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a organização da câmara municipal da curitiba setecenyista

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Vanderléia Canha<br />

A ORGANIZAÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DA CURITIBA SETECENYISTA<br />

1<br />

Monografia de fim de curso de<br />

História <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />

Federal do Paraná, elabora<strong>da</strong><br />

sob orientação do Prof. Magnus<br />

Roberto de Mello Pereira<br />

1999


INTRODUÇÃO<br />

O Concelho Municipal é considerado uma instituição administrativa que teve papel<br />

relevante no processo de formação e consoli<strong>da</strong>ção do Estado Português. Nas relações entre o<br />

poder central (0 Estado) e poder local, o município representaria o palco <strong>da</strong>s ações e<br />

realizações populares.<br />

O presente trabalho monográfico tem como objetivo analisar alguns aspectos <strong>da</strong><br />

<strong>organização</strong> <strong>da</strong> Câmara Municipal de Curitiba, na segun<strong>da</strong> metade do século XVIII.<br />

Para tanto, primeiramente procurou-se fazer um breve resgate histórico <strong>da</strong> presença do<br />

município em Portugal, e de sua importância durante a consoli<strong>da</strong>ção do Estado Português,<br />

quando a Instituição serviu à Coroa em seu propósito de povoamento, disciplina dos<br />

moradores e enfraquecimento do poder dos nobres sobre a população. Em segui<strong>da</strong> buscou-se<br />

entender a transferência <strong>da</strong> instituição Municipal para as terras brasileiras.<br />

Edmundo Zenha e Joaquim Romero Magalhães foram basicamente os autores<br />

utilizados como referencial teórico, para ser entender a construção e <strong>organização</strong> do<br />

município em Portugal e no Brasil.<br />

O município, modelo de instituição administrativa, já conhecido em Portugal é<br />

implantado no Brasil durante o processo de colonização. Os municípios são fun<strong>da</strong>dos no<br />

Brasil é feito segundo as determinações estatais estabeleci<strong>da</strong>s nas Ordenações reais. Se não<br />

por vontade <strong>da</strong> Coroa portuguesa pela própria permanência <strong>da</strong> tradição <strong>da</strong>s instituições<br />

portuguesas entre os povoadores. Para a população <strong>da</strong> colônia a criação do município<br />

representaria, a justiça, e a ordem que o Estado, mesmo distante poderia por em prática na<br />

Colônia através de suas leis.<br />

2


O funcionamento <strong>da</strong>s Câmaras durante o Brasil Colonial é descrito a seguir. As<br />

Câmaras brasileiras neste período, deveriam ser organiza<strong>da</strong>s de acordo com as Ordenações<br />

reais e tinham portanto as mesmas atribuições que as Câmaras portuguesas, já que a<br />

legislação que lhes regia era a mesma.<br />

Na segun<strong>da</strong> parte do trabalho, tendo ain<strong>da</strong> como referencial teórico, Edmundo Zenha e<br />

Joaquim Romero Magalhães, procurou-se compreender como se <strong>da</strong>va o processo de eleição<br />

dos oficiais <strong>da</strong> Câmara, quais eram as atribuições dos mesmos. E como processo de escolha<br />

dos oficiais poderia permitir a formação de uma oligarquia <strong>municipal</strong>.<br />

A Câmara <strong>municipal</strong> de Curitiba é o tema <strong>da</strong> terceira parte do trabalho. No qual<br />

buscou-se entender alguns aspectos <strong>da</strong> <strong>organização</strong> <strong>da</strong> Câmara Municipal principalmente em<br />

seu sentido político. A partir <strong>da</strong> leitura dos Provimentos de Correição do Ouvidor-geral<br />

Rafael Pires Pardinho, que em 1721 em visita à Curitiba, procura colocar a Câmara em<br />

correto funcionamento, <strong>da</strong> análise dos Autos de Posse e Juramento dos Oficiais, do período<br />

entre 1750 e 1800 e <strong>da</strong>s Atas de Vereação <strong>da</strong> Câmara do período entre 1786 e 1790 observo-<br />

se que havia uma aparente falta de interesse no exercício dos cargos do Concelho o que<br />

poderia prejudicar os trabalhos <strong>da</strong> Câmara. Por outro lado, verificou-se também indícios de<br />

que apontam a influência pessoal como elemento importante na disputa dos cargos <strong>da</strong> Câmara<br />

Municipal.<br />

3


1. O município português<br />

CAPÍTULO I<br />

O MUNICÍPIO<br />

A instituição <strong>municipal</strong> é de suma importância na formação e consoli<strong>da</strong>ção do Estado<br />

Português. Muito presente na Península Ibérica, o Município 1 sobrevive ao longo do tempo,<br />

como um conjunto de liber<strong>da</strong>des conquista<strong>da</strong>s pela população. Esse conjunto de liber<strong>da</strong>des<br />

que o município representa, ora restritas, ora amplia<strong>da</strong>s, depende <strong>da</strong>s relações de poder em<br />

jogo, <strong>da</strong> própria relação entre o poder local, o município e poder central, o Estado.<br />

A gênese do município português divide os estudos em duas linhas teóricas distintas.<br />

A primeira, representa<strong>da</strong> aqui por Edmundo Zenha, defende a idéia do município her<strong>da</strong>do <strong>da</strong><br />

ordem Romana. A segun<strong>da</strong> localiza a origem do município no período <strong>da</strong>s lutas cristãs para<br />

recuperar a Península Ibérica <strong>da</strong>s mãos muçulmanas, é defendi<strong>da</strong> por Maria Helena Cruz e<br />

Joaquim Romero Magalhães.<br />

Denominava-se município na antigüi<strong>da</strong>de clássica, to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong>de onde os habitantes<br />

possuíam os direitos de ci<strong>da</strong>dão Romano. Roma cedia às regiões conquista<strong>da</strong>s o direito de<br />

manter a administração própria, podendo estender-lhes todos os direitos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia romana,<br />

o que representava alguns benefícios e pesa<strong>da</strong>s obrigações, entre elas o serviço militar. No<br />

período <strong>da</strong> República romana, o direito local contido no jus italiciun, foi generalizado<br />

beneficiando os conquistadores. Estes livravam-se de parte de suas responsabili<strong>da</strong>des,<br />

enquanto que os conquistados mantinham alguma independência administrativa.<br />

1 O município é uma instituição administrativa que surge pela vontade de um poder que lhe é superior. Sua<br />

existência depende de um ato jurídico do Estado, a <strong>organização</strong> social comunitária só é considera<strong>da</strong> como<br />

Município na sua relação com um poder superior. Concelho, Vila e Ci<strong>da</strong>de podem significar o mesmo que<br />

Município.<br />

4


A centralização administrativa e re<strong>organização</strong> do Estado ocorri<strong>da</strong>s no período<br />

Imperial Romano, padronizam a Instituição <strong>municipal</strong>. Todos passam a possuir a Cúria: uma<br />

assembléia forma<strong>da</strong> pelas pessoas mais importantes <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, entre os quais alguns<br />

distinguiam-se por suas capaci<strong>da</strong>des ou riquezas. Esse grupo formava o conselho <strong>municipal</strong>.<br />

O corpo de decuriões encarregado <strong>da</strong> administração <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de tinha man<strong>da</strong>to de um ano e suas<br />

funções eram administrativas e judiciárias. As funções dos Edis:<br />

“ conservação <strong>da</strong> paz interna do município, inspeção nos mercados, e a estimativa dos gêneros, o<br />

prover que não faltassem as subsistências, o promover o reparo dos edifícios públicos e privados o<br />

bom estado <strong>da</strong>s vias de comunicação e enfim outros diversos ramos análogos <strong>da</strong> administração<br />

pública” 2<br />

As vantagens municipais passam a ter um sentido honroso, e as ci<strong>da</strong>des conquista<strong>da</strong>s<br />

procuram obter a sua concessão, suportando os deveres implícitos a esta conquista. A<br />

autonomia do comércio local parecia compensar qualquer obrigação imposta.<br />

A intervenção do Imperador passa a ser mais senti<strong>da</strong> no município, assim como em<br />

todo o Estado, fazendo com que a <strong>organização</strong> <strong>municipal</strong> modifique-se. No século IV, a<br />

influência do “defensor”, funcionário do Império, que se torna o centro <strong>da</strong> administração,<br />

esvazia o sentido do município, que passa apenas cumprir as ordens do governo central,<br />

burocraticamente.<br />

Ao fim do Império o município recebe novo fôlego tornando-se novamente relevante<br />

durante período de <strong>organização</strong> dos reinos bárbaros. A Península Ibérica havia sido o local<br />

onde se estruturara um maior número de municípios. A Invasão Go<strong>da</strong> manteve o que sobrara<br />

<strong>da</strong> <strong>organização</strong> <strong>municipal</strong> que paulatinamente readquiriu o status que possuía até o Baixo<br />

Império.<br />

A invasão Árabe e a des<strong>organização</strong> política, religiosa e administrativa gera<strong>da</strong> por<br />

esta, resultam em um novo momento na <strong>organização</strong> <strong>municipal</strong>, considera<strong>da</strong> por Maria<br />

Helena Cruz e Joaquim Romero Magalhães, como a origem do Concelho Medieval. Este<br />

5


desenvolvido independentemente do município romano. A ausência dos senhores, que<br />

fugiram dos muçulmanos, propiciou aos servos uma sensação de liber<strong>da</strong>de, que os leva a<br />

considerar o coletivo no processo resolução de seus problemas cotidianos, <strong>da</strong>ndo origem à<br />

diferentes formas de organizar o local. As diversas vocações econômicas e as formas de<br />

apropriação do espaço interferem neste momento. Nos séculos IX e X, pode-se afirmar que as<br />

comuni<strong>da</strong>des já se assumiam coletivamente, e como conseqüência disso, logo deveriam passar<br />

a escolher seus líderes.<br />

A <strong>organização</strong> comunitária na forma de concelhos foi utiliza<strong>da</strong> pelos senhores para<br />

povoar suas terras, que necessitavam de gente para o trabalho e para proteção. Nos séculos<br />

seguintes desenvolveram-se diversos concelhos rurais diferenciados dos concelhos urbanos,<br />

os primeiros caracterizados por uma vi<strong>da</strong> simples e forte coesão interna, os segundos<br />

organizados com maior complexi<strong>da</strong>de econômica e administrativa. Ao fim do século XI,<br />

reconhece-se oficialmente a autonomia dos concelhos através dos forais.<br />

No processo de reconquista <strong>da</strong> Península Ibérica <strong>da</strong>s mãos árabes, e do conseqüente<br />

fortalecimento real, o município recebe novo impulso. O repovoamento <strong>da</strong>s terras obti<strong>da</strong>s<br />

com a expulsão moura fazia-se necessário e a região não era na<strong>da</strong> atrativa devido os trabalhos<br />

de reconstrução e defesa arma<strong>da</strong> que deveriam ser executados. O rei incentiva o<br />

repovoamento desses espaços cedendo-lhes a carta de foral, que era o reconhecimento real <strong>da</strong><br />

criação de novos municípios. Essa carta representava a liber<strong>da</strong>de procura<strong>da</strong> capaz tornar<br />

interessantes as terras recém - conquista<strong>da</strong> e a compensação aos encargos assumidos.<br />

O foral era o ato constitutivo do município, uma carta que garantia alguns benefícios,<br />

tais como: igual<strong>da</strong>de, inviolabili<strong>da</strong>de do domicílio, justiça e participação nas decisões locais.<br />

2 ZENHA, Edmundo. O Município no Brasil 1532-1700. São Paulo. Ipê, 1940. Pg. 8.<br />

6


Estes benefícios pareciam compensar os encargos trazidos pela defesa do território que a<br />

milícia <strong>municipal</strong> deveria realizar, permitindo que o Rei consoli<strong>da</strong>sse sua defesa.<br />

A concessão de foral permitia ao rei retirar parte do incômodo poder mantido pelos<br />

Senhores feu<strong>da</strong>is. Os membros <strong>da</strong>s povoações eleva<strong>da</strong>s a categoria de Vila tornam-se aliados<br />

do poder central e a relação monarca - súdito torna-se mais direta. Os nobres proprietários,<br />

para não permitir o despovoamento de suas terras, na<strong>da</strong> atrativas em relação às liber<strong>da</strong>des<br />

prometi<strong>da</strong>s pelos municípios recém criados, passam a também ceder cartas de foral à aqueles<br />

que habitavam as suas terras, acabando por perder o controle exercido sobre eles, que<br />

tornaram-se também aliados do soberano.<br />

No processo de centralização política, colocado em prática após as guerras de<br />

reconquista, a criação de municípios garante ao rei, um espaço para fun<strong>da</strong>r uma política feita<br />

em nome <strong>da</strong> nação. Porém, em alguns casos as concessões foraleiras só eram <strong>da</strong><strong>da</strong>s após<br />

reivindicações populares. Acontece que nem sempre as necessi<strong>da</strong>des do Estado<br />

correspondiam aos anseios <strong>da</strong> população.<br />

O incentivo <strong>da</strong>do aos municípios não resulta necessariamente em uma uniformi<strong>da</strong>de<br />

dos mesmos. O desenvolvimento econômico, a experiência de <strong>organização</strong> comunitária e o<br />

tipo de concessão foraleira, determinam diferenças na <strong>organização</strong> local. Os concelhos<br />

urbanos, são mais complexos em sua estrutura que os concelhos rurais, e as regiões de<br />

vocação militar sentem mais a presença do rei através de seus funcionários do que qualquer<br />

outra região.<br />

Algumas funções e atribuições eram as mesmas nos diferentes tipos de concelhos. Os<br />

cargos de maior relevo dentro do município eram o alcaide, representante do poder central,<br />

participante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> administrativa e judiciária <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, trabalhando junto aos<br />

membros do concelho; os juizes eleitos dentre os homens-bons, com função jurídico -<br />

