a teoria ferencziana do trauma - Instituto de Psicologia da UFRJ
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criança (<strong>da</strong><strong>do</strong> que ela ain<strong>da</strong> vive na linguagem <strong>da</strong> ternura), esta última começa a se<br />
culpar pelo que ocorreu. Vejamos:<br />
O comportamento <strong>da</strong>s pessoas investi<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />
autori<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma vez cometi<strong>do</strong> o ato (silêncio,<br />
<strong>de</strong>smenti<strong>do</strong>, conduta ansiosa), soma<strong>do</strong> às ameaças<br />
dirigi<strong>da</strong>s à criança, é apropria<strong>do</strong> para sugerir à<br />
criança a consciência <strong>de</strong> sua própria culpa e <strong>de</strong> sua<br />
cumplici<strong>da</strong><strong>de</strong> (FERENCZI, 1932/1990, p. 238).<br />
Aí resi<strong>de</strong> a confusão <strong>de</strong> línguas para a criança. Se, por parte <strong>do</strong> adulto, esta<br />
confusão <strong>de</strong>signa o seu movimento <strong>de</strong> interpretação <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> infantil a partir <strong>do</strong>s<br />
referenciais <strong>da</strong> linguagem <strong>da</strong> paixão, no caso <strong>da</strong> criança, ela busca, a partir <strong>de</strong> seus<br />
referenciais, interpretar o sentimento <strong>de</strong> culpa edipiano <strong>do</strong> adulto. Tal esforço, no<br />
entanto, não é sucessivo – porquanto a culpa edípica seja incompreensível a este sujeito<br />
que não passou ain<strong>da</strong> pela castração -, o que resultará em um esta<strong>do</strong> confusional<br />
angustiante. A criança vê-se psiquicamente viola<strong>da</strong> por um conjunto <strong>de</strong> experiências<br />
que não consegue encontrar senti<strong>do</strong>.<br />
E é então que ela busca um outro adulto que não o agressor para narrar o que lhe<br />
aconteceu, com o objetivo <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r esta experiência. Esta é uma tentativa <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>satar as línguas que se misturaram e se confundiram; uma tentativa, enfim, <strong>de</strong><br />
encontrar algum posicionamento possível frente à culpa edípica apaixona<strong>da</strong>. Este<br />
movimento feito pela criança consiste em realizar uma introjeção <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>.<br />
O cenário <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> <strong>de</strong>scrédito termina <strong>de</strong> maneira imprevista. A criança<br />
narra o ocorri<strong>do</strong> a este outro adulto que reage, por sua vez, <strong>de</strong> uma forma inconcebível<br />
ao infante: choca<strong>do</strong> e perplexo, não aceitan<strong>do</strong> a narrativa <strong>da</strong> agressão e não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong><br />
tolerar a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> mesma, o adulto <strong>de</strong>smente, nega... enfim,<br />
<strong>de</strong>sacredita a criança <strong>de</strong> sua própria experiência, relegan<strong>do</strong> esta ao não-registro <strong>do</strong> nãoaconteci<strong>do</strong>.<br />
O que a criança passou e o que sofreu são nega<strong>do</strong>s; a sua necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r – isto é, <strong>de</strong> introjetar -, é barra<strong>da</strong>; dizer qualquer palavra sobre o<br />
acontecimento é proibi<strong>do</strong>. O <strong>de</strong>scrédito lança a criança ao <strong>de</strong>samparo. Neste esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
coisas, a sua saí<strong>da</strong> será encontrar alguma maneira <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> continuar<br />
sobreviven<strong>do</strong>. A clivagem psíquica será a medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa encontra<strong>da</strong>.<br />
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