E entre nós e as<br />

palavras, o <strong>nos</strong>so <strong>de</strong><strong>ver</strong> falar.”<br />

A exposição <strong>de</strong> Luís Paulo Costa recorre ao “trompe l’oeil”:<br />

um objecto po<strong>de</strong> ser ou não ser arte<br />

Tudo o Que É Sólido<br />

Dissolve-se no Ar<br />

Agenda<br />

Continuam<br />

POVOpeople<br />

POVOpeople<br />

De Almada Negreiros, Paula Rego,<br />

Fernando Lemos, Vieira da Silva,<br />

Rafael Bordalo Pinheiro, Nikias<br />

Skapinakis, Júlio Pomar, Ama<strong>de</strong>o<br />

Souza-Cardozo, José Malhoa, Paulo<br />

Catrica, Nuno Cera, Joana<br />

Vasconcelos, Noé Sendas, Eduardo<br />

Nery, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu da Electricida<strong>de</strong>. Av. Brasília - Ed.<br />

Central Tejo. Tel.: 210028120. Até 19/09. Sáb. das<br />

10h às 20h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 18h.<br />

Documental, Pintura, Fotografia,<br />

Ví<strong>de</strong>o, outros.<br />

Ver texto págs. 28-30<br />

Sem Limites - Nadir Afonso<br />

De Nadir Afonso.<br />

<strong>Lisboa</strong>. MNAC - Museu do Chiado. Rua Serpa<br />

Pinto, 4. Tel.: 213432148. Até 03/10. 3ª a Dom. das<br />

10h às 18h.<br />

Pintura.<br />

Tudo O Que é Sólido Dissolve-<br />

Se no Ar: O Social na Colecção<br />

Berardo<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Praça do<br />

Império - Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel:<br />

213612878. Até 12/09. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª<br />

e Dom. das 10h às 19h.<br />

Pintura, outros.<br />

Mais Que a Vida<br />

De Vasco Araújo, Javier Téllez.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até<br />

06/09. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Ví<strong>de</strong>o, Fotografia, Instalação,<br />

Outros.<br />

German Faces - Collier Schorr<br />

Photoespaña 2010<br />

De Collier Schorr.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Praça do<br />

Império - Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel.:<br />

213612878. Até 15/08. Sáb. das 10h às 22h (última<br />

entrada às 21h30). 2ª a 6ª e Dom. das 10h00 às<br />

19h00 (última entrada às 18h30).<br />

Fotografia.<br />

Para o Cego no Quarto Escuro à<br />

Procura do Gato Preto Que Não<br />

Está Lá<br />

De Dave Hullfish Bailey, Marcel<br />

Broodthaers, Sarah Crowner,<br />

Mariana Castillo Deball, Eric<br />

Duyckaerts, Ayºe Erkmen, Hans-<br />

Peter Feldmann, Peter Fischli, David<br />

Weiss, Rachel Harrison, Giorgio<br />

Morandi, Matt Mullican, Bruno<br />

Munari, Nashashibi/Skaer, Falke<br />

Pisano, Jimmy Raskin, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. Tel.: 217905155. Até 29/08. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª<br />

das 11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb.,<br />

Dom. e Feriados das 14h às 20h (última admissão<br />

às 19h30).<br />

Fotografia, Outros.<br />

Fotografi a Sem Fotógrafo<br />

De Ed Ruscha, Hans-Peter<br />

Feldmann, Christian Boltanski, Sol<br />

LeWitt, Allan Kaprow, entre outros.<br />

Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. Rua Dom João <strong>de</strong><br />

Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 31/08. 2ª a Sáb.<br />

das 10h às 18h.<br />

Fotografia, Outros.


Concertos<br />

As actuações ao<br />

vivo da Orchestre<br />

Poly-Rythmo <strong>de</strong><br />

Cotonou perduram<br />

na memória colectiva<br />

com um carácter<br />

mítico<br />

46 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Pop<br />

<strong>Vamos</strong> lá<br />

apren<strong>de</strong>r<br />

a dançar<br />

Concerto histórico pela<br />

mítica Orchestre Poly-<br />

Rythmo, do Benim. Não há<br />

coisa com mais graça que<br />

ter uns velhotes a pôr<strong>nos</strong><br />

a mexer à séria. João<br />

Bonifácio<br />

Orchestre Poly-Rythmo <strong>de</strong><br />

Cotonou<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação Calouste Gulbenkian - Anfiteatro<br />

ao ar livre. Av. <strong>de</strong> Berna, 45-A. Dom., 27, às 19h. Tel:<br />

217823700. 10€.<br />

Programa Gulbenkian Próximo<br />

Futuro.<br />

Esperemos que os <strong>de</strong>uses estejam do<br />

<strong>nos</strong>so lado. Se assim acontecer há<br />

uma boa hipótese <strong>de</strong> quem se <strong>de</strong>r ao<br />

trabalho <strong>de</strong> ir à Gulbenkian levar<br />

com peças <strong>de</strong> joalharia como “Gbeti<br />

Mdajro”, em que guitarras<br />

“highlife”, rendilhadas, trepidantes,<br />

encontram o que são<br />

<strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iramente “breakbeats” antes<br />

<strong>de</strong> existirem “breakbeats”. Isto é:<br />

uma bomba <strong>de</strong> ritmo frenético.<br />

Nome importante da música<br />

africana dos a<strong>nos</strong> 60 e 70, a<br />

Orchestre Poly-Rythmo editou, a<br />

partir da sua base no Benim,<br />

qualquer coisa como meia centena<br />

<strong>de</strong> “singles” e uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

álbuns, enquanto acumulava<br />

actuações ao vivo que perduram<br />

hoje na memória colectiva com um<br />

carácter mítico — basicamente, eram<br />

os reis da pista, que faziam a cena<br />

rolar, o suor exsudar, a tensão<br />

entesoar.<br />

As coisas manti<strong>ver</strong>am-se neste pé<br />

até que a SoundWay, magnífica<br />

editora <strong>de</strong>dicada à recolha das<br />

melhores jóias da música africana,<br />

editou “The Kings of Benim –—<br />

Urban Groove 1972-80”, objecto que<br />

<strong>de</strong>via ser obrigatório em todas as<br />

casas <strong>de</strong> bem. É certo que estão mais<br />

velhos, mas isto é como andar <strong>de</strong><br />

bicicleta: nunca se esquece. E não há<br />

coisa com mais graça do que ter uns<br />

pares <strong>de</strong> velhotes a pôr-<strong>nos</strong> a mexer<br />

à séria.<br />

O combate<br />

<strong>de</strong> Guillul no<br />

Ateneu<br />

Quando sobe a um palco,<br />

Tiago Guillul quer fazer as<br />

coisas em gran<strong>de</strong>. Mário<br />

Lopes<br />

Tiago Guillul<br />

<strong>Lisboa</strong>. Ateneu Comercial. R. Portas <strong>de</strong> Santo Antão,<br />

110. 4ª, 30, às 21h30. Tel: 213246060. 8€.<br />

Se “V”, o último álbum <strong>de</strong> Tiago<br />

Guillul, vive sob o signo dos a<strong>nos</strong><br />

1980, se é <strong>nos</strong>talgia revista e<br />

actualizada para comentar 2010, faz<br />

todo o sentido que o concerto oficial<br />

<strong>de</strong> apresentação do disco em <strong>Lisboa</strong><br />

acentue essa relação. No Ateneu<br />

Comercial <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, na próxima<br />

quarta-feira, terá lugar “V — A<br />

Batalha Final <strong>de</strong> Tiago Guillul”.<br />

O título dado à celebração foi<br />

retirado da mítica série <strong>de</strong> ficção<br />

científica que <strong>de</strong>ixou os préadolescentes<br />

<strong>de</strong> então (agora jovens<br />

adultos que têm os seus empregos,<br />

os seus filhos e que, por vezes,<br />

Tiago Guillul<br />

chegam mesmo a gravar discos)<br />

aterrorizados com a perspectiva <strong>de</strong><br />

uma invasão do planeta Terra por<br />

lagartos antropomórficos, mas o<br />

ví<strong>de</strong>o promocional, realizado por<br />

Samuel Úria, monta várias cenas<br />

clássicas <strong>de</strong> pugilismo no cinema.<br />

Tudo isto, claro, acentua o mistério.<br />

Que acontecerá nesse dia em que<br />

será apresentado o álbum <strong>de</strong> “São<br />

sete voltas para a muralha cair” ou<br />

“Praia Ver<strong>de</strong>”, o álbum <strong>de</strong> “kuduro”<br />

estilizado, <strong>de</strong> tropicalismo com<br />

“loop” <strong>de</strong> sintetizador antigo e <strong>de</strong><br />

pop para trautear com o sol a bater<strong>nos</strong><br />

na cara?<br />

Guillul não adianta muito. Diz-<strong>nos</strong><br />

que não ha<strong>ver</strong>á uma apresentação<br />

integral do álbum, antes uma festa<br />

em estética <strong>de</strong> combate musical.<br />

Participarão, entre muitos outros,<br />

Joaquim Albergaria, dos Paus e autor<br />

dos trepidantes coros <strong>de</strong> “São sete<br />

voltas...”, Samuel Úria, Ângelo Silva<br />

ou o colectivo <strong>de</strong> hip-hop cristão<br />

Atalaia.<br />

“V”, um dos <strong>de</strong>staques da<br />

discografia portuguesa <strong>de</strong> 2010 é a<br />

<strong>de</strong>sculpa para o concerto, mas a<br />

“batalha” (fraterna, quer-<strong>nos</strong><br />

parecer) é a <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>ira razão <strong>de</strong><br />

tudo isto. Dado que Tiago Guillul,<br />

conforme confessa ao Ípsilon, não<br />

prevê uma intensa cadência <strong>de</strong><br />

concertos, quando subir a um palco<br />

quer fazer as coisas em gran<strong>de</strong>. O<br />

Ateneu será o ringue do primeiro<br />

“round”.<br />

Clássica<br />

Uma vida<br />

com Chopin<br />

Jean-Marc Luisada encerra<br />

a programação pianística<br />

do Festival <strong>de</strong> Sintra com<br />

um recital <strong>de</strong>dicado ao<br />

compositor polaco. Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s<br />

Jean-Marc Luisada<br />

Queluz. Palácio Nacional. Largo do Palácio. 4ª, 30,<br />

às 21h30. Tel: 214343860. 20€.<br />

Festival <strong>de</strong> Sintra 2010.<br />

Jean-Marc Luisada é o último dos<br />

gran<strong>de</strong>s pianistas convidados do 45º<br />

Festival <strong>de</strong> Sintra, este ano <strong>de</strong>dicado<br />

às efeméri<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Schumann e<br />

Chopin, compositores nascidos há<br />

200 a<strong>nos</strong>. Sendo duas figuras<br />

maiores do Romantismo e da<br />

literatura para piano em particular,<br />

vêm directamente ao encontro do<br />

perfil <strong>de</strong> um festival que há décadas<br />

assenta a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> neste<br />

período da história da música e no<br />

seu instrumento por excelência.<br />

Por seu turno, a carreira <strong>de</strong> Jean-<br />

Marc Luisada, que interpreta no dia<br />

30 no Palácio Nacional <strong>de</strong> Queluz<br />

um programa inteiramente <strong>de</strong>dicado<br />

a Chopin, está intimamente ligada<br />

ao compositor polaco. Foi <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

ter vencido o prestigiado Concurso<br />

Chopin <strong>de</strong> Varsóvia em 1985 que este<br />

pianista francês, nascido na Tunísia<br />

em 1958, iniciou uma importante<br />

carreira internacional e foi graças às<br />

gravações da integral das Valsas e<br />

das Mazurcas que cimentou a sua<br />

reputação como intérprete <strong>de</strong><br />

referência <strong>de</strong> Chopin. Na sua<br />

próxima actuação em Portugal<br />

tocará os três Noctur<strong>nos</strong>, op. 9, as<br />

quatro Baladas, as Mazurcas op. 24 e<br />

op. 30 e o “Andante Spianato e<br />

Polonaise Brilhante”.<br />

Em paralelo com a sua carreira <strong>de</strong><br />

concertista <strong>nos</strong> maiores palcos<br />

mundiais, Jean-Marc Luisada foi<br />

construindo ao longo dois a<strong>nos</strong> uma<br />

importante discografia, primeiro na<br />

etiqueta Harmonic Records e mais<br />

tar<strong>de</strong> na Deutsche Grammophon e<br />

na RCA-BMG (actualmente BMG-<br />

Sony). Além da música <strong>de</strong> Chopin<br />

<strong>de</strong>stacam-se as suas gravações dos<br />

Concertos <strong>de</strong> Grieg e Schumann,<br />

bem como <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> Mozart,<br />

Haydn, Liszt, Scriabin, Fauré ou<br />

Dvorák.<br />

Margaret Leng Tan<br />

Música a sério em<br />

pia<strong>nos</strong> <strong>de</strong> brincar<br />

Margaret Leng Tan<br />

Guarda. Teatro <strong>Municipal</strong>-Pequeno Auditório.<br />

R. Batalha Reis, 12. Amanhã, às 21h30. Tel:<br />

271205241. 5€.<br />

Os pia<strong>nos</strong> são <strong>de</strong> brincar, mas a<br />

música e a interpretação são a sério.<br />

Margaret Leng Tan não é uma<br />

curiosa que um dia <strong>de</strong>cidiu criar<br />

“performances” pitorescas a partir<br />

<strong>de</strong> brinquedos, mas uma pianista <strong>de</strong><br />

sólida cultura e formação com<br />

relações estreitas com compositores<br />

<strong>de</strong> vanguarda. Amanhã, às 21h30,<br />

apresenta-se na Guarda num<br />

espectáculo que convoca uma<br />

gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pia<strong>nos</strong> <strong>de</strong><br />

brincar e outros instrumentos, mas<br />

este não é o uni<strong>ver</strong>so exclusivo do<br />

seu percurso artístico. Entre 1981 e<br />

1992, esta original pianista nascida<br />

em Singapura e radicada <strong>nos</strong> EUA<br />

manteve uma colaboração estreita<br />

com John Cage e tem permanecido<br />

como uma das principais


Hakon Kornstad<br />

Espaço p ç<br />

Público<br />

divulgadoras da sua obra. Realizou<br />

em 2003 a primeira gravação das<br />

“Chess Pieces” (1944), durante<br />

muito tempo consi<strong>de</strong>radas perdidas,<br />

em conjunto com as Sonatas e<br />

Interlúdios, e foi responsável pela<br />

edição do quarto volume <strong>de</strong> música<br />

para piano do compositor<br />

americano para a Peters.<br />

Quando <strong>de</strong>scobriu a “Suite for Toy<br />

Piano”, <strong>de</strong> John Cage, Margaret Leng<br />

Tan ficou fascinada com o seu<br />

potencial artístico e começou a<br />

coleccionar exemplares <strong>de</strong> pia<strong>nos</strong> <strong>de</strong><br />