7


administrativas. Os homens-bons, pessoas de destaque na comuni<strong>da</strong>de pelo poder econômico<br />

ou pela competência no exercicio dos cargos administrativos, participam através de<br />

assembléia <strong>da</strong>s principais questões <strong>da</strong> <strong>municipal</strong>i<strong>da</strong>de, e os almotacés, que possuíam funções<br />

administrativas e fiscalizadoras. 3<br />

A centralização política do Estado português consoli<strong>da</strong>-se nos séculos XIV e XV. A<br />

máquina administrativa e judicial torna-se mais complexa, levando os municípios a se<br />

a<strong>da</strong>ptarem a uma nova reali<strong>da</strong>de: a burocracia organiza<strong>da</strong> pelo governo central. Funcionários<br />

reais tornam-se comuns nos municípios, mesmo à revelia do povo. Passam a ser nomeados os<br />

juizes de fora, que retiram <strong>da</strong> <strong>câmara</strong> parte de suas funções judiciárias.<br />

O Rei é também representado pelo corregedor, funcionário presente em algumas<br />

regiões e que tem como funções fiscalizar a justiça, a vereação, o zelo dos magistrados locais<br />

e funcionários régios, julgar os feitos dos privilegiados, supervisionar a eleição dos oficiais<br />

concelhios, conhecer as ren<strong>da</strong>s municipais e problemas internos <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des.<br />

Leis gerais inspira<strong>da</strong>s no Direito Romano são elabora<strong>da</strong>s com o intuito de<br />

homogeneizar o município e fazer sentir a presença real. As primeiras leis gerais <strong>da</strong>tam de<br />

1211, promulga<strong>da</strong>s durante o governo de Afonso II. Foram cria<strong>da</strong>s para substituir a<br />

diversi<strong>da</strong>de de leis próprias de ca<strong>da</strong> concelho e legitimar a presença e atitudes <strong>da</strong> coroa, entre<br />

elas a imposição dos funcionários reais ao município, os juizes de fora e os corregedores. As<br />

leis gerais ganham mais eficácia ao serem compila<strong>da</strong>s na forma <strong>da</strong>s “Ordenações Afonsinas”,<br />

em 1446. Através dessas leis , o município é reduzido a uma única forma.<br />

O concelho <strong>municipal</strong> é reduzido, o conjunto de homens-bons é substituído por alguns<br />

vereadores, “aqueles homens-bons que por motivo de sua riqueza tinham cavalos e seriam<br />

3 ZENHA, Edmundo. O município no Brasil 1532-1700. São Paulo. Ipê, 1948. Pg.16.<br />

8


afinal os mais aptos e melhores para administração concelhia” 4 . A assembléia passa então a<br />

escolher os magistrados locais. As funções camarárias tornam-se mais defini<strong>da</strong>s: aos juizes<br />

cabe a jurisdição, limita<strong>da</strong> pelos funcionários reais. Aos vereadores as funções administrativas<br />

e os almotacés perdem muitas de suas funções tornando-se figuras de menos importância <strong>da</strong><br />

<strong>câmara</strong>.<br />

As ordenações Afonsinas são logo substituí<strong>da</strong>s pelas Ordenações Manuelinas (1521),<br />

que modificam a administração do reino de acordo com o sentido centralizante <strong>da</strong> política<br />

pratica<strong>da</strong>, tentativa de ajuste às transformações por que passava o reino com a expansão<br />

marítima. Em 1603, as Ordenações Manuelinas são supera<strong>da</strong>s pelas Ordenações Filipinas,<br />

novo estatuto <strong>da</strong> <strong>organização</strong> político administrativa do reino, que especificam as atribuições<br />

dos representantes do rei em to<strong>da</strong>s as instancias: justiça, corte, município 5 . A autonomia<br />

<strong>municipal</strong> não é mais necessária para o projeto de centralização política do Estado. Vencido o<br />

nobre e o burguês, o município passa a incomo<strong>da</strong>r. A legislação conti<strong>da</strong> nas Ordenações<br />

Afonsinas busca retirar grande parte do poder local, reduzindo o município a funções<br />

administrativas.<br />

A eficácia <strong>da</strong> legislação no período é contesta<strong>da</strong> por Maria Helena Cruz e Joaquim<br />

Romero Magalhães. A distância e a rede burocrática condicionaram o absolutismo e impedem<br />

a efetiva realização <strong>da</strong>s ordens centrais, os direitos dos donatários e os privilégios senhorais<br />

persistem, sendo transferidos para as <strong>câmara</strong>s. A<br />

relação entre o rei e as <strong>câmara</strong>s é direta, sem intermediários que enfraqueçam a relação, não<br />

há hierarquia entre os municípios. A população tenta manter a todo custo suas conquistas.<br />

Não é tarefa fácil colocar em prática a centralização política, teoriza<strong>da</strong> nas ordenações. A<br />

4 Coelho, Maria Helena Cruz & MAGALHAES, Joaquim Romero . O poder concelhio; <strong>da</strong>s origens às cortes<br />

constituintes. Notas de História Social. Coimbra: Centro de Estudos e Formação Autárquica, 1986, pg. 16.<br />

5 FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder, Formação do Patronato político brasileiro. Porto Alegre: Editora<br />

Globo, 1977. V.1, pg. 64 e seguintes.<br />

9


efetivação do poder depende de prestígio e dos recursos financeiros do rei, não basta um<br />

corpo de leis para arrancar <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des sua autonomia.<br />

Os Iluministas 6 consideram que os concelhos impediam a construção econômica do<br />

espaço nacional e apontavam problemas quanto aos privilégios camarários e o aproveitamento<br />

ilícito dos cargos. Porém, o despotismo iluminado não consegue eliminar a tradição <strong>da</strong> <strong>câmara</strong><br />

<strong>municipal</strong> que continua a decidir em âmbito administrativo e judiciário. Em Portugal somente<br />

as inovações do início do século XIX, inspira<strong>da</strong>s no modelo francês modificaram<br />

profun<strong>da</strong>mente o município que adota um outro modelo de <strong>organização</strong>. A justiça passa a ter<br />

magistrados próprios, a <strong>câmara</strong> legisla sobre aspectos econômicos, promove a agricultura e o<br />

comércio, a indústria e a saúde pública, a educação e assistência. Porém os ver<strong>da</strong>deiros<br />

poderes nestes domínios ficam a cargo do administrador geral dos distritos, de nomeação<br />

régia, o Prefeito. É com o liberalismo que o município será vencido, perdendo sua autonomia.<br />

6 Grupo de pensadores dos séculos XVII e XVIII, que contestam o antigo regime.<br />

10


2 . O Município no Brasil<br />

O município, modelo que havia servido ao poder central português, em seu propósito<br />

de povoamento, disciplina dos moradores e conseqüente enfraquecimento <strong>da</strong> nobreza será<br />

utilizado na colônia. Se não por vontade premedita<strong>da</strong> do poder central pela própria<br />

permanência <strong>da</strong> tradição <strong>da</strong>s instituições portuguesas entre os povoadores:<br />

“Foi a gente comum quem transplantou para o Oriente e para o Brasil uma estrutura<br />

comunitária como a que existia nas Vilas e Ci<strong>da</strong>des que haviam deixado em Portugal”. 7<br />

“Erguer a Vila”, significava fun<strong>da</strong>r o município de acordo com o que legislava as<br />

Ordenações, o que compreendia em organizar a <strong>câmara</strong> <strong>municipal</strong>, erguer o pelourinho,<br />

delimitar o termo <strong>da</strong> Vila, enfim promover a <strong>organização</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> local.<br />

A criação de uma Vila, poderia ser determina<strong>da</strong> pelo poder central para reunir uma<br />

população que estava dispersa, o que facilitava o controle real ou poderia ser requisita<strong>da</strong> pela<br />

própria população, quando esta via a necessi<strong>da</strong>de de <strong>organização</strong> comunitária. Dessa forma<br />

pode-se inferir que a gênese dos municípios brasileiros dependeu tanto dos interesses do<br />

poder central quanto <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des locais.<br />

Independente <strong>da</strong> força que a faz surgir no Brasil, a Instituição Municipal no novo<br />

mundo não é mero reflexo <strong>da</strong> sua correspondente na Europa. O município brasileiro possui<br />

características próprias que se formam no processo de colonização em que se insere.<br />

No Brasil colonial, o município mantém as funções político e jurídicas que havia<br />

perdido em certa medi<strong>da</strong> na metrópole. A redução <strong>da</strong> instituição a funções administrativas,<br />

promovi<strong>da</strong> pelas Ordenações Filipinas, não acontece neste período <strong>da</strong> história do município<br />

brasileiro. A falta de recursos financeiros <strong>da</strong>s Vilas, não permite muitas realizações no campo<br />

7 ROSSEL- WOOD. Fi<strong>da</strong>lgos e Filantropos. A Santa Casa de Misericórdia <strong>da</strong> Bahia, 1550- 1755.<br />

11


administrativo. São os colonos, principalmente aqueles em melhor situação econômica, que<br />

tomaram a iniciativa de construir com seus recursos as obras necessárias. Em alguns<br />

momentos a <strong>organização</strong> coletiva era imprescindível, visando proteger o colono que se via<br />

desamparado do poder central. A <strong>câmara</strong> <strong>municipal</strong> se torna o centro <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de política<br />

reconheci<strong>da</strong> pela metrópole, onde o povoador poderia expressar-se e defender-se. O papel<br />

judiciário era reclamado, pela necessi<strong>da</strong>de de “policiar a terra”, num período em que a justiça<br />

real era distante, cara e demora<strong>da</strong>. São as funções judiciária e política que incentivam e<br />

garantem o povoamento, pois asseguram a proteção procura<strong>da</strong> pelos colonos.<br />

O município brasileiro não é uma instituição nova, a legislação que lhe ampara é a<br />

mesma de Portugal. Algumas atribuições <strong>municipal</strong>istas, que haviam perdido seu sentido na<br />

metrópole, ressurgem no município brasileiro dos primeiros tempos. Segundo João Francisco<br />

Lisboa os seguintes poderes:<br />

“ taxar preços, até <strong>da</strong>s próprias manufaturas do reino, curso e valor <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> na terra, proviam<br />

sobre a agricultura, navegação e comércio, impunham e recusavam tributos, deliberavam sobre<br />

estra<strong>da</strong>s, descimentos missões, paz e guerra com os índios, sobre a criação de arraiais e povoações.<br />

Prendiam e punham a ferros funcionários e particulares, faziam aliança política entre si, chamavam<br />

a sua presença e chegavam até a nomear e suspender os governadores.” 8<br />

No entanto, ao contrario do que o autor defende muitas dessas funções considera<strong>da</strong>s<br />

como próprias do município brasileiro eram comuns à qualquer <strong>câmara</strong>. A legislação que<br />

amparava a instituição <strong>municipal</strong>: as ordenações reais deveria ser respeita<strong>da</strong> tanto no Brasil<br />

quanto em Portugal.<br />

As largas funções que as <strong>câmara</strong>s brasileiras possuíam são próprias do período inicial<br />

<strong>da</strong> colônia. A criação <strong>da</strong>s Vilas permitia ao Estado fixar a população e garantir os tributos e o<br />

recrutamento militar que necessitava.<br />

O número de moradores exigidos para a fun<strong>da</strong>ção dos municípios era pequeno: trinta<br />

ou cinqüenta chefes de família aproxima<strong>da</strong>mente. Entre as diversas determinações para a<br />

12


fun<strong>da</strong>ção dos municípios conti<strong>da</strong> nos forais donatários, não encontra-se o número de<br />

moradores necessário, a escassa população colona não permitia tal exigência.<br />

O concelho <strong>municipal</strong>, governava em uma área determina<strong>da</strong>, o chamado Termo <strong>da</strong><br />

Vila. Entre as Vilas deveria ser mantido um espaço mínimo de seis léguas, ficando para ca<strong>da</strong><br />

uma ao menos três léguas de termo, isso nas Vilas do interior. No litoral, era possível erguer<br />

vilas sem respeitar este limite de espaço. Haviam vilas que não possuíam as seis léguas entre<br />

elas, como por exemplo entre as vilas de São Vicente e Santos e outras que possuíam um<br />

termo maior como São Sebastião, que possuía um termo de seis léguas de ca<strong>da</strong> lado. Eram no<br />

termo <strong>da</strong>s Vilas que ficavam as grandes proprie<strong>da</strong>des rurais características do período. 9<br />

Além do Termo, a vila possuía o Rocio, que era as terras que circulavam a Vila,<br />

destina<strong>da</strong> à utilização pública. Herança <strong>da</strong>s terras comunais, utiliza<strong>da</strong>s como pastagem para o<br />

gado e onde encontra-se lenha para o consumo familiar. Essas terras valorizavam-se<br />

constantemente e foram aos poucos invadi<strong>da</strong>s por novas casas ali construí<strong>da</strong>s ou pelos<br />

quintais que os moradores procuravam ampliar. Essa apropriação indevi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s áreas comuns<br />

foi por vezes contesta<strong>da</strong>s, sem resultado, porque logo restava ao rocio apenas a área<br />

fronteiriça à <strong>câmara</strong> que era conheci<strong>da</strong> como Largo do Rocio.<br />

