a teoria ferencziana do trauma - Instituto de Psicologia da UFRJ
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<strong>de</strong> maneira clara, que a contratransferência é uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> muito mais <strong>de</strong>cisiva que<br />
gostaríamos <strong>de</strong> admitir, e que a hipocrisia profissional seria uma forma <strong>de</strong> nos<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rmos <strong>de</strong>sta reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Esta trilha leva, inevitavelmente, à questão <strong>da</strong> análise<br />
didática e, principalmente, à resistência <strong>do</strong> analista: “É aí que nos <strong>de</strong>frontamos com<br />
resistências não <strong>de</strong>sprezíveis, não as <strong>do</strong> paciente, mas as nossas próprias<br />
resistências...” (FERENCZI, 1933/1992, p. 99).<br />
É interessante notarmos a trajetória <strong>de</strong> Ferenczi na tentativa <strong>de</strong> solucionar o<br />
problema <strong>da</strong> hipocrisia na relação analítica. Primeiramente, em 1930, ele consi<strong>de</strong>ra<br />
confessar um erro quase como um “truque” para se angariar a confiança <strong>do</strong> analisan<strong>do</strong>.<br />
Em 1931, por sua vez, falar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> a este torna-se uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> técnica. Mas é<br />
em 1933 que ele compreen<strong>de</strong>, enfim, que a disposição franca e sincera, por parte <strong>do</strong><br />
analista, não é algo plástico, que possa ser maneja<strong>do</strong>, usa<strong>do</strong> ou dissimula<strong>do</strong>. Não é um<br />
jogo ou uma habili<strong>da</strong><strong>de</strong> que po<strong>de</strong> ser adquiri<strong>da</strong> ou uma representação que po<strong>de</strong> ser<br />
encena<strong>da</strong>. Isto porque ele se mostra convenci<strong>do</strong> <strong>de</strong> que o paciente consegue perceber, <strong>de</strong><br />
alguma forma, quan<strong>do</strong> a falta <strong>de</strong> sinceri<strong>da</strong><strong>de</strong> se instala na relação. Vejamos o que ele<br />
diz:<br />
Os pacientes não se impressionam com uma<br />
expressão teatral <strong>de</strong> pie<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas apenas com uma<br />
simpatia autêntica. Não sei se a reconhecem no tom<br />
<strong>da</strong> nossa voz, na escolha <strong>de</strong> nossas palavras, ou <strong>de</strong><br />
alguma outra maneira. Seja como for, adivinham, <strong>de</strong><br />
um mo<strong>do</strong> quase extra-lúci<strong>do</strong>, os pensamentos e as<br />
emoções <strong>do</strong> analista. Não me parece possível<br />
enganar o <strong>do</strong>ente a esse respeito, e as consequências<br />
<strong>de</strong> to<strong>da</strong> tentativa <strong>de</strong> logro só po<strong>de</strong>riam ser<br />
lamentáveis (FERENCZI, 1933/1992, p. 101).<br />
Desnecessário dizer que esta facul<strong>da</strong><strong>de</strong>, que consiste no sujeito <strong>de</strong> alguma forma<br />
“adivinhar” os sentimentos <strong>do</strong> outro através <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ntificação, é algo existente na vi<strong>da</strong><br />
infantil <strong>de</strong> maneira bem intensa 10 , e é um elemento importante para enten<strong>de</strong>rmos a<br />
10 Ferenczi <strong>de</strong>fendia esta posição, na qual a criança é <strong>de</strong>tentora <strong>de</strong> uma sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> muito especial em<br />
relação aos outros; sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que, a princípio, é comum às pessoas, mas que elas per<strong>de</strong>m com o passar<br />
<strong>do</strong>s anso. Ele faz um paralelo entre esta capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> criança e os supostos po<strong>de</strong>res mediúnicos <strong>de</strong> certos<br />
sujeitos: “A i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> (consistência) ain<strong>da</strong> meio dissolvi<strong>do</strong> <strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong> infantil leva então a<br />
imaginação a supor que o contato <strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong> infantil com o universo e assim, portanto, que a sua<br />
sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> é muito maior <strong>do</strong> que a <strong>do</strong>s adultos, que a cristalização tornou rígi<strong>da</strong>; por isso não nos<br />
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