brincar e a tentar elevá-los ao<br />

estatuto <strong>de</strong> <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iros<br />

instrumentos. O seu CD “The Art of<br />

the Toy Piano” (Philips Uni<strong>ver</strong>sal),<br />

gravado em 1997 com produção<br />

executiva <strong>de</strong> Philip Glass, gerou a<br />

a<strong>de</strong>são favorável da crítica e serviu<br />

<strong>de</strong> motor à criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vários<br />

compositores contemporâneos.<br />

Recentemente, apresentou com o<br />

Kro<strong>nos</strong> Quartet no Carnegie Hall o<br />

programa “Playing with Toys and<br />

Technology” e o seu último álbum<br />

(“She Herself Alone: The Art of the<br />

Toy Piano 2”, com obras <strong>de</strong><br />

compositores como Cage, George<br />

Crumb ou Laura Liben, foi lançado<br />

em Maio.<br />

O programa que irá interpretar na<br />

Guarda inclui, entre outras peças, a<br />

“Suite for toy piano” (1948), <strong>de</strong> John<br />

Cage ; “Dinky Toys” (1979), <strong>de</strong><br />

António Pinho Vargas; “Eleanor<br />

Rigby” (1966) <strong>de</strong> John Lennon e Paul<br />

McCartney .<br />

Quem já ouviu falar <strong>de</strong><br />

David Santos? Quem<br />

já j teve a sorte<br />

<strong>de</strong> d o <strong>ver</strong> cantar<br />

e tocar? É<br />

sempre bom<br />

falar (bem)<br />

<strong>de</strong> um músico<br />

português.<br />

p<br />

Noiserv é o<br />

seu projecto.<br />

É hábil com os<br />

Jazz<br />

Do norte<br />

Oportunida<strong>de</strong> para<br />

testemunhar uma das<br />

incríveis novas direcções<br />

musicais que vêm do norte<br />

da Europa. Rodrigo Amado<br />

Maryland<br />

Com Maria Kannegaard (piano),<br />

Hakon Kornstad (saxofone), Ole<br />

Morten Vagan (contrabaixo), Hakon<br />

Mjaset Johansen (bateria).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Cafetaria<br />

Quadrante. Pça do Império. 5ª, 1, às 22h. Tel:<br />

213612400. Entrada gratuita<br />

Maryland é um projecto enigmático<br />

li<strong>de</strong>rado pela pianista dinamarquesa<br />

Maria Kannegaard e tem como<br />

principal ponto <strong>de</strong> interesse integrar<br />

o extraordinário saxofonista Hakon<br />

Kornstad. Kornstad tem vindo a<br />

tornar-se um dos mais importantes<br />

saxofonistas Noruegueses, estando<br />

presente em inúmeros projectos<br />

escandinavos associados à editora<br />

Jazzland. Parte <strong>de</strong> uma nova geração<br />

<strong>de</strong> músicos que se <strong>de</strong>dicam a<br />

estilhaçar velhos conceitos e<br />

princípios musicais, Kornstad é,<br />

acima <strong>de</strong> tudo, um gran<strong>de</strong><br />

improvisador, associando um som<br />

robusto a uma enorme paleta <strong>de</strong><br />

“exten<strong>de</strong>d techniques”. Em<br />

Maryland, projecto a que se junta<br />

ainda o contrabaixista Ole Morten<br />

Vagan e o baterista Hakon Mjaset<br />

Johansen, praticam uma música<br />

fortemente composta e lírica que<br />

não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

surpreen<strong>de</strong>r en<strong>de</strong>r – se, por<br />

um lado, o, as formas<br />

e estruturas uras <strong>nos</strong><br />

são bastante tante<br />

familiares, res, por<br />

outro, os<br />

músicos s jogam jogam<br />

com uma ma<br />

imensida<strong>de</strong> da<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

peque<strong>nos</strong> <strong>nos</strong><br />

<strong>de</strong>talhes s que<br />

questionam nam<br />

tudo aquilo quilo<br />

que já<br />

ouvimos. s.<br />

Céu<br />

instrumentos e sozinho<br />

faz a sua música com<br />

ajuda da máquina<br />

mágica que controla<br />

com os pés. Grava,<br />

reproduz, sobrepõe,<br />

orquestra... Uma<br />

espécie <strong>de</strong> tocador <strong>de</strong><br />

realejo mo<strong>de</strong>rno que<br />

faz parar as crianças.<br />

João Semog, 40 a<strong>nos</strong>,<br />

artista plástico<br />

Agenda<br />

Sexta 25<br />

Ariel Pink’s Haunted Graffi ti<br />

<strong>Lisboa</strong>. Espaço M. R. D. Estefânia, 175, às 22h. Tel:<br />

965443174. 8€.<br />

Ver texto na pág. 16.<br />

Saul Williams<br />

<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24, às<br />

23h30. Tel.: 213430107. 12€.<br />

Ver texto na pág. 21.<br />

3 Pia<strong>nos</strong> + Orchestra Baobab +<br />

Galandum Galundaina + The<br />

Legendary Tigerman + Step_<br />

Line Project + Anaquim +<br />

Watcha Clan<br />

Loulé. Centro histórico, a partir das 20h. Tel.:<br />

918028108. 12,5€ (dia) a 60,5€ (bilhete Premium).<br />

Festival MED 2010<br />

Marcelo D2 + Groundation +<br />

Dub Inc + Blue King Brown +<br />

Terrakota<br />

Ericeira. Pq. <strong>de</strong> Campismo <strong>de</strong> Mil Regos. Estrada<br />

Nacional, 247 - Km 49, a partir das 17h. Tel:<br />

261862706. 30€ (dia) a 40€ (passe).<br />

Sumol Summer Fest 2010<br />

B.Leza Itinerante: André Cabaço<br />

+ Calú Moreira + Costa Neto +<br />

Dany Silva<br />

<strong>Lisboa</strong>. Maxime. Pça da Alegria, 58, às 23h30. Tel.:<br />

213467090. 12€.<br />

Mundo Secreto + X-Wife<br />

Castro Ver<strong>de</strong>. Lg. da Feira, às 23h. Tel.: 286320700.<br />

Entrada gratuita.<br />

Madame Godard<br />

Porto. Passos Manuel. R. Passos Manuel, 137, às<br />

23h. Tel.: 222058351.<br />

Tiago Sousa<br />

Setúbal. Clube Setubalense. Av. Luísa Todi 99, 1º, às<br />

21h. Tel.: 265522329. 3€.<br />

FUMO - Festival Urbano <strong>de</strong> Música e<br />

Outros.<br />

Ölga<br />

<strong>Lisboa</strong>. Espaço Nimas. Av. 5 Outubro, 42B, às 22h.<br />

Tel.: 213574362.<br />

Slamo + Uruguai<br />

<strong>Lisboa</strong>. Sa Santiago Alquimista. R. Santiago, 19, às<br />

23h30. Tel Tel.: 218884503. 8€.<br />

Boo Boo Bo Davis<br />

S. João da Ma<strong>de</strong>ira. Paços da Cultura. R. 11 <strong>de</strong><br />

Outubro, 889,<br />

às 21h45. Tel.: 256827783. 8€.<br />

Terre Thaemlitz<br />

T<br />

Porto. Cul Culturgest. Av. dos Aliados, 104, às 22h.<br />

Tel: 222098116. 2220 5€.<br />

Cornelius Corne Car<strong>de</strong>w e a Liberda<strong>de</strong> da<br />

Escuta. Escut<br />

Sábado Sáb 26<br />

Ariel Pink’s Haunted Graffi ti<br />

Porto. PPlano<br />

B. R. Cândido dos Reis, 30, às 23h.<br />

Tel.: 2222012500.<br />

12€.<br />

Ver texto t na pág. 16.<br />

Marcelo D2<br />

Chicks on Speed<br />

Nevada Hill<br />

<strong>Lisboa</strong>. Trem Azul. R. do Alecrim 21 A, às 21h30. Tel.:<br />

213423141. 3€.<br />

Ver texto na pág. 22 e segs.<br />

René Aubry + Mercan De<strong>de</strong> +<br />

Virgem Suta + Boom Pam + Diabo<br />

na Cruz + Orelha Negra<br />

Loulé. Centro histórico, a partir das 20h30. Tel.:<br />

918028108. 12,5€ (dia) a 60,5€ (bilhete Premium).<br />

Festival MED 2010.<br />

Quaiss Kitir + Frankie Chavez +<br />

Tom Frager + Matisyahu +<br />

Gentleman & The Evolution<br />

Ericeira. Pq. <strong>de</strong> Campismo <strong>de</strong> Mil Regos. Estrada<br />

Nacional, 247 - Km 49, a partir das 17h. Tel.:<br />

261862706. 30€ (dia) a 40€ (passe).<br />

Sumol Summer Fest 2010.<br />

Post Hit + Chicks on Speed<br />

<strong>Lisboa</strong>. Pç. do Comércio, às 23h. Entrada gratuita.<br />

Arraial Pri<strong>de</strong> 2010<br />

Teresa Salgueiro + António<br />

Chainho + Fernando Alvim<br />

Gafanha da Nazaré. C. Cultural. R Prior Guerra, às<br />

21h30. Tel.: 234367433. Entrada gratuita.<br />

Katia Guerreiro + Marisa Liz<br />

<strong>Lisboa</strong>. Castelo <strong>de</strong> S. Jorge, às 22h. Tel: 218800620.<br />

12,5€.<br />

The Gilbert’s Feed Band<br />

<strong>Lisboa</strong>. Espaço Nimas. Av. 5 Outubro, 42B, às 22h.<br />

Tel.: 213574362. 5€.<br />

Mind da Gap<br />

Guimarães. C. Cultural Vila Flor. Avª D. Afonso<br />

Henriques, 701, às 24h. Tel.: 253424700. 5€.<br />

Boo Boo Davis<br />

Vila Real. Teatro - Auditório exterior. Alm. <strong>de</strong> Grasse,<br />

às 22h30. Tel.: 259320000. Entrada gratuita.<br />

7.º Festival <strong>de</strong> Músicas do Mundo.<br />

Schostakovich Ensemble<br />

Com Filipe Pinto-Ribeiro (piano),<br />

Eldar Nebolsin (piano), Pedro<br />

Carneiro e Juanjo Guillem<br />

(percussão).<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB. Pç do Império, às 21h. Tel: 213612400.<br />

10€ a 15€.<br />

Música para Uma Noite <strong>de</strong> Verão.<br />

Ab<strong>de</strong>l Rahman El Bacha<br />

Queluz. Palácio Nacional. Lg. do Palácio, às 19h. Tel:<br />

214343860. 20€.<br />

Festival <strong>de</strong> Sintra 2010<br />

Mind da Gap<br />

Victor Gama<br />

Sintra. C. Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr. Francisco<br />

Sá Carneiro, às 21h30. Tel: 219107110. 10€.<br />

Festival <strong>de</strong> Sintra 2010<br />

Domingo 27<br />

Chucho Valdés & The Cuban<br />

Messengers + Alejandro Vargas<br />

New Trio<br />

Porto. Casa da Música . Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 15€.<br />

Verão na Casa 2010.<br />

Teresa Salgueiro<br />

+ António Chainho + Fernando<br />

Alvim<br />

Alcobaça. Cine-Teatro. R. Afonso <strong>de</strong> Albuquerque, às<br />

22h. Tel.: 262580890. 12€ a 18€.<br />

Ensemble<br />

Mediterrain<br />

Sintra. Palácio Nacional. Lg. da Rainha D. Amélia,<br />

às 19h. Tel.: 219106840. 20€.<br />

Festival <strong>de</strong> Sintra 2010. Obras <strong>de</strong><br />

Chopin e Schumann.<br />

Mazgani + Fast Eddie & The<br />

Ri<strong>ver</strong>si<strong>de</strong> Monkeys<br />

Setúbal. Museu - Convento <strong>de</strong> Jesus. R. Balneário Dr.<br />

Paula Borba, às 21h30. Tel: 265537890. 5€.<br />

FUMO - Festival Urbano <strong>de</strong> Música e<br />

Outros.<br />

Terça 29<br />

Roberta Sá + Céu + António<br />

Zambujo<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 15€.<br />

Verão na Casa 2010.<br />

Stick Men<br />

<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do<br />

Sodré, às 22h. Tel.: 213430107. 20€.<br />

O’queStrada<br />

Seixal. Lg. 1º <strong>de</strong> Maio, às 22h. Tel.: 212276700.<br />

Entrada gratuita.<br />

Quarta 30<br />

Eduarda Melo e Orquestra<br />

do Algarve<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Osvaldo Ferreira.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Lg. S. Carlos, às 22h. Tel.: 213253000.<br />

Entrada gratuita.<br />

Festival ao Largo 2010. Noite Strauss<br />

- obras <strong>de</strong> Strauss Jr, Gounod e Lehàr.<br />

Quinta 1<br />

Regina Spektor<br />

Cascais. Pq. Palmela. Av. Marginal, às 22h. 28€ a 35€.<br />

Cool Jazz Fest 2010.<br />

Roberta Sá + António Zambujo<br />

<strong>Lisboa</strong>. Aula Magna. Alam. Uni<strong>ver</strong>sida<strong>de</strong>, às 22h.<br />

Tel: 217967624. 23€ a 30€.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 47


