Ano 10 n.2 maio/agosto 2001 - Senac
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Kristina<br />
Michahelles*<br />
Não sou das mais otimistas quanto ao<br />
futuro do nosso planeta. É pesado<br />
demais o legado que deixaremos aos<br />
nossos filhos e netos. Mas é preciso<br />
reconhecer as iniciativas e os esforços<br />
para minorar a destruição ambiental.<br />
Assim como esta crise de energia vem<br />
nos ensinando muito sobre desperdício<br />
e eficiência, consumidores e investidores<br />
ao redor do globo estão cada vez mais<br />
vigilantes. Pressionam governos e<br />
empresários a adotarem novas regras<br />
nos processos de produção de bens e<br />
serviços. Aplicam seu dinheiro em<br />
negócios “éticos”. “Investimentos<br />
socialmente responsáveis (em inglês,<br />
SRI: socially responsible investment)”,<br />
“produção e consumo sustentáveis”,<br />
“responsabilidade social nos negócios”<br />
não são apenas expressões novas no<br />
mercado. Revelam uma tendência que<br />
se instala de forma irreversível também<br />
no Brasil.<br />
O mercado, que não é bobo, sempre<br />
antecipa os movimentos. Só nos Estados<br />
Unidos, o total de recursos financeiros<br />
em fundos desta natureza chegou a US$<br />
2,2 trilhões no ano passado, segundo a<br />
entidade Social Investment Forum, de<br />
Washington. É uma fábula. Um único<br />
fundo, o Domini, movimenta US$ 1bilhão<br />
por ano.<br />
No Brasil, não há estimativa do valor de<br />
negócios deste tipo. No mercado<br />
financeiro, a avaliação de desempenho<br />
das empresas vem incorporando<br />
critérios sociais e ambientais, além dos<br />
econômicos. Um dos principais conglomerados<br />
financeiros brasileiros<br />
detectou o crescente filão de pessoas<br />
preocupadas em aplicar o seu dinheiro<br />
apenas em negócios ambientalmente<br />
sadios. Há alguns meses, a corretora do<br />
Unibanco vem produzindo relatórios<br />
para acionistas que incluem dados<br />
relativos ao engajamento social e<br />
ambiental de grandes empresas, como<br />
Companhia Siderúrgica de Tubarão,<br />
Perdigão, Sadia, Ultrapar e Pão de<br />
Açúcar.<br />
Supermercados, aliás, são um exemplo<br />
interessante. Segundo a administradora<br />
de empresas Patrícia Almeida Ashley,<br />
que escreve sua tese de doutorado sobre<br />
os negócios socialmente responsáveis,<br />
os supermercados ocupam um lugar<br />
estratégico da rede de negócios de<br />
abastecimento alimentar em áreas<br />
urbanas. Nos supermercados converge<br />
o conhecimento sobre o consumo/<br />
demanda e a produção/oferta. Já<br />
existem no mundo algumas redes de<br />
supermercados chamados “éticos”. Eles<br />
valorizam os processos de produção e<br />
consumo que minimizem o uso de<br />
recursos naturais, materiais tóxicos e<br />
emissões de poluentes e desperdício ao<br />
longo do ciclo de vida. Selecionam e<br />
orientam fornecedores e agregam valor<br />
à sua marca através da educação do<br />
consumidor no sentido de orientá-lo<br />
sobre os riscos e benefícios dos<br />
alimentos e informá-lo sobre a origem<br />
dos mesmos.<br />
No ano passado, o primeiro Concurso<br />
de Negócios Ambientais da América<br />
Latina, promovido pelo programa New<br />
Ventures do World Resources Institute,<br />
selecionou oito projetos de empresas<br />
com preocupação ambiental. Entre eles,<br />
o projeto que usa fibra de coco para<br />
produzir estofamentos de carros, sofás<br />
e colchões e substituir o tradicional<br />
xaxim na jardinagem, da Ouro Fértil<br />
Agropecuária; a lavoura orgânica da<br />
colombiana Café Mesa de Los Santos; e<br />
o equipamento da argentina Ferfimac<br />
que reduz em mais de 80% as emissões<br />
dos carros. Trata-se de nichos ecológicos<br />
cada vez mais lucrativos, como<br />
garante – de cadeira – John Forgách,<br />
diretor da administradora de capitais<br />
A2R, especializada em fundos<br />
ambientais.<br />
Por incrível que pareça, muita gente com<br />
poder decisório ainda não se deu conta<br />
da revolucionária mudança de paradigmas<br />
que faz deste o século da<br />
ecologia. Pautada pela escassez, a<br />
transformação do comportamento de<br />
indivíduos, coletivos, empresas e<br />
governos é inexorável – porém lenta<br />
demais. Infelizmente, enquanto a oferta<br />
é <strong>maio</strong>r do que a procura, bens como o<br />
ar, o verde, a água e o silêncio continuarão<br />
sendo desperdiçados. Se a revolução<br />
tecnológica engendrada pela<br />
crise é capaz de reverter a degradação,<br />
só o tempo dirá.<br />
* Jornalista especializada em<br />
economia e meio ambiente, foi editora<br />
do Caderno Ecologia do JB,<br />
correspondente da revista Veja em<br />
Berlim e colunista de meio ambiente.<br />
Foto: Vanor Correia<br />
<strong>Ano</strong> <strong>10</strong> • <strong>n.2</strong> • <strong>maio</strong>/<strong>agosto</strong> de <strong>2001</strong> 62 <strong>Senac</strong> e Educação Ambiental