?fe^5"BSo^ - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro
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não sejam coisas bem claras e <strong>de</strong>finidas<br />
e acredito que fica claro a todos os se-<br />
gmentos que a República não dá<br />
concessões. Agora acredito que a gente<br />
po<strong>de</strong> sim conseguir conquistar espaços,<br />
principalmente na área dos meninos <strong>de</strong><br />
uma forma coerente, sem abrir mão<br />
dos princípios e sendo respeitado<br />
mesmo por aqueles que não pensam<br />
como nós, tem muita gente que não<br />
pensa como nós mas respeita, acho que<br />
nós conseguimos travar este tipo <strong>de</strong> re-<br />
lação, não sabemos te dizer porque se<br />
chegou a isso, mas chegamos. E uma<br />
pergunta assim que eu nunca <strong>de</strong>tive pa-<br />
ra uma resposta mais pensada histori-<br />
camente.<br />
CUÍRA - Vinte anos <strong>de</strong> trabalho como<br />
coor<strong>de</strong>nador geral da República e ago-<br />
ra parar, por que parar? No seu balan-<br />
ço tem algo que induz a esta parada?<br />
BRUNO: Sim, tem vários dados.<br />
Primeiro, eu, por princípio, consi<strong>de</strong>ro<br />
muito arriscado uma obra como esta,<br />
trabalho como este, estar muito vincu-<br />
lado a uma pessoa. Acho que este tra-<br />
balho está <strong>de</strong>mais vinculado a minha<br />
pessoa, é preciso que haja este <strong>de</strong>svin-<br />
culamento e no caso aqui eu tenho cer-<br />
teza que isso só vai se dar quando hou-<br />
ver mesmo um corte meio radical. Fo-<br />
ram feitas muitas tentativas neste sen-<br />
tido <strong>de</strong> convencer,como <strong>de</strong> fato é, que a<br />
República não é o padre Bruno, acho<br />
que saindo isso vai ajudar. Po<strong>de</strong> haver<br />
um momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sajuste no começo,<br />
e é ao meu ver um dos aspectos mais<br />
fortes, que me leva a parar. Sair da<br />
República agora é importante para sis-<br />
tematizar muitas coisas (muitas coisas<br />
que eu falei aqui foram coisas que eu<br />
tenho na cabeça, mas tem coisas que eu<br />
falei que precisam ser mais bem masti-<br />
gadas, mais bem aprofundadas, refleti-<br />
das). Tem muitas questões aindapen-<br />
<strong>de</strong>ntes que não estão muito bem elabo-<br />
radas até do ponto <strong>de</strong> vista teórico.<br />
"Não vou viver <strong>de</strong> lembran-<br />
ças. Vivo <strong>de</strong> opções".<br />
Fundamentalmente, estes motivos me<br />
levam a sair da República. Fui eu quem<br />
pediu e já venho pedindo isso há muito<br />
tempo, mas no ano passado tive que<br />
colocar em xeque-mate para marcar a<br />
data pra sair. Eu saio tranqüilo e com<br />
uma profunda confiança que a Repú-<br />
blica vai continuar sem mim e amadu-<br />
recer. Deve ser esse passo que vai aju-<br />
dar a própria emancipação da Repúbli-<br />
ca. Seria um fracasso se a República<br />
não tivesse condições <strong>de</strong> sobreviver<br />
sem a minha pessoa. E <strong>de</strong>pois, eu nun-<br />
ca gostei <strong>de</strong> estar em evidência. Uma<br />
pessoa acaba virando um mito, quando<br />
na verda<strong>de</strong> o que <strong>de</strong>ve estar no centro<br />
são os meninos, não a pessoa que tra-<br />
balha, mesmo que trabalhe com eles.<br />
Isso tudo <strong>de</strong>ve ser incorporado à opi-<br />
nião pública.<br />
Aliado a isto, claro, eu tenho o <strong>de</strong>-<br />
sejo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ter um tempo <strong>de</strong> re-<br />