Discos<br />

Em “Before Today”, Ariel<br />

Pink faz o seu álbum mais<br />

ambicioso, o primeiro<br />

com uma banda<br />

48 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Pop<br />

Um novo<br />

começo<br />

O disco mais ambicioso<br />

<strong>de</strong> Ariel Pink é uma<br />

maravilhosa homenagem à<br />

história da música popular.<br />

Pedro Rios<br />

Ariel Pink’s Haunted Graffiti<br />

Before Today<br />

4AD, distri. Popstock<br />

mmmmn<br />

Antes do<br />

lançamento <strong>de</strong><br />

“Before Today”,<br />

especulava-se se<br />

Ariel Pink, rei do<br />

“lo-fi”, sobrevi<strong>ver</strong>ia<br />

à prometida maior qualida<strong>de</strong> das<br />

canções que aí vinham. Até agora, os<br />

discos <strong>de</strong> Pink eram colecções <strong>de</strong><br />

canções a que os meios <strong>de</strong> gravação<br />

artesanais davam uma qualida<strong>de</strong><br />

quase etérea, <strong>nos</strong> melhores<br />

momentos (em especial no sublime<br />

“The Doldrums”), ou amadora, <strong>nos</strong><br />

piores. Caminhar na corda bamba,<br />

sempre a um passo do falhanço, era<br />

um dos charmes <strong>de</strong> Pink; o outro era<br />

a habilida<strong>de</strong> enquanto escritor <strong>de</strong><br />

canções, que nenhuma má gravação<br />

conseguia escon<strong>de</strong>r.<br />

Em “Before Today”, o primeiro<br />

disco com uma banda, Pink faz o seu<br />

álbum mais ambicioso. Não apenas<br />

no som, que se aproxima do <strong>de</strong> um<br />

disco “normal”, mas também nas<br />

possibilida<strong>de</strong>s que abre em cada<br />

canção. “Can’t hear my eyes” é uma<br />

canção perfeita algures entre as<br />

tentativas dos brancos fazerem soul<br />

e as guitarras dos Fleetwood Mac<br />

mais suaves. “Round and round” é<br />

outra pérola com tudo no sítio: os<br />

“na-na-na-na” introdutórios, a<br />

re<strong>ver</strong>beração da voz a formar um<br />

“drone” ao fundo (como os 10CC<br />

Os Sleigh Bells são uma maravilha dos tempos mo<strong>de</strong>r<strong>nos</strong><br />

fizeram em “I’m not in love”),<br />

sublimes arranjos <strong>de</strong> sintetizador,<br />

um refrão em crescendo que podia<br />

ser caso <strong>de</strong> estudo em “workshops”<br />

sobre escrita <strong>de</strong> canções.<br />

Em “Reminiscences”, um<br />

sintetizador faz a festa em cima <strong>de</strong><br />

linhas <strong>de</strong> baixo dignas <strong>de</strong> figurar<br />

numa banda sonora porno. “Be<strong>ver</strong>ly<br />

Kills” tem um <strong>de</strong>licioso falsete, baixo<br />

funk, sintetizadores a pingar um<br />

santo mau gosto, enquanto “Bright<br />

lit blue skies” eleva o mo<strong>de</strong>sto<br />

original <strong>de</strong> 1966 dos Rockin’<br />

Ramrods a epifania rock’n’roll e<br />

“Revolution’s a lie” parece sacada a<br />

“Unknow Pleasures” dos Joy<br />

Division. Pôr isto tudo a funcionar<br />

<strong>de</strong> forma coerente é mérito <strong>de</strong> Pink.<br />

Não há muitos discos como<br />

“Before Today” — tal como não há<br />

muitos artistas como Ariel Pink.<br />

Pega na música popular, não para a<br />

sub<strong>ver</strong>ter, não para lhe sacar<br />

“samples” e fazer outra coisa (tudo<br />

coisas legítimas e válidas), mas para<br />

se inserir nessa narrativa que vai dos<br />

Monkees a Bowie, com total respeito<br />

e amor. Tal <strong>de</strong> pouco valia se as<br />

canções fossem fracas. Mas não são:<br />

são espantosas.<br />

Furacão<br />

irresistível<br />

Os Sleigh Bells são uma<br />

gran<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ia, incrivelmente<br />

simples. “Treats” é um álbum<br />

mo<strong>de</strong>rníssimo, áspero e<br />

convulsivo. Mário Lopes<br />

Sleigh Bells<br />

Treats<br />

N.E.E.T., Mom & Pop<br />

mmmmn<br />

Já ouvimos dizer<br />

que nunca se fez<br />

tanta e tão boa<br />

música quanto<br />

hoje. Mas também<br />

que, oh tragédia,<br />

essa tanta e tão boa música<br />

dificilmente será tão memorável ou<br />

marcante como noutros períodos do<br />

passado. A saturação perante uma<br />

oferta interminável, a<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar consensos<br />

e a voracida<strong>de</strong> com que se anunciam<br />

melhores álbuns <strong>de</strong> sempre numa<br />

semana, para os <strong>de</strong>svalorizar<br />

perante o melhor álbum <strong>de</strong> sempre<br />

da semana seguinte, tudo isso torna<br />

complicado, porventura<br />

con<strong>de</strong>nável, a afirmação <strong>de</strong> que os<br />

Sleigh Bells são uma maravilha dos<br />

tempos mo<strong>de</strong>r<strong>nos</strong>, que são (até <strong>ver</strong>,<br />

naturalmente) uma das melhores<br />

coisas que 2010 tem para oferecer.<br />

“Treats”, o álbum, confirma e<br />

amplifica tudo aquilo que <strong>nos</strong><br />

causou salivação abundante quando,<br />

algures no Outono <strong>de</strong> 2009,<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito aMaumMed<br />

BommmmmmExcelente<br />

tropeçámos numa série <strong>de</strong> maquetas<br />

disponibilizadas em MySpace. Os<br />

Sleigh Bells são uma gran<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ia,<br />

incrivelmente simples. Conjugam<br />

violência com doçura, ruído com<br />

melodia, e batidas hip hop <strong>de</strong> um<br />

minimalismo infernal com violentos<br />

“riffs” <strong>de</strong> guitarra e uma voz que<br />

plana sobre aquele metralhar sónico<br />

com uma graciosida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sarmante.<br />

“Treats” é uma admirável<br />

colecção <strong>de</strong> canções (com <strong>ver</strong>sos e<br />

refrões como mandam as regras) e<br />

um álbum mo<strong>de</strong>rníssimo: áspero e<br />

convulsivo, no limite da distorção,<br />

combate o ruído incessante que <strong>nos</strong><br />

ro<strong>de</strong>ia sobrepondo-se a ele<br />

enquanto hedonismo bombástico.<br />

Alison Krauss, a vocalista, não<br />

canta propriamente. As suas linhas<br />

vocais estão entre <strong>ver</strong>sejar <strong>de</strong> MC e<br />

doçura <strong>de</strong> “girl group”. Derek Miller,<br />

guitarrista e produtor, é o homem<br />

furacão das guitarras que silvam,<br />

dos “beats” <strong>de</strong> cadência <strong>de</strong>moníaca<br />

e das barreiras <strong>de</strong> sintetizadores que<br />

se erguem para que, enquanto os<br />

ouvimos, não prestemos atenção a<br />

nada mais.<br />

“Treats” tem 11 canções e ouvimolo<br />

entre a euforia e a estupefacção.<br />

Música física, com os baixos a<br />

ressoar pela caixa torácica e os<br />

salvas <strong>de</strong> electricida<strong>de</strong> a acelerar a s<br />

ligações entre as sinapses. I<strong>de</strong>ntificase<br />

o gosto pelos esqueletos rítmicos<br />

dos Neptunes e do Timbaland <strong>de</strong><br />

ontem (e pelas sirenes da Bomb<br />

Squad dos Public Enemy), percebese<br />

que os Sleigh Bells terão<br />

aprendido algo com os Deerhoof (a<br />

tensão entre inocência e<br />

per<strong>ver</strong>sida<strong>de</strong>) ou com os Go Team!<br />

(o “lo-fi” transformado em<br />

<strong>ver</strong>da<strong>de</strong>ira arma estética). Porém,<br />

procurar neles uma reprodução do<br />

que quer que seja será tempo<br />

perdido. “Riot rhythm” com o ritmo<br />

enclausurado entre os guinchos da<br />

guitarra e o falsete <strong>de</strong> Krauss. A<br />

quase sufocante explosão final <strong>de</strong><br />

“Infinity guitars”, qual festim<br />

“noise” na pista <strong>de</strong> dança. E uma<br />

balada bucólica como “Rill rill”, com<br />

brisa californiana, piano<br />

reconfortante e melodia vocal <strong>de</strong><br />

“girl group” clássico, surgindo como<br />

único momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontracção.<br />

Nunca ouvíramos nada assim. E<br />

neste preciso momento <strong>de</strong> 2010, não<br />

conseguimos pensar em nada mais<br />

que queiramos tanto ouvir.<br />

Vários<br />

Panama!2<br />

mmmmn<br />

Panama!3<br />

mmmmm<br />

SoundWay; distri.<br />

Massala<br />

Já aqui <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos que a melhor<br />

coisa que aconteceu ao século XXI<br />

foram as reedições <strong>de</strong> música <strong>de</strong><br />

“Panama! 2”<br />

e “Panama! 3”:<br />

mais dois<br />

passos na<br />

abençoada<br />

mestiçagem<br />

do mundo<br />

origem africana ou sul-americana da<br />

segunda meta<strong>de</strong> do século passado.<br />

Nem por acaso, aqui estão mais dois<br />

exemplos. Primeiro é a bateria num<br />

ritmo que <strong>de</strong>ixa a pulga atrás da<br />

orelha, <strong>de</strong>pois os batuques, a seguir<br />

a voz dizer “Hey, hey”, após o que<br />

surge uma linha <strong>de</strong> guitarra tão<br />

sexualmente carregada que<br />

provavelmente <strong>de</strong>ve ser proibida em<br />

alguns estados da América — e é<br />

então que os metais explo<strong>de</strong>m e a<br />

voz grita: “Así que me gusta”. É<br />

“Tamborito swing”, dos Los<br />

Sil<strong>ver</strong>tones, segunda faixa <strong>de</strong><br />

“Panama! 2”, a sequela a “Panama!”,<br />

álbum <strong>de</strong> recolhas <strong>de</strong> música local<br />

organizado pela magnífica<br />

Soundway. Desta feita os alvos são o<br />

“calypso funk” e a “cumbia” tropical<br />

(entre 1967 e 1977), pelo que mais<br />

que guitarras temos linhas <strong>de</strong> baixo<br />

<strong>de</strong>magogicamente propícias ao<br />

coito, secções <strong>de</strong> metais saídas do<br />

inferno, dança imparável. Em<br />

simultâneo sai “Panama! 3” (1960 a<br />

1975), disco muito mais rural que os<br />

prece<strong>de</strong>ntes. Há aqui génios<br />

esquecidos: Papi Brandao, a<br />

fabulosa Amalia Delgado con El<br />

Conjunto Inspiration Santeña, que<br />

munidos <strong>de</strong> um acor<strong>de</strong>ão e<br />

percussões rurais instalam um clima<br />

<strong>de</strong> pura orgia ou Yin Carrizo que põe<br />

a roça em fogo com o seu acor<strong>de</strong>ão.<br />

É o disco mais “sujo”, imperfeito e<br />

impuro dos três e é comovente na<br />

sua imparável alegria. Dois discos<br />

extraordinários, mais dois passos na<br />

abençoada mestiçagem do mundo.<br />

João Bonifácio<br />

Galaxie 500<br />

Today<br />

mmnnn<br />

On Fire<br />

mmmmn<br />

This Is Our Music<br />

mmmmn<br />

Domino; distri. E<strong>de</strong>l<br />

Antes <strong>de</strong> se falar em “indie” havia,<br />

<strong>nos</strong> EUA, o “college-rock”,


A<br />

gravar<br />

<strong>de</strong>nominação suficientemente vasta<br />

para albergar os R.E.M ou os<br />

Replacements. Quando os Galaxie<br />

500 se formaram em 1986, já o<br />

“college-rock” era uma instituição<br />

— foram lá pilhar, claro, mas também<br />

ao Paisley Un<strong>de</strong>rground (movimento<br />

que albergava bandas como os Rain<br />

Para<strong>de</strong>) ou ao “shoegazing”.<br />

Sendo um trio composto pela<br />

tradicional bateria, baixo e guitarra<br />

(<strong>de</strong> Dean Wareham, que também<br />

cantava), faziam canções lentas e<br />

melancólicas assentes em <strong>de</strong>dilhados<br />

que <strong>de</strong>pois ora se entregavam a<br />

planar ora disparavam electricida<strong>de</strong>.<br />

Ao primeiro disco, “Today” (1988),<br />

ainda gatinhavam e brincavam aos<br />

<strong>de</strong>primidos. Ao segundo, “On Fire”<br />

(1989), <strong>de</strong>finiram um som e<br />

tornaram-se culto: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a abertura,<br />

com os acor<strong>de</strong>s tristíssimos <strong>de</strong> “Blue<br />

Thun<strong>de</strong>r” ao fecho, com uma<br />

extraordinária <strong>ver</strong>são <strong>de</strong> “Isn’t it a<br />

pitty” (lado B <strong>de</strong> “My Sweet Lord”, <strong>de</strong><br />

George Harrison), tudo era<br />

imaculado na sua fragilida<strong>de</strong>.<br />

É que em 1989 não ficava bem<br />

fazer <strong>ver</strong>sões <strong>de</strong> canções lamechas<br />

<strong>de</strong> George Harrison, mas os Galaxie<br />

500 tornavam cada <strong>ver</strong>são, cada<br />

melodia muito sua, menção <strong>de</strong> um<br />

uso muito próprio dos instrumentos:<br />

a bateria, mais que marcar 1-2-3-4<br />

também compunha, as linhas <strong>de</strong><br />

baixo herdadas aos Joy Division não<br />

se limitavam a manter o ritmo, antes<br />

criavam melodias alternativas à voz,<br />

a guitarra perdia-se entre solos<br />

rítmicos <strong>de</strong> um psica<strong>de</strong>lismo<br />

dolente, a voz — nasalada, pobre —<br />

transmutava os seus <strong>de</strong>feitos em<br />

lamento pungente. (É<br />

impressionante a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

peque<strong>nos</strong> truques que os Galaxie<br />

usavam para ultrapassar a sua<br />

incapacida<strong>de</strong> técnica: aqui punham<br />

uma flauta, ali um “shaker”,<br />

mudavam ritmos a meio da canção,<br />

punham e tiravam órgãos planantes,<br />

reco-recos, incluíam coros<br />

<strong>de</strong>safinados. Não tinham técnica,<br />

tinham i<strong>de</strong>ias. Muito boas.)<br />

Numa faixa extra incluída na<br />

primeira reedição do disco (e <strong>de</strong><br />

novo reposta agora) dão a volta a<br />

“Ceremony”, dos Joy Division, até a<br />

transformarem num festim <strong>de</strong><br />

electricida<strong>de</strong> alucinada. O mesmo<br />

Galaxie 500, o mais triste e<br />

mais belo trio dos a<strong>nos</strong> 90<br />

Em 2008, Leonard Cohen<br />

lançou-se lanç à estrada para uma<br />

série sé <strong>de</strong> concertos — com<br />

passagem p<br />

por Portugal<br />

— pondo fi m a um longo<br />

silêncio. s A gravação <strong>de</strong><br />

um novo disco nunca foi<br />

avançada como hipótese<br />

credível, cr mas esta semana<br />

fi cou co a saber-se que irá mesmo<br />

Johnny Dowd, o rei da<br />

Americana escura<br />

truque <strong>de</strong> “Ceremony” é repetido<br />

em “Listen, the snow is falling”,<br />

<strong>ver</strong>são <strong>de</strong> um tema <strong>de</strong> Yoko Ono<br />

