a teoria ferencziana do trauma - Instituto de Psicologia da UFRJ
a teoria ferencziana do trauma - Instituto de Psicologia da UFRJ
a teoria ferencziana do trauma - Instituto de Psicologia da UFRJ
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> <strong>de</strong>scrédito (ou <strong>do</strong> <strong>de</strong>smenti<strong>do</strong>) é uma elaboração teórica complexa<br />
que tenta <strong>da</strong>r conta <strong>de</strong>sta <strong>teoria</strong> <strong>do</strong> <strong>trauma</strong>, <strong>de</strong>linean<strong>do</strong> com maior precisão os fios<br />
condutores que <strong>de</strong>la fazem parte. Neste mo<strong>de</strong>lo, a potência <strong>trauma</strong>tizante <strong>de</strong> um evento<br />
está na incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> (ou falha) em um objeto primário funcionar como media<strong>do</strong>r <strong>de</strong><br />
senti<strong>do</strong> para uma criança, que se vê “embaraça<strong>da</strong>” pela incompreensão em relação<br />
àquele evento. Esta falha objetal atingiria seu ápice no movimento <strong>do</strong> <strong>de</strong>scrédito: isto é,<br />
ao adulto <strong>de</strong>sacreditar a criança <strong>de</strong> que tal situação ocorreu, negan<strong>do</strong> esta experiência e<br />
silencian<strong>do</strong>-a categoricamente. Veremos que as consequências provoca<strong>da</strong>s pelo<br />
<strong>de</strong>scrédito são tão nefastas, que o próprio indivíduo é nega<strong>do</strong> enquanto sujeito <strong>da</strong><br />
experiência: isto é, tanto a experiência é aniquila<strong>da</strong> <strong>de</strong> seu universo psíquico, quanto ele,<br />
enquanto sujeito, é <strong>de</strong>sapropria<strong>do</strong> <strong>da</strong>quela experiência e <strong>da</strong> posse <strong>de</strong>ste universo,<br />
tornan<strong>do</strong>-se seriamente prejudica<strong>do</strong> na capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se apossar <strong>de</strong> suas experiências. A<br />
clivagem narcísica, mecanismo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa ativa<strong>do</strong> nesta situação traumática, produz<br />
meios com os quais o aparelho psíquico po<strong>de</strong> manter <strong>de</strong> alguma forma a sua<br />
integri<strong>da</strong><strong>de</strong>, ao custo <strong>de</strong> haver uma si<strong>de</strong>ração <strong>do</strong> mais íntimo sentimento <strong>de</strong> si.<br />
Apesar <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> <strong>trauma</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>scrédito abrir possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> para outros tipos<br />
<strong>de</strong> eventos, Ferenczi trabalhou basicamente com casos <strong>de</strong> violência sexual. Em alguns<br />
<strong>de</strong> seus relatos, o abuso é um acontecimento tão sórdi<strong>do</strong> e vergonhoso, que ninguém<br />
consegue oferecer à criança violenta<strong>da</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> amparo, preferin<strong>do</strong> negar que<br />
tal evento tenha, <strong>de</strong> fato, ocorri<strong>do</strong>. Po<strong>de</strong>mos encontrar na literatura atual e fora <strong>do</strong><br />
círculo psicanalítico estu<strong>do</strong>s que indicam a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> que uma criança tem em revelar<br />
ser vítima <strong>de</strong> abuso sexual, assim como a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s responsáveis por ela<br />
conseguirem aceitar e manejar tal revelação. Não é raro haverem relatos <strong>de</strong> casos em<br />
que uma mãe se silencia em relação aos abusos cometi<strong>do</strong>s contra seu filho ou sua filha<br />
por um pai ou padrasto, por este sustentar financeiramente a família ou por ela ter me<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> agressor. A multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> possíveis causas que se correlacionam quanto a este<br />
silêncio <strong>da</strong> mãe, no entanto, não se esgotam com estas duas explicações aqui<br />
explicita<strong>da</strong>s. Cabe ain<strong>da</strong> lembrar que, em outros casos, o agressor impõe o silêncio à<br />
criança, asseguran<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> que ela não diga a ninguém o que foi cometi<strong>do</strong>. À guisa <strong>de</strong><br />
ilustração <strong>de</strong>sta situação, Santos & Dell’Aglio (2010) dizem que “(...) o pacto <strong>de</strong><br />
silêncio entre abusa<strong>do</strong>r e vítima <strong>de</strong>squalifica as revelações, favorecen<strong>do</strong> a negação <strong>da</strong>s<br />
evidências e sinais <strong>do</strong> abuso em nome <strong>da</strong> fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> e união familiar” (p. 330). Estes<br />
autores trazem um termo que consi<strong>de</strong>ro altamente pertinente para <strong>de</strong>screver o<br />
2