Para o bom funcionamento do concelho <strong>municipal</strong>, era necessário um local para o<br />

encontro dos oficiais camarários. Nos lugares onde era possível a sua construção , o prédio do<br />

concelho era um dos mais importantes <strong>da</strong> vila. Apresentava-se com a seguinte arquitetura: um<br />

sobradão quadrado, com cadeia embaixo e dependências para edili<strong>da</strong>de em cima. Pelas<br />

janelas desses casarões é que se fornecia ao povo os comunicados importantes, saindo numa<br />

delas alguns dos camaristas e relatando os resultados <strong>da</strong>s sessões. Nas Vilas mais pobres,<br />

onde não havia sido construído o prédio do concelho, as sessões eram feitas nas casas dos edis<br />

8 Citado por MACHADO, Brasil Pinheiro. Problemática <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de Colonial Brasileira. História :Questões e<br />

Debates, Curitiba, junho 1985. Pg.13<br />

13


ou em imóveis alugados. Os pertences do concelho consistiam em: bancos, mesas toscas, o<br />

precioso baú onde guar<strong>da</strong>va-se os pelouros. To<strong>da</strong> <strong>câmara</strong> tinha o dever de possuir um sino,<br />

que era utilizado para anunciar as sessões. As ordenações deveriam estar presentes em to<strong>da</strong>s<br />

as <strong>câmara</strong>s, o que nem sempre acontecia. A falta deste documento era reclama<strong>da</strong> pelos<br />

oficiais. A <strong>câmara</strong> possuía ain<strong>da</strong> símbolos que atestavam sua importância: o pelourinho “uma<br />

coluna de pedra ou mesmo um poste de madeira, virilmente levantado na praça principal.” 10 ,<br />

simbolizava a digni<strong>da</strong>de <strong>municipal</strong>, erguê-lo equivalia receber o estatus de Vila. Em algumas<br />

vilas fazia-se uso de um brasão de armas para representá-las. Para as procissões religiosas,<br />

que aconteciam em ca<strong>da</strong> vila nos dias santos, a corporação <strong>municipal</strong>, apresentava-se com um<br />

estan<strong>da</strong>rte, para distinguir os oficiais que eram obrigados a participar.<br />

Ain<strong>da</strong> entre as posses <strong>da</strong> <strong>câmara</strong>, estavam os livros de vereação “por onde perpassam<br />

não só os dias felizes e os dias nefastos como os dias iguais”, 11 e os livros que completavam<br />

os registros camarários: Livros de notas, Livros de Registros, Livros de Correição, Livro de<br />

Receita e Despesas do senado. Nesses livros, o escrivão registrava o cotidiano <strong>da</strong> <strong>câmara</strong>.<br />

Esses registros são muito peculiares, devido à maneira de que ca<strong>da</strong> escrivão se valia.<br />

Superando a alfabetização deficitária do período, os escrivães procuram relatar com riqueza<br />

de detalhes tudo o que se passava nas sessões <strong>da</strong>s <strong>câmara</strong>s.<br />

Eram as pobres <strong>câmara</strong>s espalha<strong>da</strong>s pelo Brasil a instituição administrativa que melhor<br />

funcionava, no início <strong>da</strong> colônia, isso porque eram forma<strong>da</strong>s pelos próprios moradores e sua<br />

ação era limita<strong>da</strong> ao seu termo. Sendo conheci<strong>da</strong> a população e o território as determinações<br />

eram realiza<strong>da</strong>s, na sua maioria. As decisões vin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> metrópole ou de seus representantes <strong>da</strong><br />

9<br />

ZENHA, Edmundo. O Município no Brasil 1532-1700. São Paulo. Ipê, 1948. Pg.8<br />

10<br />

ZENHA, Idem. Pg.50<br />

11<br />

COELHO, Virgínia Aníbal. Autonomias e despotismo: A Câmara e a Vila de Santarém no Reinado de D. José.<br />

Cadernos Culturais n.º4 - março de 1993. Santarém: Câmara Municipal de Santarém.<br />

14


colônia, facilmente podiam se perder num território tão vasto e irregular. Assim o município<br />

colonial acumula muitos poderes: administrativos, jurídico e político.<br />

Era possível aos concelhos convocar as juntas, assembléia que deliberava sobre os<br />

assuntos graves <strong>da</strong> colônia, <strong>da</strong> qual participavam as altas patentes militares, as autori<strong>da</strong>des<br />

supremas <strong>da</strong> justiça e <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong>, o bispo, e um representante <strong>da</strong> <strong>câmara</strong>, todos sob a<br />

presidência do governador. 12 As <strong>câmara</strong>s podiam dirigir-se diretamente ao poder central: rei,<br />

governados geral e capitães-mores e faziam isso via correspondência, procurando se fazer<br />

ouvir, reclamavam, denunciavam e exigiam providências.<br />

O relacionamento entre o concelho e a metrópole, através de seus representantes, não é<br />

sempre amigável. A <strong>câmara</strong> tornava-se empecilho à aplicação <strong>da</strong>s decisões centrais, quando<br />

não cumpriam as ordens que não lhe interessavam. O mesmo desdém mostrado aos poderes<br />

centrais eram aplicados ao Clero. A <strong>câmara</strong> intrometia-se nos negócios <strong>da</strong> Igreja podendo esta<br />

lhe aplicar sua costumeira punição, a excomunhão.<br />

O poder tributário exercido pelo município era realizado através <strong>da</strong> finta - imposto<br />

extraordinário - cobrado nas muitas horas de necessi<strong>da</strong>de dos pobres concelhos. Era aceito na<br />

maioria <strong>da</strong>s vezes pela população porque esta compreendia as carências do concelho<br />

<strong>municipal</strong>. Para cobrar a finta, segundo as Ordenações Filipinas era preciso a autorização<br />

superior. No Brasil pôr causa <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des em se obter do Governador Geral ou do<br />

Corregedor a necessária autorização para as despesas urgentes, essa lei não foi regularmente<br />

observa<strong>da</strong>. O povo era convocado para aprovar a cobrança <strong>da</strong> finta podendo aceitá-la ou não.<br />

Uma outra forma de arreca<strong>da</strong>ção eram os rendimentos eventuais obtidos através coima , multa<br />

que se cobrava por qualquer infração às posturas municipais. Esses rendimentos nunca eram<br />

suficientes para cobrir os encargos camarários, recorria-se então à finta.<br />

12 ZENHA, Edmundo. O município no Brasil 1532-1700. São Paulo. Ipê, 1948. Pg.113<br />

15


A <strong>câmara</strong> direciona<strong>da</strong> empreendimentos individuais na área administrativa:<br />

construção e conservação de estra<strong>da</strong>s, pontes, etc, realiza<strong>da</strong>s pelos interessados, os próprios<br />

moradores <strong>da</strong> Vila construíam essas benfeitorias, já que a <strong>câmara</strong> não possuía recursos para<br />

isso. O poder <strong>municipal</strong> procurava defender os colonos, tanto quanto lhe era possível, dos<br />

tributos cobrados pelo governo metropolitano. 13<br />

Durante os dois primeiros séculos <strong>da</strong> colonização brasileira o município teve prestígio<br />

e poder e manteve-se como uma <strong>da</strong>s principais instituições coloniais. A distância <strong>da</strong> coroa e<br />

as dificul<strong>da</strong>des no controle de um território vasto e irregularmente povoado permitiram que<br />

isso acontecesse. O alargamento dos poderes camarários, no entanto, não acontecem sem<br />

conflitos No embate entre Vilas e a Metrópole e seus representantes coloniais vitórias e<br />

derrotas vão acontecendo.<br />

O declínio <strong>da</strong> produção agrícola e a concomitante descoberta do ouro, em fins século<br />

XVII, modificam a situação privilegia<strong>da</strong> do município. O esteio econômico torna-se a<br />

mineração e o comércio. As vilas empobrecem e os senhores rurais, que formam a elite<br />

<strong>municipal</strong> têm seu poder político e econômico diminuídos. O estado colonial torna-se mais<br />

organizado e presente, através de seus funcionários, buscando controlar de perto seu achado<br />

precioso. A centralização efetiva do Estado Português, que reduz o município Português a<br />

uma Instituição meramente administrativa é senti<strong>da</strong> no Brasil. Os alargados poderes<br />

conquistado pelo colono brasileiro lhe são retirados, na medi<strong>da</strong> em que o Estado se fortalece<br />

e se faz sentir em ca<strong>da</strong> município pelos seus representantes.<br />

13 ZENHA, Idem. Pg.126.<br />

16


1- As Oligarquias Municipais<br />

CAPÍTULO II<br />

A <strong>câmara</strong> <strong>municipal</strong> revelou-se ao longo do tempo uma importante instituição tanto<br />

em Portugal quanto no Brasil, necessária à <strong>organização</strong> do Estado e garantia de liber<strong>da</strong>des<br />

locais. Dela faziam parte um pequeno número de oficiais responsáveis pelo seu<br />

funcionamento.<br />

No século XVI, a participação de novos membros aos quadros <strong>da</strong> governança<br />

local é comum. Assim como a participação popular nas Assembléias convoca<strong>da</strong>s pela<br />

Câmara. Aos poucos acontece a cristalização de um grupo social na governança local. Já no<br />

século XVII, segundo Joaquim Romero Magalhães, é um pequeno grupo que domina os<br />

governos municipais. Esse processo é uma resposta à recessão econômica vivi<strong>da</strong> pelos<br />

portugueses na época. A abertura política , quanto ao ingresso nos cargos <strong>da</strong> Câmara<br />

Municipal vivencia<strong>da</strong> no século anterior é típica de um período de prosperi<strong>da</strong>de. Até<br />

princípios do século XVII, ain<strong>da</strong> era corrente a participação do povo na assembléia que elegia<br />

os eleitores.<br />

A realeza reconheceu as forças locais e nelas se apoiou para o recrutamento militar,<br />

cobrança de impostos e justiça na falta de juizes de fora. O “povo miúdo” e os mesteres (ou<br />

artesãos) sofrem a pressão <strong>da</strong>s oligarquias locais que, ao mesmo tempo em que os defendia<br />

em relação ao poder central, os excluía <strong>da</strong> participação do poder local. Reproduzia-se as<br />

relações com a monarquia distante.<br />

As <strong>câmara</strong>s tornam-se pequenos grupos fechados que detém o mando em um território<br />

fragmentado. Entre as <strong>câmara</strong>s não havia relação de subordinação. Perante a lei, os concelho<br />

17


são iguais entre si, não há hierarquia entre as várias parcelas do território. Esta igual<strong>da</strong>de<br />

estabilizava as tensões locais e bloqueava os centros eventualmente mais dinâmicos. Os<br />

conflitos entre as partes que por ventura acontecessem, eram normalmente resolvidos,<br />

podendo o magistrado régio, em alguns casos, funcionar como mediador.<br />

As honras e proveitos conquistados pelas <strong>câmara</strong>s eram insistentemente defendidos.<br />

Quem ingressava no regime não queria seu fim, lutando contra o poder central ou contra<br />

grupos locais para defender-se e manter o status quo. Procurava-se lucrar com os cargos<br />

públicos interferindo no comércio, na sua regulamentação, visando a obtenção de honras e<br />

proveitos.<br />

As atribuições de ca<strong>da</strong> cargo do concelho e a forma de escolhê-los foram modifica<strong>da</strong>s<br />

ao longo do tempo, assim como o próprio município. As leis gerais, e suas posteriores<br />

compilações - as ordenações - definiam como deveria agir o corpo concelhio. As ordenações<br />

Manuelinas regulam o município no momento em que esta instituição era implanta<strong>da</strong> no<br />

Brasil.<br />

Eram os Oficiais <strong>da</strong> Câmara no momento <strong>da</strong> criação dos municípios brasileiros os<br />

juizes ordinários, os vereadores, procurador, escrivão, entre outros. Os juizes ordinários eram<br />

os oficiais de maior importância do conselho <strong>municipal</strong>. Eram eleitos dois para servir a ca<strong>da</strong><br />

ano, o juiz mais velho e o juiz mais moço. Nas sessões <strong>da</strong> Câmara deveria estar presente ao<br />

menos um deles. Quando os dois estivessem impossibilitados de participar <strong>da</strong>s audiências,<br />

seriam substituídos pelo vereador mais velho.<br />

A ativi<strong>da</strong>de desses juizes foi intensa no Brasil por causa <strong>da</strong> distância do poder central.<br />

Suas funções eram , entre outras: presidir as sessões <strong>da</strong> Câmara, julgar os furtos, os crimes de<br />

injúria verbal, os problemas referentes a imóveis e as multas impostas pelos almotacés que<br />

excedessem o valor de seiscentos mil réis.<br />

18


Os juizes ordinários deveriam ain<strong>da</strong> substituir os juizes de órfãos nas Vilas onde não<br />

existia esse oficial. O juiz de órfãos tinha man<strong>da</strong>to de três anos, sua função referia-se a<br />

questões de herança e ao amparo de órfãos e viúvas.<br />

No início de sua gestão, os juizes ordinários deveriam inquirir sobre o procedimento<br />

de seus antecessores, realizando as chama<strong>da</strong>s janeirinhas. Processo no qual todo o<br />

procedimento dos oficiais que exerceram man<strong>da</strong>to no ano anterior seria analisado <strong>da</strong> maneira<br />

que precisavam as ordenações reais. Qualquer irregulari<strong>da</strong>de cometi<strong>da</strong> seria puni<strong>da</strong>.<br />