incluído em “This Is Our Music” (<strong>de</strong><br />

1990), o terceiro, perfeito e último<br />

disco da banda: o tema assenta<br />

numa guitarra cheia <strong>de</strong> “<strong>de</strong>lay”,<br />

enquanto Naomi Young, a baixista,<br />

canta em registo <strong>de</strong> ninfeta. Uma<br />

pan<strong>de</strong>ireta surge ali a prenunciar<br />

qualquer coisa, a voz sobe, a bateria<br />

entra e <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong>pois é o <strong>de</strong>lírio: a<br />

guitarra torna-se lança-chamas,<br />

<strong>de</strong>pois moto-serra e seguem-se<br />

quatro minutos <strong>de</strong> solos trepidantes,<br />

imparáveis, sempre em ascensão.<br />

Um portento, uma daquelas<br />

guitarradas que dão vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

escavacar a mobília lá <strong>de</strong> casa<br />

<strong>de</strong>rivado da alegria. Todo o álbum<br />

está a este nível: a faixa <strong>de</strong> abertura,<br />

“Fourth of July” é um monumento<br />

<strong>de</strong> “coolness”, “Melt away”é a<br />

gran<strong>de</strong> elegia à tristeza <strong>de</strong> final da<br />

década <strong>de</strong> 1990, e por aí fora.<br />

Todos os órfãos dos Mo<strong>de</strong>rn<br />

Lo<strong>ver</strong>s, dos Dream Syndicate, dos<br />

Velvet passaram por aqui. Todos se<br />

apaixonaram pelo mais triste e mais<br />

belo trio dos a<strong>nos</strong> 1990. E com toda<br />

a razão. J.B.<br />

Johnny Dowd<br />

Wake Up The Snakes<br />

Seven-Shooter Music; distri. Popstock<br />

mmmnn<br />

Nos idos <strong>de</strong> 1998,<br />

quando Johnny<br />

Dowd se estreou<br />

com “Wrong Si<strong>de</strong><br />

of Memphis”, já<br />

entrado <strong>nos</strong> 40s,<br />

podíamos imaginar que o homem<br />

tinha feito um pacto com o diabo:<br />

este dava-lhe o talento <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ele<br />

se <strong>de</strong>dicasse exclusivamente a cantar<br />

o lado negro da força. O disco era<br />

<strong>de</strong>spojado ao máximo, e o seu<br />

negrume sem re<strong>de</strong>nção chegava a ser<br />

assustador. Houve sequela em 2003,<br />

com “Wire Flowers: More Songs<br />

From The Wrong Si<strong>de</strong> of Memphis”, e<br />

“Wire Flowers”, álbum reduzido a<br />

caixa-<strong>de</strong>-ritmos, guitarra e aquela voz<br />

<strong>de</strong> quem conhece <strong>de</strong> cor a secção <strong>de</strong><br />

bordéis das páginas amarelas, era<br />

uma tági<strong>de</strong> em forma <strong>de</strong> pauta.<br />

Mas, e isto é que é bonito na<br />

América, todo o enjeitado emocional<br />

encontra um dia o testo para a sua<br />

panela e percebe que o sol nasce para<br />

suce<strong>de</strong>r. O próprio cantor<br />

confi rmou-o ao “Guardian”,<br />

adiantando o In<strong>ver</strong>no do<br />

próximo ano — seis a<strong>nos</strong> <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> “Dear Heather” — como data<br />

provável <strong>de</strong> edição. Segundo<br />

Cohen, o álbum conterá <strong>de</strong>z ou<br />

onze canções e será produzido<br />

pelo próprio.<br />

todos (embora com temperaturas<br />

diferentes). Basta ir a “Lies”, segunda<br />

faixa <strong>de</strong> “Wake Up The Snakes”, para<br />

percebermos que a vida corre melhor<br />

a Dowd: a canção, um dueto, é um<br />

portento <strong>de</strong> pose, órgãozinhos<br />

“vintage” a fazer beicinho, guitarras<br />

em repique, semi-alegria. Em<br />

“Howling wolf blues” Dowd vira o<br />

“blues” do avesso, põe um órgão<br />

marado à frente, entra pelo “saloon”<br />

<strong>de</strong> óculos escuros e em vez <strong>de</strong><br />

pistolas usa a electricida<strong>de</strong> para pôr<br />

or<strong>de</strong>m na casa. Aqui e ali Dowd chega<br />

à heresia e repesca ritmos que não<br />

andam longe da bossa nova. O rei da<br />

Americana escura <strong>de</strong>ixou o ritmo<br />

entrar na sua música e a melodia<br />

adocicou. Isto ainda podia ser a<br />

banda sonora <strong>de</strong> um “western”, mas<br />

<strong>de</strong> um “western” com mais pose que<br />

sangue. E sabem que mais? Tem<br />

muita graça. J.B.<br />

World<br />

A ida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ouro do<br />

Nahda<br />

A gran<strong>de</strong> tradição da<br />

música árabe do século XIX<br />

ressuscitada por uma voz<br />

excepcional. Luís Maio<br />

Aïcha Redouane et L’ensemble<br />

Al-Adwar<br />

Egypte<br />

Ocora; distri. Harmonia Mundi<br />

mmmmm<br />

Não tem nada <strong>de</strong><br />

original, nem sequer<br />

é uma novida<strong>de</strong><br />

editorial, mas<br />

“Egypte” é um<br />

registo<br />

extraordinário, que ressuscita em<br />

gran<strong>de</strong> estilo a época <strong>de</strong> ouro da<br />

música clássica árabe. Agora<br />

reeditado, foi gravado em 1993 por<br />

Aïcha Redouane, uma cantora já <strong>de</strong> si<br />

com um percurso invulgar. Nasceu<br />

em Marrocos, em 1962, mas é <strong>de</strong><br />

origem berbere e está radicada em<br />

França <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seis a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />

Mónica Calle<br />

teatro<br />

O ginjal <strong>de</strong> Anton Tchekov<br />

ou O sonho das cerejas<br />

1 a 10 Julho 21h30 (excepto dia 5)<br />

11 Julho 16h30 M/12<br />

Inserido no Festival Internacional <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Almada<br />

apresentações no âmbito da re<strong>de</strong> co-financiado por<br />

14 Julho 22h00 M/6<br />

www.teatromariamatos.pt<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 49<br />

© Bruno Simão<br />

música<br />

Hanne Hukkelberg<br />

Blood from a stone<br />

© Carina Musk-An<strong>de</strong>rsen


Discos<br />

Decidiu estudar arquitectura,<br />

ingressando na faculda<strong>de</strong> em<br />

Grenoble, <strong>nos</strong> inícios dos a<strong>nos</strong> 80.<br />

Entretanto <strong>de</strong>scobriu gravações<br />

antigas <strong>de</strong> música árabe e mudou <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ias. Tinha a voz e a paixão, mas<br />

faltava-lhe o conhecimento da<br />

música e inclusive do árabe antigo,<br />

que acabou por dominar ganhando<br />

bolsas para estudar no Egipto e na<br />

Tunísia. Pelo meio conheceu o<br />

musicólogo Habib Yammine, com<br />

quem formou o ensemble Ad-Adwar,<br />

dando início a uma carreira até hoje<br />

<strong>de</strong>dicada à reabilitação <strong>de</strong> uma<br />

tradição musical moribunda <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

os a<strong>nos</strong> 30 do século XX.<br />

O renascimento da cultura árabe,<br />

chamado Nahda, <strong>de</strong>u-se em finais do<br />

século XIX, ganhando especial<br />

incidência na área musical, graças a<br />

uma colheita excepcional <strong>de</strong><br />

compositores e intérpretes <strong>de</strong><br />

“maqâm”, a arte das variações<br />

modais. Com a chegada das gran<strong>de</strong>s<br />

orquestras e outras manobras <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>rnização, <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> 30, essa<br />

tradição per<strong>de</strong>u a pureza, mas<br />

também a relevância, acabando<br />

praticamente por extinguir-se.<br />

Ficaram, contudo, as gravações da<br />

geração prece<strong>de</strong>nte, as colecções <strong>de</strong><br />

78 rotações <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s músicos e<br />

vozes dos inícios do século XX,<br />

editadas pelas empresas<br />

discográficas oci<strong>de</strong>ntais, então<br />

recém-instaladas no Cairo.<br />

Esta é a herança recriada por Aïcha<br />

Redouane et L’ensemble Al-Adwar<br />

neste “Egypte”, que propõe três<br />

sequências <strong>de</strong> “waslât”, o equivalente<br />

das suites oci<strong>de</strong>ntais, organizadas à<br />

maneira <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> concerto<br />

à antiga. Começa com longas<br />

aberturas instrumentais, seguidas <strong>de</strong><br />

canções estruturadas, que <strong>de</strong>pois vêm<br />

a alternar com improvisos cantados<br />

ou instrumentais. O ensemble<br />

formado por cítara, alaú<strong>de</strong>, violino e<br />

tamborim é <strong>de</strong> um virtuosismo<br />

magnânimo, mas discreto, <strong>de</strong>ixando<br />

brilhar a voz <strong>de</strong>purada e<br />

incan<strong>de</strong>scente <strong>de</strong> Aïcha — uma<br />

fantástica máquina <strong>de</strong> iludir o tempo,<br />

ou <strong>de</strong> fazer acreditar que a arte da<br />

“maqâm” nunca morreu.<br />

Jazz<br />

Po<strong>de</strong>roso!<br />

Emoção e expressivida<strong>de</strong><br />

num dos registos freejazz<br />

mais fortes <strong>de</strong> 2009.<br />

Rodrigo Amado<br />

Steve Swell’s Slammin’ the<br />

Infinite<br />

5000 Poems<br />

Not Two<br />

mmmmn<br />

Steve Swell é, há muito, uma das<br />

estrelas mais brilhantes no<br />

50 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

firmamento “free”<br />

do jazz. A<br />

exuberância do seu<br />

estilo e a absoluta<br />

mestria com que<br />

toca trombone<br />

marcaram inúmeras sessões <strong>de</strong><br />

referência, em nome próprio ou em<br />

colaborações com outros músicos.<br />

Com uma discografia <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />

cem títulos, Swell está presente em<br />

registos tão importantes como<br />

“Tongue in Groove” ( Joey Baron),<br />

“Caos Totale<br />

Pace Yourself” (Tim Berne), “The<br />

Mystery of Compassion” (Tom<br />

Varner), “Music for Long Attention<br />

Spans” (Herb Robertson), ou os mais<br />

recentes “Mandarin Movie” (Rob<br />

Mazurek) e “17 Musicians in Search<br />

of a Sound: Darfur” (Bill Dixon).<br />

Neste “5000 Poems”,<br />

acompanhado por Sabir Mateen<br />

(saxofone e clarinete), John Blum<br />

(piano), Matthew Heyner<br />

(contrabaixo) e Klaus Kugel (bateria),<br />

Swell surpreen<strong>de</strong> tudo e todos com<br />

um registo vibrante, pleno <strong>de</strong><br />

inspiração e po<strong>de</strong>r, assinando o<br />

disco mais forte da sua discografia<br />

recente. A composição é brilhante e<br />

a integração do discurso solista dos<br />

músicos é notável, com Mateen e o<br />

próprio Swell a realizarem solos <strong>de</strong><br />

cortar a respiração, sem per<strong>de</strong>r<br />

nunca a ligação com a temática das<br />

canções.<br />

Mesmo <strong>nos</strong> momentos mais<br />

líricos, como nas partes <strong>de</strong> flauta em<br />

“Sketch #1”, está sempre presente<br />

uma tensão vital que atravessa todo<br />

o disco. Visivelmente inspirados,<br />

Blum, Heyner e Kugel não se limitam<br />

apenas ao papel <strong>de</strong> acompanhantes,<br />

assumindo antes um discurso activo,<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>, numa<br />

comunicação constante que<br />

fortalece a estrutura dos temas.<br />

Destaque para o fabuloso labirinto<br />

rítmico construído em “Where are<br />

the heartfelt?”. O tipo <strong>de</strong> música que<br />

<strong>nos</strong> leva a acreditar no futuro do<br />

jazz.<br />

Sobre o amor<br />

Reencontro, poético e<br />

intenso, <strong>de</strong> duas figuras<br />

maiores do jazz, Keith Jarrett<br />

e Charlie Ha<strong>de</strong>n. Sob o<br />

signo da amiza<strong>de</strong> e do amor.<br />

Rodrigo Amado<br />

Keith Jarrett<br />

Charlie Ha<strong>de</strong>n<br />

Jasmine<br />

ECM; distri. Dargil<br />

mmmmn<br />

É certo que Keith Jarrett per<strong>de</strong>u já<br />

alguma da aura mítica que ro<strong>de</strong>ava<br />

cada uma das suas novas produções.<br />

Hoje, um disco como “Jasmine” não<br />

é aguardado com a mesma<br />

Steve Swell: o tipo <strong>de</strong> música que <strong>nos</strong> leva a acreditar no futuro do jazz<br />

