Numa revolução social nas favelas do Rio ... - Comunità Italiana
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cultura<br />
“Não<br />
penso<br />
em<br />
parar”<br />
Aos 80 anos, o crítico teatral Sábato Magaldi<br />
tem muitas histórias para contar. Entre elas, não<br />
poderia faltar a que envolve sua amizade com o<br />
dramaturgo Nelson Rodrigues. Desnecessário dizer<br />
que, por conta disso, tornou-se especialista em obras<br />
rodriguia<strong>nas</strong>. Mas, segun<strong>do</strong> ele, observan<strong>do</strong> os<br />
princípios da ética profissional. “Sempre fiz crítica<br />
observan<strong>do</strong> total imparcialidade”, destaca.<br />
nay r a garoFlE<br />
Quan<strong>do</strong> deixou belo Horizonte<br />
rumo ao <strong>Rio</strong> de Janeiro,<br />
em 1950, Sábato<br />
Magaldi passou a cumprir,<br />
na então capital <strong>do</strong> país, expediente<br />
no antigo Instituto<br />
de Previdência à Assistência<br />
<strong>do</strong>s Servi<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
(Ipase). A rotina<br />
burocrática, tão alheia<br />
à vocação para o mun<strong>do</strong><br />
da arte, promoveu,<br />
no entanto, o primeiro<br />
encontro de Magaldi<br />
com o escritor Nelson Rodrigues.<br />
O relacionamento<br />
entre o crítico de teatro em<br />
início de carreira e o dramaturgo<br />
de produção polêmica<br />
tinha tu<strong>do</strong> para dar erra<strong>do</strong>.<br />
Mas entre tantos batepapos,<br />
nos cafés vespertinos em<br />
um estabelecimento em frente<br />
ao prédio da Associação brasileira<br />
de Imprensa (AbI), a amizade<br />
evoluiu. Foi selada pela ousadia<br />
<strong>do</strong> crítico em defender uma obra<br />
rejeitada pela maioria de então –<br />
Nelson era considera<strong>do</strong> polêmico<br />
ao inovar o teatro brasileiro, ao<br />
alterar toda a estrutura dramatúrgica<br />
da época. E não só: Magaldi<br />
se tornou o estudioso mais aplica<strong>do</strong><br />
das obras de Nelson, de quem<br />
organizou o Teatro Completo.<br />
Neste ano, a Festa Literária<br />
Internacional de Parati (Flip) homenageou<br />
o autor de O Beijo no<br />
Asfalto e, Magaldi, feliz com a<br />
lembrança, diz que esta foi mais<br />
<strong>do</strong> que merecida.<br />
— Não tenho dúvidas em afirmar<br />
que, até hoje, Nelson Rodrigues<br />
é nosso maior dramaturgo.<br />
Sua obra, consolidada no brasil,<br />
começa a ser encenada e admirada<br />
no exterior. Como eu o elogiava<br />
e, na imprensa, com raras<br />
exceções, ele era muito controverti<strong>do</strong>,<br />
seria impossível não nos<br />
tornarmos amigos. Nós nos telefonávamos<br />
quase que diariamen-<br />
te até a morte dele. Sinto muita<br />
falta da sua amizade — destaca.<br />
As afinidades entre os <strong>do</strong>is<br />
eram tantas que, quan<strong>do</strong> Nelson<br />
se submeteu a exames médicos,<br />
em São Paulo, foi na casa de Magaldi<br />
que se hospe<strong>do</strong>u.<br />
— A gente se divertia muito,<br />
nos bate-papos. Naturalmente,<br />
sinto falta da presença dele, que<br />
era também um estímulo para o<br />
meu trabalho — revela.<br />
Quan<strong>do</strong> começou a defender as<br />
obras rodriguia<strong>nas</strong> – que tinham<br />
foco em paixões exacerbadas,<br />
gestos exagera<strong>do</strong>s, obsessões, taras,<br />
incestos e conflitos – Magaldi<br />
estava em início de carreira como<br />
crítico <strong>do</strong> Diário Carioca. No entanto,<br />
segun<strong>do</strong> ele, nunca sofreu<br />
preconceito por analisar o teatro<br />
de Nelson em um momento em<br />
que ele era alvo de polêmicas:<br />
— Não sofri nenhum preconceito.<br />
A qualidade da dramaturgia<br />
foi o que mais me chamou atenção<br />
Bruno de Lima<br />
no teatro de Nelson. Era diferente<br />
da subliteratura que <strong>do</strong>minava<br />
os cartazes. Ele já tinha o apoio<br />
de Manuel bandeira e de outros<br />
intelectuais de valor. Além disso,<br />
Pompeu de Souza, secretário <strong>do</strong><br />
Diário Carioca, foi <strong>do</strong>s primeiros<br />
a valorizar, com inteligência, o<br />
teatro rodriguiano.<br />