Um juiz menor era escolhido para representar a <strong>câmara</strong> nas povoações distantes dentro<br />

do Termo <strong>da</strong> Vila. Dava-se a esse oficial a denominação de juiz vintenário ou pedânio, e ele<br />

exercia funções juriscionais de menor importância.<br />

O almotacé era um oficial de menor importância entre os oficiais ca Câmara, suas<br />

atribuições eram: cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de de pesos e medi<strong>da</strong>s, taxar (tabelar) e distribuir<br />

mantimentos, estabelecer regras para o abate do gado, zelar pela limpeza <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e fiscalizar<br />

as obras de maneira que não prejudicassem as ruas e praças. Os almotacés eram escolhidos<br />

para a exercer a função por dois meses. Uma dupla de homens-bons era escolhi<strong>da</strong> para o<br />

cargo <strong>da</strong> seguinte maneira: nos seis primeiros meses eram escolhidos os oficiais do ano<br />

anterior. Nos dois primeiros meses os juizes, depois segui<strong>da</strong>mente, os dois vereadores mais<br />

velhos e o vereador mais novo e o procurador. Nos outros seis meses os almotacés eram<br />

escolhidos entre os homens - bons.<br />

As assembléias dos homens-bons (aqueles com bens e prestígio na socie<strong>da</strong>de) que era<br />

convoca<strong>da</strong> sempre que um assunto de maior importância surgia, foi por ação estatal<br />

substituí<strong>da</strong> pelos vereadores. Os homens - bons passaram a participar somente <strong>da</strong>s eleições.<br />

Eram três os vereadores escolhidos. Suas funções eram de caráter administrativo, apesar de<br />

participarem junto ao juiz de algumas determinações judiciárias feitas nas “Vereanças”.<br />

19


Entre as atribuições dos vereadores estavam: participar <strong>da</strong>s sessões <strong>da</strong> <strong>câmara</strong>, realizar<br />

a devassa sobre os oficias anteriores. Criar as leis de acordo com as necessi<strong>da</strong>des do concelho.<br />

Fiscalizar o cumprimento <strong>da</strong>s posturas municipais, a conservação dos bens do concelho, o<br />

abastecimento <strong>da</strong> população. Procurar conhecer as necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> população promovendo o<br />

que fosse necessário para o bem viver <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. Os vereadores seriam responsáveis por<br />

alguns documentos <strong>da</strong> Câmara, fiscalizando o seu uso.<br />

Quanto às despesas <strong>da</strong> Câmara, os vereadores deveriam cui<strong>da</strong>r para que antes do início<br />

<strong>da</strong>s obras, fosse realizado o pregão (licitação), para que fosse <strong>da</strong><strong>da</strong> a empreita<strong>da</strong> para quem<br />

oferecesse menor preço. As despesas do concelho deveriam estar bem especifica<strong>da</strong>, caso<br />

contrário, os vereadores poderiam ser multados. Havendo necessi<strong>da</strong>de de lançar a finta, um<br />

imposto extraordinário que poderia ser cobrado com a autorização real, os vereadores<br />

tomariam as providencias necessárias.<br />

O preço <strong>da</strong>s mercadorias em circulação pela vila era determinado em Câmara.<br />

Deveriam contratar obras através de concorrências. Junto aos juizes designavam pessoas para<br />

cumprir alguns cargos, entre eles o do carcereiro do concelho. Um dos vereadores era<br />

responsável pela chave <strong>da</strong> arca dos documentos e pelouros, enquanto outra ficava com o<br />

escrivão. Entre suas atribuições estavam ain<strong>da</strong> a <strong>organização</strong> de procissões.<br />

Nos casos relevantes poderiam man<strong>da</strong>r à corte um representante <strong>da</strong> Câmara, o que era<br />

de certa maneira desaconselhado pelo poder central. Havia ain<strong>da</strong> a própria dificul<strong>da</strong>de<br />

financeira de fazer-se representado junto ao rei porque as despesas deveriam ser pagas pelo<br />

concelho. A representação poderia ser feita por algum “amigo <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, algum retornado à<br />

pátria, que se prontificava, sempre que lho pediam, de tratar junto a el rei sobre negócios de<br />

cujos pormenores ficava a par através de carta”. 14<br />

14 Zenha Edmundo. O município no Brasil 1532-1700. São Paulo. Ipê, 1948. Pg62<br />

20


Outro importante oficial do concelho era o procurador. Participava <strong>da</strong>s vereações e era<br />

através dele que chegavam à <strong>câmara</strong> os anseios populares. Encaminhava as discussões <strong>da</strong>s<br />

reuniões e, ao final do man<strong>da</strong>to cabia-lhe preparar um relatório sobre o concelho. Tinha<br />

funções fiscalizantes, verificava o estado <strong>da</strong>s casas, fontes, pontes, chafarizes, poços,<br />

calça<strong>da</strong>s, caminhos, requerendo à <strong>câmara</strong> os reparos necessários. Ao seu cargo ficavam as<br />

ren<strong>da</strong>s do concelho.<br />

No Brasil o procurador possuía atributos ain<strong>da</strong> mais amplos do que aqueles <strong>da</strong>s<br />

Ordenações Filipinas determinavam: era uma espécie de advogado do povo, mediador entre<br />

este e a <strong>câmara</strong>. É ele quem defende o colono em muitos momentos, o que lhe dá um caráter<br />

político.<br />

Além desses oficiais maiores, as <strong>câmara</strong>s contavam com o serviço de alguns<br />

funcionários: escrivão, tesoureiro e porteiro. O escrivão era fun<strong>da</strong>mental a to<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des<br />

camarárias, registrava tudo que se passava nas sessões, os trabalhos <strong>da</strong> almoçataria, as receitas<br />

e despesas do concelho, anotando tudo <strong>da</strong> maneira mais detalha<strong>da</strong> possível. O tesoureiro não<br />

era comum a to<strong>da</strong>s as Vilas, nas regiões era comum procurador exercer as suas funções.<br />

Porteiro era o funcionário <strong>da</strong> <strong>câmara</strong> que fazia os pregões e lia junto ao pelourinho as<br />

determinações <strong>da</strong> edili<strong>da</strong>de.<br />

O processo de escolha dos oficiais, (juizes, vereadores e procurador) desenvolveu-se<br />

num sentido restritivo. No século XVII, somente “os naturais <strong>da</strong> terra e <strong>da</strong> governança dela, e<br />

os tivessem sido seus pais e avós” 15 poderiam se candi<strong>da</strong>tar a tais funções. No Brasil a<br />

exclusão reinós representa uma vitória dos colonos, pois garante a sua participação na política<br />

local.<br />

15 MAGALHAES, Joaquim Romero. “Reflexões sobre a Estrutura Municipal Portuguesa e a Socie<strong>da</strong>de Colonial<br />

Brasileira”. In: Revista de História Econômica e Social. Lisboa, n.16, jul. - dez. 1985. Pg. 21<br />

21


Os oficias do concelho exerciam seus cargos por um ano. As eleições eram trienais,<br />

realiza<strong>da</strong>s antes que terminasse o man<strong>da</strong>to do último grupo. A eleição era indireta, os homens<br />

bons e o povo votavam em seis eleitores. Estes seis eleitores escolhiam os novos oficiais. O<br />

escrivão era quem tomava os votos, instruindo para que se votasse nos mais aptos. A apuração<br />

era feita pelo juiz <strong>da</strong> eleição que poderia ser o juiz de fora, quando existisse, o Corregedor ou<br />

o Ouvidor. Na falta destes, o vereador mais velho ou um dos vereadores. Feita a votação, os<br />

mais votados juravam sob os Santos Evangelhos escolher os homens mais qualificados ao<br />

exercício <strong>da</strong>s funções que lhe seriam confia<strong>da</strong>s.<br />

Estes seis eleitores, estando separados em grupos de dois e incomunicáveis, votavam<br />

em listas diferentes para ca<strong>da</strong> cargo: juizes, vereadores e procurador. Os oficiais eleitos<br />

serviriam ca<strong>da</strong> grupo por um ano, nos três anos seguintes. Depois <strong>da</strong> votação, o juiz redigia<br />

uma ata, enumerando separa<strong>da</strong>mente, os que haviam sido escolhidos para ca<strong>da</strong> cargo,<br />

“fazendo-o de tal maneira que não servissem parentes no grau indicado, que os menos<br />

práticos no manejo <strong>da</strong>s cousas públicas servissem com os de mais experiência nelas”. 16 Era o<br />

que se chamava apurar a pauta, que seria assina<strong>da</strong> pelo juiz e lacra<strong>da</strong>. Com ela o corregedor<br />

ou o juiz <strong>da</strong> eleição conferiam os pelouros.<br />

“Relacionados todos os eleitos, separavam-se então os que deviam servir para ca<strong>da</strong><br />

ano no próximo triênio. Ca<strong>da</strong> relação desta era um pelouro composto para ca<strong>da</strong> cargo”. 17 Os<br />

pelouros eram então colocados em um saco com repartições para ca<strong>da</strong> cargo, junto com a<br />

pauta. Este saco era colocado em um cofre com três chaves distribuí<strong>da</strong>s entre os vereadores,<br />

do ano anterior. Não havia uma ordem pré - determina<strong>da</strong> para que os oficiais eleitos<br />

cumprissem seus cargos, eram sorteados. Na época em que se deveria tirar os pelouros,<br />

chamava-se todos ao passo <strong>municipal</strong> e uma criança para realizar o sorteio, um menino de<br />

16 ZENHA, Edmundo. O Município no Brasil 1532-1700. São Paulo. Ipê, 1948. Pg.80<br />

22


sete anos “meterá a mão em ca<strong>da</strong> repartimento e revolverá bem os pelouros, e tirará um de<br />

ca<strong>da</strong> repartimento, e os que saírem nos pelouros serão oficiais e não outros” 18<br />

Quando um dos sorteados estivesse impedido de assumir o cargo, era feita uma nova<br />

eleição, mais simples, a chama<strong>da</strong> eleição de barrete: os próprios oficiais e alguns homens -<br />

bons votavam escolhendo um substituto. A eleição de pelouro era considera<strong>da</strong> mais honrosa.<br />

Após as eleições eram requisita<strong>da</strong>s cartas de confirmação ao Corregedor, Ouvidor ou a<br />

quem tivesse poderes para tal. A lei man<strong>da</strong>va que somente com a carta de confirmação era<br />

possível o exercício do cargo. Nem sempre esta lei era obedeci<strong>da</strong> no Brasil, pela própria de<br />

distância do poder central ou de seus representantes na colônia. Ao assumirem, todos os<br />

oficiais deviam <strong>da</strong>r juramento sobre os Santos Evangelhos.<br />

As eleições eram muitas vezes vicia<strong>da</strong>s e fraudulentas. As reclamações sobre a falta de<br />

capaci<strong>da</strong>de dos eleitos, <strong>da</strong>s desordens e subornos que ocorriam chegavam ao poder central,<br />

que procurava coibir tais atitudes. As determinações reais não conseguiram inibir essas<br />

ilegali<strong>da</strong>des. No final do Século XVII é introduzi<strong>da</strong> no Brasil, a figura do juiz de fora, numa<br />

tentativa de moralizar o processo eleitoral.<br />

A introdução do juiz de fora não modifica as eleições por completo, mas a presença do<br />

poder central se torna mais efetiva. A votação continua indireta, porém é o juiz de fora que<br />

indica quem exerce os cargos, substituindo o processo de desmembramento <strong>da</strong> pauta em<br />

pelouros. E o sorteio anual do qual saíam os nomes dos oficiais. 19 Rio de Janeiro e Salvador<br />

foram as ci<strong>da</strong>des que recebem o juiz de fora, nas outras regiões as eleições aconteciam<br />

segundo a tradição.<br />

Para limpar a pauta, os juiz de fora, Corregedor, Ouvidor, ou mesmo o juiz <strong>da</strong> eleição,<br />

seguiam as Ordenações, que determinavam que os cargos não poderiam ser ocupados por<br />