Keith Jarrett não per<strong>de</strong>u ponta do talento que o<br />

consagrou como um dos maiores pianistas jazz<br />

expectativa com<br />

que o foi cada novo<br />

volume da<br />

excelente série<br />

“Standards”. No<br />

entanto, é também<br />

certo que o polémico pianista,<br />

conhecido pelo seu feitio irrascível,<br />

não per<strong>de</strong>u ponta do talento que o<br />

consagrou como um dos mais<br />

importantes pianistas jazz <strong>de</strong><br />

sempre. Em “Testament”, disco<br />

triplo gravado ao vivo em Paris e<br />

Londres, editado no ano passado,<br />

Jarrett dava novamente provas da<br />

sua genialida<strong>de</strong> com um dos registos<br />

a solo mais vibrantes dos últimos<br />

a<strong>nos</strong>.<br />

Neste novo disco, encontro <strong>de</strong><br />

gigantes partilhado com o mítico<br />

contrabaixista Charlie Ha<strong>de</strong>n —<br />

curiosamente gravado um ano antes<br />

<strong>de</strong> “Testament” —, a gravação é feita<br />

em ambiente intimista, no estúdio<br />

caseiro <strong>de</strong> Jarrett, e não chega a ter a<br />

mesma força <strong>de</strong> “Testament”. Nem o<br />

preten<strong>de</strong> ter. A uma relativa<br />

previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimentos<br />

musicais, os dois músicos<br />

contrapõem um lirismo<br />

<strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iramente especial e uma<br />

poética a que só os gran<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m<br />

ace<strong>de</strong>r.<br />

É impressionante observar a<br />

colocação das notas <strong>de</strong> Ha<strong>de</strong>n, num<br />

entrelaçado perfeito com as<br />

melodias do piano — um bailado<br />

on<strong>de</strong> não existe uma única nota a<br />

mais. E <strong>de</strong>pois há ainda o som — logo<br />

no primeiro tema, o belíssimo “For<br />

all we know”, quando Ha<strong>de</strong>n inicia<br />

as suas variações a solo, somos<br />

transportados para um mundo<br />

intenso e mágico como poucos,<br />

marcado pelo tom particularmente<br />

orgânico do seu contrabaixo. Num<br />

repertório formado por “standards”<br />

e canções <strong>de</strong> amor — baladas,<br />

essencialmente — a comunicação<br />

entre ambos é telepática e eleva as<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

melodias à condição <strong>de</strong> intemporais,<br />

transparecendo a longa<br />

cumplicida<strong>de</strong> entre os dois músicos.<br />

Destaque para a beleza radiante <strong>de</strong><br />

“Where can I go without you”, <strong>de</strong><br />

Peggy Lee e Victor Young.<br />

Clássica<br />

O melhor <strong>de</strong><br />

César Franck<br />

Um disco essencial para<br />

conhecer o melhor <strong>de</strong><br />

César Franck nas mãos <strong>de</strong><br />

um gran<strong>de</strong> intérprete. Rui<br />

Pereira<br />

César Franck<br />

Obras para piano<br />

Bertrand Chamayou, piano piano<br />

Olivier Olivier Latry, harmónio<br />

Royal Scottish Scottish National<br />

Orchestra<br />

Stéphane Denève, direcção<br />

Naïve Naïve V5208<br />

mmmmm<br />

Com este CD monográfico <strong>de</strong> César<br />

Franck (com obras para piano a solo,<br />

piano e orquestra e piano e<br />

harmónio), o jovem pianista francês<br />

Bertrand Chamayou revela toda a<br />

beleza oculta <strong>de</strong> peças que muitas<br />

vezes são erradamente associadas a<br />

uma certa austerida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma.<br />

Este é um CD magnífico pela escolha<br />

do repertório, reunindo as obras<br />

mais importantes do compositor, e<br />

pela forma como faz sobressair o<br />

lado mais lírico da sua escrita, bem<br />

como uma gran<strong>de</strong> riqueza <strong>de</strong><br />

coloridos harmónicos que<br />

Chamoyou controla com gran<strong>de</strong><br />

expressivida<strong>de</strong>.<br />

O pianista revela-se um músico<br />

muito completo, capaz <strong>de</strong> tocar <strong>nos</strong><br />

principais géneros <strong>de</strong> música com<br />

piano, <strong>de</strong>monstrando gran<strong>de</strong><br />

empatia para com os seus pares. A<br />

solo alcança uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

dinâmicas e in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong><br />

timbres que lhe dá uma gran<strong>de</strong><br />

clareza polifónica e uma paleta <strong>de</strong><br />

sonorida<strong>de</strong>s invejável. No caso das<br />

“Variações Sinfónicas para piano e<br />

orquestra”, obtém uma<br />

interpretação magistral revelando<br />

ambientes sonhadores, misteriosos<br />

e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> fantasia, por vezes<br />

cristali<strong>nos</strong>, outras vezes majestosos,<br />

contando, também, com uma<br />

orquestra ao melhor nível.<br />

Em termos <strong>de</strong> repertório, a gran<strong>de</strong><br />

surpresa revela-se no “Prelúdio,<br />

Coral e Fuga para piano e<br />

harmónio”, uma peça mais<br />

conhecida na sua <strong>ver</strong>são posterior<br />

para órgão, mas nesta forma original<br />

absolutamente genial. Tem um forte<br />

sabor popular mas é <strong>de</strong> uma<br />

inspiração natural tocante, on<strong>de</strong><br />

sobressai um carácter<br />

acentuadamente francês reforçado<br />

pela própria sonorida<strong>de</strong> do<br />

instrumento. Cabe referir que num<br />

disco com excelente técnica <strong>de</strong><br />

gravação se <strong>de</strong><strong>ver</strong>ia ter evitado o<br />

registo <strong>de</strong> um ou outro virar <strong>de</strong><br />

pá ppágina. gina.<br />

Bertrand Chamayou, um músico muito completo


Teatro<br />

“O Ginjal”: Mónica Calle regressa<br />

a Tchékhov<br />

Agenda<br />

Teatro<br />

Continuam<br />

O Ginjal ou os Sonhos das<br />

Cerejas<br />

A partir <strong>de</strong> Tchékhov. Pela Casa<br />

Conveniente. Encenação <strong>de</strong> Mónica<br />

Calle. Com Ana Ribeiro, David Pereira<br />

Bastos, Hugo Bettencourt, José<br />

Miguel Vitorino, Luís Fonseca, Miguel<br />

Moreira, Mónica Calle, Mónica<br />

Garnel, Rita Só, Rute Cardoso, Tiago<br />

Barbosa, Tiago Vieira.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - Sala<br />

Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 01/07 a<br />

11/07. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h30. Tel.:<br />

218438801. 5€ a 12€.<br />

Brel <strong>nos</strong> Açores<br />

De Nuno Costa Santos. Com Dinarte<br />

Branco.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Jardim <strong>de</strong><br />

In<strong>ver</strong>no. R. Antº Maria Cardoso, 38-58. Até 26/06.<br />

5ª a Sáb. às 22h. Tel.: 213257650. 10€.<br />

Todos os que Falam<br />

De Samuel Beckett. Encenação <strong>de</strong><br />

Nuno Carinhas. Com Alexandra<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Num oceano<br />

sem água<br />

“Learning to Swim” é<br />

natação sincronizada <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> uma piscina vazia. E,<br />

claro, algo mais do que isso.<br />

Ana Dias Cor<strong>de</strong>iro<br />

Learning to Swim<br />

De Alexan<strong>de</strong>r Kelly, Paula Diogo.<br />

Pela Má Criação. Com Alfredo<br />

Martins, Carlos Alves, Cláudia<br />

Gaiolas, Estelle Franco, Masako<br />

Hattori e Paula Diogo.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Piscina <strong>Municipal</strong> do Areeiro. Av. <strong>de</strong> Roma,<br />

28. Até 30/06. 2ª a Sáb. às 21h30. 5€ a 12€.<br />

Os muros em volta, carregados <strong>de</strong><br />

“graffiti”, podiam ter saído <strong>de</strong> um<br />

subúrbio. Como os balneários, com<br />

as suas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente<br />

pintadas. O espaço não está<br />

completamente fechado. Os seus<br />

recantos servem para casais<br />

namorarem, as rampas a <strong>de</strong>scoberto<br />

do fundo da piscina para os “skaters”<br />

treinarem, e as pare<strong>de</strong>s para os<br />

“graffiters” montarem projectos.<br />

Quem não sabe do abandono do<br />

espaço, entra e pergunta se há aulas<br />

<strong>de</strong> natação para crianças. Já não há, a<br />

não ser por estes dias. Mas à noite.<br />

Paula Diogo, artista portuguesa<br />

sob influência <strong>de</strong> Alexan<strong>de</strong>r Kelly<br />

(não é caso isolado), juntou-se ao<br />

encenador e fundador da<br />

companhia britânica Third Angel<br />

para apresentar “Learning to Swim”<br />

na Piscina <strong>Municipal</strong> do Areeiro, em<br />

<strong>Lisboa</strong>. Numa troca <strong>de</strong><br />

correspondência que os dois<br />

criadores iniciaram logo que se<br />

conheceram, ele perguntou-lhe:<br />

sobre o que pensas quando olhas<br />

Todos os<br />

que Falam<br />

Gabriel, Emília<br />

Silvestre, João<br />

Cardoso, Rosa<br />

Quiroga.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional<br />

D. Maria II - Sala<br />

Garrett. Pç. D. Pedro IV.<br />

De 25/06 a 04/07. 4ª a<br />

Sáb. às 21h30. Dom. às<br />

16h. Tel.: 213250835.<br />

7,5€ a 16€.<br />

Vai Vem<br />

A partir <strong>de</strong><br />

Beckett, Camões, Pessoa,<br />

Shakespeare. Encenação <strong>de</strong> José<br />

Wallenstein. Com Sandra Celas.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Clube Estefânia. R. Alexandre Braga, 24-A.<br />

Até 27/06. 5ª a Dom. às 22h. Tel.: 213542249. 10€.<br />

Cabeças Falantes - Festival <strong>de</strong><br />

Monólogos.<br />

O Burguês Fidalgo<br />

De Molière. Encenação <strong>de</strong> Cláudio<br />

Hochman. Com Alexandre Ferreira,<br />

Catarina Guerreiro, Fernanda Paulo,<br />

Joana Duarte Silva, João Di<strong>de</strong>let,<br />

Marina Albuquerque, Paulo Duarte<br />

Ribeiro, Sílvia Filipe.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Palácio Beau Séjour. Estrada <strong>de</strong> Benfica. Até<br />

Festival tival<br />

O Festival das<br />

Companhias<br />

Companhias,<br />

organizado em<br />

parceria pa p rce por<br />

seis estruturas<br />

<strong>de</strong> criação<br />

teatral te fora<br />

do eixo<br />

<strong>Lisboa</strong>-<br />

Porto Po (A<br />

Escola da Noite,<br />

<strong>de</strong> d Coim Coimbra,<br />

a ACTA, ACTA do<br />

“Learning to Swim”: o espectáculo<br />

da Má Criação não vai meter água<br />

para o oceano? A resposta não foi a<br />

que Kelly esperava, mas inspirou a<br />

peça que se estreou ontem e fica até<br />

dia 30 no espaço abandonado<br />

daquela piscina. Paula Diogo,<br />

confessa, não sabe nadar, mas<br />

argumenta que com essa “falha” tem<br />

algo a dizer sobre o tema. Como o<br />

tem também o “espaço falhado” que<br />

serve <strong>de</strong> cenário a esta aula especial.<br />

O espectáculo faz parte da<br />

programação do Teatro Maria Matos,<br />

ali ao lado, que pediu a ligação<br />

eléctrica e a reabilitação das<br />

condições mínimas logísticas, bem<br />

como a limpeza <strong>de</strong> seringas e outros<br />

objectos <strong>de</strong>positados, para que<br />

Paula Diogo, Alexan<strong>de</strong>r Kelly e um<br />

colectivo <strong>de</strong> criadores <strong>de</strong> várias<br />

nacionalida<strong>de</strong>s encenassem<br />

“Learning to Swim”.<br />

25/07. 3ª a Dom. às 20h. Tel.: 217712420. Entrada<br />

gratuita.<br />

Fim <strong>de</strong> Partida<br />

De Samuel Beckett. Encenação <strong>de</strong><br />

Julio Castronuovo. Com António Reis,<br />

João Melo, Romi Soares, João Paulo.<br />

Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Avenida<br />

Serpa Pinto. Até 27/06. 4ª a Sáb. às 21h30. Tel.:<br />

229392320.<br />

Mulheres Profundas, Animais<br />

Superfi ciais<br />

De Howard Barker. Pelas Boas<br />

Raparigas. Encenação <strong>de</strong> Rogério <strong>de</strong><br />

Carvalho. Com Carla Miranda, Maria<br />

do Céu Ribeiro e Miguel Eloy.<br />

Porto. Estúdio Zero. R. do Heroísmo, 86. Até 4/07. 3ª<br />

a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h. Tel.: 225373265.<br />

O Rei Está a Morrer<br />

De Eugene Ionesco. Pela Comuna.<br />

Encenação <strong>de</strong> João Mota. Com Carlos<br />

Paulo, Ana Lúcia Palminha, Tânia<br />

Alves, Rui Neto, Alexandre Lopes,<br />

Mia Farr.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 27/06.<br />

4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 217221770. 5€.<br />

Não<br />

De e com Hél<strong>de</strong>r Guimarães.<br />

Algarve, o CENDREV, <strong>de</strong><br />

Évora, a Companhia <strong>de</strong><br />

Teatro <strong>de</strong> Braga, o Teatro<br />

das Beiras, da Covilhã, e<br />

o Teatro <strong>de</strong> Montemuro,<br />

<strong>de</strong> Castro Daire)<br />

prossegue até domingo,<br />

em Coimbra. O programa<br />

dos próximos dias passa<br />

pela apresentação das<br />

peças “Presos por uma<br />

corrente <strong>de</strong> ar”, do<br />

Teatro <strong>de</strong> Montemuro<br />

Em volta, os muros com espaços<br />

abertos cercam as bancadas que<br />

<strong>de</strong>sembocam no espaço vazio <strong>de</strong><br />

uma piscina pintada <strong>de</strong> branco, com<br />

as suas janelas redondas <strong>de</strong> lado,<br />

como num navio, e linhas azuis no<br />

chão. Por cima das linhas caminham<br />

seis pessoas que começam por<br />

entrar por seis pranchas azuis. Vãose<br />

<strong>de</strong>sdobrando noutras, pela forma<br />

como se movem, os objectos que<br />

carregam ou o que vestem neste<br />

mundo subaquático, on<strong>de</strong> recriam<br />

uma coreografia <strong>de</strong> natação<br />

sincronizada, com a diferença <strong>de</strong><br />

aqui tudo se passar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />

piscina sem água.<br />

A peça po<strong>de</strong> ser sobre muitas<br />

coisas, como sugerem os próprios<br />

actores com frases em várias línguas:<br />

o céu, o medo, a curiosida<strong>de</strong>, o<br />

Porto. Sala-Estúdio Latino. R. Sá da Ban<strong>de</strong>ira, 108.<br />

Até 27/06. 4ª a Dom. às 21h45. Tel.: 222003595.<br />

Flatspin - Um Apartamento em<br />

Apuros<br />

De Alan Ayckbourn. Encenação <strong>de</strong><br />

Rui Luís Brás. Com Alexandra Rocha,<br />

Duarte Grilo, Gonçalo Lello, Jaime<br />

Aragão da Rocha, Manoela Amaral,<br />

Maria José Baião, Suzana Farrajota.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Tivoli. Av. Liberda<strong>de</strong>, 182. Até 27/06.<br />

