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a teoria ferencziana do trauma - Instituto de Psicologia da UFRJ

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como uma mentira absoluta a narrativa <strong>da</strong> criança, enterran<strong>do</strong> o aconteci<strong>do</strong> no limbo,<br />

proibin<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> existir e <strong>de</strong> ser inscrito psiquicamente (PINHEIRO, 1995).<br />

Como sabemos, o fator surpresa é um elemento essencial na dinâmica <strong>do</strong><br />

<strong>trauma</strong>tismo. Quan<strong>do</strong> o adulto intervém com o <strong>de</strong>scrédito sobre a narrativa <strong>da</strong> criança,<br />

esta última é toma<strong>da</strong> por uma intensa surpresa que se <strong>de</strong>genera em um esta<strong>do</strong><br />

confusional. Tal esta<strong>do</strong> forma o campo por excelência on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bram os<br />

movimentos psíquicos que são mobiliza<strong>do</strong>s pelo <strong>de</strong>scrédito, e que produzirão mórbi<strong>da</strong>s<br />

alterações no psiquismo <strong>da</strong> criança. Para esta última, era literalmente inconcebível que a<br />

sua narrativa fosse recebi<strong>da</strong> <strong>da</strong> maneira como o adulto que <strong>de</strong>sacredita o faz. Neste<br />

senti<strong>do</strong>, a criança, ao ser surpreendi<strong>da</strong> por esta atitu<strong>de</strong>, passa a ficar completamente<br />

perdi<strong>da</strong> e com menos capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> ain<strong>da</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o que está ocorren<strong>do</strong> à sua volta e<br />

consigo mesma. Vejamos:<br />

O protótipo <strong>de</strong> to<strong>da</strong> confusão é estar “perdi<strong>do</strong>”<br />

quanto à confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma pessoa ou <strong>de</strong> uma<br />

situação. Estar perdi<strong>do</strong> é: ter-se engana<strong>do</strong>; alguém,<br />

por sua atitu<strong>de</strong> ou suas palavras, fez “cintilar” uma<br />

certa relação afetiva; o momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>svario<br />

intervém quan<strong>do</strong> se vai ao encontro <strong>de</strong> uma situação<br />

com uma certa representação antecipa<strong>da</strong> e, no lugar<br />

disso, encontra-se uma outra coisa, frequentemente o<br />

oposto; portanto: ser surpreendi<strong>do</strong> por alguma coisa<br />

(FERENCZI, 1932/1990, p. 84-5).<br />

Neste momento, um <strong>do</strong>s maiores abalos na relação entre ambos – adulto que<br />

<strong>de</strong>sacredita e criança que é <strong>de</strong>sacredita<strong>da</strong> – é a confiança que antes sustentava tal<br />

relação: “diante <strong>do</strong> <strong>de</strong>smenti<strong>do</strong> a criança fica confusa. Será o adulto ou será ela que<br />

não merece confiança?” (PINHEIRO, 1995, p. 82). É a partir <strong>da</strong>í, <strong>de</strong>ste esta<strong>do</strong><br />

confusional, que a criança encontra, como solução, incorporar o ocorri<strong>do</strong> e o<br />

sentimento <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> agressor, calan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> uma vez por to<strong>da</strong>s. Neste senti<strong>do</strong>, a<br />

questão que a assombra – se é o adulto ou ela que não merece confiança – é respondi<strong>do</strong><br />

<strong>da</strong> seguinte maneira: é ela, a criança, que não merece confiança. Pois, afinal, após o<br />

<strong>de</strong>scrédito, a criança já não é mais capaz <strong>de</strong> sentir convicção no que lhe aconteceu. Pior:<br />

ela per<strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> segurança em afirmar a experiência e afirmar-se enquanto<br />

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