17 ZENHA. Idem. pg. 80<br />

18 ZENHA. Iden. Pg.81<br />

23


parentes: “mesmo por afini<strong>da</strong>de a lei falava em quarto grau” 20 e a reeleição não poderia<br />

acontecer antes dos três anos.<br />

As duas determinações eram freqüentemente burla<strong>da</strong>s e as condições <strong>da</strong>s vilas<br />

brasileiras justificavam a irreverência. Nas pequenas vilas, por vezes faltavam homens<br />

qualificados para ocupar os cargos municipais, e antes dos três anos, nos quais não poderiam<br />

ser reeleitos para ocupar qualquer cargo, seus nomes constavam nas listas e pelouros. Quanto<br />

ao parentesco, a situação era muito semelhante, a ligação sangüínea entre os moradores era<br />

tamanha que dificultava o cumprimento <strong>da</strong> lei.<br />

Outra falta cometi<strong>da</strong> pelas Câmaras Municipais era a tentativa de prolongar o tempo<br />

dos man<strong>da</strong>tos dos oficiais, adiando as eleições ou a posse do novo grupo, buscando aproveitar<br />

por mais tempo as vantagens que o cargo poderia render. Reclamações populares eram<br />

aconteciam neste momento. 21<br />

A fraude e o desrespeito legislação acontecia tanto dentro <strong>da</strong>s Câmaras quanto entre as<br />

autori<strong>da</strong>des responsáveis pela administração colonial. Eram freqüentes as tentativas de<br />

capitães-donatários, governadores, vice-reis e corregedores de frau<strong>da</strong>r as eleições, colocando<br />

pessoas de sua influência nos cargos. Isso era feito no momento <strong>da</strong> apuração <strong>da</strong> pauta, os<br />

nomes que não agra<strong>da</strong>vam a esses emissários <strong>da</strong> coroa eram vetados. Nomes alheios à elite<br />

local eram inseridos nas listas. Essas fraudes geravam forte contestação que era entendi<strong>da</strong><br />

pelos agentes <strong>da</strong> coroa como insubordinação.<br />

Os vícios do sistema eleitoral, praticados em nossas <strong>câmara</strong>s no período colonial não<br />

diminuem a importância de sua ação junto ao povo, que vivia disperso no imenso território e<br />

tinha a instituição como organizadora <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> colonial, devido às suas funções jurídicas e<br />

administrativas.<br />

19 ZENHA . Iden. Pg.80<br />

20 ZENHA. Idem. Pg.86<br />

24


Os eleitores e os eleitos faziam parte de um grupo de homens seletos <strong>da</strong> locali<strong>da</strong>de, os<br />

chamados “homens-bons.” 22 Tradicionalmente, os homens-bons formavam um conselho que<br />

era consultado pela edili<strong>da</strong>de na resolução de problemas importantes, fossem eles<br />

administrativos ou jurídicos. Inicialmente participavam <strong>da</strong> assembléia dos homens - bons<br />

todos aqueles que possuíssem as qualificações necessárias. E estas dependiam <strong>da</strong> estrutura<br />

sócio econômica município. Fortuna, honra, saber, podiam ser a quali<strong>da</strong>de que caracterizava o<br />

homem-bom. O número de homens que faziam parte deste grupo também variava de<br />

município para município.<br />

A participação na assembléia dos homens-bons é aos poucos reduzi<strong>da</strong>. Segundo<br />

Joaquim Romero Magalhães é a própria complexi<strong>da</strong>de que a vi<strong>da</strong> em comuni<strong>da</strong>de passa a<br />

exigir o que faz com que a assembléia seja substituí<strong>da</strong> por oficiais especializados na<br />

administração: os vereadores. De eleição direta onde todos votavam, passa-se a eleição<br />

indireta, através <strong>da</strong> escolha de seis eleitores que seriam responsáveis pela escolha dos<br />

oficiais.<br />

A qualificação de homem - bom não estava relaciona<strong>da</strong> a título de nobreza ou<br />

fi<strong>da</strong>lguia. Independentemente <strong>da</strong> origem, qualquer pessoa que se mostrasse necessária à vi<strong>da</strong><br />

<strong>municipal</strong> poderia participar como oficial camarário. Na prática, porém, o grupo de pessoas<br />

que exercem os cargos se torna ca<strong>da</strong> vez mais fechado. Poucas pessoas circulam no poder. O<br />

poder <strong>municipal</strong> fica nas mãos de uma elite economicamente privilegia<strong>da</strong>, que busca o<br />

prestígio social que os cargos municipais representam.<br />

O sentido democrático que o município poderia expressar é limitado:<br />

21 ZENHA. Idem. Pg. 87.<br />

22 Edmundo Zenha, defende idéia de continui<strong>da</strong>de do município romano formando o município moderno e<br />

conseqüentemente o município brasileiro. Assim a instituição dos homens - bons, é para ele, herdeira <strong>da</strong> Cúria<br />

Romana, instituição <strong>da</strong> qual faziam parte: “os homens notáveis <strong>da</strong> locali<strong>da</strong>de que tomavam parte nas<br />

deliberações graves dos municípios e forneciam para as funções destes seus respectivos membros”. Obra cita<strong>da</strong>,<br />

pg. 89<br />

25


“O processo de escolha dos oficiais do concelho - Juizes, vereadores e procurador - desenvolveuse<br />

de tal modo no sentido restritivo que muito poucos eram, já no n século XVI, os homens com<br />

“quali<strong>da</strong>de e condição” para tais lugares. Nos princípios do século XVII ficaram mesmo<br />

reservados para aqueles que eram naturais <strong>da</strong> terra, e <strong>da</strong> governança dela, e o tivessem sido seus<br />

pais e avós. Determinou-se taxativamente que só podiam exercer os que pertencessem à “gente<br />

nobre <strong>da</strong> governança”. Instituiu-se, assim, a perpetuação do mando nas mesmas e poucas<br />

famílias.” 23<br />

Nos municípios brasileiros o poder será cristalizado nas mãos de poucos. A pequena<br />

população <strong>da</strong>s vilas pode justificar esse processo em alguns momentos, mas é certo que uma<br />

vez no poder, todos procuravam manter-se com este status.<br />

A abertura política do período de fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s Vilas, quando todos eram aceitos na<br />

governança desde que se apresentassem úteis à comuni<strong>da</strong>de, não permanece em todo período<br />

colonial. Aos poucos as honras seduzem os colonos, que buscam a ascensão social à qual não<br />

tinham acesso em Portugal. Forma-se assim no Brasil uma oligarquia familiar, que busca<br />

reproduzir a fi<strong>da</strong>lguia portuguesa.<br />

O município é a Instituição política à qual to<strong>da</strong> a população colonial tem acesso. O<br />

fato de o governo estar nas mãos de uma elite local diminui a tendência democrática que o<br />

município poderia exercer, mas não diminui sua importância como instituição que defende o<br />

povo frente ao poder central.<br />

23 MAGALHÃES, Joaquim Romero. “Reflexões sobre a Estrutura Municipal Portuguesa e a Socie<strong>da</strong>de Colonial<br />

Brasileira.” In: Reviasta de História Econômica e Social. Lisboa, n16, jul. - dez. 1985. P. 21.<br />

26


1. Os Provimentos do Ouvidor Pardinho.<br />

CAPÍTULO III<br />

O MUNICÍPIO EM CURITIBA.<br />

A população instala<strong>da</strong> no Primeiro Planalto paranaense, que se origina à partir de<br />

grupos garimpeiros vindos principalmente de São Paulo e Paranaguá 24 é eleva<strong>da</strong> à categoria<br />

de Vila, em 1668, seguindo para tanto as determinações do Estado Português. Pode-se afirmar<br />

que a elevação à categoria de Vila é uma conquista do grupo de moradores ali instalados, já<br />

que é marcante a pressão feita pela população na fun<strong>da</strong>ção do Município de Curitiba.<br />

A primeira atitude no sentido de organizar-se toma<strong>da</strong> pelos moradores do planalto foi<br />

a ereção de uma capela, na déca<strong>da</strong> de 1650. Mais tarde, em 1668, “Gabriel de Lara, Capitão -<br />

Mor de Paranaguá e Procurador do Donatário <strong>da</strong> Capitania tomou posse <strong>da</strong> povoação que<br />

estava surgindo nos Campos de Curitiba”. 25 Agindo em nome do Donatário Marquês de<br />

Caiscais, Gabriel de Lara encontra no planalto, segundo Romário Martins “dezessete<br />

moradores representativos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de que aí estava se constituindo, que lhe recorreram a<br />

instituição <strong>da</strong> Vila” 26 Escolhe-se neste ano, como capitão - povoador à Matheus Leme e<br />

ergue-se o pelourinho. Mas não se completa a instalação do município <strong>curitiba</strong>no, pois não é<br />

fun<strong>da</strong><strong>da</strong> a Câmara Municipal, o que somente acontece em 1693.<br />

É nesse ano que a população de Curitiba escreve ao Capitão Povoador Mateus Leme,<br />

pedindo a criação <strong>da</strong> justiça, devido a situações desagradáveis que vinham ocorrendo na<br />

socie<strong>da</strong>de local:<br />

24 WACHOWICZ, Rui C. História do Paraná. 6º edição. Curitiba: Editora Gráfica Vicentina, 1988. P.61.<br />

A origem <strong>da</strong> população <strong>curitiba</strong>na não será analisa<strong>da</strong> no presente trabalho, que pretende compreender a<br />

<strong>organização</strong> <strong>da</strong> Instituição Municipal.<br />

25 MARTINS, Romário. História do Paraná. 3º edição. Curitiba: Editora Guaíra. Pg. 207<br />

26 Idem, pg. 207.<br />

27


Senhor Capitão Povoador: - os moradores todos assistentes nesta povoação de Nossa Senhora <strong>da</strong><br />

Luz dos Pinhais que, atendendo no serviço de Deus e de Sua Majestade, que Deus o Guarde, paz,<br />

quietação e bem comum deste povo, e por ser hoje mui crescido por passarem de 90 homens,<br />

quanto mais crescer a gente vão fazendo mores desaforos, e bem viu nesta festa an<strong>da</strong>rmos todos<br />

com armas na mão, apelorou-se dois ou três homens, e outros insultos de roubos como é notório e<br />

constando pelos casos que tem sucedido, e <strong>da</strong>qui por diante será pior por não haver a dita justiça<br />

na dita povoação, nos ocorremos a V. Mercê como capitão e cabeça dela, e por ser já decrépito e<br />

não lhe obedecerem, seja servido permitir a que haja justiça nesta dita Vila, pois nela a gente<br />

bastante para exercer os cargos <strong>da</strong> dita justiça que faz número de três povos. E pela Ordenação<br />

ordena sua Majestade que havendo trinta homens se eleja justiça, e demais que consta que V.<br />

Mercê por duas vezes procurou aos capitães - mores <strong>da</strong>s capitanias de baixo lhe viessem criar<br />

justiça na dita povoação, sendo que não era necessário por ter havido já aqui justiça por algum<br />

tempo, cria<strong>da</strong> pelo defunto capitão - mor Gabriel de Lara., que levantou pelouro em nome do<br />

marques de Caiscais; pelo que requeremos a Vmcê, pela parte de Deus de del - rei que visto o que<br />

alegamos e o nosso pedir ser justo e bem comum de todo este povo, o mande ajuntar e fazer<br />

eleição e criar justiça e <strong>câmara</strong> forma<strong>da</strong>, para que assim haja temor de Deus e de el-rei e por as<br />

coisas em caminho. 27<br />

A população exige a criação do município porque este representava a justiça, a Ordem<br />

que a Coroa portuguesa, através de suas leis, poderia pôr em pratica na Colônia. Organiza<strong>da</strong>s<br />

as já conheci<strong>da</strong>s instituições metropolitanas, a barbárie imposta pelas adversi<strong>da</strong>des locais<br />

poderiam ser supera<strong>da</strong>s.<br />

Em 1721, o Ouvidor - Geral Rafael Pires Pardinho em visita à Curitiba procurou por<br />

em correto funcionamento o Município, de acordo com o modelo português. Através de sua<br />

correição organiza o Concelho Municipal: “E sendo esta a primeira curreição que tem havido<br />

nesta Vila, lhes deixa com mais extensão estes capítulos, para que observando-as evitem as<br />

desordens em que até agora alguns tropeçam por ignorância, e os maliciosos, não tenham já a<br />

desculpa de ignorantes.” 28<br />

O Ouvidor em seus “Provimentos de Correição”, legisla sobre todo o cotidiano <strong>da</strong><br />

<strong>câmara</strong> <strong>municipal</strong>, sempre de acordo com o que precisavam as Ordenações Filipinas. Estes<br />

dois documentos deveriam estar sempre presentes na Câmara e sua legislação deveria ser<br />

obedeci<strong>da</strong> pelos oficiais.<br />

Inicialmente o Ouvidor toma posse <strong>da</strong> Vila em nome <strong>da</strong> Coroa:<br />

27 Requerimento feito pelos moradores para a criação <strong>da</strong>s justiças, in: R.I.H. de São Paulo, vol. XIII, 1908, citado<br />

por ZENHA, Edmundo. O Município no Brasil 1532-1700. São Paulo: Ipê, 1940. Pg. 32.<br />

28 B.A M.C. V.1 p11 (Adotou-se a sigla B.A M.C. para designar Boletim do Archivo Municipal de Curityba.)<br />

28


“Pelo que terão todos entendido d’aqui por diante, que esta Vila e tudo o mais que corre para o<br />

Sul, he <strong>da</strong> Coroa, e que seos moradores imediatamente san vassalos <strong>da</strong> coroa real, e que seos<br />

moradores imediatamente san vassalos <strong>da</strong> coroa sem reconhecerem algum donatário, como<br />

antigamente reconhecião do dito Marquêz.” 29<br />

Diversos assuntos são abor<strong>da</strong>dos pelo Ouvidor, que sistematiza nos provimentos qual<br />

seria a responsabili<strong>da</strong>de dos oficiais nas diferentes situações que lhes seriam apresenta<strong>da</strong>s.<br />

Em suas deliberações o Ouvidor procura instruir os oficiais sobre a <strong>organização</strong><br />

territorial e urbana <strong>da</strong> Vila, detalhando a responsabili<strong>da</strong>de dos oficiais nestes assuntos. A<br />

delimitação do termo e do Rocio <strong>da</strong> Vila são oficializados então. O ouvidor determina, no<br />

artigo 11, que o termo <strong>da</strong> Vila de Curitiba teria como limites: a Serra do Mar, que dividia os<br />

termos <strong>da</strong>s Vilas de Curitiba e Paranaguá e o Rio Itararé que dividia os termos de Curitiba e<br />

