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Ano 10 n.2 maio/agosto 2001 - Senac

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A retomada das terras ancestrais dos guaranis kaiowás do Mato Grosso do Sul permite<br />

aos índios resgatar seu modo tradicional de vida, reduzindo o elevado índice de<br />

suicídios entre os jovens.<br />

As estrelas parecem astros leves e<br />

sensuais, exercendo a dança da<br />

solidariedade no céu do Mato Grosso<br />

do Sul, voluntárias em manter o<br />

equilíbrio, a beleza e a harmonia com<br />

a lua, nas noites que iluminam as<br />

danças e os cânticos nas aldeias<br />

kaiowás. Cá na terra os índios cantam,<br />

dançam e brincam, como crianças, até<br />

o amanhecer quando, então, despedem-se<br />

do show, como as estrelas,<br />

para que o sol seja novamente o dono<br />

da festa.<br />

Mas não foi sempre assim. Há mais<br />

de 20 anos essa nação indígena sofria<br />

com a freqüência com que seus<br />

jovens guerreiros e mulheres se<br />

suicidavam. Desde 1986,<br />

foram registrados 3<strong>10</strong><br />

casos de suicídio, a<br />

<strong>maio</strong>ria de moças e<br />

rapazes, sem horizontes<br />

ou perspectivas.<br />

Mas o<br />

retorno dos índios<br />

às suas antigas<br />

terras vem<br />

reduzindo drasticamente<br />

os casos<br />

de suicídio, hoje<br />

praticamente inexistentes.<br />

“Hoje, o kaiowá ou luta<br />

ou morre”. “Onde ele<br />

conquista sua terra sagrada de<br />

volta, ele não se mata”, resume com<br />

objetividade o cacique e pajé Marcos<br />

Verão, 68 anos, da Aldeia Takuára.<br />

Quando os primeiros raios de sol<br />

penetram na oca do cacique Marcos<br />

Verão, a realidade e o imaginário<br />

parecem se misturar. A oca lembra<br />

um barraco pobre de favela urbana,<br />

em uma dura constatação da<br />

intromissão branca, que se revela na<br />

panela quebrada de aço, no colchão<br />

velho e roto como o casaco do<br />

cacique. Apesar de tudo, continuam<br />

vivos os traços indígenas.<br />

O velho cacique é um homem<br />

valente, um guerreiro que está em<br />

quase todas as lutas de retomada das<br />

terras indígenas. Ele é o chefe da<br />

Aldeia Takuára, uma área de conflito<br />

de 9.000 hectares entre os municípios<br />

de Juti e Caarapó, no Mato Grosso do<br />

Sul. Sua mulher, Júlia Cavallero, de<br />

54 anos, coloca carinhosamente no<br />

rosto do cacique as pinturas de guerra.<br />

No chão da moradia, neto e filhos<br />

também se preparam para iniciar o dia.<br />

“Aqui a gente sempre se pinta”, diz o<br />

cacique, que descreve também a vida<br />

das crianças e jovens na aldeia: “As<br />

crianças estudam todos os dias, mas<br />

também aprendem o guarani, os<br />

cânticos, as danças; ensinamos a<br />

atirar, fazer arco e flecha. Aprendem a<br />

lutar, a resistir”.<br />

Expulsos das aldeias<br />

O Mato Grosso do Sul é o estado que<br />

tem a segunda <strong>maio</strong>r população<br />

indígena do Brasil: são cerca de 55<br />

mil índios divididos entre guaranis<br />

(kaiowás e wandevas), guatós (índios<br />

canoeiros), terenas, kadiuéis (índios<br />

cavaleiros), ofaiés e alguns kinikinaus.<br />

Há aproximadamente 200 anos, os<br />

guaranis chegaram a ocupar 25% do<br />

Mato Grosso do Sul , possuindo cerca<br />

de 8,7 milhões de hectares.<br />

Atualmente, os guaranis formam a<br />

<strong>maio</strong>ria da população indígena do<br />

estado, principalmente kaiowás, que<br />

se distribuem por 28 pequenas áreas<br />

indígenas demarcadas pelo governo,<br />

através de órgãos como o Serviço de<br />

Proteção ao Índio (SPI) e, posteriormente,<br />

a Fundação Nacional do Índio<br />

(Funai).<br />

O processo de criação das<br />

reservas indígenas em<br />

Mato Grosso do Sul<br />

teve início no final da<br />

década de 20,<br />

quando os guaranis<br />

começaram<br />

a ser expulsos de<br />

suas terras e<br />

usados como escravos<br />

na implantação<br />

de fazendas<br />

de erva mate nativa.<br />

Para mudar tal<br />

situação, o governo<br />

brasileiro, nas décadas<br />

de 30 e 40, através do<br />

Serviço de Proteção ao Índio<br />

(SPI), removeu os índios guaranis<br />

para oito reservas demarcadas,<br />

pequenos espaços cedidos — cerca<br />

de 1,5 hectare por índio. O processo<br />

de reforma agrária do presidente<br />

Getúlio Vargas, em 1940, também<br />

desconsiderou as terras indígenas<br />

originais. Atualmente, os índios<br />

ocupam menos de um por cento das<br />

suas antigas terras.<br />

Mas não foram só os guaranis que<br />

foram expulsos de suas aldeias, e sim<br />

índios de todas as demais nações<br />

indígenas. Hoje, o Mato Grosso do Sul<br />

é o estado com a <strong>maio</strong>r concentração<br />

<strong>Senac</strong> e Educação Ambiental 13 <strong>Ano</strong> <strong>10</strong> • <strong>n.2</strong> • <strong>maio</strong>/<strong>agosto</strong> de <strong>2001</strong>

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