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a teoria ferencziana do trauma - Instituto de Psicologia da UFRJ

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1.6. Duas crianças: <strong>da</strong> solidão traumática à análise mútua<br />

Freud postulou que o aparelho psíquico, ao ser invadi<strong>do</strong> por uma excitação <strong>de</strong> tal<br />

forma excessiva que rompe as barreiras <strong>de</strong> proteção, inicia um processo para li<strong>da</strong>r com<br />

tal invasão: a energia psíquica <strong>de</strong> outras ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s é remaneja<strong>da</strong> para tamponar, <strong>de</strong><br />

alguma forma, o influxo <strong>da</strong>quela excitação, com a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tentar suprimir ou, ao<br />

menos, reduzir o <strong>da</strong>no ao psiquismo (FREUD, 1920/2006). Freud <strong>de</strong>signa esta operação<br />

como "contra-investimento" (ou "anti-catexia").<br />

Ferenczi utiliza-se <strong>de</strong>sta noção e coloca-a em um âmbito relacional. Ele nos diz<br />

que, após a ocorrência <strong>da</strong> agressão sexual, o amparo e acolhimento que um adulto po<strong>de</strong><br />

dispensar à criança funciona como um contra-investimento, <strong>da</strong>n<strong>do</strong> "espaço" ao infante<br />

para reconstituir-se e recuperar-se (FERENCZI, 1932/1990). Vejamos:<br />

O socorro que oferece o regaço materno e o amplexo<br />

<strong>de</strong> braços sóli<strong>do</strong>s permite um relaxamento completo,<br />

mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um <strong>trauma</strong> arrasa<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> tal sorte<br />

que as forças próprias <strong>da</strong> pessoa abala<strong>da</strong>, não<br />

perturba<strong>da</strong>s por tarefas exteriores <strong>de</strong> precaução ou<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, po<strong>de</strong>m ser consagra<strong>da</strong>s, sem se dispersar,<br />

à tarefa interior <strong>de</strong> reparação <strong>da</strong>s perturbações<br />

funcionais causa<strong>da</strong>s pela penetração inespera<strong>da</strong><br />

(FERENCZI, 1932/1990, p. 104).<br />

Conforme vimos, o adulto que a criança busca não oferece este continente. Não<br />

<strong>da</strong>n<strong>do</strong> amparo, resta o <strong>de</strong>samparo. O <strong>de</strong>scrédito con<strong>de</strong>na a criança ao silêncio e à<br />

solidão. Tanto ao silêncio traumático - fruto <strong>de</strong> uma incorporação -, quanto à solidão<br />

traumática - que <strong>da</strong>rá as condições para o estabelecimento <strong>da</strong> clivagem narcísica:<br />

"ESTAR SÓ conduz à clivagem" (FERENCZI, 1932/1990, p. 248). Investigaremos tanto<br />

este mecanismo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa arcaico quanto o mecanismo <strong>de</strong> incorporação <strong>de</strong> maneira<br />

aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong> no quarto capítulo, mas vale <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já <strong>de</strong>stacar que a clivagem dividirá a<br />

criança entre uma personali<strong>da</strong><strong>de</strong> que aju<strong>da</strong> e protege aquela outra personali<strong>da</strong><strong>de</strong> que<br />

precisa ser aju<strong>da</strong><strong>da</strong> e protegi<strong>da</strong>. É como se, não ten<strong>do</strong> ninguém para ampará-la, ela<br />

produzisse uma forma artificial <strong>de</strong> ela própria se aju<strong>da</strong>r, transforman<strong>do</strong>-se não obstante<br />

em um outro. Desta forma, po<strong>de</strong>mos concluir que a catástrofe <strong>do</strong> <strong>trauma</strong> <strong>de</strong>strói a<br />

relação objetal, reconstruin<strong>do</strong>-a como uma relação narcísica (BOKANOWSKI, 2002/3).<br />

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