5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213572025.<br />

O Saguão<br />

De Spiro Scimone. Pelo Teatro dos<br />

Aloés. Encenação <strong>de</strong> Jorge Silva. Com<br />

Daniel Martinho, João <strong>de</strong> Brito, Luis<br />

Barros.<br />

(hoje, às 22h, no Pátio da<br />

Inquisição, com entrada<br />

gratuita), “George<br />

Dandin”, <strong>de</strong> Molière, pela<br />

ACTA (sábado, às 21h30,<br />

no Teatro da Cerca <strong>de</strong><br />

São Bernardo) e “Sabina<br />

Freire”, coprodução<br />

Companhia <strong>de</strong> Teatro<br />

<strong>de</strong> Braga / A Escola da<br />

Noite (domingo, às 21h30,<br />

também no Teatro da<br />

Cerca <strong>de</strong> São Bernardo).<br />

querer fazer tudo, ou simplesmente<br />

sobre esten<strong>de</strong>r os braços à frente do<br />

corpo e avançar sem medo para<br />

nadar ou caminhar. “Umas frases são<br />

instruções muito específicas sobre o<br />

acto <strong>de</strong> nadar, outras são mais<br />

poéticas ou filosóficas”, explica<br />

Paula Diogo. Nasceram dos vários<br />

encontros entre os criadores<br />

à volta do tema e <strong>de</strong> cruzamentos <strong>de</strong><br />

histórias tiradas <strong>de</strong> livros:<br />

por exemplo, <strong>de</strong> “As Ondas”, <strong>de</strong><br />

Virginia Woolf.<br />

Ha<strong>ver</strong>á sempre obstáculos – ou o<br />

medo – a combater. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> falhanço<br />

atravessa “Learning to Swim”.<br />

Falhanço <strong>de</strong> um lugar — o da piscina<br />

abandonada — ou <strong>de</strong> uma pessoa, num<br />

mundo em que é suposto apren<strong>de</strong>r a<br />

fazer certas coisas em certas alturas.<br />

Como nadar quando se é pequeno.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Meridional. R. do Açucar, 64 - Poço do<br />

Bispo. Até 27/06. 4ª a Dom. às 22h. Tel.: 218689245.<br />

As Ca<strong>de</strong>iras<br />

De Eugène Ionesco. Encenação <strong>de</strong><br />

Pablo Fernando. Com Diogo Andra<strong>de</strong>,<br />

Nádia Nogueira, Pablo Fernando.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 04/07.<br />

5ª a Dom. às 21h30. Tel.: 217221770. 10€.<br />

IN Possibilida<strong>de</strong><br />

De Joana Furtado. Encenação <strong>de</strong><br />

Joana Furtado. Com José Mateus,<br />

Nuno Bernardo, Pedro Barbeitos,<br />

Ruben Garcia, Ruben Saints.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Casa Conveniente. Rua Nova do Carvalho, 11<br />

(ao Cais do Sodré). Até 28/06. 2ª a Dom. às 22h. Tel.:<br />

964407007.<br />

Dança<br />

Estreiam<br />

Antonio & Miguel<br />

De e com Antonio Tagliarini, Miguel<br />

Pereira.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. De 01/07 a 02/07. 5ª e 6ª às 21h30. Tel.:<br />

217905155. 5€ a 15€.<br />

Ver texto págs. 26 e 27<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 51<br />

NUNO OLIVEIRA


Cinema<br />

52 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Estreiam<br />

Todas essas<br />

mulheres<br />

É este o convite <strong>de</strong> “Shirin”:<br />

espectadores <strong>de</strong> cinema,<br />

venham <strong>ver</strong> outros<br />

espectadores <strong>de</strong> cinema.<br />

Luís Miguel Oliveira<br />

Shirin<br />

De Abbas Kiarostami<br />

com Rana Azadivar, Vishka Asayesh,<br />

Darya Ashouri, Pegah Ahangarani,<br />

Shiva Ebrahimi, Niloofar Adibpour,<br />

Khatareh Asadi , Juliette Binoche. M/12<br />

MMMMn<br />

“Shirin” é a mais sofi sticada “mise-en-scène”<br />

do olhar que alguma vez alguém fez<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª 2ª<br />

<strong>Lisboa</strong>: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 6: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h45, 24h<br />

Domingo 11h30, 14h, 16h30, 19h, 21h45, 24h;<br />

Porto: Nun`Álvares: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 19h30.<br />

Que é feito <strong>de</strong> nós, espectadores <strong>de</strong><br />

cinema? E lembramo-<strong>nos</strong> do que<br />

dizia Serge Daney, que vamos ao<br />

cinema para que o filme <strong>nos</strong> veja?<br />

Em primeiro lugar, “Shirin” é isto:<br />

um olhar — apetece dizer: “elegíaco”<br />

— sobre essa espécie que todos os<br />

relatórios dão como estando em vias<br />

<strong>de</strong> extinção, o espectador <strong>de</strong><br />

cinema; e um filme que se põe no<br />

lugar do filme, como um plano<br />

subjectivo do próprio ecrã, no<br />

momento em que olha para os seus<br />

espectadores. Por outras palavras, é<br />

este o convite <strong>de</strong> “Shirin”:<br />

espectadores <strong>de</strong> cinema, venham<br />

<strong>ver</strong> outros espectadores <strong>de</strong> cinema.<br />

É um resumo muito simples do<br />

filme? É. Mas é importante preservar<br />

“Duas Mulheres”, <strong>de</strong> João Mário Grilo: glacial, “sem alma”, refl exo <strong>de</strong> uma<br />

contemporaneida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> um certo olhar <strong>de</strong>sapiedado sobre o mundo<br />

essa simplicida<strong>de</strong>, porque também é<br />

<strong>de</strong>la que Kiarostami está à procura.<br />

Olhos <strong>nos</strong> <strong>olhos</strong>, ou quase;<br />

questão <strong>de</strong> ângulos, a câmara<br />

<strong>de</strong>ambula perante a plateia, em<br />

movimentos laterais, mas é raro que<br />

apanhe alguém a olhar directamente<br />

para ela, antes um pouco mais para<br />

o lado ou um pouco mais para cima,<br />

para o lugar do suposto écrã, on<strong>de</strong><br />

está ser exibido um suposto filme<br />

baseado numa velha lenda persa<br />

sobre um amor <strong>de</strong> perdição (é a<br />

heroína <strong>de</strong>ssa lenda, Shirin, que dá<br />

nome ao filme). O efeito especular<br />

não é, em rigor, total, mas a sua<br />

sugestão é fortíssima — e é por isso<br />

que a sua dinâmica conceptual pe<strong>de</strong><br />

que o filme seja visto em sala <strong>de</strong><br />

cinema, em situação “clássica”,<br />

pesem embora todas as vezes em<br />

que já lemos essa mesma dinâmica<br />

conceptual <strong>de</strong> “Shirin” ser<br />

comparada a uma “instalação”,<br />

assim menorizando o sentido que o<br />

filme faz em condições tradicionais<br />

<strong>de</strong> recepção (sentido que, parece<strong>nos</strong>,<br />

só nestas condições é pleno).<br />

Isto é o geral, passemos aos<br />

pormenores, sobretudo a este,<br />

fundamental: a plateia é composta<br />

essencialmente por mulheres, cento<br />

e tal actrizes iranianas <strong>de</strong> todas as<br />

ida<strong>de</strong>s, no meio das quais<br />

Kiarostami sentou ainda a bem<br />

conhecida Juliette Binoche — e o<br />

efeito <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong> cada<br />

vez que ela aparece em campo é<br />

estranho, quase uma interrupção da<br />

“suspension of disbelief” ou coisa<br />

parecida, mas nada <strong>nos</strong> garante que<br />

Kiarostami não a convidou<br />

justamente em busca <strong>de</strong>sse efeito.<br />

No seu segmento para o “A Cada um<br />

o seu Cinema” (o filme <strong>de</strong> conjunto<br />

promovido pelo Festival <strong>de</strong> Cannes)<br />

Kiarostami já ensaiara o caminho <strong>de</strong><br />

“Shirin”, e há uma sequência<br />

parecida com este dispositivo<br />

(usando, no caso, uma<br />

representação <strong>de</strong> teatro Nô) no<br />

“Pont <strong>de</strong>s Arts” do tão vilipendiado<br />

Eugène Green. Não é,<br />

evi<strong>de</strong>ntemente, a “originalida<strong>de</strong>”<br />

que é importante, mas a sua<br />

transformação numa experiência<br />

contemplativa <strong>de</strong> fundo, que<br />

progressivamente con<strong>ver</strong>te a sua<br />

simplicida<strong>de</strong> poética numa<br />

crescente ambiguida<strong>de</strong> — “Shirin” é<br />

um filme sobre o rosto feminino,<br />

feito numa socieda<strong>de</strong> islâmica<br />

teocrática — e num novelo artificioso<br />

que no fundo é o mesmo <strong>de</strong> todos os<br />

filmes <strong>de</strong> Kiarostami.<br />

Contrariamente às evidências, as<br />

mulheres não estão a <strong>ver</strong> filme<br />

nenhum, nem é seguro que estejam<br />

a ouvir o que nós ouvimos (o som e<br />

os diálogos do suposto filme):<br />

olhamos para elas sem saber o que é<br />

“reacção” e o que é<br />

“representação”, o que é<br />

“espontâneo” e o que é<br />

“encenação”. Razão para suspeitar,<br />

ou mais do que isso, para afirmar,<br />

que “Shirin” é a mais sofisticada<br />

“mise-en-scène” do olhar que<br />

alguma vez alguém fez.<br />

Seguramente, a mais bela.<br />

No reino dos<br />

espectros<br />

João Mário Grilo filma com<br />

rigor milimétrico, gelando<br />

tudo à passagem da câmara.<br />

Mário Jorge Torres<br />

Duas Mulheres<br />

De João Mário Grilo<br />

com Beatriz Batarda, Nicolau<br />

Breyner, Virgílio Castelo, Débora<br />

Monteiro.<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª<br />

2ª 3ª 4ª 13h35, 15h35, 17h35, 19h35, 21h35, 23h35<br />

Sábado Domingo 11h35, 13h35, 15h35, 17h35, 19h35,<br />

21h35, 23h35; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2:<br />

5ª 2ª 3ª 4ª 13h35, 15h35, 17h35, 19h35, 21h45 6ª<br />

13h35, 15h35, 17h35, 19h35, 21h45, 24h Sábado<br />

11h35, 15h35, 17h35, 19h35, 21h45, 24h Domingo<br />

11h35, 15h35, 17h35, 19h35, 21h45; ZON Lusomundo<br />

Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h20, 15h45, 19h, 21h55, 00h25; ZON Lusomundo<br />

Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h50, 18h50, 21h40, 00h30;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 14h10, 16h50, 19h10, 21h30, 00h10 3ª 4ª 16h50,<br />

19h10, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h40, 16h10, 18h40, 22h, 00h25; ZON Lusomundo<br />

Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h10, 15h20, 17h30, 19h50, 22h10, 00h40;<br />

Se existe alguma marca distintiva na<br />

obra <strong>de</strong> João Mário Grilo, ela passa<br />

por um extremo rigor, uma quase<br />

ascética visão do plano, das<br />

movimentações <strong>de</strong> câmara, das<br />

motivações das personagens, dos<br />

objectivos finais da ficção<br />

construída. Foi assim com a<br />

representação da História em “O<br />

Processo do Rei” (1990), em tom <strong>de</strong><br />

quase reportagem, ou em “Os Olhos<br />

da Ásia” (1996), cristalizando o mito<br />

sacrificial. Foi também assim pelo<br />

modo como se interroga a dimensão<br />

política do país real em “O Fim do<br />

Mundo” (1992) ou “Longe da Vista”<br />

(1998). “A Falha” (2000) “falhara” o<br />

alvo, numa narrativa algo<br />

<strong>de</strong>sconjuntada e, por isso, ansiava-se<br />

pela mais recente longa-metragem<br />

para <strong>nos</strong> restituir uma imagem mais<br />

condizente com a importância da<br />

sua radical diferença, no modo<br />

como percepciona Portugal e as suas<br />

contradições mais fundas.<br />

“Duas Mulheres” não po<strong>de</strong>ria<br />

começar <strong>de</strong> melhor forma: uma<br />

imagem a preto-e-branco, como se<br />

<strong>de</strong> um registo <strong>de</strong> tráfico se tratasse,<br />

imobiliza um carro na auto-estrada,<br />

acompanhando o genérico e abrindo<br />

para o confronto inicial entre as<br />

duas personagens femininas, em<br />

curioso duelo, marcado pelos<br />

silêncios e mistérios <strong>de</strong> uma<br />

hipótese <strong>de</strong> “thriller” psicanalítico.<br />

Aliás, esta i<strong>de</strong>ia do “thrilller” vai<br />

aflorando ao longo <strong>de</strong> todo o filme,<br />

sem que se vislumbre uma opção<br />

clara, mesmo na inscrição (quase)<br />

final do crime, filmado, como<br />

sempre em Grilo, com uma secura<br />

que <strong>de</strong>sarma e confun<strong>de</strong>.<br />

Nos muitos caminhos traçados, a<br />

sequência do jantar, formada por<br />

quatro casais geometricamente<br />

dispostos em redor da mesa, inscreve<br />

uma nova e importante pista <strong>de</strong><br />

leitura: a gran<strong>de</strong> finança e os seus<br />

jogos <strong>de</strong> mitigado po<strong>de</strong>r, numa<br />

economia globalizada que serve <strong>de</strong><br />

pano <strong>de</strong> fundo ao crescente romance<br />

entre as duas mulheres do título, uma<br />

psicanalista frustrada no casamento e<br />

uma mo<strong>de</strong>lo, fútil e insidiosa,<br />

dobrada <strong>de</strong> prostituta <strong>de</strong> luxo.<br />

Por esta <strong>ver</strong>tente sensual<br />

po<strong>de</strong>riam passar as regras<br />

organizadoras do melodrama, caso<br />

João Mário Grilo não optasse, <strong>de</strong><br />

novo, pelo distanciamento e por<br />

uma espécie <strong>de</strong> frieza<br />

racionalizante, que reduz os<br />

encontros a resquícios<br />

<strong>de</strong>smembrados <strong>de</strong> mais um jogo <strong>de</strong><br />

