a teoria ferencziana do trauma - Instituto de Psicologia da UFRJ
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CAPÍTULO III: INTROJEÇÃO<br />
3.1. Argumento<br />
Freud faz uma revelação importante sobre os basti<strong>do</strong>res <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> um<br />
conceito científico, na introdução ao seu trabalho metapsicológico <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à <strong>de</strong>scrição<br />
<strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> pulsão. Diz-nos ele que, a princípio, é inevitável que uma i<strong>de</strong>ia tenha<br />
“certo grau <strong>de</strong> in<strong>de</strong>finição” (FREUD, 1915/2004, p. 145), sen<strong>do</strong> portanto obscura e<br />
pouco <strong>de</strong>limita<strong>da</strong>. O constante diálogo com o material empírico e com o restante <strong>do</strong><br />
sistema teórico é que possibilita, ao longo <strong>do</strong> tempo, que o conceito fique mais robusto<br />
– isto é, que tenha sua <strong>de</strong>limitação mais clara, fican<strong>do</strong> assim livre <strong>de</strong> contradições, e<br />
que, por fim, se transforme em <strong>de</strong>finição, assumin<strong>do</strong> para si uma posição precisa no<br />
quadro teórico <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> saber.<br />
Se esta observação é excelente para nos introduzir no estu<strong>do</strong> sobre a pulsão, é<br />
também bastante apropria<strong>do</strong> mantermos ela em mente ao nos <strong>de</strong>bruçarmos sobre o<br />
conceito <strong>de</strong> introjeção, proposto por Ferenczi em <strong>do</strong>is artigos 16 . De fato, este conceito<br />
ren<strong>de</strong>u um número substancial <strong>de</strong> contradições e equívocos, e foi usa<strong>do</strong><br />
indiscrimina<strong>da</strong>mente por diversos autores, a começar pelo seu próprio cria<strong>do</strong>r, passan<strong>do</strong><br />
por Freud, (Karl) Abraham, Klein, entre outros. Ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les utilizou-se <strong>de</strong>ste termo<br />
<strong>de</strong> maneira idiossincrática, diluin<strong>do</strong> suas fronteiras e lançan<strong>do</strong>-o ca<strong>da</strong> vez mais à<br />
in<strong>de</strong>terminação.<br />
A preocupação <strong>de</strong> certos autores (especificamente, Maria Torok e Nicolas<br />
Abraham) por uma retoma<strong>da</strong> que visasse esclarecer e <strong>de</strong>limitar o conceito <strong>de</strong> introjeção<br />
veio por conta <strong>de</strong> uma problematização <strong>do</strong> conceito na <strong>teoria</strong> <strong>do</strong> <strong>trauma</strong> <strong>de</strong> Ferenczi. Ele<br />
observa que a criança, como forma <strong>de</strong> reação ao evento traumático, realiza uma<br />
“introjeção <strong>do</strong> sentimento <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> adulto” (FERENCZI, 1933/1992, p. 102). Este<br />
movimento psíquico terá como consequência a clivagem <strong>do</strong> eu, um <strong>do</strong>s <strong>da</strong>nos mais<br />
nefastos que inci<strong>de</strong>m no psiquismo <strong>do</strong> sujeito <strong>trauma</strong>tiza<strong>do</strong>. Pinheiro (1995) afirmará<br />
que não é a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> o uso <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> introjeção aqui, pois o que ocorre, <strong>de</strong> fato, é<br />
“a ausência propriamente dita <strong>de</strong> introjeção” (PINHEIRO, 1995, p. 52). O conceito<br />
que, por sua vez, se tornará fun<strong>da</strong>mental para explicar esta relação <strong>da</strong> criança com o<br />
sentimento <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> adulto será o <strong>de</strong> incorporação, que veremos no próximo<br />
capítulo.<br />
16 “Transferência e introjeção” (1909) e “O conceito <strong>de</strong> introjeção” (1912).<br />
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