flexão, tem toda uma dimensão que le-<br />
va a aprofundar essa opção que é a fé.<br />
CUÍRA - Já existe um projeto neste<br />
sentido?<br />
BRUNO: Bom, não é bem um pro-<br />
jeto, eu vou viver uma situação um<br />
pouco diferente. Eu vou morar num<br />
quarto, numa pequena casa, num<br />
subúrbio, on<strong>de</strong> posso fazer uma expe-<br />
riência <strong>de</strong> vizinhança, <strong>de</strong> meninos que<br />
moram lá, on<strong>de</strong> eu possa <strong>de</strong> noite, com<br />
o meu pessoal, po<strong>de</strong>r me relacionar <strong>de</strong><br />
uma forma mais estreita com os meni-<br />
nos que moram na rua, on<strong>de</strong> eu possa<br />
Konhecer e evi<strong>de</strong>nciar as questões que<br />
estão hoje muito abafadas, que é a rea-<br />
lida<strong>de</strong> ou a situação dos meninos que<br />
moram no interior da Amazônia(por-<br />
que é muito evi<strong>de</strong>nciada a situação dos<br />
meninos, da "área urbana") evi<strong>de</strong>nciar<br />
o nível <strong>de</strong> abandono que estão largan-<br />
do as crianças da Amazônia, relações<br />
entre os conflitos <strong>de</strong> terras e as crian-<br />
ças, a relação entre os gran<strong>de</strong> projetos<br />
e elas, a relação entre educação e a fa^-<br />
ta <strong>de</strong> infra-estrutura <strong>de</strong> educação e<br />
saú<strong>de</strong> com a criança. A evasão do cam-<br />
po para a cida<strong>de</strong>, a própria relação que<br />
existe entre o próprio garimpo e as<br />
questões das crianças. Essas são<br />
questões que são da nossa região, me-<br />
ninos e meninas que estão morrendo<br />
por aí, não só fisicamente mas em ter-<br />
mos <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>s. Isso não se evi<strong>de</strong>n-<br />
cia porque eles não.estão concentrados<br />
na cida<strong>de</strong>, incomodando. Eu gostaria<br />
<strong>de</strong> contribuir com isso também, é para<br />
isso também esta parada da República.<br />
CUÍRA - Mas mesmo sem per<strong>de</strong>r o<br />
vínculo acho que já po<strong>de</strong>ríamoos falar<br />
em lembranças. Qual seria a lembran-<br />
ça que talvez marque mais daqui pra<br />
frente?<br />
BRUNO: Olha, tem duas lembran-<br />
ças, na verda<strong>de</strong>, é a lembrança <strong>de</strong>ssa<br />
meninada toda que passou aqui, que<br />
marca a vida da gente, esta relação hu-<br />
mana muito forte que se travou com<br />
tantos meninos e uma segunda é a lem-<br />
brança <strong>de</strong> todos aqueles que <strong>de</strong> fato fi-<br />
zeram o movimento durante todo esse<br />
tempo, que foram jovens, rapazes, mo-<br />
ças, meninos e meninas que <strong>de</strong>ram uma<br />
parcela <strong>de</strong> si para que tudo isto pu<strong>de</strong>sse<br />
ser construído, que pu<strong>de</strong>sse se tornar<br />
significativo na vida dos meninos e na<br />
própria socieda<strong>de</strong>, esse pessoal que<br />
construiu realmente o movimento.<br />
Vou lembrar sem dúvida nenhume<br />
dos erros e acertos, <strong>de</strong>ssa dinâmica to-<br />
da que me ajudou a crescer numa re-<br />
lação dialética. Acho interessante co-<br />
mo isso aconteceu aqui na República.<br />
Agora, outra lembrança também é<br />
sentir que o movimento caminha muito<br />
bem. Talvez uma coisa que eu me lem-<br />
bre é o primeiro fogareiro a carvão, o<br />
restaurante, mas eu não gosto <strong>de</strong> viver<br />
<strong>de</strong> lembranças, eu vivo mais <strong>de</strong> opções.<br />
João Cláudio Arroyo é Editor da Cuíra<br />
^<br />
61<br />
CUIRA