sedução, operado por mensagens<br />

crípticas <strong>de</strong> telemóvel e cruas<br />

exibições <strong>de</strong> nu<strong>de</strong>z. Toda a<br />

estratégia do cineasta passa por<br />

evitar qualquer expressão do<br />

sentimento, com a possível excepção<br />

da visita à antiga casa da médica e da<br />

ida ao rio, mesmo assim filtrada por<br />

um estrito código <strong>de</strong> rigi<strong>de</strong>z no olhar<br />

sobre os corpos. O que lhe interessa<br />

<strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iramente é o vazio da<br />

inscrição social <strong>de</strong> personagens<br />

complexas, mas frígidas.<br />

No centro <strong>de</strong> toda a dança <strong>de</strong><br />

mortes anunciadas, está a força<br />

interpretativa da que é, porventura,<br />

a maior actriz portuguesa <strong>de</strong><br />

cinema, Beatriz Batarda, contida<br />

numa interiorida<strong>de</strong> feita <strong>de</strong> sorrisos<br />

e <strong>de</strong> peque<strong>nos</strong> gestos. Por ela passa<br />

tudo, o <strong>de</strong>sejo controlado, a raiva<br />

surda, o retrato codificado <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> hipócrita e apodrecida,<br />

explodindo (um pouco) na belíssima


As estrelas do público<br />

sequência do ani<strong>ver</strong>sário do<br />

financeiro (Nicolau Breyner, mais<br />

uma vez a compor a personagem<br />

com enorme economia <strong>de</strong> meios<br />

expressivos), metonímia <strong>de</strong> um país<br />

em queda. Um dos mais belos pla<strong>nos</strong><br />

do filme faz-se <strong>de</strong> fora para <strong>de</strong>ntro<br />

da casa, com a câmara a fixar, entre<br />

janelas, uma festa <strong>de</strong> fantoches<br />

congelados no tempo, em volta <strong>de</strong><br />

um bolo, cujas velas se apagam em<br />

triste anúncio <strong>de</strong> uma felicida<strong>de</strong><br />

impossível.<br />

João Mário Grilo filma sempre<br />

muito bem, com o tal rigor<br />

milimétrico que impe<strong>de</strong> qualquer<br />

intervenção dos sentimentos,<br />

gelando tudo à passagem da câmara,<br />

fria como um bisturi que disseca o<br />

mundo que <strong>de</strong>screve: os corredores<br />

do hotel, a <strong>de</strong>coração medida dos<br />

interiores da casa do casal, o “court”<br />

<strong>de</strong> ténis fechado entre gra<strong>de</strong>s, tudo<br />

<strong>de</strong>termina um território<br />

fantasmático, povoado por espectros<br />

disfarçados <strong>de</strong> gente. Falta carne e<br />

sangue às figuras que se <strong>de</strong>slocam<br />

como “zombies” por entre as ruínas<br />

<strong>de</strong> um mundo em que o sexo<br />

funciona como um ruído <strong>de</strong> corpos<br />

que se tocam sem se<br />

interpenetrarem. Mais uma vez por<br />

opção, a relação lésbica encontra-se<br />

con<strong>de</strong>nada pela distância da câmara<br />

a um exercício <strong>de</strong> “voyeurismo”<br />

<strong>de</strong>sgarrado e perturbante.<br />

O final é bizarro, sem que se<br />

entenda muito bem a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> o localizar num “longínquo”<br />

2014, embora cumpra a função <strong>de</strong><br />

mostrar o futuro igual ao presente (e<br />

ao passado), com as personagens<br />

executando os mesmos vazios rituais<br />

<strong>de</strong> sobrevivência social. Sem este<br />

epílogo “anti-trágico”, o <strong>de</strong>smaio da<br />

protagonista perante o cadá<strong>ver</strong> da<br />

“amante” <strong>de</strong> <strong>olhos</strong> abertos para o<br />

vazio correria o risco <strong>de</strong> adicionar<br />

um “pathos” que o realizador queria<br />

a todo o custo evitar. Faz falta este<br />

“pathos” que conferiria outra<br />

gran<strong>de</strong>za ao “romance”? Talvez,<br />

mas encaixaria num outro filme,<br />

uma espécie <strong>de</strong> “film noir” que<br />

apenas existe nas entrelinhas,<br />

embora pontue, aqui e ali, gestos e<br />

fragmentos <strong>de</strong> um cinema<br />

(<strong>de</strong>masiadamente?) autoconsciente.<br />

O que faz a gran<strong>de</strong>za e o limite <strong>de</strong>ste<br />

discurso <strong>de</strong>scaradamente<br />

<strong>de</strong>sconstrutivo passa, precisamente,<br />

por esta glacial postura <strong>de</strong> objecto<br />

“sem alma”, reflexo <strong>de</strong> uma certa<br />

contemporaneida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> um certo<br />

olhar <strong>de</strong>sapiedado sobre o mundo.<br />

Como se queria <strong>de</strong>monstrar…<br />

Sem Nome<br />

Sin Nombre<br />

De Cary Joji Fukunaga<br />

com Edgar Flores, Kristyan Ferrer,<br />

Tenoch Huerta Mejía, Diana García.<br />

M/16<br />

MMMnn<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

<strong>Lisboa</strong>: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 10: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h25, 18h50, 21h40, 00h10<br />

Domingo 11h30, 14h, 16h25, 18h50, 21h40, 00h10;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 18: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 14h20, 16h45, 19h10, 21h30, 00h10 3ª<br />

4ª 16h45, 19h10, 21h30, 00h10;<br />

Apesar <strong>de</strong> vir apadrinhado por Gael<br />

García Bernal e Diego Luna, coprodutores<br />

do filme através da sua<br />

companhia Canana, “Sem Nome” é a<br />

estreia na realização do nipoamericano<br />

Cary Fukunaga — o que<br />

corre o risco <strong>de</strong> cantonar<br />

erradamente o filme na prateleira<br />

dos objectos cinematográficos <strong>de</strong><br />

“turismo bem-intencionado”. Nada<br />

mais longe da <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>: o olhar <strong>de</strong><br />

Fukunaga sobre a realida<strong>de</strong><br />

quotidiana da América Latina e as<br />

razões da emigração ilegal para os<br />

EUA, ancorado numa narrativa<br />

dramática mais ou me<strong>nos</strong><br />

tradicional com ecos actualizados<br />

dos velhos dramas <strong>de</strong> gangues <strong>de</strong><br />

rua, evita as con<strong>de</strong>scendências e<br />

muitos dos lugares-comuns que se<br />

esperariam <strong>de</strong> um olhar externo<br />

sobre uma questão escaldante.<br />

“Sem Nome” cruza os percursos<br />

<strong>de</strong> Sayra, que segue o pai e o tio em<br />

busca <strong>de</strong> uma vida melhor <strong>nos</strong> EUA,<br />

e Willy, em fuga <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter traído<br />

o gangue a que pertence — e o filme<br />

começa a ganhar-se logo no<br />

<strong>de</strong>sencanto e no pragmatismo <strong>de</strong>stas<br />

personagens, para quem a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

um “futuro melhor” é um sonho<br />

praticamente inalcançável.<br />

Depois, há o olho <strong>de</strong> um cineasta<br />

que se recusa a explorar a beleza das<br />

paisagens naturais que os seus<br />

migrantes atravessam, usando-a<br />

como simples nota <strong>de</strong> contraste com<br />

as dificulda<strong>de</strong>s que os espreitam na<br />

longa viagem clan<strong>de</strong>stina em cima<br />

<strong>de</strong> comboios <strong>de</strong> mercadorias —<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

viagem que o próprio Fukunaga<br />

realizou como preparação para o<br />

filme e à qual se po<strong>de</strong> atribuir a<br />

sensação <strong>de</strong> <strong>ver</strong>acida<strong>de</strong> que se<br />

<strong>de</strong>spren<strong>de</strong> <strong>de</strong> “Sem Nome”, mesmo<br />

quando a narrativa arrisca tombar<br />

na convenção. É uma estreia com<br />

garra e cabeça, que fala <strong>de</strong> coisas<br />

sérias sem as sublinhar a traço<br />

grosso. Jorge Mourinha<br />

Partir<br />

De Catherine Corsini<br />

com Kristin Scott Thomas, Sergi<br />

López, Yvan Attal.<br />

MMnnn<br />

Mário<br />

J. Torres<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

Atraídos pelo Crime mnnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Duas Mulheres mmnnn nnnnn mmmnn nnnnn<br />

Ela é Demais Para Mim nnnnn nnnnn mnnnn nnnnn<br />

Eu Sou o Amor mmmmm mnnnn mmmmn mnnnn<br />

Partir mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Sem Nome mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Shirin mmmmn mmmmn nnnnn mmmmm<br />

Vencer mmmmn mmmnn mmnnn mmnnn<br />

24 City mmmnn mmmnn mmmnn mmmnn<br />

Wendy e Lucy mmmmn mmnnn mmmnn mmmnn<br />

“Sem Nome”, sobre emigração ilegal para os<br />

EUA evita muitos dos lugares-comuns que se<br />

esperariam sobre um tema escaldante<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia Fonte Nova: Sala 2: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h; Me<strong>de</strong>ia<br />

Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 7: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 15h50, 17h50, 19h50,<br />

21h40, 00h10;<br />

É possível fazer, hoje, um<br />

melodrama que seja<br />

simultaneamente clássico no seu<br />

romantismo impossível e mo<strong>de</strong>rno<br />

na sua abordagem a esse<br />

romantismo? O primeiro problema<br />

<strong>de</strong> “Partir” é que, embora lhe seja<br />

anterior, estreia em Portugal a seguir<br />

a esse monumento chamado “Eu<br />

Sou o Amor” com o qual tem<br />

peculiares semelhanças narrativas<br />

(uma mãe <strong>de</strong> família que fez um bom<br />

casamento apaixona-se pelo<br />

operário que lhe re<strong>de</strong>cora o anexo) e<br />

partilha uma mesma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

reinvenção do género. O excesso<br />

operático (diríamos muito italiano)<br />

do filme <strong>de</strong> Luca Guadagnino dá<br />

lugar a uma contenção naturalista<br />

que diríamos muito francesa, com<br />

Catherine Corsini a ejectar<br />

sabiamente toda a “palha” narrativa<br />

do melodrama clássico para <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong>scarnado o triângulo amoroso<br />

central e, naquele que é o gran<strong>de</strong><br />

trunfo do seu filme, a recusar o<br />

pro<strong>ver</strong>bial “e vi<strong>ver</strong>am felizes para<br />

sempre” para confrontar o conto <strong>de</strong><br />

fadas do gran<strong>de</strong> amor com a<br />

realida<strong>de</strong> social <strong>de</strong> tombar na<br />

pobreza quando se está habituada<br />

ao luxo, ironicamente sublinhada<br />

pela utilização, como efeito <strong>de</strong><br />

distanciamento, <strong>de</strong> excertos <strong>de</strong><br />

bandas-sonoras compostas por<br />

Georges Delerue para filmes <strong>de</strong><br />

François Truffaut. O maior problema<br />

<strong>de</strong> “Partir”, contudo, é que essa<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é mera fachada:<br />

Corsini nunca consegue escapar ao<br />

maniqueísmo manipulador do<br />

género, limitando-se a repetir o<br />

fatalismo pré-<strong>de</strong>terminado do<br />

<strong>de</strong>stino cruel que alimentava os<br />

originais. Ao fazê-lo, reduz Yvan<br />

Attal e Sergi Lopes a figuras<br />

meramente funcionais, sem<br />

espessura dramática para lá dos<br />

papéis puramente mecânicos que<br />

lhes são atribuídos na narrativa,<br />

criando um enorme <strong>de</strong>sequilíbrio<br />

com a interpretação notável <strong>de</strong><br />

Kristin Scott Thomas. Digamos que,<br />

com um bocadinho mais <strong>de</strong> garra e<br />

risco, “Partir” chegaria lá. J.M.<br />

Atraídos pelo Crime<br />

Brooklyn’s Finest<br />

De Antoine Fuqua<br />

com Richard Gere, Ethan Hawke, Don<br />

Cheadle, Wesley Snipes. M/16<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª<br />

3ª 16h, 18h50, 21h40 6ª 16h, 18h50, 21h40, 00h20<br />

Sábado 13h10, 16h, 18h50, 21h40, 00h20 Domingo<br />

13h10, 16h, 18h50, 21h40; Castello Lopes - Loures<br />

Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

13h20, 16h, 18h40, 21h30, 00h10; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />

Resi<strong>de</strong>nce: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h45, 16h20, 18h55, 21h30, 24h; UCI Dolce Vita<br />

Tejo: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15,<br />

18h15, 21h30, 00h30; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h40, 21h20,<br />

00h15; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h30, 21h20,<br />

00h20; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h50, 18h35,<br />

21h20, 00h15; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h35, 18h30,<br />

21h30, 00h30; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />

Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30,<br />

21h30 6ª Sábado 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; ZON<br />

Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 12h45, 15h40, 18h35, 21h30, 00h20; ZON<br />

Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 12h45, 15h40, 18h35, 21h30, 00h25; ZON<br />

Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h40, 21h30,<br />

00h20; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 2: 5ª<br />

3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª 15h30, 18h30, 21h30,<br />

“Partir”: é possível fazer um melodrama<br />

que seja simultaneamente clássico e mo<strong>de</strong>rno?<br />

00h20 Sábado Domingo 12h40, 15h30, 18h30, 21h30,<br />

00h20 2ª 12h40, 15h30, 18h30, 21h30; Castello Lopes<br />

- Rio Sul Shopping: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 15h50, 18h40,<br />

21h30, 00h20 Sábado Domingo 13h, 15h50, 18h40,<br />

21h30, 00h20; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h25,<br />

21h20, 00h20; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h40, 18h30,<br />

