Não tenhais medo! - Centenário das Aparições de Fátima. 1917-2017
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Alexandre Palma<br />
2. viver na Fronteira da presença e aUsência <strong>de</strong> <strong>de</strong>Us<br />
Importa reconhecer que, tomado assim, este olhar panorâmico<br />
sobre a Sagrada Escritura não resolve a perplexida<strong>de</strong> inerente à<br />
experiência do silêncio <strong>de</strong> Deus. Quanto muito, ele apenas distribui<br />
o incómodo por mais gente. Ou então, apenas o aumenta, na medida<br />
em que agrava a extensão e a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma tal situação.<br />
Mas da meditação <strong>de</strong>stes e <strong>de</strong> outros dados semelhantes (bíblicos<br />
e extra-bíblicos) não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> brilhar uma ténue luz que nos<br />
ajuda a viver na fronteira da presença e ausência <strong>de</strong> Deus. Talvez<br />
seja mesmo isto o mais importante: mais que resolver o incómodo,<br />
importa esboçar uma sabedoria que nos permita viver no incómodo<br />
do silêncio <strong>de</strong> Deus. Sem <strong>de</strong>sesperar e perscrutando o caminho<br />
que Deus, mesmo <strong>de</strong> forma muda, nos aponta. Quem é, então, este<br />
Deus que se cala e escon<strong>de</strong>?<br />
1. Um Deus diferente – a experiência do silêncio <strong>de</strong> Deus<br />
é, em primeiro lugar, uma experiência iconoclasta, anti-idolátrica.<br />
Quero com isto dizer que o incómodo inerente ao silêncio <strong>de</strong> Deus<br />
advém, em boa parte, do facto <strong>de</strong> essa experiência contradizer a<br />
imagem <strong>de</strong> Deus que trazemos em nós. Habituados que estamos<br />
a construir as nossas imagens a partir <strong>de</strong> raciocínios, o silêncio divino<br />
surge como um autêntico sismo que abala os fundamentos<br />
da nossa visão <strong>de</strong> Deus. Por mais sofistica<strong>das</strong> que sejam as nossas<br />
concepções, Ele é sempre diferente, Ele está sempre para lá. <strong>Não</strong> é<br />
precisamente isto que vemos em Jesus? Em que quadro mental se<br />
po<strong>de</strong>ria esgotar aquilo que proclamamos ao acreditar que o Filho<br />
<strong>de</strong> Deus se fez Homem? Que tenha assumido essa condição «até à<br />
morte e morte <strong>de</strong> cruz» (Fil 2, 8)? O Deus silêncio é, pois, sempre<br />
diferente <strong>das</strong> conceções que d’Ele temos. É um Deus, como diz<br />
alguma teologia, sub contrario (traduzindo livremente: um Deus<br />
às avessas). Talvez seja para <strong>de</strong>sconstruir os castelos em que tantas<br />
vezes enclausurámos a Deus que Ele se cala e se escon<strong>de</strong>. A sua<br />
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