Sorocaba. Ficando a região ao sul do rio Itararé e acima <strong>da</strong> serra do Mar sob a<br />

responsabili<strong>da</strong>de de oficias <strong>da</strong> Câmara de Curitiba. 30<br />

A demarcação do Rocio feita em 1693, pelos primeiros oficiais é confirma<strong>da</strong> pelo<br />

Ouvidor, que os orienta a registrar no Livro Tombo, quais eram os corretos limites do Rocio e<br />

lhes ordena que proce<strong>da</strong>m de maneira correta quanto ao registro dos vizinhos do Concelho,<br />

chamando atenção sobre o modo incorreto que haviam feito até então. Ceder e fiscalizar as<br />

terras cedi<strong>da</strong>s dentro dos limites seria responsabili<strong>da</strong>de dos oficias, que seriam acusados em<br />

correição se não agissem corretamente. Fora dos limites do Rocio não era jurisdição dos<br />

oficiais ceder terras devolutas 31 .<br />

Ain<strong>da</strong> no que se refere a ocupação do espaço, o Ouvidor afirma que os vereadores<br />

deveriam estar atentos e criar leis (posturas e acordãos), regulamentando as áreas onde seria<br />

possível aos moradores conseguir materiais para suas construções.<br />

Quanto à <strong>organização</strong> do espaço urbano, é determinado nos provimentos que as casas<br />

não poderiam ser construí<strong>da</strong>s sem licença <strong>da</strong> Câmara, que as <strong>da</strong>ria de acordo com algumas<br />

29 B.A M. C. v. 1 p.11<br />

30 B. A M. C. v.1 p. 13<br />

29


egras: que fossem construí<strong>da</strong>s de modo continuado e uni<strong>da</strong>s umas às outras . Os quintais<br />

seriam demarcados tendo as testa<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s casas como base. Os oficiais deveriam evitar que<br />

houvessem terrenos vagos ou casas abandona<strong>da</strong>s nos limites <strong>da</strong> Vila, as casa abandona<strong>da</strong>s e<br />

os terrenos em que não fosse construído algum benefício deveriam ser devolvidos ao<br />

concelho, que poderia cedê-los a outra pessoa. 32<br />

Os oficiais deveriam obrigar os moradores a limpar o rio que corre no meio <strong>da</strong> Vila,<br />

conservar suas pontes, ruas, cercados e pastos elaborando leis que garantissem esses feitos.<br />

Seriam ain<strong>da</strong> responsáveis pela fiscalização dos caminhos, pontes <strong>da</strong> Vila e do termo,<br />

obrigando os moradores à mantê-los limpos e aterrados, ca<strong>da</strong> um cui<strong>da</strong>ndo <strong>da</strong> testa<strong>da</strong> de sua<br />

fazen<strong>da</strong>, sob pena de multa para o concelho se o morador assim não fizesse. Nos bairros<br />

seriam nomeados cabos para concertar os caminhos. 33<br />

A abertura, a conservação dos caminhos e a regulamentação <strong>da</strong> passagem de animais,<br />

era obrigação dos oficiais que deveriam criar leis determinando como seriam feitas e que<br />

penas seriam cobra<strong>da</strong>s se não fossem realiza<strong>da</strong>s essas obras.<br />

O abastecimento <strong>da</strong> Vila seria observado pelos vereadores, que deveriam obrigar aos<br />

moradores a plantarem mantimentos necessários ao abastecimento <strong>da</strong> Vila.<br />

Os vereadores deveriam comprar e manter os padrões de pesos e medi<strong>da</strong>s e balança.<br />

Esses pesos e medi<strong>da</strong>s seriam usados para conferir os utilizados nas ven<strong>da</strong>s, a ca<strong>da</strong> seis meses<br />

ou a ca<strong>da</strong> ano, dependendo do produto vendido. Os padrões do Concelho deveriam ser<br />

guar<strong>da</strong>dos na arca <strong>da</strong> Câmara e retirados somente para se fazer as aferições. As ven<strong>da</strong>s seriam<br />

abertas mediante a licença dos oficiais e proibia-se as ven<strong>da</strong>s nos sítios. Os almotacés<br />

fiscalizavam esses assuntos. 34<br />

31 B. A M. C. v.1 p. 18 e 19.<br />

32 B. A M. C. v. 1 p. 20 e 21.<br />

33 B. A M.C. v.1 p. 22 e 23.<br />

34 B. A M.C. v. 1 p.24<br />

30


Seria permitido pelas Provisões que a Câmara cobrasse taxas sobre a entra<strong>da</strong> na vila<br />

ou no termo de bebi<strong>da</strong>s e tecidos. Cobrando de acordo com o que estipulava o ouvidor. As<br />

pessoas deveriam <strong>da</strong>r entra<strong>da</strong> desses produtos junto ao escrivão. Quando isso não era feito no<br />

prazo de dois dias, ou se fosse feita a entra<strong>da</strong> de apenas parte do produto, a Câmara deveria<br />

multar e recolher os objetos. Caso contrário, os próprios juizes pagariam multa. 35<br />

Nenhuma pessoa poderia entrar ou sair <strong>da</strong> vila ou de seu termo com animais (gado e<br />

cavalgaduras) sem a licença <strong>da</strong> Câmara. Os oficiais deveriam incentivar a criação de animais<br />

na região não cedendo facilmente licença para que se retirassem animais do município,<br />

principalmente os animais mais jovens. Haveria multa para quem fosse apanhado sem a<br />

licença. 36<br />

O Ouvidor chama à atenção sobre o não pagamento dos quintos do ouro que estavam<br />

sendo retirados <strong>da</strong>s velhas lavras, onde na época ain<strong>da</strong> se conseguia algum metal precioso.<br />

Reconhece que a falta de pagamento se deve ao fechamento <strong>da</strong> oficina de Paranaguá.<br />

Contudo, pede aos oficiais que façam cumprir as leis sobre o assunto. Seria obrigação do<br />

concelho tirar devassa sobre esse assunto e comunicar aos ouvidores gerais ou governadores<br />

os descobrimentos de ouro. 37<br />

Os oficiais deveriam proibir que fossem capturados indígenas para o trabalho escravo,<br />

e não poderiam permitir que lhes fossem vendi<strong>da</strong>s armas. Na devassa geral, feita anualmente,<br />

deveriam atentar para esse assunto.<br />

To<strong>da</strong> pessoa que chegasse à vila apresentando-se como oficial deveria mostrar sua<br />

patente ou ordem à Câmara, o que seria registrado em livro próprio, observando-se para que<br />

não excedessem os poderes que lhes eram determinados.<br />

35 B. A M. C. v.1 p. 24 e 25.<br />

36 B. A M. C. v. 1 p. 26.<br />

37 B. A M. C. v.1 p. 27<br />

31


Os assuntos religiosos foram tratados nos Provimentos. É aconselhado aos oficiais que<br />

freqüentem o culto divino e guardem para que se promova referência e respeito aos párocos.<br />

Os oficiais deveriam assistir à Festa de Corpus Christi em corpo de Câmara levando o<br />

Estan<strong>da</strong>rte do Concelho. Todos os moradores de uma légua ao redor <strong>da</strong> Vila seriam<br />

obrigados, sob pena de uma pataca, a assistir a procissão. E quem morasse nas ruas onde<br />

passaria a procissão deveria carpir, limpar e enfeitar com palmas e ramos a frente de suas<br />

casas, sob pena de multa. Assim seria feito em outras procissões: de Nossa Senhora <strong>da</strong> Luz,<br />

padroeira <strong>da</strong> Vila, em 8 de setembro, <strong>da</strong> Visitação de Nossa Senhora Santa Isabel, do Anjo<br />

Custódio e de São Sebastião. A Câmara não poderia criar despesas com a realização <strong>da</strong>s<br />

procissões. 38<br />

É determinado nos provimentos que o Oficiais deveriam acompanhar a realização de<br />

eleições para Capitão - Mor e capitão de Ordenança agindo de acordo com as deliberações do<br />

Ouvidor. 39<br />

Além de deliberar sobre o modo como deveriam os Oficiais proceder no que se refere<br />

à administração <strong>da</strong> Vila o Ouvidor discute ao <strong>organização</strong> política e a jurisdição que teriam os<br />

oficiais do Concelho Municipal.<br />

O Ouvidor prossegue descrevendo como deveriam proceder os oficiais quanto às<br />

atribuições jurídicas que possuíam.<br />

2. Os Oficiais e as Eleições em Curitiba.<br />

38 B. A M. C. v.1 p. 11 e 12.<br />

39 B. A M. C. v.1 p. 14 e 15.<br />

32


Em seus provimentos o Ouvidor exige que os oficiais <strong>da</strong> <strong>câmara</strong> cumprissem os<br />

regimentos específicos de seus cargos, determinados nas Ordenações Filipinas.<br />

Os Juizes Ordinários seriam eleitos dois para servir em ca<strong>da</strong> ano e pelo menos um<br />

deles deveria estar presente nas Vereações e audiências, despachando sozinho os feitos. Caso<br />

ambos estivessem impedidos de exercer o cargo por doença, ausência ou outro motivo que<br />

fosse considerado justo poderiam ser substituídos pelo vereador mais velho. Um homem-bom<br />

que houvesse participado <strong>da</strong> governança poderia ser recrutado para fazer a substituição de<br />

algum oficial.<br />

As principais obrigações dos juizes ordinários eram: tirar devassas 40 particulares e as<br />

devassas anuais.<br />

Os ordinários que agissem de modo incorreto ou negligente seria condenado de acordo<br />

com sua ação. As condenações dos juizes seriam feitas na presença do corregedor ou do<br />

governador e segundo mais vozes, ou votos.<br />

As Ordenações Filipinas determinavam que deveriam ser feitas devassas “sobre as<br />

mortes, forças de mulheres que se queixarem que dormiram com elas carnalmente per força,<br />

fogos postos e sobre fugi<strong>da</strong> de presos, quebrantamento de cadea, moe<strong>da</strong> falsa, resistência,<br />

40 Devassa significava a inquirição de testemunhas pelo juiz para a informação de um delito e punição do<br />

delinqüente.<br />

33


offensa de Justiça, cárcere privado, furto de valia...” 41 Nesses casos os juizes deveriam tomar<br />

logo Auto, fariam as inquisições necessárias e obrigariam as prisões dos réus. Se, por<br />

41<br />

34


negligência ou malícia os juizes não procedessem de modo correto os seus sucessores<br />

deveriam completar a devassa podendo incorrer na mesma culpa.<br />

O ouvidor completa com algumas informações detalhando nos provimentos como<br />

deveriam proceder os oficias principalmente quanto aos crimes graves que deveriam ser<br />

notificados à ouvidoria. As penas que seriam <strong>da</strong><strong>da</strong>s aos juizes que não agissem como<br />

determina a lei também estão presentes nos Provimentos. 42<br />

Todos anos os juizes deveriam tirar devassa gerais, as chama<strong>da</strong>s janeirinhas. Essas<br />

devassas deveriam ser realiza<strong>da</strong>s até dez dias depois <strong>da</strong> posse em Câmara do grupo de oficiais<br />

que serviriam naquele ano que deveriam terminá-la dentro de trinta dias perguntando às<br />

testemunhas sobre os assuntos que determinavam as Ordenações.<br />

Nessa devassa geral os oficiais iriam inquirir sobre como procederam os seus<br />

antecessores, procurando saber se cumpriram suas obrigações se aproveitaram do oficio<br />

recebendo algum benefício de sua posição e se favoreceram alguém.<br />

Os vereadores deveriam observar o seu regimento que era o título sessenta e seis do<br />

primeiro livro <strong>da</strong>s Ordenações. Resumi<strong>da</strong>mente tinham como obrigações: cui<strong>da</strong>r dos bens do<br />

concelho, colocar as ren<strong>da</strong>s do concelho em pregão, cobrar as dívi<strong>da</strong>s do concelho. Cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong>s<br />

despesas, para que não excedessem o que era estipulado em Lei. Cui<strong>da</strong>r para que os<br />

documentos <strong>da</strong> Câmara estivessem guar<strong>da</strong>dos na arca do concelho observando para que não<br />

fossem retirados irregularmente. Observar para que os chafarizes, fontes, caminhos fossem<br />

reparados.<br />

Deveriam fazer cumprir as posturas cria<strong>da</strong>s em concelho, não permitindo que fossem<br />

contesta<strong>da</strong>s. Poderiam tabelar os produtos necessários. As obras não poderiam ser realiza<strong>da</strong>s,<br />

sem antes colocá-las em pregão para que fossem <strong>da</strong><strong>da</strong>s a quem fizesse menor preço. Obras<br />

pouco custosas poderiam ser feitas por jornais. Poderiam lançar finta quando as ren<strong>da</strong>s do<br />

36


concelho não fossem suficientes, desde que tivessem ordem do corregedor. Deveriam cui<strong>da</strong>r<br />

para que as despesas do concelho fossem corretas e declara<strong>da</strong>s com clareza.<br />