21h20, 00h20;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 11: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h15, 21h30, 00h35; ZON<br />

Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h30, 18h30, 21h30,<br />

00h30; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h30, 21h20,<br />

00h20; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h15, 21h,<br />

00h10; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h20, 21h20,<br />

00h35; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h50, 21h, 00h15;<br />

Antoine Fuqua bem quer recuperar<br />

o élan que fez do seu “Dia <strong>de</strong> Treino”<br />

(2001) um dos melhores policiais<br />

america<strong>nos</strong> dos últimos a<strong>nos</strong> (e, <strong>de</strong><br />

caminho, <strong>de</strong>u o Oscar a Denzel<br />

Washington). Só que <strong>de</strong> pouco serve<br />

recuperar <strong>de</strong>sse filme o “talismã”<br />

Ethan Hawke, porque sobra em<br />

ambição e estilo a “Atraídos pelo<br />

Crime” o que lhe falta em estrutura e<br />

argumento. O guião <strong>de</strong> Michael<br />

Martin cruza três histórias <strong>de</strong><br />

Seja responsável. Beba com mo<strong>de</strong>ração. www.jameson.pt<br />

.<br />

Para quem leva o riso bem a sério e se aplica<br />

na boa disposição, a Jameson preparou um<br />

conjunto <strong>de</strong> festas <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iramente di<strong>ver</strong>tidas.<br />

Entre num caso sério <strong>de</strong> gosto pela vida.<br />

Há poucas oportunida<strong>de</strong>s assim.<br />

Easygoing Irish.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 25 Junho 2010 • 53


Cinema<br />

“Atraídos Pelo Crime”: podia estar<br />

aqui um policial digno <strong>de</strong> atenção...<br />

polícias nova-iorqui<strong>nos</strong> à beira do<br />

colapso – um agente <strong>de</strong> giro prestes a<br />

reformar-se (Richard Gere), um<br />

<strong>de</strong>tective com problemas <strong>de</strong><br />

dinheiro e família (Hawke) e um<br />

infiltrado num gangue crimi<strong>nos</strong>o<br />

que quer regressar à vida real (Don<br />

Cheadle). Cada uma daria um bom<br />

filme separadamente, mas só a <strong>de</strong><br />

Gere é suficientemente sólida para<br />

funcionar neste contexto<br />

precisamente por ser a única que<br />

escapa aos lugares-comuns. E Fuqua<br />

não consegue nunca gerir<br />

a<strong>de</strong>quadamente o ritmo do filme<br />

nem a rotação entre histórias,<br />

apesar da eficácia com que dirige as<br />

cenas <strong>de</strong> acção e do evi<strong>de</strong>nte<br />

entendimento com os actores (Gere<br />

recorda-<strong>nos</strong> como po<strong>de</strong> ser bom no<br />

papel certo, Wesley Snipes recupera<br />

parte da tensão que o celebrizou, o<br />

elenco <strong>de</strong> secundários consegue<br />

fazer milagres com quase nada).<br />

Com mão mais segura, podia estar<br />

aqui um policial digno <strong>de</strong> atenção<br />

— assim, é um filme inflacionado que<br />

só brilha a espaços... J.M.<br />

Continuam<br />

24 City<br />

Er shi si cheng ji<br />

De Jia Zhang Ke<br />

com Joan Chen, Zhao Tao, Lv Liping.<br />

M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 2ª 14h, 16h30,<br />

19h, 21h30, 24h;<br />

Porto: Me<strong>de</strong>ia Cine Estúdio do Teatro Campo<br />

Alegre: Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 18h30;<br />

“24 City” fala <strong>de</strong> uma China em<br />

acelerada transformação, misturando<br />

registos <strong>de</strong> documentário e <strong>de</strong> ficção,<br />

com a pretensão (não se pense que é<br />

<strong>de</strong>feito) <strong>de</strong> lançar um olhar poético<br />

sobre o quotidiano sem história dos<br />

homens comuns, presos a uma<br />

estranha armadilha <strong>de</strong> não<br />

enten<strong>de</strong>rem, na totalida<strong>de</strong>, os<br />

percursos históricos <strong>de</strong> que foram<br />

mais figurantes do que protagonistas.<br />

Há sobretudo uma espécie <strong>de</strong><br />

“requiem” por utopias passadas,<br />

54 • Sexta-feira 25 Junho 2010 • Ípsilon<br />

tudo dado com a extrema<br />

simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um lirismo<br />

<strong>nos</strong>tálgico e comovente. O fim da<br />

fábrica significa também o fim <strong>de</strong> um<br />

mundo, sem que a metáfora se <strong>nos</strong><br />

meta pelos <strong>olhos</strong> <strong>de</strong>ntro e <strong>nos</strong> impeça<br />

<strong>de</strong> pensar nas contradições dos<br />

sonhos perdidos. Sem novida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

maior, mas bonito. Mário Jorge<br />

Torres<br />

Ela é Demais Para Mim<br />

She’s Out of My League<br />

De Jim Field Smith<br />

com Jay Baruchel, Alice Eve.<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 4: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h50, 18h20,<br />

21h15, 24h; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 13h35, 15h40, 17h45,<br />

19h50, 21h55, 24h; CinemaCity Beloura<br />

Shopping: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h50, 15h50, 17h55, 19h55, 21h55, 24h; CinemaCity<br />

Campo Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 1: 5ª 6ª 2ª<br />

3ª 4ª 13h30, 15h35, 17h40, 19h50, 21h55, 00h15<br />

Sábado Domingo 11h30, 13h30, 15h35, 17h40, 19h50,<br />

21h55, 00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 1:<br />

5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h50, 19h20, 21h40,<br />

00h10 Domingo 11h30, 14h15, 16h50, 19h20, 21h40,<br />

00h10; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 7: 5ª Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h40 6ª Sábado<br />

13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h40, 23h40; ZON<br />

Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h50, 16h20, 19h, 21h50, 00h15; ZON<br />

Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h30, 16h, 18h50, 21h40, 00h10; ZON<br />

Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h40, 18h20, 21h05,<br />

23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h20, 17h55, 21h,<br />

23h30; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª Sábado<br />

15h20, 18h20, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo<br />

Odivelas Parque: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15,<br />

15h50, 18h40, 21h30 6ª Sábado 13h15, 15h50, 18h40,<br />

21h30, 00h05; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª<br />

24 City: o “requiem” <strong>de</strong> uma China em extinção<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h55, 18h30,<br />

21h10, 23h50; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h50, 18h15,<br />

21h15, 23h45; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h30,<br />

21h20, 00h05; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 3:<br />

5ª 2ª 3ª 4ª 16h10, 18h50, 21h40 6ª 16h10, 18h50,<br />

21h40, 24h Sábado 13h30, 16h10, 18h50, 21h40, 24h<br />

Domingo 13h30, 16h10, 18h50, 21h40; Castello Lopes<br />

- Fórum Barreiro: Sala 1: 5ª 3ª 15h40, 18h20, 21h 6ª<br />

15h40, 18h20, 21h, 23h40 Sábado Domingo 13h,<br />

15h40, 18h20, 21h, 23h40 2ª 13h, 15h40, 18h20,<br />

21h; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 4: 5ª 6ª<br />

2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30, 21h50, 00h30 Sábado<br />

Domingo 13h20, 15h40, 18h30, 21h50, 00h30; ZON<br />

Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h10, 21h40,<br />

00h10; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h25,<br />

21h35, 24h;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 14h05, 16h30, 19h, 21h25, 00h05 3ª 4ª 16h30, 19h,<br />

21h25, 00h05; Vivacine - Maia: Sala 2: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h50, 18h20, 21h10,<br />

23h40; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h40,<br />

21h40, 00h15; ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30, 21h30 6ª Sábado<br />

15h40, 18h30, 21h30, 24h; ZON Lusomundo<br />

GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h30, 16h, 18h40, 21h30, 00h10 ; ZON Lusomundo<br />

MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h25,<br />

19h05, 21h50 6ª Sábado 13h30, 16h25, 19h05, 21h50,<br />

00h35; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h30, 21h10,<br />

23h40; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h, 22h,<br />

00h40; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h20, 21h30,<br />

00h20; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 3: 5ª 2ª 3ª<br />

4ª 15h50, 18h40, 21h30 6ª 15h50, 18h40, 21h30, 24h<br />

Sábado 13h20, 15h50, 18h40, 21h30, 24h Domingo<br />

13h20, 15h50, 18h40, 21h30; ZON Lusomundo<br />

Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h40,<br />

17h40, 21h10, 00h05<br />

Enésima sobre a comédia romântica<br />

que já não po<strong>de</strong> existir, “Ela É<br />

Demais para Mim” parte <strong>de</strong> um<br />

princípio curioso: não se toma<br />

completamente a sério e não recusa<br />

um certo lado escatológico,<br />

incluindo rituais masculi<strong>nos</strong> <strong>de</strong><br />

adolescência pateta, com alguma<br />

graça, se bem que elevados, muitas<br />

vezes, ao nível da caricatura<br />

grosseira. E aqui chegamos à<br />

questão principal: até que ponto o<br />

filme <strong>de</strong><strong>ver</strong>ia ter escolhido a aposta<br />

no “gag” ou <strong>nos</strong> romancecos<br />

inconsequentes, em vez <strong>de</strong> aspirar a<br />

uma crónica pretensiosa dos<br />

“malefícios” da juventu<strong>de</strong>? O que<br />

fica é um confuso olhar sobre tudo,<br />

procurando sobretudo um públicoalvo<br />

pouco exigente que se <strong>de</strong>leita<br />

com referências a ejaculações<br />

precoces ou com as aventuras do<br />

“puto feioso” apaixonada pela<br />

“babe” <strong>de</strong> cortar a respiração. M.J.T.<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 <strong>Lisboa</strong>. Tel. 213596200<br />

Sexta, 25<br />

Atraiçoados<br />

Betrayed<br />

De Costa-Gavras<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Os Bons Amantes<br />

She’s Gotta Have It<br />

De Spike Lee<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Inconquistáveis<br />

Unconquered<br />

De Cecil B. DeMille<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Os Sete Cavaleiros da Vitória<br />

North West Mounted Police<br />

De Cecil B. DeMille<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Route One USA<br />

De Robert Kramer<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Sábado, 26<br />

A Cigana Feiticeira<br />

Gol<strong>de</strong>n Earrings<br />

De Mitchell Leisen<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

O Tenente Sedutor<br />

The Smiling Lieutenant<br />

De Ernst Lubitsch<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

O Imenso A<strong>de</strong>us<br />

The Long Goodbye<br />

De Robert Altman<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

A Paixão <strong>de</strong> Joana d’Arc<br />

La Passion <strong>de</strong> Jeanne d’Arc<br />

De Carl Theodor Dreyer<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Como Tu Me Desejaste<br />

Sellaisena kuin sinä minut<br />

halusit<br />

De Teuvo Tulio<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Segunda, 28<br />

A Justiça <strong>de</strong> Jesse James<br />

The True Story of Jesse James<br />

De Nicholas Ray<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Via Láctea<br />

The Milky Way<br />

De Leo McCarey<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Walkower<br />

De Jerzy Skolimowski<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Mala Noche<br />

De Gus Van Sant<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Guillaume et les Sortilèges + Li<br />

Per Li<br />

De Pierre Léon<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Terça, 29<br />

O Homem Que Veio do Futuro<br />

Planet of the Apes<br />

De Franklin Schaffner<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Meia-Noite<br />

Midnight<br />

De Mitchell Leisen<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Via Láctea<br />

The Milky Way<br />

De Leo McCarey<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

O Resgate do Soldado Ryan<br />

Saving Private Ryan<br />

De Steven Spielberg<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

L’adolescent<br />

De Pierre Léon<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Quarta, 30<br />

O Fantasma Voltou<br />

The Ghost Comes Home<br />

De Wilhelm Thiele<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Paixão Mais Forte<br />

Gol<strong>de</strong>n Boy<br />

De Rouben Mamoulian<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Lissabon Wuppertal <strong>Lisboa</strong>+ Un<br />

Jour Pina M’’a Demandé<br />

De Fernando Lopes + Chantal<br />

Akerman<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Salto nel Vuoto<br />

De Marco Bellocchio<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Octobre<br />

De Pierre Léon<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina


DOM 27 JUN<br />

22:00 PRAÇA | € 15<br />

CICLO JAZZ GALP<br />

O instrumentista virtuoso e figura patriarcal<br />

do jazz latino Chucho Valdés, dono <strong>de</strong> uma<br />

extensa discografia e <strong>de</strong> 5 Grammys, apresenta<br />

o novo octeto, The Cuban Messengers, pela<br />

primeira vez em tournée na Europa.<br />

Com uma inspiração estética oriental e uma<br />

linguagem que remete para a música popular<br />

rural, o folclore cubano e o jazz, o trio <strong>de</strong><br />

Alexandre Vargas abre esta noite <strong>de</strong>dicada ao<br />

jazz latino <strong>de</strong> origem cubana.<br />

& THE CUBAN MESSENGERS<br />

ALEJANDRO VARGAS NEW TRIO<br />

APOIO<br />

PATROCINADOR<br />

VERÃO NA CASA<br />

MECENAS CICLO JAZZ<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

PATROCINADOR VERÃO NA CASA<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO<br />

PARA O CONCERTO DE CHUCHO VALDÉS & THE CUBAN MESSENGERS. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

APOIO<br />

QUA 07 JUL<br />

21:00 PRAÇA | € 10<br />

1ª PARTE<br />

EL GRAN SILENCIO<br />

2ª PARTE<br />

CYRO BAPTISTA<br />

Há uma aura <strong>de</strong> di<strong>ver</strong>são sempre que Cyro<br />

Baptista sobe ao palco e o projecto Beat<br />

The Donkey não é excepção. Este ensemble<br />

<strong>de</strong> tórridos ritmos world reúne no mesmo<br />

palco percussão, sapateado, artes marciais,<br />

samba, jazz, rock e funk num espectáculo a<br />

não per<strong>de</strong>r.<br />

Do México, os El Gran Silencio aliam o<br />

tradicional ao rock/rap crosso<strong>ver</strong> com<br />

influências dub, construindo um espectáculo<br />

enérgico e contagiante.<br />

PATROCINADOR<br />

VERÃO NA CASA<br />

JANTAR+CONCERTO € 25<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

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SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO<br />

PARA O CONCERTO DE CYRO BAPTISTA | EL GRAN SILENCIO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.

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