3º Ciclo
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Contos & Recontos 7 | Guia do Professor<br />
constituintes (que integram vários níveis de estruturação),<br />
“postos” normativamente numa espacialidade significante,<br />
perfazem uma unidade semântica global que, como tal, funciona<br />
numa situação de comunicação.<br />
A aprendizagem da escrita<br />
A língua escrita é uma faculdade que, ao contrário da língua<br />
oral 1 e dentro de todo o processo de manuseamento de<br />
uma língua materna, o homem civilizado deve aprender por<br />
direito, não sendo inata nem precoce. Pode dizer-se que todos<br />
os homens, enquanto falantes integrados numa realidade sociocultural,<br />
vão desenvolvendo uma experiência de linguagem<br />
própria e, enquanto cidadãos, cujo direito à educação é um<br />
direito fundamental nas sociedades democráticas, vão aprender<br />
a escrever.<br />
A aprendizagem da escrita processa-se de forma diferente,<br />
relativamente ao desenvolvimento da linguagem oral: primeiro<br />
porque é feita mais tardiamente e depende exclusivamente da<br />
escolaridade de um indivíduo (seja ela doméstica ou institucional);<br />
segundo, porque há níveis de escrita que nem sempre<br />
se adquirem e desenvolvem simultaneamente; terceiro, porque<br />
o escritor enfrenta um problema – deve saber utilizar os<br />
recursos da gramática da escrita mais sistematicamente do<br />
que os da oralidade.<br />
Falar é de facto mais fácil para o indivíduo, uma vez que ele<br />
está em presença do interlocutor, partilha o mesmo contexto,<br />
“explora” a recetividade do outro, podendo improvisar, reformular,<br />
“disfarçar” possíveis “desvios” que ocorram... Falar é<br />
um ato natural como andar ou correr. Escrever será como<br />
nadar ou ser campeão de maratona. Exige vontade, motivação,<br />
qualidades e treino. Por isso, todo o processo da escrita<br />
depende, ainda mais que da oralidade, de aspectos psicológicos,<br />
mnemónicos, culturais... e das atividades escolares.<br />
Assim, e no que respeita às práticas de escrita a promover,<br />
cabe ao professor gerir a escolha de certas atividades e a insistência<br />
com que elas são levadas a cabo. Essa gestão da<br />
aprendizagem da escrita deve passar por levar o aluno a escrever<br />
o maior número possível de textos, permitindo um<br />
processo de auto e heterocorreção eficaz; centrar-se nos<br />
novos interesses dos alunos, fazendo-os perceber que saber<br />
escrever corretamente é importante para, por exemplo, comunicar<br />
por correio eletrónico, escrever uma carta de pedido<br />
de emprego no final da escolaridade, participar em concursos<br />
literários, produzir letras para canções, redigir atas de<br />
reuniões do Escutismo, de clubes e associações recreativas...;<br />
escolher determinadas estratégias/atividades para a aprendizagem<br />
de determinadas estruturas da escrita onde recaiam<br />
maiores dificuldades, levando-as a cabo de forma progressiva,<br />
através da implementação de um programa de aprendizagem<br />
sistemática da escrita, cujo objetivo essencial seja o de<br />
levar o aluno a aprender e não apenas o de avaliar.<br />
Devo acrescentar que não se aprende a escrever “numa<br />
semana, num mês, num semestre, num ano, ou mesmo numa<br />
etapa do período escolar. Como qualquer aprendizagem, a<br />
aprendizagem da Leitura/Escrita é permanente, ocorre durante<br />
toda a vida, como diz o adágio “Morrendo e aprendendo”.<br />
No campo da Leitura/Escrita, somos eternos aprendizes,<br />
somos sempre surpreendidos, o que equivale a dizer, o desafio<br />
permanece (Lima, 1999: 30). Isto porque escrever é difícil.<br />
Todos nós já sentimos isso, enquanto crianças, jovens e<br />
mesmo adultos. À própria expressão “escrever” associa-se o<br />
sentido de convenção, de esforço, de trabalho, não se regendo<br />
esta atividade pela simples fórmula de “escrever ao sabor da<br />
pena” 2 . E para um jovem aprendiz, ainda se torna mais difícil<br />
pelas seguintes razões:<br />
1. Não é a palavra escrita que constitui a experiência da linguagem<br />
predominante de um indivíduo, mas sim a oralidade<br />
(a escrita é relegada para segundo plano na sociedade). Na<br />
infância, as crianças apercebem-se de que a linguagem verbal<br />
oral é uma atividade social de extrema importância para a<br />
própria afirmação pessoal no mundo sociocultural a que pertence,<br />
logo tendem a desenvolvê-la. Por outro lado, o código<br />
oral comporta um conjunto acessível, quase infinito, de formas<br />
de clarificar a mensagem – expressão facial, entoação,<br />
gestos, reformulações... – logo a criança não o encara como<br />
um sistema complexo e de difícil “uso”, já que pode recorrer<br />
a outros meios que não os verbais. Determinadas marcas da<br />
oralidade (anuladas na produção escrita), como repetições,<br />
bordões, hesitações, falsos inícios, interrupções abruptas de<br />
enunciados,..., embora consideradas “instáveis”, vão conferir<br />
uma certa “estabilidade” e autoconfiança no ato de comunicar.<br />
Além disso, a interação comunicativa verbal na sala<br />
de aula processa-se predominantemente na e pela oralidade.<br />
1 Cf. Sim-Sim et alii., 1997: 15: “A espécie humana é a única espécie biológica programada geneticamente para adquirir os sistemas altamente complexos, estruturados<br />
e específicos que são as línguas naturais. Na realidade, os seres humanos adquirem espontaneamente, com incrível rapidez e uniformidade, a língua natural<br />
da comunidade em que passam os primeiros anos de vida – a sua língua materna – e usam-na criativamente como locutores, interlocutores e ouvintes.”<br />
2 A este propósito, Bellenger (1981: 3) diz: “L’expression écrite est loin de soulever un pareil enthousiasme chez les adultes en général, et même chez les enfants.<br />
Ecrire est souvent perçu comme une corvée liée à des tâches rébarbatives : le courrier, les rapports, les notes diverses. L’écrivain se complaît dans<br />
la narration des douloureuses gestations de l’œuvre ; l’élève et l’étudiant peinent sur le « devoir écrit ». Aurait-on affaire à une névrose de l’écrit dans une<br />
société audio-visuelle voulant maintenir à tout prix la trace de la parole ? ”