Os vereadores deveriam comparecer à vereação duas vezes na semana as quartas e<br />

sábados. Não poderiam faltar sem justa causa e deveriam comunicar aos parceiros quando não<br />

pudessem comparecer.<br />

Em Curitiba, entre os anos 1786 e 1790, realizou-se em geral uma sessão <strong>da</strong> Câmara<br />

por semana, a maioria nas quintas e sextas feiras, mas poderiam acontecer em qualquer dia <strong>da</strong><br />

semana. Algumas <strong>da</strong>s atas não descrevem que assunto foi tratado na sessão <strong>da</strong> Câmara,<br />

contendo nelas apenas a assinatura dos oficiais, citando apenas: “não houve requerimento<br />

algum de que man<strong>da</strong>rão fazer este termo de vereança” 43 Se necessário havia mais de uma<br />

sessão na semana mesmo em dias seguidos e em alguns meses aconteceram grande<br />

espaçamento entre as sessões.<br />

O procurador do Concelho em Curitiba, segundo os provimentos do Ouvidor serviria<br />

também de tesoureiro do Concelho, os regimentos dessas duas funções deveriam ser<br />

guar<strong>da</strong>dos por ele. Suas obrigações eram então: fazer os requerimentos para que concertos dos<br />

bens <strong>da</strong> Câmara fossem realizados. Dar conta de como ficam as coisas do concelho para que<br />

os novos oficiais saibam como estão as coisas e o que devem fazer. E, enquanto tesoureiro,<br />

receber to<strong>da</strong>s as ren<strong>da</strong>s do Concelho fazer as despesas que os vereadores man<strong>da</strong>ssem. Não<br />

poderia receber ou despender coisa alguma sem a presença do escrivão <strong>da</strong> Câmara. Deveriam<br />

fazer o correto arren<strong>da</strong>mento <strong>da</strong>s ren<strong>da</strong>s do concelho que fossem cedi<strong>da</strong>s. Deveriam arreca<strong>da</strong>r<br />

a terça parte <strong>da</strong>s ren<strong>da</strong>s do concelho que pertenceria à Coroa, guar<strong>da</strong>ndo-a sem gastar na<strong>da</strong><br />

sem ordem doa Câmara.<br />

37


O escrivão <strong>da</strong> Câmara teria que exercer a função de escrivão <strong>da</strong> almocetaria,<br />

guar<strong>da</strong>ndo os regimentos <strong>da</strong>s duas funções cui<strong>da</strong>ndo para que as anotações fossem feitas de<br />

modo claro e nos livros próprios.<br />

O escrivão teria uma <strong>da</strong>s três chaves <strong>da</strong> arca do concelho. “Também terá em seu poder<br />

o livro em que actualmente se escrevem os termos <strong>da</strong>s vereasões, paraq’ estas se não deixem<br />

de fazer, quando falie algum dos officiaes que tem a chave <strong>da</strong> arca do concelho”. 44<br />

As eleições para os oficiais seriam realiza<strong>da</strong>s de acordo com o que determinava as<br />

Ordenações Filipinas, no título LXVII, do primeiro livro. O ouvidor determina que fossem<br />

feitas as eleições em Curitiba sob as ordens do juiz mais velho. As eleições deveriam ser<br />

feitas no dia de Todos os Santos ( Primeiro de Novembro), os pelouros seriam abertos neste<br />

dia. Os nomes escolhidos seriam lançados no livro <strong>da</strong>s eleições. Caberia ao escrivão:<br />

“com a Mayor brevi<strong>da</strong>de a elle Ouvidor - Geral e seus sucessores para lhes man<strong>da</strong>r correr<br />

folha nesta ouvidoria, e passar cartas de confirmação dos juizes, e man<strong>da</strong>dos para se <strong>da</strong>r<br />

posse aos mais oficiais sem que lhe não <strong>da</strong>rá e hiram contenuando enquanto, que vem as<br />

cartas de confirmação , os que se acharem actuais. 45<br />

As eleições de Barrete poderiam ser realiza<strong>da</strong>s em qualquer <strong>da</strong>ta de acordo com a<br />

necessi<strong>da</strong>de. Assim como as eleições para os oficiais menores, que eram realiza<strong>da</strong>s quando <strong>da</strong><br />

necessi<strong>da</strong>de de se fazer a substituição. As eleições para almotaçé e a posse dos mesmos era<br />

feita a ca<strong>da</strong> dois meses, de acordo com a legislação (Ver anexo 3).<br />

Apesar de to<strong>da</strong> a legislação existente e <strong>da</strong> preocupação em se colocar a Câmara<br />

funcionando corretamente nem sempre isso aconteceu. Fosse por incompetência, negligência<br />

ou má - fé dos oficiais, alguns problemas corroboraram para que os trabalhos <strong>da</strong> Câmara não<br />

an<strong>da</strong>ssem com queriam os legisladores.<br />

Na segun<strong>da</strong> metade do século XVIII, observa-se nos Autos de Posse e Juramento dos<br />

Oficiais indícios de falta de interesse no exercício dos cargos <strong>da</strong> Câmara que acabariam por<br />

prejudicar o bom an<strong>da</strong>mento dos trabalhos camarários, já que as faltas freqüentes e as diversas<br />

38


eleições der barrete realiza<strong>da</strong>s no período atrasando a posse dos oficiais e consequentemente<br />

atrasando a realização <strong>da</strong>s devassas gerais que deveriam acontecer no início do ano.<br />

Entre os anos de 1750 a 1800, são feitas diversas eleições de Barrete. Essas eleições<br />

como já foi afirmado aconteceriam nos casos de falecimento, ausência, ou impedimento dos<br />

oficiais sorteados em pelouro. Para estar isento de cumprir o ofício o oficial deveria conseguir<br />

do Corregedor carta que confirmasse a liberação.<br />

Entre esses anos aconteceram eleições de barrete nos seguintes anos: em 1750, para<br />

juiz e procurador; em 1754, para procurador e vereador; em 1764 para procurador; em 1765,<br />

para vereador; em 1767, para procurador; em 1768, para juiz e procurador; em 1769, para<br />

juizes vereador e procurador; em 1770 para procurador; em 1772 para juiz; em 1773, para<br />

procurador; em 1775, para juiz e vereador; em 1776 para juiz e vereador; em 1777, para juiz;<br />

em 1778 para juiz; em 1780, juiz de órfãos; em 1783, para juiz; em 1784, para juizes; em<br />

1787, para vereador; em 1790, para juiz; em 1792 juiz, vereador e juiz de órfãos; em 1793<br />

vereador; em 1795, para juiz e procurador; em 1796, para vereadores ( vide no anexo 1).<br />

Nas atas são citados como motivos para impedimento do exercício dos cargos:<br />

“falecimento” e “prolonga<strong>da</strong> moléstia.” 46 Mas, na maioria dos casos, não é citado o motivo<br />

pelo qual o oficial foi liberado do cargo, declara-se apenas que a permissão havia sido <strong>da</strong><strong>da</strong><br />

pelo corregedor. Aparecem o uso dos seguintes termos: “que havia se livrado”, ou “que se<br />

livrou por despacho do corregedor”. 47<br />

O corregedor não liberava do ofício à todos os que lhe enviavam pedido. O Juiz-de-<br />

Órfãos eleito, no ano de 1759, pede afastamento por participar <strong>da</strong> Ordem Terceira, como<br />

ministro alegando ter nela muitas obrigações. Menciona também que os oficiais “o obrigavam<br />

violentamente a tomar posse e juramento” 48 . Suas reclamações não são aceitas pelo Ouvidor,<br />

e ele toma posse no dia 6/01.<br />

39


Observa-se um aparente desinteresse no exercício dos cargos públicos, pois são<br />

freqüentes os pedidos de afastamento ao corregedor. Esses constantes pedidos prejudicavam<br />

os trabalhos <strong>da</strong> Câmara. Em alguns anos observou-se que até que todos os oficiais, do novo<br />

grupo que deveria servir, estivessem tomado posse e prestado juramento havia se passado até<br />

três meses, como em 1792, quando juiz e escrivão tomam posse somente em 4 de março.<br />

Outro indicativo de que a falta de interesse de alguns oficiais em cumprir seus cargos<br />

eram as faltas freqüentes. Em várias atas encontramos citações sobre as faltas dos vereadores,<br />

como em julho de 1786, exigindo que fossem toma<strong>da</strong>s providências e se condenassem os<br />

faltosos. 49<br />

As faltas dos vereadores chegaram a ser considera<strong>da</strong>s ato de rebeldia, talvez uma<br />

forma de demonstrar que não queriam cumprir seus man<strong>da</strong>tos. O que é negado em sessão de<br />

vereação onde alegam que: “faltas que tem havido entre os mesmos oficiais não são por<br />

rebeldia, mas antes algumas faltas por moléstias e causas justas e não se parece por esta razão<br />

seja obrigado a pagar aquela quantia que man<strong>da</strong> a lei.” 50<br />

O corregedor envia à Câmara, em 1795, uma carta onde man<strong>da</strong>va “cessar as desordens<br />

que os ditos camaristas an<strong>da</strong>vam fazendo.” 51 Na mesma sessão se pede a condenação aos<br />

vereadores que haviam faltado, cobrando multas destes oficiais.<br />

Apesar <strong>da</strong>s ordens do Corregedor não há indicações de que a Câmara tenha<br />

conseguido solucionar seus problemas.<br />

Por outro lado observou-se que alguns poucos oficiais exerceram seus cargos repeti<strong>da</strong>s<br />

vezes 52 . Sendo eleitos em eleições de Pelouro ou Barrete, exercendo cargos até mesmo antes<br />

dos três anos de intervalo que a legislação determinava.<br />

No Auto de Posse e juramento dos oficiais do ano de 1762, encontrou - se indícios de<br />

disputa pelo poder local. Registrou-se que estando os oficiais reunidos em vereação, foi<br />

40


apresentado aos oficiais pelo Licenciado Lourenço Ribeiro de Andrade um requerimento para<br />

que o ouvidor suspendesse a carta de confirmação de um dos juizes eleitos: o sargento - mor<br />

Simão Gonsalves de Almei<strong>da</strong> afirmando que houve irregulari<strong>da</strong>de na eleição. Arma-se<br />

confusão dentro do Concelho e o tal licenciado é obrigado a retirar-se. A decisão foi entregue<br />

ao Ouvidor - geral. É eleito, então, Manoel de Sousa Castro para o cargo de juiz , homem que<br />

segundo nota de Francisco Negrão era protegido de Simão Gonsalves de Almei<strong>da</strong>. O<br />

Licenciado usa de seu prestígio para que haja a impugnação do man<strong>da</strong>to de Manoel de Souza<br />

Castro o que consegue realizar em 18 de outubro de 1762. 53<br />

Para explicar a contento quais seriam os motivos que levaram os oficiais do período a<br />

desejar “livrar-se” dos cargos de oficias do Concelho e entender os motivos que levavam a<br />

que outros participassem mais ativamente <strong>da</strong> Câmara Municipal seria interessante se fazer um<br />

estudo mais aprofun<strong>da</strong>do sobre as questões econômicas e os interesse políticos que<br />

permeavam a questão.<br />

Mas é possível afirmar que no período os cargos de oficial não parecem despertar<br />

grande interesse já que são constantes os pedidos de afastamento feitos pelos escolhidos.<br />

Porém, não podemos descartar a idéia de que os Cargos do Concelho em Curitiba durante o a<br />

segun<strong>da</strong> metade do setecentos não representassem prestigio social.<br />

41


CONCLUSÃO<br />

O município foi uma instituição importante para o Portugal no período em que se deu<br />

o processo de consoli<strong>da</strong>ção e expansão de seu Estado. Durante a colonização do território<br />

brasileiro municípios foram fun<strong>da</strong>dos por determinação do poder central, que procurava<br />

reunir a população dispersa e facilitar o seu controle e pela própria população quando sentiam<br />

a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>organização</strong> comunitária para vencer as dificul<strong>da</strong>des impostas pelo novo<br />

mundo. A instituição Municipal já era conheci<strong>da</strong> pelos povoadores como forma de<br />

<strong>organização</strong> comunitária.<br />

A Vila de Nossa Senhora dos Pinhais de Curitiba foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> pela vontade do povo,<br />

que reivindicou a sua criação pelo papel judiciário que a Câmara representava. Porém não era<br />

somente as funções jurídicas <strong>da</strong> Câmara <strong>municipal</strong> que tornaram o Município uma instituição<br />

importante durante o período colonial suas funções políticas e administrativas lhe<br />

completavam.<br />

Em 1721, o Ouvidor-Geral Rafael Pires Pardinho, visita Curitiba visando colocar em<br />

correto funcionamento a Instituição Municipal. Em seus Provimentos de Corrieção legisla<br />

sobre todo o cotidiano <strong>da</strong> Câmara Municipal, sempre de acordo com o que precisam as<br />

Ordenações Filipinas. Estes dois documentos, os Provimentos do Ouvidor e as Ordenações<br />

Filipinas, deveriam estar presentas na Câmara e sua legislação deveria ser obedeci<strong>da</strong> pelos<br />

oficiais.<br />

Em seus Provimentos o Ouvidor delibera sobre os aspectos que iriam compor as<br />

funções camarárias: administrativo, político e judiciário. Determinando detalha<strong>da</strong>mente como<br />

deveriam agir os oficiais, na administração <strong>da</strong> Vila, nas eleições e nas ações que julgavam.<br />

42


Acontece que as determinações do Ouvidor e <strong>da</strong>s Ordenações, eram por vezes<br />

desrespeita<strong>da</strong>s pelos oficiais, principalmente no que se refere ao processo de eleição. A<br />

eleição dos oficiais do Concelho que eram: dois juizes ordinários, os três vereadores e um<br />

procurador, eram realiza<strong>da</strong>s a ca<strong>da</strong> três anos e estes tinham man<strong>da</strong>to por um ano. Os eleitos<br />

deveriam ser aprovados por carta de confirmaçao do Ouvidor - Geral.<br />

Os oficiais que exerceram cargos no concelho Municipal, no período entre 1750 e<br />