Crítica amordaçada<br />
A cultura brasileira definha diante<br />
<strong>do</strong>s olhos de Sábato Magaldi –<br />
testemunha de tempos melhores.<br />
O crítico lembra que o país já teve,<br />
por exemplo, um Serviço Nacional<br />
de teatro. Mas na opinião<br />
<strong>do</strong> intelectual a força da política<br />
pública para o setor foi se dissolven<strong>do</strong><br />
em meio a uma progressiva<br />
perda de foco.<br />
— A desgraça <strong>do</strong> neoliberalismo<br />
procura, sobretu<strong>do</strong>, o lucro<br />
de privilegia<strong>do</strong>s financeiramente,<br />
esquecen<strong>do</strong> a responsabilidade<br />
plena com o país. Sinto vergonha<br />
em lembrar que até a ditadura<br />
respeitou a cultura, enquanto o<br />
neoliberalismo só tentou enterrá-la<br />
— desabafa.<br />
Sem disfarçar o tom indigna<strong>do</strong>,<br />
o crítico cobra uma revisão<br />
profunda de rumos.<br />
— Esta situação só será revertida<br />
quan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os poderes<br />
tomarem vergonha, acreditan<strong>do</strong><br />
que, sem apoio financeiro, não<br />
há como fazer arte. Os governos<br />
europeus e as fundações norteamerica<strong>nas</strong><br />
conhecem bem o problema,<br />
resolven<strong>do</strong>-o a contento<br />
— alerta, apontan<strong>do</strong> caminhos<br />
para essa mudança.<br />
Magaldi lamenta que países<br />
europeus, entre os quais a Itália,<br />
tenham deixa<strong>do</strong> de enviar<br />
à América <strong>do</strong> Sul suas melhores<br />
companhias, como o Piccolo Teatro<br />
di Milano, Vittorio Gassmann,<br />
Franca Rame e Dario Fo.<br />
— Logo depois da segunda<br />
grande guerra, a França e a Itália,<br />
sobretu<strong>do</strong>, utilizaram as temporadas<br />
teatrais no exterior para mostrar<br />
a sua força. A valorização da<br />
arte poupava-lhes as possíveis críticas<br />
pelas mortes numerosas. Mas a<br />
redução das viagens marítimas, que<br />
permitiam o transporte de cenários<br />
e vestimentas, não conseguia idêntica<br />
facilidade nos aviões. E as excursões<br />
tornaram-se extremamente<br />
dispendiosas, deixan<strong>do</strong> de ser prioritárias<br />
para os governos — explica<br />
o sempre atento observa<strong>do</strong>r das<br />
razões por detrás de tantas mudanças,<br />
nem sempre para melhor, no<br />
cenário teatral brasileiro.<br />
Por falar em Europa, o crítico<br />
admite que não se sente seguro<br />
para analisar a produção teatral<br />
italiana, mas afirma que o Piccolo<br />
Teatro di Milano, entre outros,<br />
sempre foi exemplo da importância<br />
que a Itália dá ao palco:<br />
— Pudemos aproveitar a qualidade<br />
de encena<strong>do</strong>res como Ruggero<br />
Jacobbi, A<strong>do</strong>lfo Celi, Luciano<br />
Salce e Flaminio Bollini Cerri que<br />
ampliaram a contribuição <strong>do</strong> polonês<br />
Ziembisnki.<br />
também o espaço para a crítica<br />
teatral tem se reduzi<strong>do</strong> na visão<br />
de Magaldi, que viveu uma época<br />
em que o papel <strong>do</strong> crítico na imprensa<br />
era o de ajudar o leitor a<br />
Obras fundamentais:<br />
Moderna Dramaturgia<br />
Brasileira<br />
Perspectiva<br />
223 pági<strong>nas</strong><br />
R$45<br />
Depois <strong>do</strong> Espetáculo<br />
Perspectiva<br />
344 pági<strong>nas</strong><br />
R$51<br />
Panorama <strong>do</strong> teatro<br />
brasileiro<br />
Global Editora<br />
328 pági<strong>nas</strong><br />
R$49<br />
Teatro da obsessão:<br />
Nelson Rodrigues<br />
Global Editora<br />
187 pági<strong>nas</strong><br />
R$34<br />
compreender a obra. Para ele, os<br />
jornais dispunham de mais espaço,<br />
facilitan<strong>do</strong>, no comentário<br />
crítico, a possibilidade de orientar<br />
melhor o leitor. Atualmente,<br />
segun<strong>do</strong> o escritor, os cadernos<br />
de cultura na mídia impressa não<br />
oferecem mais tanto espaço para<br />
a crítica especializada.<br />
— A arte <strong>do</strong>s palcos passou a<br />
ter de dividir espaço com a música,<br />
as artes plásticas e a televisão<br />
— constata Magaldi, que afirma<br />
