Os Sentidos da Democracia e da Participação - Polis
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classes domina<strong>da</strong>s: apenas deixam à incapaci<strong>da</strong>de do Estado exercer o último<br />
de seus atributos, o poder de polícia, mesmo este fortemente abalado pela crise<br />
financeira do Estado, entre Rocinhas e Casas de Custódia. Parte importante<br />
<strong>da</strong>s classes domina<strong>da</strong>s, sobretudo o operariado assalariado, devastado pelo<br />
desemprego e pela reestruturação produtiva, deixou apagar-se o fogo que<br />
roubou nas déca<strong>da</strong>s <strong>da</strong> ditadura: agora contenta-se com diretorias de estatais<br />
e de fundos de pensão; o imenso exército “informal” não contesta as classes<br />
dominantes: trabalha na aparência de que seus adversários são os consumidores.<br />
Com o abandono <strong>da</strong> política pelas classes dominantes, os dominados são, paradoxalmente,<br />
enclausurados no âmbito <strong>da</strong> política institucional, dos partidos, e<br />
aprendem os malabarismos recorrentes <strong>da</strong> dominação. Mas a política “policial”,<br />
no dizer de Rancière, é irrelevante.<br />
A política rola sem atritos, numa fun<strong>da</strong> indeterminação de classes <strong>da</strong>do o<br />
terremoto do período neoliberal. Desta vez, tem-se tudo para falar-se propriamente<br />
de populismo, não como uma autoritária inclusão <strong>da</strong> classe operária<br />
na política, mas como sua exclusão. As lideranças populares mais eminentes<br />
vêem-se obriga<strong>da</strong>s a saltar os muros <strong>da</strong>s organizações partidárias, que já não<br />
representam na<strong>da</strong>, e falar diretamente ao povo: é este tipicamente o caso <strong>da</strong><br />
Venezuela, mas as experiências brasileira e argentina não estão muito longe<br />
disso: as políticas estatais de exceção são a impotência <strong>da</strong> política e a concretude<br />
do populismo como forma na ausência de formas. Um exercício do poder que<br />
não afeta em na<strong>da</strong> os interesses dominantes: brincam de política, ou de “fazer<br />
casinhas” na expressão de Vera <strong>da</strong> Silva Telles.<br />
Esta fala talvez contenha muito pesssimismo e argumentação economicista.<br />
Mas a política e a democracia não são a negação do domínio do econômico,<br />
não se constituíram assim na história do último século? Perdão: aqui do que<br />
se trata é que a dinâmica do capitalismo globalizado anulou a autonomia <strong>da</strong>s<br />
esferas. Além disso, na minha tradição teórica, a economia política é a anatomia<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Se quisermos fazer uma ciência social à la americana, sem<br />
determinações recíprocas entre as diversas esferas, poderemos até ver virtude<br />
numa “socie<strong>da</strong>de civil” que institui “segurança” nos morros do Rio e nas imensas<br />
Heliópolis – veja-se o sarcasmo <strong>da</strong> denominação grega – de São Paulo. Não é o<br />
meu caso; chamem Du<strong>da</strong> Mendonça. A obrigação <strong>da</strong> ciência social é perscrutar,<br />
com a paciência – e a indignação – de Sherlock Holmes a quem interessa essa<br />
desolação. Esse Pedro Páramo <strong>da</strong> democracia. Obrigado, Rulfo.<br />
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