1800, burlaram algumas <strong>da</strong>s determinações que deliveravam sobre as eleições, fazendo isso<br />

por aparente má fé ou pela própria impossibili<strong>da</strong>de de cumprir essas determinações, devido às<br />

características de Curitiba na época.<br />

Observa-se nas atas de veração tratam <strong>da</strong>s eleições e posse dos oficiais que repetem-se<br />

os nomes dos oficiais constantemente, até mesmo antes de passar os três anos de intervalo<br />

entre os quis não era recomen<strong>da</strong>do que uma pessoa estivesse entre os oficiais que exerciam os<br />

cargos do concelho. A demora para que alguns dos eleitos assumisse sua função, também foi<br />

verifica<strong>da</strong>, como também o desinteresse de alguns em exercer a função, o que pode indicar<br />

que em Curitiba flatava homens - bons dispostos a se dedicar ao bem público.<br />

Por outro lado também se verifica que há interresse de gurpos em prolongar-se no<br />

poder adiando a toma<strong>da</strong> <strong>da</strong> posse dos novos oficiais que deveriam servir e que certos oficias<br />

exercem cargos do concelho durante vários man<strong>da</strong>tos, o que poderia ser entendido como a<br />

formação de um grupo influente na política <strong>municipal</strong>.<br />

Embora documentação demonstre que os cargos de oficial não são disputados na<br />

Curitiba setecentista não se pode afirmar que esses cargos não sejam considerados<br />

importantes enquanto meio de conquistar ou manifestar prestigio social.<br />

Para explicar a contento, quais seriam os motivos que levaram os oficiais do período a<br />

desejar “livrar-se” dos cargos de oficiais do Concelho e entender os motivos que levavam a<br />

43


que outros participassem mais ativamente <strong>da</strong> Câmara Municipal seria interessante se fazer um<br />

estudo mais aprofun<strong>da</strong>do sobre as questões econômicas e os interesses políticos que<br />

permeiam a questão.<br />

44


BIBLIOGRAFIA<br />

COELHO, Maria Helena Cruz & MAGALHÃES, Joaquim Romero. O poder concelhio; <strong>da</strong>s<br />

origens às cortes constituintes. Notas de História Social. Coimbra: Centro de Estudos e<br />

Formação Autárquica, 1986.<br />

COELHO, Virgínia Aníbal. Autonomias e Despotismo: A Câmara e a Vila de Santarém no<br />

Reinado de D. José. Cadernos Culturais n.º4. Santarém: Câmara Municipal de Santarém,<br />

março de 1993.<br />

FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder, Formação do Patronato Brasileiro. Porto Alegre:<br />

editora Globo, 1977.<br />

MACHADO, Brasil Pinheiro. Problemática <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de Colonial Brasileira. História Questões<br />

e Debates. Curitiba, junho de 1985.<br />

MAGALHÃES, Joaquim Romero. Reflexões sobre a estrutura <strong>municipal</strong> portuguesa e a<br />

socie<strong>da</strong>de colonial brasileira. Revista de História Econômica e Social. Lisboa, n.16, jul.-<br />

dez.1985.<br />

MARTINS, Romário. História do Paraná. 3ª edição. Curitiba: Editora Guaíra.<br />

Ordenações Filipinas. Livro I. Lisboa: Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian.<br />

WACHOWICZ, Rui C. História do Paraná. 6ªedição. Curitiba: Editora Gráfica Vicentina,<br />

1988<br />

ZENHA, Edmund. O Município no Brasil 1532-1700. São Paulo: Ipê, 1948.<br />

Boletim do Archivo Municipal de Curitiba.<br />

45


ANEXO 1<br />

OFICIAIS DA CÂMARA ENTRE 1750 E 1800<br />

Oficiais Qualific. Cargo exercido e<br />

período 54<br />

Amaro Fernandes <strong>da</strong><br />

Capitão-<br />

P.50* V.54<br />

Costa<br />

mor<br />

Antônio Alvares de<br />

Araújo<br />

P.97<br />

Antônio dos Santos<br />

Alferes V.62 J.68 J.77<br />

Teixeira<br />

J.1800<br />

Antônio Ferreira dos<br />

Santos<br />

V.96*<br />

Antônio Guedes de<br />

V.78 V.82 J.85<br />

Carvalho<br />

J.91 J.95* J.97<br />

Antônio João <strong>da</strong> Costa J.60 J.66<br />

Antônio José <strong>da</strong> Silva Capitão P.77 V.80 P.82<br />

Antônio José de<br />

V.68 V.72 J.86<br />

Andrade<br />

J.93<br />

Antônio José Ferreira Tenente P.72 P.76 P.80<br />

V.82 J.84*<br />

Antônio José Teixeira V.57 P.61 V.67<br />

V.83 J.86<br />

Antônio Luís <strong>da</strong> Costa V.53 V.56<br />

Antônio Malaquias <strong>da</strong><br />

Silva<br />

V.58<br />

Antônio Martins<br />

Lisboa<br />

P.52 J.65<br />

Antônio Martins<br />

Lustosa<br />

V.67<br />

Antônio Medeiros<br />

Chaves<br />

V.57<br />

Antônio Ribeiro de Tenente P.84 P.87 V.99<br />

?? *****************************************************************************************<br />

********************************************************arrete.<br />

46


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1786<br />

ANEXO 2<br />

DATAS DAS VEREAÇÕES: 1786-1790<br />

JANEIRO FEV. MARÇO ABRIL MAIO JUNHO<br />

1º sexta 04 quinta 04 quinta 1º quinta 1º sábado 03 quinta<br />

02 sábado 11 quinta 11 quinta 06 quinta 06 quinta 10 quinta<br />

07 quinta 18 quinta 15 segun<strong>da</strong> 09 domingo 14 sexta 17 quinta<br />

14 quinta 25 quinta 18 quinta 18 terça 21 sexta 24 quinta<br />

15 sexta 22 sábado 28 sexta<br />

21 quinta 29 sábado<br />

28 sexta<br />

JULHO AGO. SET. OUT. NOV. DEZ.<br />

1º quinta 5 quinta 02 quinta 07 quinta 1º segun<strong>da</strong> 02 quinta<br />

08 quinta 12 quinta 09 quinta 14 quinta 04 quinta 09 quinta<br />

15 quinta 19 quinta 16 quinta 21 quinta 11 quinta 16 quinta<br />

21 quinta 26 quinta 23 quinta 28 quinta 18 quinta 22 quarta<br />

29 quinta 30 quinta 25 quinta 30 quinta<br />

31 sexta<br />

1786<br />

JANEIRO FEV. MARÇO ABRIL MAIO JUNHO<br />

1º sábado 04 sexta 04 sexta 1º sexta 06 sexta 02 quinta<br />

06 quinta 11 sexta 08 sexta 13 sexta 09 sexta<br />

13 quinta 15 sexta 20 sexta 17 sábado<br />

14 sexta 22 sexta 24 sábado<br />

28 sexta 30 sexta<br />

JULHO AGOSTO SET. OUT. NOV. DEZ.<br />

08 sexta 05 sexta 02 sexta 07 sexta 1º terça 02 sexta<br />

13 quarta 11 quinta 08 quinta 14 sexta 11 sexta 04 dom.<br />

22 sexta 26 sexta 23 sexta 21 sexta 18 sexta 16 sexta<br />

30 sexta 25 sexta 20 terça<br />

27 terça<br />

28 quarta<br />

568


1788<br />

JANEIRO FEV. MARÇO ABRIL MAIO JUNHO<br />

06 sexta 02 quinta 1º sexta 05 quinta 03 quinta 07 quinta<br />

13 sexta 10 sexta 08 sexta 12 quinta 10 quinta 14 quinta<br />

20 sexta 16 quinta 15 sexta 19 quinta 17 quinta 17 dom.<br />

21 sábado 18 sábado 24 domingo 24 quinta 21 quinta<br />

27 sexta 23 quinta 25 segun<strong>da</strong> 31 quinta 28 segun<strong>da</strong><br />

29 sexta<br />

JULHO AGOSTO SET. OUT. NOV. DEZ.<br />

05 quinta 02 quinta 1º sábado 04 quinta 1º quinta 1º sábado<br />

06 sexta 03 sexta 06 quinta 18 quinta 08 quinta 14 sexta<br />

27 sexta 09 quinta 13 quinta 16 sexta 28 sexta<br />

15 quarta 16 domingo 29 quinta 31 segun<strong>da</strong><br />

18 sábado<br />

24 sexta<br />

1789<br />

JANEIRO FEVEREIRO MARÇO ABRIL MAIO JUNHO<br />

07 segun<strong>da</strong> 07 quinta 1º sexta 11 quinta 03 sexta 13 quin.<br />

10 quinta 14 quinta 07 quinta 18 quinta 09 quinta 20 quinta<br />

17 quinta 17 domingo 08 sexta 16 quinta 27 quinta<br />

24 quinta 09 sábado 30 quinta<br />

30 quarta 14 quinta<br />

21 quinta<br />

28 quinta<br />

JULHO AGOSTO SET. OUT. NOV. DEZ.<br />

05 sexta 08 quinta 06 sexta 04 sexta 1º sexta 09 segun<strong>da</strong><br />

08 segun<strong>da</strong> 15 quinta 12 quinta 10 quinta 14 quinta 26 quinta<br />

11 quinta 18 domingo 19 quinta 17 quinta 21 quinta 30 segun<strong>da</strong><br />

25 quinta 22 quinta 26 quinta 24 quinta 30 sábado<br />

30 terça 29 quinta<br />

569


1790<br />

JANEIRO FEVEREIRO MARÇO ABRIL MAIO JUNHO<br />

1º quarta 06 quinta 06 segun<strong>da</strong> 04 sexta 1º quinta 05 quinta 02 quinta<br />

20 quinta 13 segun<strong>da</strong> 10 quinta 08 quinta 13 sexta<br />

09 quinta 21 sexta 20 segun<strong>da</strong> 24 quinta 15 quinta 19 quinta<br />

16 quinta 27 quinta 26 domingo 22 quinta 26 quinta<br />

23 quinta 29 quinta<br />

30 quinta<br />

JULHO AGOSTO SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO DEZEMB<br />

03 quinta 07 quinta 04 quinta 09 quinta 1º sábado 04 quinta<br />

10 quinta 22 sexta 10 quarta 16 quinta 06 quinta 11 quinta 17 quinta<br />

28 quinta 18 quinta 23 quinta 12 quarta 18 quinta 24 quinta<br />

25 quinta 19 quarta 28 dom.<br />

27 sábado 27 quinta 30 terça<br />

31 quarta 31 quarta<br />

570


ANEXO 3<br />

ALMOTACÉS 1786 1790<br />

1786<br />

Janeiro e fevereiro:<br />

Francisco Xavier Pinto e Antônio Guedes Carvalho<br />

Março e Abril:<br />

Manoel Gomes de Oliveira e Antônio Francisco Guimarães<br />

Maio e Junho:<br />

Manoel Gonçalves de Almei<strong>da</strong> e Domingos Fernandes Cortes<br />

Julho e Agosto:<br />

Paulo de Chaves de Almei<strong>da</strong> e João Pereira<br />

Setembro e Outubro:<br />

Antônio José <strong>da</strong> Silva e Antônio Xavier Ferreira<br />

Novembro e Dezembro:<br />

Thomás José de Almei<strong>da</strong> e Manoel José Barbosa<br />

1787<br />

Janeiro e Fevereiro:<br />

Antônio José de Andrade e Antônio José Teixeira<br />

Março e Abril:<br />

João Francisco Corrêa Francisco Bueno de Lacer<strong>da</strong><br />

Maio e Junho:<br />

José de Freitas Sal<strong>da</strong>nha e Ignácio de Sá Souto Maior<br />

Julho e Agosto:<br />

Manoel José Barbosa e Manoel Gonsalves de Almei<strong>da</strong>.<br />

Setembro e Outubro:<br />

Antônio Xavier Ferreira e Antônio de Andrade do Espírito Santo.<br />

Novembro e Dezembro:<br />

João Antônio Pinto e Miguel de Almei<strong>da</strong> Paes.<br />

1788<br />

Janeiro e Fevereiro:<br />

Miguel Ribeiro Rybas e Antônio José <strong>da</strong> Silva.<br />

Março e Abril:<br />

Francisco Roiz Seixas e Bras Alves Natel.<br />

Maio e Junho:<br />

José<br />

L**************************************************************************<br />

***************************************************************************<br />

***************************************************************************<br />

***************************************************************************<br />

***************************************************************************<br />

***************************************************************************<br />

***************************************************************é de Almei<strong>da</strong>.<br />

Setembro e Outubro:<br />

571


Novembro e Dezembro:<br />

1790<br />

Janeiro e Fevereiro:<br />

Brás Domingues Velloso e José Antonio Vieira.<br />

Março e Abril:<br />

Maio e Junho:<br />

Antonio Alves e Francisco Paes Seixas.<br />

Julho e Agosto:<br />

Antonio Xavier Ferreira e Miguel Roiz Seixas.<br />

Setembro e Outubro:<br />

Francico Alves Pinheiro e Gabriel Narciso Bello.<br />

Novembro e Dezembro:<br />

Francisco Pereira <strong>da</strong> Cruz e Joachim dos Santos Pereira.<br />

572

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