sempre ter lida<strong>do</strong> muito bem com<br />
a linha tênue <strong>do</strong> relacionamento<br />
entre o crítico e os autores de<br />
obras teatrais: — Sempre fiz crítica<br />
observan<strong>do</strong> total imparcialidade<br />
e, por isso, creio que os profissionais<br />
<strong>do</strong> palco me respeitam.<br />
Itália <strong>nas</strong> veias<br />
Jornalista, professor, procura<strong>do</strong>r<br />
<strong>do</strong> Instituto Nacional de Seguridade<br />
Social (INSS) e escritor. São<br />
muitas as funções acumuladas ao<br />
longo da vida. A paixão pela arte<br />
começou ainda em belo Horizonte,<br />
numa escola italiana da qual<br />
não se lembra o nome, onde os<br />
alunos já faziam teatro.<br />
— Fiz o primário e o secundário<br />
em belo Horizonte, minha<br />
cidade natal, em grupo e ginásio<br />
italianos, que valorizavam muito o<br />
teatro. Na revista Edifício, que Wilson<br />
Figueire<strong>do</strong>, Autran Doura<strong>do</strong> e<br />
eu, entre outros amigos, criamos,<br />
logo pendi para o teatro. No <strong>Rio</strong> de<br />
Janeiro, fui redator <strong>do</strong> Diário Carioca,<br />
e comecei a fazer a coluna<br />
informativa. Pompeu de Souza, secretário<br />
<strong>do</strong> jornal e ótimo crítico,<br />
me confiou a coluna, com aprovação<br />
<strong>do</strong> meu amigo Carlos Castello<br />
branco — rememora Magaldi, sobre<br />
a sua iniciação na crítica.<br />
Mineiro de belo Horizonte,<br />
Sábato Antônio Magaldi tem ascendência<br />
italiana. Sua família<br />
tem origem no norte e no sul da<br />
Itália – os avós maternos são de<br />
Nelson Rodrigues, ao centro, entre a esposa e um amigo.<br />
Atrás, Sábato Magaldi<br />
Acervo Sábato Magalti<br />
Verona e o seu pai de Rivello, em<br />
Potenza. Casa<strong>do</strong> há quase 30 anos<br />
com a escritora catarinense Edla<br />
van Steen, o crítico tem <strong>do</strong>is filhos<br />
<strong>do</strong> primeiro casamento. Magaldi<br />
“parla l’italiano”, mas não<br />
tem cidadania.<br />
Desde jovem, Magaldi nunca<br />
esteve para<strong>do</strong>. Na década de 50,<br />
o mineiro estava em Paris estudan<strong>do</strong><br />
estética. Já nos anos 60,<br />
passou a lecionar história <strong>do</strong> teatro<br />
na Escola de Arte Dramática<br />
(EAD), em São Paulo.<br />
— Fui aluno na Sorbonne <strong>do</strong><br />
grande esteta Etienne Souriau.<br />
Mas nunca tive coragem de dizerlhe<br />
que era crítico. Voltei mais tarde<br />
como professor associa<strong>do</strong> na<br />
Sorbonne e na Universidade de Aixen-Provence.<br />
Aqui e na França, há<br />
bons e maus alunos. Depois de estudar<br />
na França, Alfre<strong>do</strong> Mesquita<br />
me recomen<strong>do</strong>u para trabalhar em<br />
O Esta<strong>do</strong> de São Paulo, onde fiz o<br />
noticiário especializa<strong>do</strong>, e depois<br />
assumi a coluna teatral <strong>do</strong> Suplemento<br />
Literário, dirigi<strong>do</strong> pelo excelente<br />
crítico Décio de Almeida<br />
Pra<strong>do</strong>. Mais tarde me tornei crítico<br />
<strong>do</strong> Jornal da tarde — conta.<br />
Hoje, o crítico e também historia<strong>do</strong>r<br />
de teatro divide o seu tempo<br />
entre <strong>Rio</strong> e São Paulo e, apesar de<br />
concordar que tem uma vida muito<br />
corrida, não pensa em parar.<br />
— Há muito tempo me aposentei<br />
no ensino, mas divi<strong>do</strong> a<br />
moradia entre São Paulo e <strong>Rio</strong>, por<br />
ser membro da Academia brasileira<br />
de Letras. Minha vida é, sim,<br />
bastante agitada e não penso em<br />
parar — afirma Magaldi que se<br />
dedica, hoje, preferencialmente,<br />
à publicação de livros. O lançamento<br />
<strong>do</strong> 16º está previsto para<br />
o próximo ano e o título é Presença<br />
<strong>do</strong> Teatro. A sua primeira obra,<br />
Panorama <strong>do</strong> Teatro Brasileiro, foi<br />
publicada em 1962. Além da produção<br />
jornalística, são 45 anos de<br />
atividade ininterrupta.<br />
44 C o m u n i t à i t a l i a n a / ag o s t o 2007<br />
a g o s t o 2007 / Co m u n i t à i t a l i a n a 45